Contato escrita por Aleksa


Capítulo 1
Espelho




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         Introdução

 

         Era outono, o “recesso escolar” tinha acabado há pouco tempo, e junto com ele acabaria também a minha paz... Primeiro dia de aula, a faculdade tinha muitos rostos novos, pessoas que ainda não tinham nenhum vínculo com ninguém, mas que em breve iriam se encontrar dentro dos diversos e complicados grupos de lá.

Quem poderia dizer que entre todos aqueles rostos, justamente aquele que me parecia mais inofensivo iria tornar a minha vida num redemoinho de emoções confusas e caóticas caminhando inevitavelmente para o mesmo fim... Fracasso. Daí para frente eu iria sentir na pele, literalmente, o significado de “não julgue um livro pela capa”...

 

 

 

 

                                      Capitulo 1 - Espelho

 

         - Bom dia alunos! Como passaram o feriado? – a simpática professora de literatura contemporânea, uma das matérias mais pateticamente sem razão, que, por alguma razão consta no meu currículo disse animada... Como sempre...

         - Sim professora... – todos disseram em uníssono, tão mecanicamente quanto o esperado.

         - Que ótimo! – a professora respondeu inexplicavelmente alegre. –   Mas, antes que eu comece a aula devo apresentar o novo aluno que ficará nessa sala conosco, o senhor Yuriel Aleric Valentine, ele foi transferido esta semana.

         - Olá... – o meigo garotinho que aparentava não ter mais de treze anos disse um tanto acanhado em frente a sala.

         - Ei, Alice, você não acha ele uma gracinha? – Minha amiga Sarah disse se inclinando um pouco para o meu lado, sem desviar o olhar do pequeno garoto loiro de olhos azuis, parado em frente à classe.

         - Mas ele não parece meio novo pra estar na faculdade?

         - Talvez sim, mas sei lá, e se ele for um daqueles garotos prodígio que a gente vê na televisão?

         - Ai, acho que você anda vendo muita TV Sarah...

- Nunca se sabe...

- Oh céus... – eu disse um tanto frustrada com o delírio de Sarah, nada disso era muito realista.

- Pois muito bem. – a professora disse parecendo empolgada com o novo aluno. – Vá se sentar Yuriel, nós vamos começar a aula.

- Está bem. – ele disse caminhando escada acima em direção a sua cadeira.

Um fato muito curioso é que além de falar e agir como criança, ele também usava roupas um tanto maiores que ele, vermelhas e pretas que lhe cobriam os dedos, eu tinha que admitir, o garoto era uma gracinha!

A aula foi tão chata quanto esperado, e tão forçosamente inútil quanto possível, mas, como eu disse, constava no currículo...

- Alice. – o diretor disse da porta de sua sala, por onde eu era obrigada a passar para ir até a classe de historia. – Você está na sala de Yuriel o aluno novo, certo?

- Sim senhor. – eu disse um pouco apressada, se isso demorasse muito iria chegar atrasada.

- Eu gostaria de saber se você poderia ajudá-lo a se adaptar, não precisa fazer muito, só apresente-o as pessoas, as outras atividades como música e teatro, coisas assim, nós queremos que ele se adapte.

- Ah, sim senhor, sem problemas. – eu estava OFICIALMENTE atrasada, só queria acabar logo a conversa e ir pra aula... Grande erro.

- Ah ótimo, então no fim do dia venha até a minha sala, apresentarei vocês dois, certo?

- Sim senhor, mas agora, eu realmente preciso ir, ou vou chegar atrasada na aula de historia.

- Ah, sim claro, vá.

- Certo, até logo então.

- Até.

Com isso corri desesperadamente até a sala onde teria historia, onde por três segundos eu não teria entrado, assim que cruzei o batente da porta o professor chegou, deu tempo pra pegar a aula toda, no final do dia eu teria que ir ver o diretor para apresentar a escola ao aluno novo, muito bem, nada muito complicado... Certo?

