C.D.T. - O homem que vive nas sombras escrita por Xavier Netto


Capítulo 6
Capítulo 6 - Coração gelado




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/659730/chapter/6

— Era só o que faltava! Se me derem licença, irei me retirar. Até logo, amigos.

Rapidamente, Arthur se levantou e começou a caminhar. Ele já estava a alguns passos de distância quando Akio o questionou.

— Por que está indo embora?

— Porque essa luta será muito entediante. O resultado é previsível demais. Não me entenda mal, esses homens provavelmente são ótimos lutadores. O problema é que eles não estão no nível de Roderick. Estarei do lado de fora, certo? Me chamem quando for a hora.

Akio tentou responder, no entanto foi interrompido por Sortudo.

— Deixe ele ir.

— Pelo visto a presença do irmão o incomoda bastante.

— Pois é. Existem bons motivos para isso.

— E quais seriam eles?

Sortudo o encarou por um bom tempo antes de falar.

— Akio, o sobrenome “Normandut” não significa nada para você?

— Não. Cheguei aqui recentemente, ás vezes me sinto um pouco perdido.

— Quer dizer que você vem de outro país?

— É mais complicado do que isso. Na verdade eu não lembro muita coisa, minha única certeza é que não sou deste lugar.

— Hum... Curioso. Se é esse o caso, deixe-me explicar. A família Normandut é a mais rica de Goldaren. Eles servem ao Império desde tempos muito antigos e atualmente o pai de Arthur é um dos doze generais do Imperador.

O destino dos seus filhos já estava definido antes mesmo do nascimento: assim como o pai, iriam servir ao Império. Roderick aceitou de bom grado. Já Arthur... Acho que ele sempre foi um pouco “rebelde”.

— Rebeldia pode ser bom.

— Talvez, mas não naquele contexto. Ele abandonou a família aos dezenove anos em meio a muitos conflitos, principalmente com o irmão. Daí a inimizade entre os dois.

— Lamento que as coisas tenham acontecido dessa forma. Deve ser muito ruim não ter família.

Sortudo deu uma gargalhada.

— Ora Akio, não fale bobagens. Eu sou a família dele! Somos amigos! Além do mais, é como se meu pai fosse também o pai dele. É assim que Arthur pensa.

— Isso me deixa curioso. Como vocês se conheceram?

— Ah... Essa parte eu não consigo resumir. É uma história para ser contada em uma taberna confortável, com um copo de cerveja na mão e uma boa música tocando ao fundo. Deixemos para depois.

Apesar de não ter gostado da resposta, Akio não insistiu. Sortudo voltou a falar somente depois de alguns segundos de silêncio. Dessa vez ele parecia estar menos feliz.

— Sabe... Talvez no final das contas você tenha alguma razão.

— Como assim?

— Sobre Arthur não ter família. Ele foi muito bem acolhido na minha, nos tornamos amigos e tudo mais, porém... Será que posso te contar um segredo?

— Claro.

— Ás vezes eu acho que Arthur só se comporta dessa maneira alegre e ousada porque no fundo ele é um homem triste.

Os dois decidiram sair da arena para encontrar o companheiro, porém quando estavam na metade do caminho até o portão, o gongo soou. Akio olhou para trás e pode observar o início da luta.

O cenário se mostrava verdadeiramente caótico: nenhum dos competidores tinha um adversário bem definido. Era praticamente impossível perceber qualquer lógica naquele confronto, pois todos estavam se atacando ao mesmo tempo.

Depois de alguns segundos de procura, Akio conseguiu identificar Roderick se movendo com grande destreza em meio ao turbilhão de armas que se chocavam em volta dele. Ficou claro naquele instante porque Arthur tinha tanta certeza que o irmão venceria.

A vantagem definitiva que ele tinha em relação aos demais não era física ou mesmo técnica, mas mental. Roderick parecia ser um perfeito exemplo de autocontrole, pois cada movimento seu, cada esquiva e cada ataque era calculado com uma precisão milimétrica. Sua expressão facial não demonstrava nem um único traço de emoção.

