Savior. escrita por Izzy


Capítulo 2
Parallel Universe.




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Olhos de ressaca? Vá, de ressaca.

Dom Casmurro.

Louis estava em mais uma de suas entediantes noites arrumando alguns trabalhos em seu notebook quando recebeu uma mensagem.

Melissa Roganov.

19:11 PM.

Louis, uma aluna vai chegar em sua sala. Não tive tempo de explicar o porquê, mas estou certa de que ela vai avisá-lo sobre isso.

Louis Werlch.

19:12 PM.

Oh, não tem problema, Melissa. Farei tudo o que estiver ao meu alcance.

Melissa Roganov.

19:12 PM.

Obrigada!

*

Franziu o cenho. Não gostava de não saber das coisas, isso desde quando era pequeno. Sempre tivera a sensação de estar sendo perseguido e rodeado por mentirosos, e isso só piorava quando estava em uma situação onde os outros sabiam de algo que ele estava envolvido, mas ele não sabia de nada. Ainda assim, tinha que suportar, ou não conseguiria viver.

Como se eu quisesse viver, pensou consigo mesmo, antes de ouvir três batidas fortes na porta que o assustaram de imediato.

Levantou de sua cadeira em um pulo e caminhou até a porta, abrindo-a cautelosamente.

Assim que a abriu, não pôde conter sua surpresa ao deparar-se com os olhos da garota. Foi essa a primeira coisa que reparou pela metade de um segundo, antes de seus olhos transcorrerem discretamente por ela.

Infelizmente – ou felizmente – ela não fora assim tão discreta. Olhara-o dos pés a cabeça, e, quando finalmente chegou ao rosto de Louis, encostou o lado direito de seu corpo na porta, deixando um sorriso que ele não conseguiu decifrar enquanto o encarava.

– Digamos que eu tenha que agradecer a diretora, afinal. Embora não possa cumprir aquela promessa – ela disse enquanto o olhava, com um sorriso torto.

Louis encolheu-se por dentro, temendo o que a garota dissera e o que pudesse significar, mas logo se recompôs e pigarreou baixo.

– Você deve ser a aluna que a diretora Roganov tinha falado – ele disse, estendendo sua mão direita para ela – Meu nome é Louis Werlch. Sou o professor de reforço. Está indo mal em algo de Letras? – perguntou, meio a contragosto. Os olhos da garota lembrava a ele a definição dos olhos de Capitu. Se ela não fosse uma boa aluna justo na matéria que ele amava... Bem, isso não importava, ela era apenas mais uma aluna.

Kat segurou a mão dele levemente, com a desconfiança de repente estampada em seu olhar.

– Katarina Bluwin. A diretora não falou sobre mim? – ela perguntou, parecendo indignada.

Louis precisou se segurar para não soltar um pequeno riso e, mesmo Kat o vendo pela primeira vez, notou sua expressão quase risonha e ficou mais irritada. Que desaforo, pensou, encarando-o.

– Não teve tempo de falar. Disse que você podia explicar para mim...

– Oh, você é o formado para professor e eu tenho que te explicar. Que universo paralelo – ela disse ironicamente, voltando a se animar.

Louis arqueou as sobrancelhas quando ela passou por ele e entrou na sala sem ser convidada, sentando-se largada em uma das cadeiras giratórias que ele tinha em sua sala. Quando a cadeira andou um pouco para trás, Katerina soltou uma risadinha divertida, girando novamente.

– É, você precisa explicar ou serei obrigado a interromper Melissa.

– Melissa?

– A diretora Roganov – Louis explicou, revirando os olhos enquanto fechava a porta de sua sala.

– Hmm, eles se tratam pelo primeiro nome – ela murmurou maliciosamente, mas, ao ver o olhar que Louis lançara, chacoalhou a cabeça – É o seguinte. Aulas com a Carmille no curso de Letras, odeio a Carmille, infernizava a Carmille e ela me deu suspensão para o curso inteiro. Um ano de prejuízo, diretora resolveu me deixar com você para me dar as aulas que Carmille dava para mim porque você... Quais foram as palavras? O melhor aluno da faculdade e agora, o melhor professor recém-formado. Se não me engano, foi isso.

Louis franziu o cenho para a garota, que falava tudo rápido demais e com o sarcasmo inundado na voz dela. Já pressentira o desafio que a diretora colocara na vida dele, e não sabia o que fazer diante disso. Seria sua primeira aluna de verdade, que ele daria aulas durante um ano, entretanto... Já não havia gostado da maneira que ela falava.

– Aguentar uma criança durante um ano? – ele perguntou no mesmo tom irônico dela, e sentiu uma pequena satisfação ao ver os olhos dela lampejarem de raiva – Não vai ser tão difícil.

Não sou uma criança – ela disse rudemente, e, enfim, ele parou para observá-la melhor.

Katerina tinha os cabelos mais longos que ele já vira. Batiam até a metade da coxa dela, e eram uma mistura de liso com cacheado – e incrivelmente escuros, como a escuridão da noite. Mas havia tal claridade ali nas mechas delicadamente azuis. Uma franja reta e lisa emoldurava seu rosto – que era delicado, mesmo com a raiva que o retorcia levemente. Os lábios eram carnudos e pareciam desenhados, e o batom vermelho parecia ser natural. Talvez fosse. Tinha a pele quase clara, e as unhas curtas pintadas de preto. Usava uma blusa preta de frio sem estampa, e uma calça completamente larga em suas pernas. E os olhos... Os olhos eram castanho-esverdeados, uma cor completamente nova para Louis.

