A Guardiã do Sol escrita por Paladina


Capítulo 9
A despedida


Notas iniciais do capítulo

Desculpa a demora, pessoal! (Dez dias sem atualizar isto aqui, é fogo, viu?!)
Então, peço desculpas pelo atraso. Antes de mais nada, não foi bem um bloqueio criativo, porque já pensei em todos os acontecimentos da história, mas eu diria que foi a ausência do T em escrever - acontece com todos.

Contudo, como estamos em reta final de história - sim, estamos -, eu vou atualizar sempre que possível para poder iniciar meu próximo projeto (que será continuação disto daqui ♥).

Sem mais delongas, bom capítulo :)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/659563/chapter/9

Cada segundo era mais tortuoso que o anterior e menos agonizante que o próximo. O tempo pareceu rastejar nos últimos três dias, como se quisesse ver ambos sofrerem em silêncio, cada em um sua própria dor pessoal. O aprendiz treinava cada dia mais rigorosamente, como se a espada o fizesse esquecer de seus maiores problemas e o levasse para um mundo a parte, somente dele. A Guardiã do Sol, por sua vez, dividia seu tempo entre treinar Tales e cuidar de Cyana, que até aquela manhã não havia aberto seus belos e insensíveis olhos.
Ambos alimentavam-se de devaneios e não se incomodavam com o silêncio que sempre pairava ao redor. A Vila dos Estrangeiros parecia mais vazia, sem vida. O próprio céu havia perdido sua luz, nublando-se. Mas o luto não podia durar para sempre, Sange sabia disto.


— Tales. — Chamou. O aprendiz recuou um passo. — Segure com firmeza, mas mantenha seu pulso leve. Quanto mais força fizer mais rápido se cansará, e a menos que seus inimigos sejam gnomos, você será ficará desarmado.


— Desculpe. — Pediu o rapaz, ajeitando-se. Sua mão da espada era a esquerda, o que poderia vir a ser uma vantagem para ele, se soubesse utilizá-la. — Posso?


— Venha.


Tales avançou contra Sange, tentando golpeá-la na altura da cabeça. Ele tinha a força a seu favor, mas faltava-lhe a técnica. Sange, que o enfrentava com um graveto, acertou-lhe o pulso antes que pudesse atingí-la. O aprendiz largou a espada e segurou o local atingido, gemendo de dor. Era a vigésima vez que ela o acertava no mesmo lugar, estava começando a ficar inchado.


— Mestra, vai acabar quebrando minha mão! — Tirou a manopla que protegia seu punho e observou a área atingida. Estava roxo.


— Enquanto você atacar aleatoriamente, sem ter um objetivo, e no mesmo lugar, irei continuar te golpeando aí. Já te ensinei a ter equilíbrio e destreza, por que você só usa a força?


Tales abaixou a cabeça, sentindo-se derrotado. Queria se esforçar mais, e tentava, mas sempre que alcançava seu limite lembrava-se de seu pai e tudo retornava a estaca zero. Sentiu Sange tocar-lhe o ombro com gentileza.


— Sei que os últimos dias não estão sendo fáceis para você. — Começou. — Mas um verdadeiro cavaleiro lidaria com isto e seguiria em frente, não acha?


— Talvez eu... — Sua voz falhou. Mesmo que tivessem passado pouco tempo juntos, Tales tratava-a como uma irmã mais velha. Não tinha por quê esconder o que sentia. — Talvez eu deva seguir o último conselho de meu pai... Abandonar tudo e ficar com a forja, viver disto.


A mão que estava pousada em seu ombro o apertou com força, obrigando-o a levantar a cabeça. Encarou Sange, que não estava com uma expressão satisfeita, tampouco alegre. Quando abriu a boca para falar, sua mestra o deu uma cabeçada, jogando-o de costas para o chão. Tales ficou tonto e sua testa começou a doer. Por que diabos uma cabeçada?


