C.D.T. - O homem que vive nas sombras escrita por Xavier Netto


Capítulo 13
Capítulo 13 - Fantasmas do passado




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Retirando-se da arena, a lutadora vitoriosa recebeu calorosas boas vindas de seus novos companheiros. Todos estavam impressionados com a habilidade marcial que ela tinha demonstrado. Bill ofereceu-se para limpar seus ferimentos e uma animada conversa teve início enquanto ele fazia isso.

— Não achei que seria tão difícil! – disse a mulher – O nível da competicão está aumentando a cada ano!

Arthur soltou uma sonora gargalhada antes de responder.

— É claro que aumentou... desta vez eu estou presente!

— Será que você poderia parar de ser tão convencido? Só por alguns minutos?

— Eu sou apenas realista, nobre dama!

— Eu já te disse, Normandut... você não tem a menor chance contra mim!

— Bem, é o que veremos.

Ishida, Akio e Sortudo expressaram um profundo sentimento de admiração pela força da mulher, deixando-a assim um tanto quanto envergonhada. Arthur sentiu ciúmes daqueles elogios abundantes e não soube disfarçar esse fato, o que foi verdadeiramente hilário. Bill estava concentrado em sua tarefa de enfaixar os ferimentos de Selena: ele agradecia em silêncio o fato de todos estarem vivos.

A plateia pouco a pouco abandonava a Casa dos Jogos.

Primeiro saíram os apostadores, cercados por uma escolta particular de guarda-costas uniformizados. Em seguida o público geral e logo depois os competidores que ainda encontravam-se no ginásio. Akio, Sortudo, Arthur, Bill, Selena e Ishida foram embora junto a este último grupo.

Chegando ao lado de fora, viram que o sol já estava quase sumindo no horizonte.  Percebendo isso, o taberneiro falou com os demais.

— Foi uma tarde cansativa, não?

— Devo dizer que sim. – respondeu Akio.

— Para onde vão agora? Serão muito bem vindos em minha taberna se não tiverem nenhum compromisso para a noite de hoje!

Sortudo e Arthur disseram que haviam se hospedado em uma estalagem não muito longe dali. O músico afirmou que não gostaria de ser um incômodo e que por isso voltaria para o lugar aonde dormira na noite anterior. Bill insistiu mais um pouco e conseguiu convencer os dois – mas principalmente Arthur – assim que mencionou que haveria cerveja gratuita.

Tão logo Bill indicou o endereço de sua taberna, os dois amigos se despediram para buscar os seus pertences na pousada em que tinham estado. Foram se distanciando a passos rápidos enquanto prometiam que voltariam para celebrar a vitória do grupo. A dupla dirigiu-se para o norte enquanto os outros iniciaram uma caminhada para o leste.

Quando questionada, Selena contou para os demais que passou a última semana residindo em uma casa alugada. Mesmo assim, não se importou em aceitar o convite de passar a noite com aquelas pessoas tão valorosas. Desejava conhecê-las melhor e quem sabe até mesmo desvendar os segredos por trás dos olhos prateados de Akio.

Ishida tinha chegado naquele mesmo dia, portanto não tinha para onde ir. Aceitou o convite com gratidão, porém ressaltou que iria embora ao raiar do dia seguinte. Aquela notícia entristeceu o coração de Selena.

— Ainda é cedo, Ishida. Você deveria descansar um pouco antes de voltar para o Templo de Jade.

— Eu não vou voltar. Pelo menos não ainda.

Selena ficou confusa.

— Mas... você já entregou a mensagem de Toshi.

— Sim, a primeira. Tenho outra para Kenjiro.

— Quem é Kenjiro? – questionou Akio.

— Ninguém.

Foi Selena quem deu a resposta. Somente Ishida não percebeu que ela estava visivelmente irritada com a menção daquele nome. De maneira inocente e despretenciosa, ele continuou seu falatório.

— Kenjiro é o filho de Toshi.

— É apenas um covarde – completou a negra.

— Ele e Selena costumavam ser parceiros de treinamento. Formavam uma dupla e tanto! Invencíveis! Inseparáveis!

A moça começava a perder a paciência.

— É, talvez. Já faz muito tempo.

— Serei sincero, Selena... até pensei que você gostasse dele.

