Greengrass escrita por isa


Capítulo 1
Nascida na Tormenta




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Em meados dos anos 70, quando Joseph e Freya se casaram tornando-se respectivamente, o Sr. e a Sra. Greengrass, eram orgulhosos detentores da nobreza bruxa e do chamado sangue puro. Não se gostavam muito naquela época – ou em qualquer outra – mas ambos estavam confortáveis com o casamento que haviam conseguido.

Ele era um homem corpulento, de estatura mediana e de rosto quadrado que transmitia um leve ar de imponência e arrogância. Trabalhava em um alto cargo no Ministério da Magia como seu pai, avô, bisavô – e provavelmente boa parte de seus ancestrais – embora seu desejo oculto sempre tivesse girado em torno de ser um inventor. Quanto à sua jovem esposa de feições aristocratas, pouco cabe dizer. Para Freya, manter a posição social sobre a qual nascera e pertencia desde então parecia ser ambição suficiente para uma vida (mesmo sendo uma exímia pianista e nutrir certo gosto por herbologia).

De certo, a posição social e os benefícios que isto lhes trazia era a única coisa da qual compartilhavam e amavam a tal ponto que logo após mais uma [des]merecida promoção de trabalho da parte do Sr. Greengrass, decidiram que já era hora de começar a pensar em prorrogar a linhagem tão imaculada na perspectiva da elite bruxa.

Foi assim que poucos dias antes do fim do ano de 1979 a primeira herdeira nasceu: Dafne era de longe o bebê mais bonito que qualquer um dos dois já tinha visto na vida e naqueles tempos sombrios – mesmo para os que tentavam ignorar – era como um sopro de alegria assistir o modo como aquelas bochechas rosadas, nariz arrebitado, olhos claros e cabelos cor de trigo se complementavam. A criança era elogiada por onde quer que os Greengrass fossem, e desde pequena parecia adorar a bajulação recebida, as grandes festas e tudo que fazia parte de seu mundo.

Encorajados pelo sucesso que consideraram ser a primeira gestação, decidiram que outro filho só traria mais prestígio a família. Freya ficou grávida pela segunda vez, mas por infortúnio, o segundo herdeiro morreu antes mesmo de nascer. Desconsolada, a Sra. Greengrass só veio a ser feliz novamente quando descobriu a terceira gestação. Teria outro garoto e, por Merlin, esse seria forte e resistente.

Incentivada por esse pensamento ela redobrou os cuidados, tomou poções que eram benéficas ao feto e apenas um mês depois do segundo aniversário de Dafne, a família ganhou mais um membro, que nasceu em um dia particularmente feio.

O tempo estava cinza, a chuva incessante, o uivo do vento arrepiava espinhas e dos janelões do quarto de dormir do Sr. e da Sra. Greengrass era possível ver raios bifurcados e uma cortina de água caindo do céu. Trovões ribombavam abafando os gritos de Freya, mas nada foi capaz de encobrir ou de soar tão forte quanto o primeiro choro dela.

A decepção (ainda que velada) por ser outra garota, em nada se comparava as muitas que ainda viriam.

Astoria já nascera decidida a contrariar a ordem natural da família, a começar pelo aspecto físico: tinha os olhos verdes muito mais vivos do que os verde-água melancólicos dos pais e da irmã, além de um cabelo castanho escuro herdado do avô materno, ao passo que todos os outros Greengrass eram reconhecidos por mechas claras. Era tão bonita quanto a irmã mais velha, mas a julgar pelo fato de que sempre estava chorando quando recebiam visitas ou quando decidiam sair, ninguém reparava nisso.

Começou a ser reconhecida pelo seu gênio antes mesmo de começar a falar, o que, a propósito, demorou a acontecer.

Quando o Sr. e a Sra. Greengrass finalmente aprenderam a acalmar seus ânimos – Astoria parava de chorar quando estava suficientemente distraída com cartilhas de criaturas mágicas – a menina parou de dar sinais de que se importava com qualquer outra coisa. Era muito quieta e brincava sozinha, por maiores que fossem os esforços de Dafne de fazer a bebê de boneca.