O resto do dia foi quieto, eu não tive muitos problemas, a não ser, que deixei cair café no meu casaco, mas isso eu poderia contornar, tive matemática, geometria analítica se não me engano, detesto essas matemáticas, e, enquanto eu tentava criptografar todos aqueles símbolos intermináveis que preenchiam a lousa, Yuriel distraidamente dormia em sua cadeira, como ele poderia se dar ao luxo de dormir em um momento como esse, mas isso não passaria em branco, a professora de geometria o chamou a lousa, para resolver o gigantesco problema matemático ao qual estávamos todos desesperadamente lutando para decifrar.

- Yuriel, venha à lousa e resolva o problema.

- Hum... Ah. – ele disse olhando sonolento para a lousa, espreguiçando e descendo enquanto esfregava os olhos, de fato, ele parecia uma criança pequena depois de acordar, tudo o que faltava era o coelhinho de pelúcia e o pijama estampado...

- Pois bem, resolva. - professora disse apontando para o quilométrico problema na lousa, devo admitir, senti muita pena dele...

- Então está bem... – ele pegou o giz branco com a mão direita e começou a escrever, milhares de números gigantescos, que ocuparam todos os espaços restantes da lousa, até chegar na seguinte resposta: 4,2.

Nem preciso comentar, todos na sala estavam terrivelmente atônitos, COMO? Quer dizer, ele estava DORMINDO, como seria possível que alguém semi-consciente poderia ter resolvido um problema que outros noventa alunos completamente compenetrados não conseguiam? Talvez Sarah tivesse razão, e ele fosse um daqueles prodígios que vemos na TV...

Depois dessa aula, era hora do almoço, pois bem, antes de ir, eu precisava ir falar com o diretor, eu não estava afim, mas...

- Olá? – eu disse batendo na porta da sala do diretor, ela estava aberta então, eu entrei. Sentado na cadeira em frente à mesa estava Yuriel com um olhar bastante distraído, distraído o bastante para não me notar entrar, eu me aproximei da mesa, e o olhar vago de Yuriel subitamente se dirigiu a mim, era diferente do que eu esperava, não era meigo e amigável, era frio e inexpressivo, e com esse olhar ele me perguntou:

- E você seria...? – uma pergunta bastante indelicada para alguém com aquelas feições.

- Ah, eu sou Alice, o diretor me mandou aqui para... – ele me interrompeu dizendo.

- Eu perguntei só quem era você, o que você foi mandada a fazer, ou o que você quer... Não me importam de maneira alguma. – ele disse olhando nos meus olhos, me surpreendeu a frieza e a rispidez das palavras dele, eu ia comentar, mas, o diretor entrou porta a dentro, e disse arrumando a gravata:

- Sinto pelo atraso, tive que parar uma briga no pátio...

- Ah, sim... – eu disse ainda surpresa com a frieza de Yuriel.

- Enfim, este é Yuriel, vocês já se conhecem?

- Sim, ele faz literatura contemporânea comigo...

- Pois bem então será mais simples.

Yuriel se levantou e sorriu amigavelmente pra mim, como se nada tivesse acontecido, em seguida estendeu a mão e disse:

- Pode me chamar de Yura.

Eu estendi a mão agora surpresa com a mudança de comportamento tão súbita, será que eu havia me enganado quanto a ele, e sua atitude não havia sido nada...Talvez...

- Prazer Yura...

- Igualmente. – ele disse amigavelmente, com um sorriso simpático e os olhos infantis e inocentes que eu havia visto hoje durante quase todo o dia.

- Agora que vocês já se conhecem, Alice, vá mostrar as salas da escola a ele, sim?

- Certo.

Saímos da sala do diretor, Yura ainda sorria amigavelmente, olhando ao redor como se fosse algo novo, com um olhar empolgado, infantil e agradável.

- Aqui é a sala de musica, uma das aulas de artes, ela é facultativa. – eu disse caminhando para dentro da sala de musica, onde estavam o piano, e os outros instrumentos, como violinos, harpas, entre outros.

