C.D.T. - O homem que vive nas sombras escrita por Xavier Netto


Capítulo 4
Capítulo 4 - Predadores




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Dentre os oito lutadores que se levantaram, dois se destacavam dos demais.

O mais alto vestia uma pesada armadura de metal que cobria quase todo o seu corpo. A parte visível de sua pele estava coberta de cicatrizes, sua expressão era séria e ele empunhava uma grande espada reta utilizando as duas mãos.

O outro era mais baixo, devia medir pouco mais de um metro e sessenta. Tinha uma grande barriga redonda e uma barba negra muito espessa que estava totalmente desgrenhada. Suas roupas eram imundas e ele segurava dois cutelos ligeiramente enferrujados.

Eles se aproximaram ao mesmo tempo. O espadachim possuía um olhar profundo que era fruto de uma vasta experiência em combates. O homem barbado não parecia ser muito atlético, mas havia algo em suas maneiras que denotava perigo. Sua expressão era vazia e seu coração estava preenchido com um único sentimento: o desejo de matar.

Dizem que os predadores reconhecem uns aos outros. Depois de se estudarem um pouco, os dois decidiram ir para extremidades opostas da arena. Yuri Ziberman declarou que a luta iria começar assim que o gongo soasse.

Um minuto. A expectativa crescia mais e mais a cada instante que se passava.

Trinta segundos. Os lutadores traçavam planos para vencer os seus oponentes.

Dez segundos. Agora já não era possível pensar em qualquer outra coisa que não fosse o soar do gongo.

Aquele som estridente anunciou o início de um massacre.

O homem barbado foi subestimado. Rápido como um raio, seu cutelo mergulhou no pescoço de um oponente desprevenido. Ele calculava com precisão o momento certo de atacar e recuar, explorando os pontos fracos de seus inimigos com a perícia de um verdadeiro assassino. Matou mais uma pessoa e feriu uma terceira no ombro. Gargalhava histericamente sempre que via sangue jorrar.

O estilo de luta do guerreiro das cicatrizes era totalmente diferente. Longe de ser furtivo, ele utilizava sua grande força para manusear a espada com energia e velocidade. Seu recurso mais valioso era a armadura: ela limitava seus movimentos mas o protegia com eficiência. E isso era algo muito necessário naquela hora, pois ele estava enfrentando ao mesmo tempo dois homens munidos de espada e escudo.

Quebrou o braço de um deles com um golpe poderoso de sua arma enquanto era acertado na altura das costelas pelo outro. Suportou a dor da melhor maneira que pode, girou seu corpo e decapitou seu segundo agressor com um amplo corte horizontal.

Mas ainda não estava a salvo. Mal teve tempo para se recuperar, percebeu que um adversário estava avançando com uma lança em sua direção. Provavelmente ele teria levado o golpe diretamente no peito, mas no último instante o homem barbado pulou gritando em cima do lanceiro e os dois caíram no chão. Somente um se levantou de lá.

O espadachim chutou com força a barriga do homem que estava com o braço quebrado, fazendo ele despencar da arena. Se virou rapidamente para encarar o assassino.

Aquela seria uma visão assustadora para muitas pessoas: as roupas dele tinham grandes manchas de sangue e o líquido escarlate pingava dos cutelos. A barba espessa não permitia que os lábios fossem vistos, mas era evidente que ele estava sorrindo. Seus olhos deixavam transparecer um genuíno sentimento de felicidade. Com uma voz rouca, o homem falou. Apontava um de seus cutelos para o lanceiro morto.

— Este pobre coitado estava prestes a te matar... Eu devia ter permitido. Droga... Parece que eu me animei, não é? Se eu tivesse esperado só um segundo a mais, teria um problema a menos. Sabe, minhas entranhas estão dizendo que você não será uma presa tão fácil quanto os outros.

Mas para a surpresa de ambos, nem todos estavam mortos. Um dos competidores sofreu um corte no ombro que apesar de profundo não era letal.  A partir daquele momento ele tinha estado no chão à espera de uma hora oportuna para fugir. Se levantou com um salto naquele instante e começou a correr desesperadamente, conseguindo sair da arena.