— Você está pensando direito? — Brigou Sange. — Pretende mesmo desistir do seu sonho, perder suas esperanças por tão pouco? Meu pai também não gostaria de me ver como estou hoje, ele com certeza iria preferir que eu estivesse em casa com meu irmão, ambos tendo uma vida pacata no campo. Mas meu pai está aqui? Meu irmão parece estar aqui? Isso parece um campo? Não. E nem por isto estou desistindo ou fraquejando.


O aprendiz silenciou-se.


— A forja é um sonho que seu pai gostaria que você herdasse. Infelizmente, o seu é outro. — Estendeu a mão para Tales. — Mas sei que ele lutou naquela batalha por sua felicidade. Não se disperdice assim.


Ele sabia que ela tinha razão, mesmo que não quisesse admitir isto para si. Pegou sua espada e se levantou sozinho, recusando a mão de sua mestra. Respirou profundamente. Quando voltou a olhá-la, tinha uma expressão determinada na face. Seu olhar era afiado.


— Posso?


— Venha!


E daquela vez, não foi desarmado.


XxX


Retornaram para a forja apenas ao fim da tarde, quando a Guardiã do Sol sentiu necessidade de ir verificar como estava Cyana. Como de costume, adentrou o quarto, abriu as janelas e sentou-se ao lado da cama, enquanto colocava um pano úmido em sua testa e a assistia repousar. Os raios de sol batiam no rosto da filha do inverno, fazendo seus cabelos parecerem ainda mais prateados, e sua expressão se tornava suave sempre que havia luz, como se a mesma relaxassse sabendo que onde havia claridade estaria segura. Sua respiração era baixa, porém tranquila, e seus ferimentos estavam quase totalmente cicatrizados. Sange sentia que em breve ela acordaria e poderiam finalmente partir. Partir. Estava na vila há poucos dias, mas pareciam eternas semanas. Como ficaria Tales quando fosse embora? E pensar que a Capital ainda se mantinha soberana sobre o Reinado, e talvez o rei desconhecesse o paradeiro de seu filho. Assim como muitas outras famílias.


Entrelaçou os dedos e os apertou com força, pensativa. Feril descobriu-se Guardião e morrera não muito tempo depois. Não tivera tempo de conversar com ele sobre Joan, será que o príncipe sabia que o mesmo era falso? Como ele conseguiu se passar por Guardião? No mínimo teria que ter algum capacho dele entre os sacerdotes, ou entre a coroa. Ou, quem sabe... Ambos. A ideia incomodava-a. E ainda tinha, após tudo isto, o Mercado Negro. Jurou para si mesma detrui-lo, mas infelizmente este não era o tempo para isto. Estas contas seriam pagas por último.


Deu uma última olhada para Cyana e levantou-se de onde estava, pronta para ir embora.


— Hmn... — Balbuciou a Guardiã da Lua, enquanto abria os olhos pouco a pouco. Sange sentiu o coração palpitar e virou-se para trás.


— Cyana...? — Chamou, quase em um sussurrar.


Assim que finalmente despetara por completo, Cyana começou a se sentar na cama, ainda sem perceber que a Guardiã do Sol a observava. Massageou as têmporas, demonstrando a leve dor de cabeça que sentia, e logo após voltou-se para o ambiente, analisando-o com os olhos. Foi quando encontrou o olhar de Sange posto em si, observando-a com alegria. O sol e a lua finalmente se reencontraram, e o silêncio reinou. Sange abriu um sorriso. Os olhos da filha do inverno ainda eram os mesmos azuis gélidos que vira na primeira vez que foi ao Santuário, emitindo aquela aura de superioridade.


— Você está viva! — Exclamou Sange, mais alto do que desejara, se aproximando dela em passos curtos. — Você está respirando! Cy, você acordou!


— O que?! Sange? Onde estamos?


— Estamos na Vila dos Estrangeiros... Na casa de um amigo... — A Guardiã do Sol não sabia por onde começar. Sentou-se na beirada da cama, de frente para a amiga. Ficaram trocando olhares, até que Sange resolveu abraçá-la.


A abraçava com força, sem ter medo de machucá-la ou abrir seus ferimentos. Cyana, por sua vez, apenas a envolveu com seus braços, sem estar envergonhada de estar tocando seu tronco nu nela. Foi um abraço duradouro, e só se separaram quando Sange notou que Cyana ainda estava fraca, e provavelmente faminta.


