"Porque eu sei que o tempo contou os meus dias."

Um finíssimo raio de sol entrou pela fresta da janela, batendo suavemente no rosto sereno de Aurora. Fê-la acordar imediatamente, abrir de forma preguiçosa seus olhos verdes e soltar um bocejo. Por breves momentos, ela permaneceu deitada, encarando o teto. No Distrito 13, de onde viera, sua casa era a de um humilde militar, sem todos os mimos que tinha agora. Mas se fora. Tudo se fora. Seus pais, sua família, seus amigos, seu Distrito... Tudo o que conhecia fora reduzido à pó. Aurora não chorou. Já havia derramado lágrimas demais pelas suas perdas, e não era uma forma de agradecer a hospitalidade de sua família adotiva ali no Distrito 12. Ah, como eles a amavam.

Levantou-se, vestindo-se rapidamente com a bela peça de roupa que sua mãe adotiva havia deixado para ela ali. O vestido era branco e cheio de rendas, simples, mas que demarcava a beleza natural da menina. Fazia suas mechas ruivas se sobressaírem em meio aos tons claros. Ela é muito boa pra mim, pensou. O prefeito do 12 e sua esposa não tinham filhos, e, ao juntarem-se ao Distrito 13 no combate, acabaram por acolher na segurança de seu lar a filha do comandante militar. Aurora era uma menina de sorte, sim.

Mas por quanto tempo duraria?

Era o dia da Colheita. Um jeito de fazer os Distritos não se rebelarem, proposto pela Presidenta Hayness, era mandar jovens de seus Distritos para lutarem até a morte em algum lugar. Fora tudo o que a Capital divulgara como punição até então. E, naquele dia, daria-se o primeiro sorteio. Aurora suspirou. Tremia levemente.

"Aurora", chamou a mãe, lá de baixo, despertando a menina de seus devaneios que poderiam durar horas. "Desça e tome café, querida..."

Aurora olhou-se no espelho. Não se importaria de morrer.

***

Ela caminhava lentamente, junto com algumas outras meninas de sua mesma idade. Eram quase as mais velhas ali, mas não seria o último ano para serem escolhidas para a chacina. Fizeram uma fila diante de uma bancada, onde viu pessoas de aparência intimidadora recolhendo dados e coletando sangue. Aurora sentiu uma coceira incômoda na ponta do indicador, porque era ali que seria perfurado, e engoliu em seco conforme esperava sua vez chegar.

A fila andou rápido, e, logo, ouviu uma voz fria chamar.

"Próximo", disse a mulher que preenchia uma prancheta. "Nome."

"Aurora Wershawn", respondeu a garota, com voz baixa para que o nervosismo fosse disfarçado. Fê-lo com vigor, porque a mulher não esboçou nenhum sinal de notar enquanto escrevia em sua prancheta. Depois, tomou a mão de Aurora e perfurou deu dedo indicador, melando de sangue um espaço no papel.

"Próximo", a mulher disse, e foi a deixa para que Aurora saísse.

A menina seguiu para as bancadas, onde sentou-se empertigada. Não era a única que estava com o coração na mão, porém. Outras garotas também tinham a respiração acelerada e algumas até choravam em silêncio ou histeria. Aurora manteve-se ereta enquanto assistia à apresentação num telão, intitulando o evento como a Primeira Edição dos Jogos Vorazes. Logo, apareceu a cara velha da Presidenta Hayness.

"Cidadãos de Panem", ela disse, "é com honra que anuncio o mais novo entretenimento! Dois jovens de cada Distrito serão sorteados e trazidos à Capital...", e, nesse momento, houve um murmúrio de excitação e esperança, a qual Aurora não deixou-se levar. "E aqui irão usufruir dos luxos até que estejam prontos para o seu destino." O silêncio mortal instalou-se novamente. "Lutarão até a morte em uma arena especial projetada por nossos Idealizadores, cujo líder é Mark Walkiss, até que reste apenas um. Um tributo. Um campeão." Os olhos da Presidenta brilharam de forma doentia conforme a pausa se demorava. "E, então, será banhado em glória e riquezas das quais nunca irão se cansar ou se privar."

Houve um momento em que o hino de Panem pôde ser ouvido ao fundo, e, diante da notícia que deveria ser ótima, ninguém esboçou nenhum sinal de cobiça.

"Feliz Jogos Vorazes", disse Hayness. "E que a sorte esteja sempre ao seu favor."

O telão se apagou, e uma moça vestida de forma espalhafatosa subiu ao palco. Era, obviamente, da Capital.

"Olá, meus lindos!", ela disse, com seu sotaque que causava náuseas em Aurora. "Sou a representante e acompanhante do Distrito 12. Meu nome é Elsa Warnick, e espero que sejamos todos bons amigos!"

Não houve nenhuma manifestação de alegria ou animação. Elsa disfarçou a decepção com um pigarreio e voltou a sorrir de maneira afetada.

"Bom, vamos ao sorteio dos tributos! Primeiro as damas!"

Ela levou a mão até um recipiente circular transparente onde repousavam diversos papéis. Aurora prendeu a respiração. Não, seu nome não sairia. Era muito improvável. Nem pegara tésseras! Por outro lado, se saísse... Não importava mesmo. Se morresse. Se fosse assassinada. Só iria encontrar-se com os pais, onde quer que estivessem.

"O tributo feminino do Distrito 12 é...", disse Elsa, fazendo uma pausa dramática que aumentava conforme os batimentos cardíacos acelerados das meninas no local. "Aurora Wershawn."