Certas coisas escrita por Jude Melody


Capítulo 2
Ato II




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A sétima insígnia não o fez mais feliz. Fazia meses que viajava sozinho, enfrentando os líderes de ginásio de cada cidade por onde passava. Mas não estava feliz. Ele sentia falta dela. Sentia falta de seu sorriso. De sua voz. De suas provocações. De seus lábios.

Teria sido diferente se ele a tivesse beijado naquele último dia em que ela esteve a seu alcance? Será que ela teria ficado se ele tivesse dito que a amava e a queria por perto? Será que ela o amava também? Ele não sabia.

Era véspera de Natal agora, e sua mãe ligou para pedir que ele voltasse para casa. O garoto sentia falta dela também, mas seria impossível retornar a sua cidade de origem em tão pouco tempo. Prometeu que estaria lá no Ano Novo.

Quando desligou o telefone, dirigiu-se ao sofá e se jogou sobre as almofadas, exausto. O rato amarelo sentou-se ao seu lado e deitou a cabeça sobre sua coxa, choramingando baixinho. Sentia a dor de seu mestre, mas não sabia como amenizá-la. No fundo, a ausência da ruiva também o afetava. Os dois amigos compartilhavam da mesma tristeza.

O treinador fechou os olhos e respirou fundo. Lembrou-se das noites de Natal que passara na casa da amiga de infância. Lembrou-se dela cantando as músicas. Como era linda a sua voz! As canções o preenchiam com tanta alegria, com tanta esperança, com tanto... Amor... Sim, ele se lembrava de tudo. Fora na música que ele descobrira seu sentimento mais lindo. E agora esse sentimento queria guiá-lo para o local em que ele queria estar.

 

Eu te amo calado

como quem ouve uma sinfonia

 

A neve densa não o impediu de prosseguir viagem. Ele pediu ajuda a seus monstrinhos, e todos se prontificaram a ajudá-lo. Mesmo com todo esse apoio e carinho, não foi possível completar a missão no tempo desejado. Ele só chegou a seu destino dois dias depois do Natal. Cansado e dolorido, o garoto apertou o embrulho amassado em suas mãos.

Mas, antes, era preciso visitar sua mãe. Ela o recebeu com um abraço apertado. Foi logo trazendo um cobertor e um copo de chocolate quente. Na verdade, dois copos, pois o ratinho também estava com frio. Enquanto esperava o jantar no sofá da sala, o garoto sorria. Era bom estar em casa. Era bom sentir os cheiros familiares que sempre associara à sua mãe, ao seu lar.

Dormiu como uma pedra na cama arrumada. Seu quarto estava exatamente do mesmo jeito que deixara vários meses atrás. O porta-retratos com a foto da época da escola ainda estava sobre a escrivaninha. Apenas ele e ela sorrindo para a câmera. O braço dele sobre os ombros dela. Dois bons amigos divertindo-se em uma tarde de primavera.

Quando o dia amanheceu, ele saiu de casa correndo, deixando o fiel monstrinho amarelo para trás. Certas coisas se deve fazer sozinho. Reunir coragem para declarar seu amor era uma delas. Pegou um ônibus e se deixou levar até a cidade para onde a ruiva fora levada depois que seus pais se foram. A cidade azul. O último ginásio.

Chegou ao prédio já abrindo as portas e fazendo estardalhaço. O local era bem maior que os outros ginásios. Não tinha apenas o campo de batalha, mas um aquário inteiro. Depois de correr para cá e para lá, finalmente encontrou uma enorme piscina, como aquela da época da escola. Sentada na borda, uma jovem ruiva balançava os pés dentro da água.

O treinador não coube em si de tanta felicidade. Queria correr até ela, abraçá-la, beijá-la. Mas ela o viu antes disso. Com os olhos verdes arregalados de surpresa, pôs-se de pé. E os dois ficaram parados. Como dois tolos. Como dois amantes que se perguntam se estão sendo iludidos por seus corações.

Ele foi o primeiro a se mover. Parou diante dela, enamorando seus olhos verdes. Ela se moveu em seguida, erguendo uma das mãos para tocar seu rosto. Os dois sorriram. Não precisavam de palavras. Nunca precisaram.

 

de silêncio e de luz.

 

Ela ficava linda com aquela jaqueta azul. Durante horas, ficou desfilando para ele, andando de um lado para o outro pela borda da piscina. Ele a puxou pela cintura e lhe deu um beijo, o enésimo daquele dia, e sussurrou em seu ouvido. Linda. Linda. Linda.

Com o rosto ruivo de vergonha, ela se afastou, tímida, e perguntou o porquê daquele presente. Ele respondeu com um sorriso convencido e acenou com a cabeça na direção da porta. Para sua surpresa, ela hesitou. Mas, por quê? Ela apenas balançou a cabeça. Não podia fugir de novo. Não era mais criança. Era hora de parar de fugir.

Magoado, ele começou a gritar. Precisavam fugir. Do contrário, ela jamais seria livre. Mas a garota continuou balançando a cabeça. Se fugisse, viveria como uma prisioneira de seus próprios medos. Precisava ficar. Se fosse para sair do ginásio, teria de fazer isso direito. Teria de enfrentar as irmãs.

O garoto enfureceu-se. Aquelas bruxas nunca deixariam a caçula ir embora! Com os olhos marejados, ela balançou a cabeça pela terceira vez. Não podia abandonar os monstrinhos do ginásio. Eles dependiam dela. As irmãs também. Elas não sabiam batalhar. Só sabiam fazer shows. Se a ruiva fosse embora, seria mais fácil as mais velhas simplesmente distribuírem insígnias aos desafiantes.

Ele recuou, ferido. Não acreditava no que estava ouvindo. O que acontecera com sua amiga de infância? Aquela menina corajosa que socava o narizinho empinado dos metidinhos da escola? Aquela garota que caminhava com ele pelas florestas durante horas sem soltar um resmungo sequer? Aquela amante que nunca deixaria o amor deles acabar?

Um pigarro despertou-o para a realidade. Com um sobressalto, ele se virou para trás. E lá estava ela de novo. A loira maldita. Ela inclinou a cabeça para o lado, a mão na cintura. Abriu a boca para perguntar, mas a caçula a interrompeu. O garoto já estava de saída.

Ele teve um novo sobressalto. Virou-se para a amiga. Os olhos dela não estavam mais marejados. Ela encarava a irmã com coragem. Mas também o expulsava. Triste e confuso, ele se afastou sem dizer nada. Saiu do ginásio, pegou um ônibus e voltou para casa.


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