Enquanto seus adversários soltavam gritos de dor ou triunfo, ele continuava impassível. Se os outros hesitavam, ele avançava com uma determinação tão inquebrável quanto fria. Era como se tudo aquilo fosse extremamente natural para ele.

Concluindo que Roderick não estava realmente em perigo, Akio desviou o olhar. Atravessou o portão da Casa dos Jogos na companhia de Sortudo e encontrou Arthur de pé com os braços cruzados, encostado numa parede a alguns metros de distância. Quando ele viu os dois chegando, começou a falar.

— Voltaram cedo! A luta ainda não acabou, certo?

— Mal começou. - disse Akio - Mas você tinha razão, já estava muito chata.

Arthur gargalhou.

— Saiba uma coisa sobre mim, bom amigo: eu sempre estou certo. Digo, não é como se Roderick fosse um mal lutador! Você deve ter visto com seus próprios olhos que não é esse o caso. Mas há uma coisa que ele não tem nem nunca terá.

— O que?

— Carisma, Akio! Personalidade. Ele luta como um autômato, pois só reconhece o valor da “disciplina”.  Como eu odeio essa palavra! Juro que um cubo de gelo tem mais emoção do que aquele homem!

Os três riram um pouco. Arthur comentou que o vento ali era mais agradável e os outros concordaram. Eles se sentaram no chão de terra batida e lá permaneceram em silêncio por não mais do que trinta segundos. Um pensamento ocorreu a Akio enquanto ele refletia, de modo que ele decidiu compartilha-lo com os outros.

— Gostaria de saber uma coisa. Dizer isso é um pouco embaraçoso, mas... Eu nunca tive um lar. Se tive não me lembro, então a sensação é a mesma. Me parece muito boa a ideia de fixar raízes em um só lugar e apreciar uma rotina, mas ao mesmo tempo é algo distante. Impossível.

Ás vezes me sinto triste. Sinto que a vida de viajante me foi imposta. Que nunca terei um lar. Então eu me pergunto... Porque alguém abandonaria algo tão bom por opção?

A resposta demorou alguns instantes para vir. Arthur falou primeiro.

— É uma boa pergunta. No meu caso, o lar era um lugar onde eu me sentia preso. E não apenas fisicamente. Eu não tinha liberdade para decidir o que fazer com a minha própria vida ou mesmo para pensar livremente. Enquanto estive no “lar”, estudei e treinei muito. Também me divertia, claro, porém nada podia mudar a sensação de confinamento. Só hoje eu me sinto verdadeiramente livre.

Sortudo completou logo em seguida.

— Os meus motivos são parecidos com os de Arthur, mas consigo entender o que você pensa, Akio. Para mim o lar não era algo tão opressivo. Sempre gostei de casa, porém ela parecia pequena demais. O mundo é um lugar enorme, repleto de belezas e mistérios. Eu sou um artista, o que busco é a inspiração! Acredite, o dia de firmar raízes vai chegar. Enquanto esse momento não vem... O mundo inteiro pode ser seu lar.

Aquela conversa fez com que Akio se sentisse um pouco melhor, porém ele ainda não conseguia se livrar completamente de sua melancolia.

— Eu entendo. O mundo é mesmo um lugar fascinante, mas ás vezes ele parece tão corrompido... É desanimador.

Sortudo respondeu praticamente no mesmo instante.

— Tem razão. A sociedade que nós construímos pode ser bastante cruel. Eu e Arthur já vimos muitas coisas horríveis, mas não são elas que definem o mundo. O que realmente conta é aquilo que fazemos para melhorar as coisas. Pequenas atitudes, entende? Um sorriso amigo, uma palavra de afeto, matar um dragão aqui e outro acolá...

— Matar um o que?

— Brincadeira. Dragões não existem.

Somente algumas poucas palavras foram trocadas após isso, pois Sortudo logo em seguida parou de falar no meio de uma frase. Ele ergueu a cabeça e repentinamente disse algo inesperado.

— Arthur, a luta acabou.

— Já não era sem tempo! Vamos lá.

Na caminhada, Sortudo seguia em frente aos outros dois. Akio chegou perto de Arthur e sussurrou em seu ouvido da maneira mais discreta possível.

— Só eu achei isso estranho? Como ele soube do fim da luta?

