PoV Annie

Esse apocalipse facilitou muito a minha vida. Eu era uma garota problemática e sociopata entediada em um orfanato, lecionada por uma professora chata chamada Maggie e Phil, o diretor do Orfanato de Saint Lewis de Hilt Valley. Esse cara, Robert Lewis Douglas, foi um médico que descobriu a cura do M-Vírus, que devastou Rally State no início do século XX. Ao que parece, atingiu apenas os nossos bisavós e pessoas centenárias. Então, cem anos depois, seu neto John Lawliet, virou um médico falido que administrava o Orfanato de Saint Lewis.

Eu estava na segunda aula do dia, quase duas e meia da tarde de uma segunda-feira, quando escutamos uma explosão. A professora Maggie parou de falar abruptamente e observou pela janela várias pessoas correndo e arremessando pedras, gravetos e até tábuas.

Os doze alunos na minha sala (incluindo eu) começamos a espiar, pessoas correndo e gritando, como se estivessem com medo.

Provavelmente as pessoas descobriram que eu assassinei meus pais e meu irmão de três anos a sangue frio, com uma chave de fenda da loja de serragens do meu pai.

Eu dei uma gargalhada comigo mesma. Minhas piadas eram as mais sem graça.

Então a professora Maggie abriu a porta, para verificar o que estava acontecendo. Foi o seu pior erro. Uma mulher de trinta anos com o rosto deformado, olhos fundos e cabelos loiros e oleosos saltou nela, mordendo seu pescoço e mastigando sua carne, enquanto engolia seu sangue.

Todos os alunos gritaram, atraindo mais daqueles canibais deformados para a sala. Estes quebraram as janelas, cobrindo o chão com cacos de vidro. Eu pulei da cadeira e peguei uma caneta bem afiada. Uma aluna, Aline, estava sendo devorada por três canibais. Outros dois alunos, Brad e Lyla, estavam sendo mordidos. Eram dois irmãos mimados e exibidos. Acho que valia a pena eles terem morrido. Não me julgue por eu querer a morte de alguém.

Eu saí pela porta dos fundos, direto para o vestiário. Matt, um garoto musculoso que eu achava bonito, estava sendo comido por uma dúzia de canibais. Eu abri o meu armário e peguei uma foto do meu irmão. Só para ter um motivo para sobreviver: se morresse, iria encontrar ele no inferno. Não, muito obrigada.

Eu passei correndo pelos "zumbis" e entrei no corredor da escola. Quase sessenta alunos corriam, gritando de medo. Fui até meus amigos Henry e Samantha, encolhidos na sala de vassouras, onde estava o faxineiro estraçalhado pelos zumbis.

– Caralho, eu achei que você tivesse morrido - Samantha disse, me abraçando.

Eu suspirei e olhei pela fechadura da porta. O vigia, Charles, guiou os alunos até o porão, que dava para um bosque apertado, que tinha uma trilha para Lions City. O diretor Phil estava sendo devorado por quase vinte canibais. Eles eram mesmo uns animais.

Quase cem zumbis estavam perseguindo os alunos. Aproveitamos a distração e saímos de fininho pelo corredor até a enfermaria, onde estava John. Nós entramos, porém um zumbi entrou conosco. Quando ele ia arrancar meu pescoço com uma mordida, John apareceu e cravou um bisturi na testa do maldito canibal.

Eu limpei o sangue no meu rosto com a gola da minha camisa e me sentei em um banquinho de três pernas.

– Ok, gente. Charles guiou os alunos para o porão, mas eu esqueci que a fechadura da porta está quebrada. Apenas três ou quatro alunos irão escapar até os canibais entrarem. Então, preparem-se para o pior. Aqui tem um alçapão que leva até o outro lado da trilha. Escolham uma arma para se defender.

Eu peguei uma katana na mesa, Samantha pegou uma adaga e Henry pegou um machado. Nós descemos no alçapão e caminhamos pela floresta, por uns dez minutos. Ouvimos gritos e pessoas correndo, com sangramentos e hematomas.

Lá pelas três e pouco nós sentamos para descansar e pegar uma sombra de árvore. Fechei os olhos, com a cabeça latejando. Quando abri, vi John me olhando com uma expressão atônita. Quando reparei, seu braço estava sendo mastigado por um zumbi. Seguida por meu instinto, peguei minha katana e decapitei o canibal.

– Mate-me - John disse, com as lágrimas correndo pelos olhos.

Eu o encarei, perplexa. Eu era sociopata apenas matando quem eu não gosto, mas quem eu gosto...

– Vai! Ele me mordeu, ou seja, em algumas horas eu vou virar um deles!

Hesitei por alguns segundos, então reparei que Samantha e Henry me olhavam. Empunhei minha katana e decapitei John. Sua cabeça caiu com um baque surdo entre as folhas, com o sangue tingindo-as de um vermelho-escuro.

Sam começou a chorar. Eu guardei minha katana em uma bainha improvisada nas minhas costas e caí de joelhos no chão. As minhas últimas lágrimas, a última vez que eu chorei.

– Temos que seguir - eu disse.

Nós seguimos calados a trilha. Depois de quinze minutos, avistamos um hospital no centro de Lions City. Então, Sam gritou. Ela tinha pisado em uma armadilha de urso. As lâminas cravaram em sua canela, fazendo o sangue manchar o chão.

Quase uns cinquenta zumbis foram atraídos pelo grito de Sam. Estávamos fodidos. A medida que eles iam avançando, notamos que escapamos da frigideira para o fogo.