Aos três anos, apesar de reconhecer e apontar objetos quando os queria, ainda não havia proferido coisa alguma, preocupando a mãe de tal maneira que a Sra. Greengrass começou a dedicar boa parte do tempo a repetir palavras soltas na esperança de que Astoria dissesse algo, o que acabou acontecendo eventualmente.

A Sra. Greengrass tinha acabado de dizer – pelo que lhe parecia a milésima vez – “diga mamãe, querida” e encarando-a, Astoria respondera com um sonoro “não”, sendo esta, oficialmente, sua primeira palavra e também sua preferida durante muito tempo.

A partir daí, à medida que Astoria crescia, mais sua mãe sentia-se saudosa quanto a criança quieta e reclusa que ela fora na primeira infância, afinal de contas, para bem ou para mal, uma criança muda era menos preocupante e inconveniente do que a garotinha de língua afiada que parecia uma opinião formada para tudo e que era esperta o suficiente para fugir de casa a fim de brincar com meninos trouxas do vilarejo mais próximo.

Intimamente, o Sr. Greengrass achava graça no comportamento da filha e até se orgulhava do modo como ela tinha um pensamento rápido. No entanto, não podia discordar da esposa que o comportamento da menina era não apenas perigoso como inaceitável para alguém que nascera sob sua condição, portanto, começara a lhe aplicar castigos.

O embaraçoso é que quanto maiores as penalidades, mais planejadas eram as fugas, até que – em vias de Freya ter um colapso nervoso – os Greengrass decidiram se mudar para um lugar maior e mais afastados onde, em protesto, Astoria passava horas trancafiada na biblioteca.

Dafne – que se sentia entediada em bibliotecas e em qualquer lugar silencioso o suficiente para ouvir os próprios pensamentos – não podia estar mais descontente com a irmã que recebera. Todo mundo achava sua irmãzinha esquisita e ela não tinha uma opinião diferente, mas o seu verdadeiro horror – e o horror de seus pais – só começou depois de Astoria completar os sete anos, a idade em que se esperava das crianças bruxas os primeiros indícios de manifestação mágica: proezas e gracejos que elas geralmente se orgulhavam de mostrar para a família e os amigos dos familiares sempre que possível. Astoria não parecia produzir nada, e se produzia, não parecia disposta a mostrar para ninguém.

Nos eventos que os Greengrass frequentavam, a alegria das bruxas da alta sociedade estava em discutir os avanços de seus filhos e lançar ligeiros olhares nervosos de pena à Freya – a quem, coitada, fora abençoada com uma filha tão desenvolta e graciosa e outra tão... Difícil.

Farta de se sentir envergonhada pela irmã, Dafne decidiu (depois de voltar de um dos inúmeros bailes com a família) explicar para a mesma que ser esquisita não era uma coisa boa, que ela estava deixando-a muitíssimo constrangida e que ninguém nunca poderia gostar dela de verdade se não começasse a se comportar como uma mocinha.

Astoria, que escutou a tudo com um crescente rubor no rosto, obviamente já ouvira isso muitas vezes da mãe, mas nunca de modo tão direto. Tomada por um ódio profundo de Dafne, dos lugares que precisava frequentar e especialmente do que não podia fazer, ela pediu para ser deixada em paz e quando seu pedido não foi atentido pela terceira vez, aquilo aconteceu: as bonecas caras e medonhas de Dafne voaram das prateleiras em direção à dona, que, pega de surpresa, soltou um berro e correu do quarto em disparada com as bonecas em seu encalço.

Astoria só teve tempo de abrir um pequeno sorriso antes de ouvir os passos apertados e firmes da mãe. O pânico se alastrou tão rápido pelo peito quanto o ódio e a pequena satisfação dos minutos anteriores.

“Deixe-me falar com ela” a voz do Sr. Greengrass soou próxima à porta e um instante depois ele estava dentro do quarto que ela dividia com a irmã mais velha (que ainda estava aos gritos em outro aposento da casa).