Mas aquilo não significava nada para o assassino barbado. Ele se deu conta do ocorrido e na mesma hora soltou um grito.

— Você não vai escapar de mim, porquinho!

E arremessou um de seus cutelos na direção do fugitivo, acertando em cheio a sua cabeça. O espadachim aproveitou a distração para avançar em seu inimigo, porém não foi veloz o bastante. Estava ferido e cansado. Em uma tentativa desesperada de ganhar tempo, começou a falar.

— Você é mais ágil do que aparenta, gordo.

O assassino gargalhou.

— Gordura é mais leve do que metal... Enlatado.

— Enlatado, você diz? Vamos ver se o seu cutelo será útil contra minha armadura.

— Toda armadura tem falhas. A sua por exemplo tem dúzias.

— Pode ser. Mas você não vai conseguir chegar até elas com apenas um cutelo.

Em resposta, o barbado colocou a mão livre atrás das costas e puxou mais um cutelo de dentro da camisa. O guerreiro sentiu um pouco de sua confiança se esvair, mas não demonstrou.

— Cheio de surpresas, hein?

— Ora, eu tento. Mas já conversamos demais... Em guarda!

O duelo recomeçou com ainda mais intensidade. O barbado se movia ao redor da arena enquanto desviava da grande espada e tentava contra-atacar com seus cutelos de vários ângulos diferentes. Porém seu adversário era um lutador muito habilidoso que conseguia mantê-lo sempre a uma distância segura. Os dois estavam equilibrados de tal maneira que nenhum deles conseguiu abrir vantagem durante os três primeiros minutos.

Mas pouco a pouco o ritmo da luta diminuía. Ambos estavam suados e ofegantes, porém o assassino tinha uma pequena vantagem. O guerreiro das cicatrizes sabia que estava se esforçando mais do que seu oponente e que por isso logo ficaria cansado demais para continuar. Passou a atacar com velocidade redobrada. Aquele confronto tinha que acabar.

O barbado não estava esperando por uma reação daquela escala. Agora escapava somente de alguns golpes, e ainda assim com muita dificuldade. Sofreu um corte no braço esquerdo, outro na barriga e mais um na perna direita. A estratégia do espadachim estava funcionando.

Porém na última investida ele pisou em um dos cadáveres e acabou tropeçando. Foi apenas um pequeno desequilíbrio, mas era a brecha que o assassino estava esperando desde o começo. Ele se aproximou com um salto veloz e golpeou com força o ombro esquerdo do guerreiro precisamente no espaço exposto entre o peitoral e a proteção do braço. O grito de dor do homem ferido ecoou por toda a arena, mas o barbado ainda não estava satisfeito. Utilizando o segundo cutelo, fez a mesma coisa com o ombro direito.

Agora a espada estava no chão. O assassino a pegou de lá e a apontou para seu antigo dono. Começou a falar com a respiração ainda pesada.

— Você... Deu trabalho.

— Acabe logo com isso, desgraçado.

Ele abriu um sorriso perverso.

— Não vai implorar pela sua vida?

O guerreiro cuspiu no rosto dele.

— Como eu esperava. Diga a Deus que eu mandei lembranças.

O assassino ergueu a espada e finalizou seu oponente com um único golpe preciso. Ninguém na plateia aplaudiu. Ziberman se aproximou do vencedor somente o necessário para que ele pudesse ouvir sua voz.

— Nós te parabenizamos pela merecida vitória! Agora você é um dos finalistas e tem a opção de avançar para a segunda etapa. Deseja continuar na competição?

O barbado se abaixou para retirar os cutelos do cadáver enquanto respondia.

— É claro que eu vou continuar... Ainda não estou satisfeito.

O vendedor de armas instintivamente deu um passo para trás. Engoliu em seco antes de voltar a falar.

— Pois bem, que assim seja! Como devemos chama-lo a partir de agora?

— Ultimamente as pessoas tem me chamado de açougueiro.

Ergueu a cabeça, respirou fundo e abriu um largo sorriso antes de continuar.

— Harry, o açougueiro.

Dizendo isso, se retirou da arena. Um grande burburinho podia ser ouvido vindo das arquibancadas: era o som característico de várias conversas se misturando. Como de costume, Arthur foi o primeiro a se manifestar.