Aquela  frase despertou a raiva que Selena até então tentava conter.  Sem nenhum aviso, ela ergueu sua perna esquerda e chutou com força a barriga de Ishida. O garoto perdeu o equilíbrio, recuando aos tropeços, e acabou caindo sentado no chão. Não estava realmente machucado: encontrava-se apenas um pouco surpreso.

— Nunca mais repita isso.

Percebendo a gravidade do seu erro, Ishida pediu perdão. Ele não achou que suas palavras afetariam a amiga de maneira tão profunda, por isso sentia-se envergonhado. Um silêncio denso e pesado abateu-se sobre o quarteto.

Akio e o taberneiro desejavam fazer uma centena de perguntas, porém julgaram corretamente que aquela não era uma boa ocasião. Ishida permaneceu triste, caminhando cabisbaixo a alguns passos de distância dos demais.

Lentamente, os minutos se passavam. Aquele clima de tensão crescia mais e mais a cada instante, chegando ao ponto de se tornar praticamente insuportável. Repensando com cuidado suas últimas atitudes, Selena concluiu que também havia cometido erros. Resolveu, portanto, quebrar o silêncio.

— Parece que eu devo algumas explicações.

Akio apressou-se em responder.

— Você não nos deve nada. Fale apenas o que quiser.

— Apenas o que eu quiser? – riu a moça – Nesse caso não falarei muito. Como Ishida já explicou, ele é o filho do mestre Toshi e costumava ser um dos meus melhores amigos. Ele se parece um pouco com você, Akio, só que o cabelo é um pouco mais claro e ele o mantinha quase raspado. Kenjiro é um pouco mais musculoso também, e os olhos...

— Suponho que não sejam como os meus.

— Não, não são. Nunca vi olhos assim.

— É, eu também não.

Aquela resposta – vinda do próprio Akio – surpreendeu a moça.

— Como assim? É algo recente? Eu pensei que fosse algum tipo de defeito de nascença.

— É um pouco mais complicado do que isso.

Akio abaixou o olhar. Era como se ele tivesse algum segredo profundamente escondido dentro de si... algo que ele mesmo desconhecia.

Selena ficou intrigada. Os olhos, as memórias, a espada mágica... era tudo muito suspeito. Desejava ardentemente desvendar os seus mistérios, mas precisaria fazer isso com cautela, muita cautela. Seria bom que Akio confiasse nela primeiro, por isso a lutadora decidiu revelar um pouco mais sobre seu passado.

— As coisas começaram a dar errado entre nós quando eu recebi meu título de lutadora completa. Essa honra é concedida a um discípulo quando o mestre considera que ele possui um elevado grau de domínio do estilo Rygouka-santon. Demorou vinte anos para que eu fosse reconhecida... foi um dos dias mais felizes da minha vida.

Durante a cerimônia de reconhecimento, todos os meus companheiros estavam sorrindo. Todos menos Kenjiro. Não sei se foi apenas inveja por não ter recebido o mesmo título... sinceramente, nem quero saber. Sei apenas que nós tínhamos um nível de força equivalente, mas apenas eu fui graduada naquele dia.

Normalmente, uma pessoa que recebe o título de lutador completo permanece no Templo de Jade, trabalhando lá e ensinando os mais jovens. Porém comigo não foi assim. Inexplicavelmente, eu fui expulsa.

Mestre Toshi mudou completamente. Ele tinha se mostrado um mentor orgulhoso e carinhoso no dia da minha graduação, disse que eu tinha um futuro brilhante pela frente! Mas na manhã seguinte, estava frio e amargo. Ele me chamou para uma conversa particular e disse que já não tinha mais nada a me ensinar. Falou que eu não seria útil no Templo de Jade! Ele... ele ordenou que eu partisse.

— Isso não possui lógica alguma! – exclamou Bill – Tens alguma ideia do motivo?

— Não... nenhuma. Quer dizer... talvez. Eu tentei falar com Kenjiro antes de sair, entende? Ele olhou bem nos meus olhos, esboçou um sorriso e disse as seguintes palavras: Toshi sabe o que faz. Apenas isso. De alguma forma, acho que a culpa é dele.

Ishida se manifestou, atraindo a atenção de todos.

— Acho que nós não deveríamos tirar conclusões precipitadas.

— Porque diz isso, Ishida? – indagou a moça.