— Vou preparar uma sopa e lhe dar os chás que o médico mandou. — Comentou, ainda com um sorriso na face. Estava feliz por vê-la acordada. Na hora de sair do quarto, Tales entrou, apressado e com medo, segurando uma espada.


— O que aconteceu? Eu escutei um barulho! Você está be-- — E reparou em Cyana acordada. Corou instantâneamente. — V-você a-a-acordou... Q-quer algo?


— Eu já vou pegar comida e as coisas que ela precisa, não se preocupe. — Respondeu Sange. Cyana cobriu o corpo com o lençol, desviando o olhar.


— Preciso de roupas, se isto o responde. — Disse, áspera, dirigindo-se ao aprendiz. Tales assentiu com a cabeça.


— V-vou v-v-voltar com u-uma m-muda de r-roupas!


E finalmente a Guardiã da Lua encontrou-se sozinha no quarto. Sentia como se sua cabeça tivesse sido martelada cem vezes e seu corpo estava mole, quase não atendendo aos seus comandos. A boca estava seca, e o estômago vazio. Quanto tempo havia se passado? Seu braço ainda estava quebrado, e provavelmente continuaria por um bom tempo. Ninguém vira, mas Cyana tinha um olhar sombrio. Fora apenas um pesadelo...


XxX


— Abra a boca! — Pediu Sange, cantarolando, aproximando uma colher de sopa de sua face. Cheirava bem e parecia muito apetitosa, mas a Guardiã da Lua não queria sofrer a humilhação de ser alimentada por outra pessoa.


— Pelo amor do que é sagrado, eu posso comer mesmo tendo apenas um braço útil. — Disse, virando o rosto para o lado.


— Não seja tão rude e abra a boca. — Retrucou a Guardiã do Sol, lutando contra a teimosia da filha do inverno. — Eu fiz essa sopa com as melhores batatas que encontrei.


Cyana bufou e, dada por vencida, abriu a boca. O gosto das ervas e dos chás medicinais ainda podiam ser sentidos em sua garganta, e tudo o que desejava, após ter saciado a sede, era se alimentar. Todavia, Sange estava com uma ideia fixa de que ela estava exposta a tudo e que deveria tratá-la como uma criança, mesmo que fosse nitidamente mais velha que a mesma. As vezes o altruísmo da parceira animava-a, e outras, a decepcionava.


Tales estava em um canto do cômodo, escorado na parede, em seus próprios pensamentos. Fora ele quem conseguira um cano para usarem de apoio na tala do braço de Cyana, e era ele também o dono do recinto. A Guardiã da Lua estava profundamente agradecida ao rapaz, porém, não demonstrara isso em momento algum. E ele também não parecia se importar.


— Ela vai estar melhor em quanto tempo? — Indagou Tales.


— Se ela fosse normal, eu diria que em um mês. — Respondeu Sange, dando outra colher para Cyana. — Visto que ela não é, uma semana no máximo.


— E... Depois? — Perguntou, com a expressão infeliz.


— Depois?


Tales fechou os olhos com força, como se tentasse não chorar. Resfolegou.


— Depois que ela melhorar, eu vou ficar sozinho novamente, não vou?


—... Eu poderia te levar comigo, Tales. — Comentou Sange, dando um sorriso desgostoso. — Se para onde eu fosse houvesse segurança. Não é o caso. Eu não posso arriscar sua vida.


— Mas você me ensinou bem a manejar uma espada, eu posso ajudar!


— O tempo que você passou balançando essa coisa metálica não é o bastante para dominá-la. Você precisa de mais treino, mais prática. E isto você só conseguirá ficando seguro e com o tempo.


— Como eu treinarei sem você? — Indagou, sem esperar uma resposta, retirando-se do quarto. Tales estava completamente decepcionado. Fechou a porta atrás de si com força.


Sange suspirou. Ele poderia se tornar um bom cavaleiro se continuasse treinando, mas temia que ele não fosse querer trocar de mestre. Ao ficar cabisbaixa, sentiu a mão de Cyana envolver a sua. Ela tinha um toque frio.