- Ah... – ele disse caminhando na minha frente e olhando os instrumentos da sala de musica.

- Er, Yura, eu sei que é indelicado, mas, será que eu poderia fazer uma pergunta?

- Vá em frente. – ele disse um tanto sem foco no que eu dizia.

- Quantos anos você tem?

- Acredito que cerca de cinco meses a menos que você...

- O que?!

- Por quê? – ele disse agora olhando pra mim.

- É que... Você parece mais novo.

- Ah, sim claro.

Isso queria dizer que ele tinha cerca de dezenove anos e dois meses, mas, isso não era possível, ele teria no máximo doze ou treze anos, ele tinha que estar mentindo pra mim.

- Se quiser eu mostro o meu RG... – ele disse mexendo nas flores do vazo sobre o piano. Mas como ele poderia saber o que eu estava pensando? Será que deixei meu choque transparecer tanto assim?

- N-Não é necessário, não haveria motivo para você mentir sobre algo tão banal.

- Nunca se sabe, as pessoas fazem coisas estranhas... – mas o que raios ele estava fazendo?! Estava tentando me convencer de que ele estava mentindo?!

- Hump, não leve isso tão a serio. – ele disse olhando a indignação nos meus olhos, e sorrindo sarcasticamente. – Vamos ver o resto da escola?

- Claro... – eu disse já não tão certa sobre a verdadeira mentalidade de Yura.

- O diretor te mandou para me mostrar a escola. Hump, por acaso ele acha que eu vou me perder no caminho das salas, ou ele simplesmente espera que eu enturme?

- Acho que ele quer que você se adapte.

- Sei. – ele disse olhando fixamente para frente. – Mas diga Lili-chan você faz alguma dessas aulas? – ele disse subitamente olhando para mim e sorrindo.

 - Não... Eu não gosto muito de arte...

- Ah é? – ele disse parecendo curioso.

- É não sou muito competente... – eu já não fazia idéia de qual fosse a real personalidade de Yura, isso não é normal, ele devia ser bipolar.

- Ah...

Nesse momento eu senti uma grande vontade de olhar para ele e dizer “e ai, qual é a tua?!”, mas eu já não tinha certeza do que fazer.

De repente Yura teve um colapso e desmaiou no meio do corredor, mas não tinha mais NINGUEM na escola nesse momento, o mais sensato a se fazer seria levá-lo a enfermaria e esperar a enfermeira voltar do almoço.

- Ai, acho que eu não tenho muito talento pra isso... – resmunguei para mim mesma.

Ele era muito mais leve do que aparentava, outra característica que o assimilava a uma criança, apesar de ele ser só um pouco mais baixo que eu. Já na enfermaria eu o coloquei em uma das macas do aposento e me sentei ao lado da cama, em uma das cadeiras.

- E agora? – comentei em voz baixa, será que eu devia fazer alguma coisa, ou esperar a enfermeira voltar? Maldito dia para o meu celular ficar em casa... Eu não sei se suportaria ficar simplesmente sentada esperando a enfermeira, pelo amor de Deus! Aula de saúde tinha que servir pra alguma coisa! Eu podia pelo menos ver se ele tinha febre... mas, e se ele ficar revoltado? E agora? O que é que eu faço? Eu passei um vinte e cinco minutos pensando, e pensando, e pensando... Mas que coisa! Por que o almoço tinha que demorar tanto!

- Que seja, cansei de esperar! - peguei alguns dos instrumentos da enfermeira entre eles o termômetro.Tá, grande avanço, agora eu tinha que por o termômetro, mas, desabotoar a camisa de um homem desacordado é tão errado... mas, o homem em questão podia estar morrendo naquele momento, eu não faço idéia do que um termômetro faria isso mudar, mas nesse caso, eu poderia oficialmente entrar em pânico...

- Que Deus me perdoe... – eu disse esperando que algum dia eu pudesse simplesmente fingir que nada havia acontecido...