— Você fez aquilo? – perguntou com o rosto sem expressão. Astoria sentiu os olhos úmidos e como poucas vezes acontecia, não soube o que dizer. Depois de longos e tortuosos minutos, sentiu a necessidade de assentir com a cabeça, mas sem coragem o suficiente para encarar o pai. Ela ouviu um suspiro e logo depois foi erguida no ar, amparada por um par de braços que a apertaram num abraço. – Graças a Merlin. – Mais uma vez, ela não soube o que responder, mas gostou tanto do abraço que até se esforçou para se portar melhor nos anos que se seguiram, e particularmente achou que a tarefa se tornou bem mais fácil quando Dafne tomou o trem para Hogwarts pela primeira vez.

A mãe não fazia tantas comparações quando a irmã estava ausente e em retribuição Astoria fazia o possível para não manifestar os infinitos aspectos de personalidade que culminavam nas discussões já conhecidas.

No auge dos seus nove anos, passava a maior parte do tempo sonhando com Hogwarts. Ficara fascinada com a estação 9 ¾ , a fumaça, os alunos empolgados, as diferentes despedidas... Imaginava o tempo todo o que aconteceria quando fosse sua vez. Criava amigos e diálogos, divagava para que casa iria – todo mundo que ela conhecia era da Sonserina, mas Astoria sabia que não era como todo mundo – e no final sempre concluía que nunca desejara tanto algo na vida como desejava ter idade o suficiente para partir para a escola.

Contudo, ela não era a única a especular sobre sua futura vida acadêmica. As vésperas do seu décimo primeiro aniversário, a Sra. Greengrass finalmente convenceu o marido sobre o erro que seria mandar Astoria para Hogwarts. A mulher temia o que a escola – sob a direção de Dumbledore – acrescentaria à mente já perigosamente expansiva e flexível de sua caçula. Mais que isso, temia que o espírito rebelde, a coragem e a inteligência não a fizessem exatamente uma forte candidata à casa de Salazar Slytherin, e uma vez que discutira tudo isso com o Sr. Greengrass, ambos apressaram-se em mandar uma carta ao castelo pedindo encarecidamente a transferência de vaga para outra escola igualmente requintada, L’Académie de Magie Beauxbatons.

O internato ficava mais longe e nunca seria tão famoso quanto Hogwarts, mas valia a pena. A Sra. Greengrass tinha a esperança de que lá Astoria aprendesse de uma vez por todas as regras de etiqueta que Dafne nunca tivera problema em seguir. Com o coração exultante diante de tal perspectiva, foi com alegria que avisou à filha sobre as mudanças de plano, acreditando ser esse o maior presente que poderia lhe dar, ainda que não entendesse – e ela não entendeu – imediatamente.

Astoria nunca se sentira tão infeliz quanto naquele aniversário, mas se recusou a chorar, por maior que esse fosse seu desejo durante todo o dia. A pilha de presentes com embrulhos chamativos permaneceu intocada no mesmo lugar e assim ficou até a data em que uma veela, a mando da Academia, fora buscá-la. Ela pegou a mala quase vazia – o material, como disse a veela, já fora todo direcionado ao seu lindo dormitório, ao qual ela certamente amar-r-r-ia – e acenou sem vontade para os pais.

Era a ultima vez que os veria em muito tempo e ainda assim, a única foto que levava mostrava Tinta – sua coruja – empoleirada na gaiola. Era um pensamento bobo, mas a menina estava muito deprimida achando que o animal certamente se perderia ou morreria de cansaço ao percorrer uma distancia tão longa.

Felizmente – e essa foi a única boa noticia durante aquele primeiro ano – Tinta não se perdia e parecia perfeitamente bem de saúde quando se viam, o que na integra, significava menos vezes que Astoria gostaria, já que o corujal de Beauxbatons ficava bem longe do palácio e as aves só tinham permissão para adentrar a escola em ultima instancia (aparentemente os fundadores não acharam de bom tom o contato entre os alunos e as corujas durante o café da manhã como em Hogwarts, por exemplo).