– Sim, você é – ele disse rapidamente para disfarçar a observação que fazia – Vamos começar logo essa aula. Do que Carmille começou a falar?

– Há duas semanas atrás, no começo do curso, ela falou sobre alguns autores brasileiros. Machado de Assis...

– Ela não começou de uma maneira muito...

– E de repente foi para o José de Alencar. Depois foi para uns poemas, e ontem não se agradou tanto com o meu – concluiu, dando de ombros.

Tenho que ler esse poema, Louis pensou.

– Ela não começou da maneira certa. O curso tem especialização em Literatura, certo? – ele perguntou, sentando-se próximo a ela, que voltara a rodopiar em sua cadeira.

– Sim. Mas aquela vaca velha, além de ser maldita, é burra – disse com um tom odioso na voz, que ficava meio bizarro com aquela visão infantil dela rodopiando junto com a cadeira e os cabelos no meio da sala.

Louis arregalou os olhos.

– Katarina – ele disse em um tom repreensivo.

Mas ela nem se importou.

– Bem, com o que vamos começar?

Louis suspirou.

– Vamos começar com você se sentando naquela primeira carteira, de um jeito decente – ele avisou, aproximando-se do quadro negro que ficava atrás de sua mesa.

– Oh, espera. Não posso ficar com essa cadeira?

– Não, ela é minha. Coloque no lugar que a pegou, e...

– Mas eu quero ficar com a cadeira! – ela protestou, juntando as sobrancelhas.

Louis suspirou. Menina chata.

– Se for uma boa aluna hoje, pode ficar com a cadeira até resto do ano. Mas deixe-a lá por enquanto, por favor, Katarina – ele pediu, chacoalhando a cabeça.

Foi para frente da sala e escreveu seu nome no quadro negro com um giz branco. Assim que terminou, escreveu, no meio do quadro, uma palavra em letras completamente elegantes: Romantismo.

– Letrinhas bonitas, professor – ouviu Katarina dizer atrás de si. Quando se virou, ela estava sentada na primeira carteira, com uma caneta preta balançando entre os dedos e o caderno aberto.

– Obrigado. Mas pode tirar essa caneta de suas mãos – ele disse, sentando-se sobre a mesa dele e ficando à frente dela – Não escrevo muito em aulas, embora minhas letrinhas sejam bonitas.

Kat soprou um riso baixo e na mesma hora se surpreendeu. Não era de rir, e, quando ria, eram apenas risos irônicos que saíam de sua boca. Mas esse fora sincero, e ela forçou-se até parar, ficando inexpressiva – fato que deixou Louis confuso. Ela largou a caneta preta e o encarou duramente, e ele de repente quis desviar-se do olhar dela. Aquele olhar...

– Quais livros já leu? – ele perguntou, com a voz que os professores geralmente assumiam quando começavam as aulas.

– Essa é a mesma coisa de perguntar quantas vezes lavei minhas mãos – ela disse, revirando os olhos. Mas suspirou ao ver a expressão dele – Tudo bem, li muitos. Inclusive vários que fazem parte do Romantismo.

– Sério? – ele perguntou, desconfiado.

– Sim. Mas só os que fazem parte da Literatura Brasileira.

Louis surpreendeu-se novamente.

– Quais?

– Li A Moreninha, Lucíola, Senhora, Escrava Isaura... Li também Dom Casmurro, embora na minha escola não tenham colocado esse como um romance. Li O Guarani... Ah, tenho mesmo que falar todos? – ela perguntou, mas um brilho anormal acendeu em seus olhos enquanto falara sobre quais livros havia lido.

Louis sorriu.

– Já tive uma noção. Algum professor da sua escola te mandou ler esses livros?

– Nenhum, eu apenas me interessei e comecei. Comecei com Dom Casmurro.

– Mas já havia nascido com os olhos de Capitu – ele observou.

Kat arregalou um pouco os olhos com a expressão que ele usara ao definir seus olhos, mas, antes que pudesse soltar uma resposta grosseira, o sinal tocou.

– Katarina – ele disse rapidamente – Pode me entregar seus dados amanhã? Tenho que ter algo sobre você para poder dar essa aula de uma forma correta.

Ela assentiu levemente enquanto levantava da carteira e guardava seu material. Pegou o pequeno papel com o e-mail dele e guardou no bolso de trás de sua calça.

– Te mando um oi e você me manda as perguntas, professor – ela dissera, enfatizando a última palavra.

Louis revirou os olhos.

– Dentro da sala pode me chamar de Louis, mas fora dela... Bem, me chame de professor – ele disse, olhando-a enquanto ela saía da sala.

– Tudo bem – Kat murmurou, dando de ombros.

– Posso te chamar como?

Ela virou-se novamente para ele e esboçou um sorriso malicioso.

– Me chame de Katarina por enquanto. Gosto de como meu nome fica em sua voz.

*

Naquela noite, ambos voltavam para casa pelo mesmo caminho, do mesmo jeito. Mas ambos estavam diferentes. Ainda assim, Louis jogou suas coisas sobre o sofá do apartamento e fez seu café, enquanto Katarina, em seu próprio apartamento, sentava-se junto à janela e olhava para os prédios e postes de luzes acesas na cidade enquanto acendia um cigarro. Somos vielas escuras de cidades cheias de luzes acesas, ela pensou, sentindo uma lágrima brotar no canto de seu olho esquerdo.


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