— Deixe-o um pouco sozinho. Ele precisa disto. Você contou que ele acabou de perder o pai.


A Guardiã do Sol assentiu com a cabeça, parecendo lamentar-se por dentro. Passou a mão na nuca, um tanto quanto sem graça. No fundo, culpava-se por tudo. Tudo por causa de meu pai.


— Pare de agir assim. — Falou Cyana, em um tom de ordem, observando-a mudar a expressão. — Sei que você está se condenando, então apenas pare. Você sempre faz o melhor que pode pelas pessoas.


— Mas nunca é o suficiente.


— Para mim, sempre foi.


A Guardiã do Sol enrubesceu.


— Você ainda não terminou a sopa. — Disse Sange, mudando de assunto. Levou uma colher para perto da mesma. — Abra a boquinha.


XxX


Uma semana passou-se desde então, e Cyana continuou recuperando-se bem. Tales e Sange mantiveram o treinamento durante este período, apesar do rapaz ter demonstrado preocupação com a provável ida de sua mestra. Também parecia estar ocultando algo em seu íntimo, mas a Guardiã do Sol não ousaria perguntar do que se tratava. Aquele dia foi tirado para descanso, e o aprendiz preferiu usá-lo para caminhar por Vila dos Estrangeiros em busca de concluir seu mais novo objetivo: A venda da forja de seu pai. Se conseguisse, utilizaria o dinheiro para se tornar um aventureiro, ficaria conhecido pelos quatro cantos do Reinado e provaria para sua mestra seu real valor.


A manhã estava mais quente que o costume, com algumas nuvens pairando no céu azulado. Vila dos Estrangeiros encontrava-se bastante movimentada, talvez devido a feira semanal. Tales caminhava pelas ruas de terra batida, enquanto chutava uma pedra e desviava de algumas pessoas e casas de mercantes, dirigindo-se até o mosteiro.


Um pouco afastado da vila, adentrando um pouco a floresta que limitava o local, havia uma construção de tijolos semelhante a um dojô, enriquecido com figuras e desenhos em ouro e prata. Logo em sua entrada havia um grande jardim de pedra, belo aos olhos de Tales, contudo, exótico para a maioria dos moradores da vila. Os monges do mosteiro tinham uma característica peculiar se comparado ao resto dos habitantes do Reinado: Os deuses que serviam eram incomuns e vindos de fora do continente, sendo considerado muitas vezes hereges e praticante de uma magia negra. O nome mais comum para sua religião era Terrestre.


Tales atravessou o jardim de pedra e aproximou-se, mas antes que pudesse de fato entrar no mosteiro um monge o interceptou. Vestia-se com tecidos finos e que não tampavam todo o corpo; Como se o desse uma liberdade de movimentos. Tinha a pele escura e os olhos âmbar, grandes e cautelosos. Os cabelos, igualmente negros, já estavam prontos para serem raspados novamente. O monge moveu o bastão que carregava, empurrando Tales alguns passos para trás.


– Jovem, o que veio fazer no mosteiro? - Indagou, sereno e de grave voz. Tinha um timbre que transmitia certeza e intimidação. Se seu sonho não fosse ser cavaleiro, talvez Tales tivesse pensado em treinar para se tornar um monge. Castidade é o problema, refletiu.


– S-saudações. - Disse, tentando utilizar um linguajar no qual não estava acostumado. - Quero falar com o mestre Yü. Tenho negócios a resolver com ele.


– Possui um nome?


– Tales. - Respondeu, abrindo um sorriso constrangido.


– Seja bem-vindo, Tales. - O monge deu um passo para o lado, mas ainda o encarava com análise. Tales, um tanto quanto hesitante, voltou a caminhar, adentrando finalmente o local.


O dojô era uma construção simples e delicada, mas que conseguia emitir uma aura tranquilizadora, quase dopando-o só de admirar ao seu redor. Monges espalhavam-se ao seu redor executando tarefas diferenciadas, desde limpar objetos até meditar e treinar lutas. Eles possuem um estilo estranho de batalha, pensou Tales, erguendo uma sobrancelha. E aqui só há homens.