Astoria odiava essa regra mais do que odiava a todas as outras. Mais até do que odiava aquelas imensas esculturas de gelo no salão principal e definitivamente mais do que odiava todos os alunos pomposos e aquele uniforme horrível, cor de azul bebê.

Passou a dedicar todo o seu tempo e concentração em um jeito de ser expulsa dali e quase conseguiu o feito numa aula de feitiços, quando a Prof. Cécile pediu para que as meninas (as aulas eram separadas por gênero) bordassem – com o auxilio da magia – numa delicada almofada, uma palavra que as inspirasse. O exercício exigia verdadeira concentração de diversas calouras, mas Astoria era nitidamente um talento: não apenas parecia se divertir com a tarefa como a terminou antes de qualquer outra.

Quando a professora pediu que ela fosse à frente da classe e apresentasse o seu trabalho, ela assim o fez com uma satisfação a muito tempo não sentida.

Erguendo a almofada, mostrou a todas as colegas (que não demoraram a ficar pálidas e constrangidas) o palavrão que havia bordado duas vezes: em inglês e em francês, o suficiente para fazer a pobre professora tombar desmaiada.

Madame Maxime que já era naturalmente alta, pareceu dobrar de altura, tamanha era sua fúria ao receber a noticia. Não era a primeira vez que tinha relatos escabrosos da aluna de primeiro ano. Palavras amáveis, avisos e detenções não adiantavam mais, de modo que a diretora só via um caminho.

E quando ela explicou à menina – depois de enviar uma carta aos seus pais – que lamentavelmente a escola não tinha preparo para admitir alunos com seu perfil, Astoria sentiu borboletas no estomago e precisou se controlar bastante para não saltitar até o dormitório.

Mas a alegria durou pouco.

Ela mal tinha terminado a primeira mala quando recebeu um memorando encantado da diretora pedindo desculpas pela decisão inicial e comunicando que obviamente encontrariam um meio de dar continuação aos seus estudos na instituição, o que levou a criança a crer que seja lá que o que fosse que seus pais tinham feito para persuadir a diretora, havia dado certo. E assim morreu qualquer esperança de se livrar da escola por meio de expulsão, embora ela se recusasse a abandonar as alternativas. Estudou com afinco toda a estrutura do palácio ao invés de se ocupar chateando professores, o que lhe rendeu um desempenho inacreditável em relação às notas.

Não se esforçava para agradar a ninguém, mas todo corpo docente de Beauxbatons passou a amar e admirar a sua desenvoltura nas matérias. Astoria tinha um carinho especial por Feitiços e Trato de Criaturas Mágicas e por maior que fosse o esforço para não parecer interessada em coisa alguma, em seu sexto ano – período de exames na escola – Astoria descobriu duas coisas que definiriam seu futuro para sempre: a primeira era resultado do seu trabalho árduo e espírito livre; levara tempo, mas ela finalmente sabia como fugir dos terrenos de Beauxbatons sem ser vista e devido a isso passou a explorar o mundo trouxa como poucos bruxos de sua idade tirar a coragem e/ou vontade de fazer.

A segunda era decorrente do fato que ela obtivera aprovação máxima em todas as matérias, tendo passe livre para começar a pensar em qualquer profissão e, no entantod, só uma a agradasse de verdade.

Astoria decidiu que seria curandeira.

Foi assim que, para os crédulos, a moça selou seu destino. Ao cabo de mais um ano, terminou os estudos e retornou à antiga mansão Greengrass, sendo calorosamente recebida pelos pais e irmã como se nunca tivesse existido desavenças entre eles.

Sustentou a falsa realidade por poucas semanas, até a data de seu 17º aniversário.

Nessa ocasião, tendo alcançado a maioridade na sociedade bruxa, Astoria fez as malas em silencio e teria saído de casa em silencio se não fosse as suplicas desesperadas da Sra. Greengrass.

Ela escutou pacientemente ao pedido para que ficasse e a ultima palavra que disse à mãe foi, ironicamente, a primeira que havia lhe dito na vida:

Não.


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