Mas foi Sortudo quem respondeu.

— Não desejo me gabar, mas minha audição é muito boa! Ou pelo menos acima da média. Sensibilidade é algo essencial para um músico!

Entrando novamente na Casa dos Jogos, eles puderam perceber que Roderick era o único homem de pé. Os adversários em volta dele estavam muito feridos para caminhar, então se arrastavam como podiam para fora da arena.

Seu rosto exibia a mesma calma de sempre e a frequência da respiração não estava nem um pouco alterada. Além disso, praticamente não tinha suado. Seria difícil para qualquer um imaginar que ele esteve em um confronto.

O longo corte que exibia na manga direita e o sangue pingando de sua rapieira eram os únicos sinais da batalha que havia vencido.

Enquanto ele falava com Yuri Ziberman (da mesma maneira que Harry e Sortudo haviam feito) Arthur se despedia dos amigos. Ao mesmo tempo em que um se retirava da arena, o outro entrava, por isso no meio do caminho os irmãos se encontraram.

— Lamento Roderick... Era uma camisa muito bonita! Peça para a mamãe costurar essa manga depois, talvez ela possa dar um jeito nessa roupa.

— Não preciso. Tenho mais quatro iguais a essa.

Cada um seguiu seu caminho sem se interromper ou olhar para trás. Assim que subiu na arena, Arthur respirou fundo e falou alto. Desejava ser ouvido por todos.

— Alguém por acaso se deu ao trabalho de cronometrar a luta de Roderick?

Do alto das arquibancadas, um apostador respondeu. Era um homem velho e gordo que segurava um belíssimo relógio de bolso prateado.

— Claro que sim! Tempo é um indicador decisivo. Nos interessa bastante! Aqui está tudo registrado: a primeira luta durou...

— Seja direto, por favor. Eu perguntei sobre a luta de Roderick.

Sem acreditar no que ouvia, o homem parou. Ele era muito rico e tinha certeza que aquele lutador insolente sabia disso. Estava acostumado a ser tratado com todo o respeito e reverência que o dinheiro pode comprar. Mal sabia ele que a riqueza não tinha nenhum valor para Arthur.

— Você sabe com quem está falando?

— Deixe-me ver... Não. E sinceramente, não faço questão de saber.

— Como você é rude!

— Já me disseram isso antes. Talvez eu esteja um pouco mal humorado, mas isso não vem ao caso. Agora responda, qual foi o tempo da terceira luta?

— Se deseja mesmo saber, cerca de dez minutos. Devo dizer que esse foi um ótimo resul...

Arthur começou a rir.

— Dez? Porque não estou surpreso? Isso é tão típico dele...

O velho não gostou da reação. Considerava Arthur um homem realmente muito insolente, mesmo sem conhece-lo.

— Por acaso você se julga capaz de fazer melhor?

A pergunta não foi respondida na mesma hora, pois os sete lutadores que Arthur iria enfrentar estavam subindo na arena naquele mesmo instante. Um a um, ocupavam os seus lugares no campo de batalha.

Ele estudou cada oponente com atenção.

O primeiro a se posicionar foi um homem de vestes negras que empunhava uma grande foice e tinha uma tatuagem de caveira no rosto. Aquele seria provavelmente o mais perigoso de todos.

Outros dois seguravam machados pesados. Não usavam nenhuma armadura, por isso era possível ver com facilidade os músculos bem definidos de seus corpos. Os quatro restantes eram de porte mediano, três deles tinham lanças e o outro portava um... Arco?

“É.” – pensou Arthur – “Essa batalha tem de tudo para ser muito divertida!”

Lembrando-se da pergunta do apostador, dirigiu-lhe a palavra. Sua voz transmitia o mais puro sentimento de firmeza e confiança.

— Se Roderick precisou de dez minutos... Então eu só preciso de dois.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Doze minutos de atraso... Espero que me perdoem! ^^

Não deixem de dar opinião, isso é muito importante para mim e para a história.

A gente se ve no próximo capítulo, na mesma bat-hora e no mesmo bat-canal! (Entendedores entenderão a referência)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "C.D.T. - O homem que vive nas sombras" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.