Não sabia caminhar por lá, contudo, tinha muita vergonha de pedir ajuda para algum deles, então foi apenas seguindo na direção dos desenhos nas paredes, que a cada passo tornavam-se mais reais e mais brilhantes. Era como adentrar em um novo mundo fabricado em ouro. Chegou até uma espécie de altar, onde havia uma grande estatueta de dragão que era utilizada como chafariz, e alguns monges curvando-se para esta estátua. Ao centro havia a figura que procurava: Mestre Yü, o monge que, com suas próprias finanças, montara o mosteiro na vila e também tinha uma pequena influência comercial local. Era um homem velho e baixo, de queixo quadrado, com uma calvície que prometia continuar aumentando. Tinha uma pele pálida e olhos que mal se abriam. Vestia-se como qualquer outro ali.


Aproximando-se, pigarreou, chamando a atenção do mesmo. Yü virou-se com o som e abriu um sorriso desdentado, afastando-se dos outros que louvavam a estátua. Ninguém pareceu se importar.


– O que faz aqui, pequeno Tales? - Perguntou o velho, abrindo os olhos semicerrados. Eram duas pequenas orbes azuis quase cegas. - Você está crescido, lembrando seu pai. A musculatura digna de um ferreiro.


– É sobre isto que vim conversar com você... Eu não quero mais ser um ferreiro. - Engoliu em seco, indo direto ao assunto. Iria continuar a falar, mas Yü o interrompera com a voz envelhecida e alegre.


– Decidiu juntar-se a nós? Sempre temos espaço para novos membros. Você dará um excelente servo de Ará! - E segurou-o pelos ombros. Apesar de velho, baixo e grisalho, Yü tinha uma força considerável. Deixou-o na ponta do pé enquanto o segurava.


– Na verdade... - O rapaz balançara a cabeça. - Não. Eu quero vender minha forja e... Sei que você tem muito dinheiro. Estaria interessado?


O velho mestre Yü largou o rapaz e seus pequenos e quase cegos olhos brilharam.


– Oh... Desejas falar de negócios? Aqui não é lugar, mas sempre há hora. - Virou-se, seguindo para algum lugar entre as decorações de prata que haviam na sala. Inicialmente, Tales permaneceu parado, encarando suas costas inquieto, mas passou a segui-lo quando reparou que os monges estavam começando a dar-lhe atenção.


Acabaram por chegar a uma pequena sala de paredes de bambu e chão de palha, com uma pequena mesa de centro em cima de um grande e confortável tapete. Uma janela bem posicionada permitia que a luz do sol entrasse juntamente de uma refrescante brisa. Yü sentou-se em um lado da mesa e serviu chá, enquanto Tales sentou-se no lado oposto, de frente para ele.


– Vamos direto ao assunto. - Pediu Yü. - Por que quer vender? O negócio de seu pai é antigo e conhecido aqui na região... Você pode lucrar bastante em cima da loja se souber o que está fazendo.


– Não é minha vocação--


– Não? - Interrompeu Yü, após um gole do chá. - Olhe para você, rapaz. Você tem a estrutura de um ferreiro. Braços de martelo, olhar de espadas... Mas tem uma tolice dura como um escudo.


– Tudo bem, mas não é o que eu quero para minha vida. Eu não quero criar mil espadas, eu quero viver mil aventuras. - Prosseguiu, um tanto quanto incomodado pelas interrupções de Yü. Não se lembrava de seu pai reclamar tanto do mesmo, talvez porque ambos só encontravam-se para beber. - Mas para isto preciso de um dinheiro inicial... Por isso vender a forja. Você está disposto a comprar?


– Estou. Dou trezentas moedas de ouro.

– Trezentas?! - Ficou boquiaberto. Era muito dinheiro, mas não saberia dizer se era o suficiente. Voltou a assumir uma expressão séria. - Eu... Eu estava pensando em quinhentas.


Yü olhava-o com divertimento. No jogo da barganha o velho mestre era campeão milenar.