— Açougueiro? Bom, isso explica os cutelos. Mas e daí? Será que vender carnes é algo tão assustador? O que você pode me dizer a respeito disso, Sortudo?

— Você não está entendendo a gravidade da situação. Eu já ouvi falar sobre ele, mas pensei que fosse apenas uma lenda. Harry é um matador profissional. Um mercenário do submundo. Ninguém sabe o real motivo do apelido. Alguns dizem que ele de fato era um açougueiro. Outros, que ele fatia as vítimas em vários pedaços para enviar ás famílias. E também existe a teoria de que ele se alimenta de carne humana.

Arthur brincou.

— Você gostaria de saber a verdade? Pergunte a ele!

— É realmente incrível como você nunca perde o bom humor. Nosso companheiro por outro lado parece estar perdido em reflexões. Vamos lá, acorde Akio!

— Perdoem minha apatia... Estava apenas refletindo. No final das contas, todas essas mortes poderiam ter sido evitadas. Qual é o sentido de tudo isso?

Sortudo demorou alguns instantes para responder.

— Realmente não faz sentido. Mas cada um de nós faz o que quiser com a própria vida, não é? Eles escolheram estar na arena. Aquele que se dispõe a matar deve também estar preparado para morrer.

Akio pensou um pouco.

— Você tem razão.

— É claro que eu tenho. Inclusive já escrevi várias músicas sobre esse tema, espero que um dia você possa escutar. Mas antes... Porque tem um gigante careca caminhando em nossa direção?

Era Bill. Ele começou a falar com Akio ignorando completamente os outros dois.

— Isso é simplesmente insano! Olhe a dificuldade que estão tendo para tirar todo o sangue da arena! Eu não tinha noção de como as coisas haviam mudado. Até onde sabia, criminosos não eram aceitos entre os participantes. Mas o pior de tudo é que ele matou um oponente que já estava fora da arena, e o que foi feito a respeito disso? Nada! Começo a pensar que não foi uma boa ideia te trazer aqui. Esses malucos são perigosos.

Contrapondo a exaltação de Bill, Akio respondeu calmamente.

— Eu estou pronto para enfrentar as consequências das minhas próprias escolhas.

Bill abriu a boca para falar, mas não disse nada. Aquela única frase foi o suficiente para ele perceber que a determinação de Akio permanecia inabalável e que nenhum argumento seria capaz de mudar esse fato.

— Está bem, você venceu. Qual é o número do seu grupo?

— Sou o sexto.

— Espero que você realmente saiba o que está fazendo.

Akio sorriu. Isso fez com que Bill se sentisse ao mesmo tempo mais tranquilo e mais preocupado. Ele nem sabia que algo assim era possível. Virou-se para ir embora, mas parou depois de dar alguns passos.

— E garoto! Não se esqueça... A sua vida vale mais do que quatrocentas moedas. - E voltou a caminhar em direção ao seu lugar na plateia.

Poucos minutos depois, quando a arena já estava limpa o bantante,  Yuri Ziberman anunciou que os lutadores do segundo grupo deveriam se apresentar. Sortudo se levantou.

— Parece que é a minha vez! Até logo, companheiros.

— Até logo. - Disse Arthur - E tente não demorar muito dessa vez, ok? Não temos o dia todo.

Os dois começaram a rir e Sortudo se virou. Arthur não parecia preocupado com o fato de que seu amigo iria enfrentar ao mesmo tempo sete inimigos muito mais fortes do que ele. Akio não conseguia entender.

— Sortudo!

Ele parou.

— O que foi, Akio?

— Você não está se esquecendo de nada?

O músico olhou para si mesmo.

— Tudo parece em ordem.

— Você... Não está levando nenhuma arma.

— É aí que você se engana.

E com um sorriso no rosto, girou sua flauta entre os dedos. Akio percebeu que era inútil tentar compreender aqueles dois. Limitou-se a se despedir.

— Boa sor... Hum... Arthur?

— Sim?

— Porque o apelido dele é Sortudo mesmo?

Arthur gargalhou.

— Você vai ver.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo no horário de sempre. Meia noite de segunda pra terça.

Até a vista ^^



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