Sanitarium escrita por Helena


Capítulo 1
Dança de Sintonia Questionável




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V.

“Você sabe por que você está aqui?”

A garota piscou os olhos esmeralda de modo lento, ainda com certa dificuldade em separar o que era real do que era apenas uma peça cruel pregada por sua mente. A visão turva parecia que nunca iria se focar, e isso causava pequenas pontadas como agulhas em sua nuca, anunciando o começo de uma enxaqueca. A garota fechou os olhos, dando-se por vencida, concentrando-se na galáxia caótica de suas pálpebras fechadas.

“Eu não sei”, ela balbuciou, sentindo seu corpo protestar em cada pausa que ela precisava dar para respirar. Era como se seu organismo rejeitasse o ar em seus pulmões.

“Porque você é uma garota má”.

IV.

A luz alcançou os orbes esmeraldas da garota ajoelhada no chão, e não demorou muito para que lágrimas grossas escorressem por seu rosto machucado. Sem portas fechadas, sem janelas trancadas, sem coisas para fazer seu cérebro parecer assustado e, mesmo assim, seu corpo tremia de medo. Ela estava com medo do que havia do lado de fora.

No fundo do corredor, ela conseguia ouvir os internos gritarem de excitação para a liberdade a sua frente, mas ela não se sentia liberta. Sua vida estava ao alcance de seus dedos finos, a luz banhava sua pele com o calor convidativo do mesmo modo que ela se recordava, e todo seu sofrimento seria recompensado. Mas ela não se levantou.

“Vamos para casa”, sua alucinação mais doce sussurrou em seu ouvido.

O tempo parou por alguns segundos, e ela encarou seu próprio reflexo distorcido no caco do espelho repleto de sangue. Ninguém sai, ninguém sairá. Ela não poderia respirar o ar livre novamente, simplesmente porque ela nunca seria livre.

“Sanatório”, ele suplicou para as paredes manchadas pelo sangue e pela dor das mentes condenadas que ali habitavam, “me deixe em paz”.

Não demorou muito para que os seguranças chegassem e a drogassem, e ela convidou a inconsciência para se juntar a ela em uma dança de sintonia questionável, observando a paisagem do lado de fora se distorcer e sumir conforme a embriaguez lhe atingia.

Ela tinha medo de continuar vivendo.

III.

O ar cheirava a motim. E motim, para a surpresa da garota, cheirava a sangue.

Com certa dificuldade, ela tirou o caco espelhado do pescoço de um dos seguranças, saboreando de modo lascivo cada sensação que corria por seu corpo. A morte possuía um gosto doce para o seu paladar, e matar agora lhe era uma palavra amigável.

“Ouçam, maldição, nós vamos ganhar!”, ela gritou para as vozes em sua mente, na esperança de calá-las de uma vez por todas, ver-se livre dos sussurros que lhe segredavam a loucura. Em resposta, elas gritaram de volta, assegurando-a de que era insana.

Não importava. Ela correu pelo corredor do Sanatório com todas as forças que possuía, movida pela adrenalina em sua corrente sanguínea. A liberdade estava ao alcance de suas mãos machucadas, ela só precisava deixar as paredes um pouco mais vermelhas. Para ela, aquela era a única maneira de alcançar a saída novamente.

Ela ainda tinha mais algumas mortes para fazer.

II.

Seu reflexo a olhava de volta de maneira assustada, enquanto a respiração entrecortada da garota denunciava a adrenalina correndo por seu corpo como ondas elétricas, de uma forma que só acontecia quando ela estava sendo sujeitada a terapia de choque.

A garota sorriu para o espelho, porém ele não sorriu de volta.

"Não!", ele suplicou, temeroso pela insanidade nos orbes esmeralda.

Em um movimento rápido e impensado, ela socou com força o vidro a sua frente, quebrando assim o pequeno espelho em mil pedaços de diferentes formas e tamanhos. Os cacos caíram irregulares no chão de ladrilho, pintados com as gotas de sangue que escorriam pelos dedos da garota ao mesmo tempo que refletiam a luz amarelada da lâmpada do banheiro precário onde estava. Por um segundo, ela admirou a cena.

Abaixou-se lentamente, escolhendo atentamente o pedaço mais letal que o acaso havia criado. O espelho agora refletia sua própria imagem, em uma mistura de luz e sangue, espelhando seu verdadeiro eu, estilhaçado assim como sua mente. Ela sorriu para ele novamente, e agora ele sorriu para ela em dezenas de lugares diferentes.

Apertou o caco escolhido em suas mãos, deliciando-se com o ardor que o corte trazia, hipnotizada pelo líquido que pintava o reflexo distorcido do mundo entre seus dedos.

Levantou-se. Um sorriso maldoso emoldurava os lábios ressecados.

Hábitos violentos geram planos violentos.

I.

Os orbes esmeralda percorriam o lugar desesperadamente, maníacos e persistentes. Ela precisava sair dali. Ela precisava sair dali! As lágrimas começavam a secar em caminhos pelo seu rosto, misturando-se com a saliva que escorria de sua boca, que se mantinha aberta graças a um pedaço grande de borracha que haviam colocado lá para sua segurança.

“Isso realmente a está ajudando?”, o homem perguntou para a mulher ao seu lado.

Seu corpo se contorcia com o resto de forças que lhe restavam, porém, as amarras em seus braços e pernas estavam apertadas demais para se lutar contra. Ela tentou piscar, mas as pálpebras continuavam presas de modo que ficassem abertas por quanto tempo os médicos quisessem. Ela precisava sair dali!

“Sim, mantenha-a amarrada. Isso fará bem a ela”, a mulher respondeu, ligando novamente a televisão para que a garota assiste o vídeo de novo, e de novo, e de novo.

O homem assentiu e verificou mais uma vez as amarras, ignorando completamente os orbes esmeralda desesperados que gritavam por socorro.

“Novamente?”, ele perguntou.

Antes mesmo que a afirmação chegasse nos ouvidos da garota, a eletricidade alcançou seu corpo subitamente, em uma mistura de agonia, dor e, acima de tudo, medo. Sua mandíbula de fechou contra a borracha com força em uma ação inconsciente, e o único sentimento que ela conseguia sentir, fora o temor, era raiva.

“Ela está melhorando, você não pode ver?”

Finale.

“Sou?”, a garota dos orbes esmeralda balbuciou, deixando-se levar pela inconsciência que se aproximava suavemente, convidativa. A galáxia particular de suas pálpebras se tornava cada vez mais intensa, e ela não queria lutar contra o pesar de sua mente.

“Sim, você é”, a mulher afirmou. “Mas nós podemos consertar isso”.

“Podemos?”, seus lábios se contorceram em um sorriso grogue, porém esperançoso.

“Sim, podemos”.

A garota sentiu seu corpo ser erguido e então colocado em outra superfície, fazendo assim sua pele exposta gelar ao entrar em contato com o metal frio de seu novo leito. Ela não lutou, não se debateu, nem ao menos pensou em escapar. Sentia-se, enfim, segura.

“Samantha, abra os olhos”.

Ela o fez, serenamente permitindo que a mulher admirasse o brilho insano de vida nos orbes esmeralda uma última vez, a tempo de a garota ver a agulha e o martelo se aproximarem de seu rosto e roubarem a galáxia de seus olhos.

Liberdade.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, e me perdoem por qualquer erro. É minha primeira vez trabalhando com esse "formato" de história, então espero que não tenha ficado tão confuso. Por favor, me digam o que acharam!