– Olhe, se isto lhe fizer feliz, chegaremos em um acordo de trezentos e cinquenta. Mas não lhe oferecerei nada melhor... E creio que nenhum outro desta vila oferecerá mais.


– ... Feito. - Concordou. Yü sorriu.


– Ótimo, lhe darei o dinheiro agora e peço que retire-se do imóvel ainda hoje...


– Não. - Pediu, certo do que dizia. - Espere. Há pessoas que precisam de mim e que estão se hospedando em minha casa. Peço que guarde o dinheiro e nosso acordo até que elas tenham saído.


– Parece-me ótimo, rapaz. Você é um bom negociante. - Estendeu a mão.


– Obrigado... - Sorriu Tales, apertando a mão de Yü.


XxX


Os dois dias seguintes passaram-se tão rápidos que nem mesmo Tales conseguiu acompanhá-los. E mal sabia o aprendiz que seriam os últimos dias ao lado de sua mestra e treinando com a espada. Só veio a descobrir quando acordou com os raios do sol beijando sua face, indicando que o dia raiara novamente. Levantou-se da cama, coçando os olhos, e escutou um estranho barulho vindo de dentro do único cômodo da forja.

Aproximou-se em passos calmos, portando uma espada em mãos, e ao abrir a porta vira Cyana socando uma parede e destruindo a tala de seu braço. Sange encontrava-se próxima, sentada na cama com Alvorada no colo. Ambas utilizavam roupas surradas e algumas peças de armadura que o próprio Tales havia forjado, parecendo duas guerreiras bárbaras.


– O que aconteceu aqui? - Arriscou dizer. - Ouvi um barulho.


– Estava apenas verificando se meu braço estava saudável. - Respondeu Cyana, com um tom tão imparcial que chegou a ser assustador, enquanto afastava o punho da parede esburacada.


– E se não estivesse ela provavelmente teria quebrado ainda mais e piorado a situação. - Interveio Sange, balançando a cabeça em desaprovação. Levantou-se da cama e colocou a bainha de Alvorada nas costas. - Mas tudo indica que estamos prontas para ir.


O coração de Tales apertou. O dia finalmente havia chegado. A despedida.


– Vocês... Irão agora?


– Sim. - Comentou Cyana, rígida. - Temos que chegar na Capital o mais rápido possível.


– Mas... - Tales finalmente abaixou a espada. - Eu realmente não posso ir com vocês?


Antes mesmo que pudesse assumir uma expressão triste, Sange aproximou-se e pousou uma mão no ombro do mesmo. Ela tinha um toque quente e acolhedor, mesmo por dentro da manopla de ferro. Era como se sua presença iluminasse o local. Como o sol.


– Eu prometo que resolverei tudo o que tenho a fazer lá e voltarei, e então retomaremos nosso treinamento.


– Não... Não dá mais. - Disse, tirando a mão dela de seu ombro. - Eu vendi a forja e pretendo tornar-me aventureiro. Se você voltar, não me encontrará mais aqui.


Trocaram olhares, mergulhando na imensidão da íris um do outro. O silêncio bastava para se compreenderem, e Sange viu nele uma figura sua alguns anos mais nova. Não pode deixar de sorrir. Saberia que havia nele um espírito que sempre o ajudaria com os obstáculos, não importaria a dificuldade.


– Bom saber que está tão decidido, não precisarei me certificar de que está bem.


– ...


– Vamos, Cy. - Chamou Sange, atravessando a porta e dando as costas para Tales. A Guardiã da Lua a acompanhou, em silêncio, e sem fazer questão de se despedir do rapaz.


Quando ambas já haviam saído da forja e deixado-o sozinho no cômodo, Tales olhou para a espada que segurava. Se a espada de sua mestra era Alvorada, a sua certamente seria...


– Crepúsculo. - Nomeou-a. - O crepúsculo que marcará o fim de um dia... E um novo amanhã.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Do you like it? I hope so!
Não se esqueça de deixar aquele comentário para dar um apoio e dizer o que não gostou/gosta/precisa de melhoras.

Abraço e um beijo na bunda



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Guardiã do Sol" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.