E assim foi, eu comecei a desabotoar a camisa preta de Yura, com uma culpa enorme, claro, pelo menos até notar como a pele de Yura era quente e macia... Mas, quando eu cheguei no quarto botão, o ultimo necessário para que eu pusesse o termômetro no braço de Yura, ele abriu os olhos devagar, sorriu um sorriso malicioso e disse:

- Pervertida, abusando assim descaradamente de um garotinho inconsciente, o que você pretendia exatamente...?

- Yura?! – eu caí pra trás num impulso da surpresa ao ver Yura acordar.

- Surpresa?  - ele disse se apoiando na borda da cama.

- Na verdade, SIM!

- Hump, ainda tem a cara–de–pau de admitir que estava mal intencionada, que feio... – ele disse num falso tom de reprovação.

 - N-Não é por isso! – eu disse levantando corada pela maneira descarada a qual Yura se referia à situação.

- Ah é? Olhe nos meus olhos e diga que você não ficou pelo menos um pouco “distraída” de seu objetivo inicial.

Eu não poderia dizer isso calma e friamente, mesmo que tentasse. Afinal, Yura parecia mostrar uma incrível capacidade de ler os meus pensamentos. Diante de meu silencio ele sorriu de novo e disse:

- Entendo...

- Espere, mas isso não quer dizer que eu quisesse fazer nada, eu pensei que você tivesse tido um colapso e não sabia se você estava bem, só isso!

- Sei... – ele disse com um olhar cético.

- É verdade! Alias... Você desmaiou mesmo?

- Talvez. - ele disse sorrindo com um olhar maldoso.

- Qual é o seu problema?! Você é bipolar por acaso?!

- Há! Nem se preocupe, eu não tenho nenhum transtorno de personalidade.

- Então qual é a tua?! – eu disse basicamente no meio de um desabamento emocional.

- Descubra você mesma, Lili-chan... – eu estava pronta pra me atirar no pescoço dele e estrangula-lo até ele ficar azul, MAS, a enfermeira chegou... Yura deu um sorriso sarcástico olhando pra mim, subentendendo algo como “há! Tenta me matar com ela aqui”, a enfermeira olhou pra nós e disse:

- O que foi? O que vocês dois fazem aqui?

Antes que eu pudesse pensar na resposta Yura virou para a enfermeira e disse:

- Minha pressão caiu hoje enquanto Lili-chan me mostrava a escola, então ela me trouxe pra cá. – com a expressão mais impecavelmente adorável e pura que se possa pensar, parecendo até um pouco sonolento, e com aquele olhar infantil amável e simpático. Eu quis quebrar o nariz dele com alguma coisa, tipo um banco ou sei lá, mas eu não poderia... Tinham testemunhas demais...

- E você já se sente bem? – a enfermeira disse num tom maternal e preocupado.

- Ah sim, Lili-chan cuidou de tudo. – ele disse com um sorriso lindamente fofo.

- Ah, que bom, obrigada Alice.

- De nada... – a minha voz soou gelada e rancorosa.

- Algo errado Alice? – a enfermeira perguntou, eu me recompus fechei o tom e disse:

- Ah sim. – sorrindo, a enfermeira sorriu de volta e disse:

- Então acho que vocês já podem ir.

- Ok. – eu disse trancando o som raivoso dentro da minha garganta.

Saindo da sala da enfermeira, eu já estava pronta pra trancar Yura dentro do banheiro ou algo assim, ele olhou para mim sorrindo como sorrira antes, sarcástico e irônico, dizendo:

- Conte pra quem você quiser, ninguém nunca vai acreditar.

Ele tinha razão, quem iria acreditar que aquele ser fofo e amável era um maluco pervertido, manipulador e irônico.

- Qual o seu problema comigo?

- Nenhum Lili-chan, só estou a fim de brincar, e eu fui com a sua cara, então, não se preocupe, ainda vai ficar mais profundo. – dito isso ele saiu com um sorriso sádico, eu sabia que ele podia fazer isso, eu não tinha como impedir nada disso, ele era um ator perfeito...

 


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