— Bem... eu continuei treinando no templo depois que você foi embora. Eu vi como Kenjiro ficou depois de tudo isso. Em um primeiro momento até mesmo suspeitei que ele estivesse feliz, mas depois o humor dele foi se revertendo. Ele passou a estar sempre sério. Triste. Nunca sorria. Dormia mal. Nem mesmo comia direito. Como explicar?

— Parece que ele se arrependeu de sua vil traição! – foi a conclusão de Bill.

— É uma possibilidade. – admitiu Akio.

— Todo mundo possui defeitos! Eu sou teimoso, Selena é impulsiva. Quanto ao Kenjiro... bem, ele sempre foi muito competitivo, o que não faz dele um conspirador. Mas não vou falar mais nada. Não quero levar outro chute.

O adolescente falou isso enquanto olhava para Selena.

— Desculpe ter batido em você.

— Não faz mal, acho que eu mereci. Além do mais... digamos que a luta com Brock me fez redefinir o meu antigo conceito de dor.

Selena não conseguiu deixar de sorrir. Por um curto momento, ela sentiu-se alegre: estava contente e ao mesmo tempo surpresa por ter compartilhado uma parte importante de sua vida com outras pessoas.

Ela notou que aqueles desconhecidos – Bill, Akio, Arthur e Sortudo – estavam se tornando cada vez mais especiais para ela. Como algo assim poderia ser possível? Eles se conheceram naquela mesma tarde!

Apesar disso, como uma nuvem cinzenta que cobre o sol em uma clara manhã de verão, um pensamento lhe ocorreu. A negra não poderia ignorar a suspeita que agora tomava conta de seus pensamentos, por isso fez a pergunta fatídica.

— Ishida... qual é a mensagem que você deve entregar para Kenjiro?

O garoto pensou um pouco. Na verdade Toshi nunca lhe dissera se o conteúdo das mensagens era secreto ou não. Avaliando com cuidado, ele concluiu que Selena tinha o direito de saber a realidade.

— É a mesma mensagem para os dois. Toshi diz que é chegada a hora de Kenjiro concluir o treinamento dele.

A mulher engoliu em seco antes de continuar seus questionamentos.

— Quer dizer que ele abandonou o treino?

— Mais do que isso – respondeu Ishida – ele abandonou o Templo de Jade.

Agora era o momento da verdade.

— Mas... porque ele fez isso?

Ishida olhou fundo nos olhos da mulher e falou com uma voz solene.

— Não é óbvio? Ele esteve te procurando.

— Isso tudo é... confuso.

— Você pode esclarecer as coisas quando voltar.

Se eu voltar.

Já era noite quando eles finalmente chegaram. Akio foi o primeiro a avistar o rosto sorridente de Sofia que era visivel através da janela da taberna. A ruiva logo abriu a porta e saiu correndo em direção ao marido, dando-lhe um abraço apertado.

— Trouxe amigos, melzinho?

Os recém-chegados não eram pessoas comuns. Eram guerreiros.

Akio era o tipo de lutador que estava sempre preparado para enfrentar qualquer ameaça, mas não estava pronto para aquilo. Selena e Ishida treinaram durante anos a fio para controlar suas emoções mesmo nas situações mais adversas, porém naquele instante o severo treinamento de auto-controle dos dois não valeu de absolutamente nada.

Pois nenhum deles conseguiu conter as gargalhadas ao ouvir a pequena mulher de cabelos vermelhos chamar o gigante careca de melzinho.

Apresentações iniciais foram feitas e Sofia convidou todos a entrar. Os convidados aceitaram de pronto e em pouco tempo os três amigos já se encontravam confortavelmente acomodados em uma das mesas. Bill começou a servir as bebidas enquanto Sofia iniciava o preparo da comida. O trio escolheu um lugar perto da lareira entre a porta de entrada e o balcão. Mais clientes continuavam a chegar enquanto eles esperavam Arthur e Sortudo.

O barulho de várias conversas se misturando começava a tomar conta do local. O recente campeonato era sem dúvida o assunto mais discutido.

Cerca de meia hora se passou até que de repente o som de uma flauta pode ser ouvido ao longe. À medida que ele se aproximava, o ruído das conversas diminuía. O trio sabia o que aquilo significava: a noite estava apenas começando.


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