Guardião escrita por Michelle Hawk


Capítulo 8
Elizabeth Blowest, 1767


Notas iniciais do capítulo

Olá, amores! Eu sei que atrasei (tanto em responder os comentários quanto em postar o capítulo), mas é que eu estive dodói esses dias. Comi um biscoito que não me fez muito bem e passei mal mesmo. Sem contar que teve umas tretas com a minha faculdade (para quem não sabe, faço Enfermagem na federal da Bahia) e tive que correr para resolver. Perdão mesmo, mas já tá tudo certo e vamos regularizando essa bagaça...

Hoje, como o título diz, vamos falar sobre a mulher que já apareceu algumas vezes na história, mas que pouco sabem sobre ela. Hoje é revelado o segredo, meu povo. Espero que gostem, viu?



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Quando Dylan percebeu que William havia desaparecido, correu até o encontro de Julia. A garota ainda estava deitada no chão e se arrastava na tentativa de chegar até a sua bolsa, que voou para longe quando foi arremessada.

— Julia — chamou ao se ajoelhar ao lado dela.

— Fica longe de mim — o encarou, enquanto fazia uma careta. — Você é tão mentiroso quanto a minha própria família. Você me abandonou.

— Me deixa explicar. Eu imploro — pediu tentando erguê-la. Julia urrou de dor e o empurrou. Apoiou-se em uma das árvores e ergueu o corpo.

— Não — respondeu. A dor em suas costelas era quase insuportável. Cada movimento de respiração era um dos maiores sacrifícios que ela fez em sua vida.

— Então me deixe apenas te levar a um lugar seguro e prometo sumir da sua vida — Dylan respondeu por fim. A garota ergueu os olhos em sua direção.

— Tudo o que eu lhe pedi foi a verdade — Julia chorou enquanto fazia uma careta de dor. — E você não teve a coragem de me dizer.

— A verdade é feia e perigosa, Julia.

— Não é muito diferente da mentira — ela respondeu tossindo. Aquele simples movimento foi o suficiente para lhe fazer ir ao chão outra vez. Parecia que engasgaria a qualquer momento, até cuspir uma quantidade de sangue. — Eu não consigo respirar direito.

— Tenho que te levar a algum lugar, por favor. Não posso perder você outra vez. Eu não vou suportar — implorou, segurando o rosto dela e fazendo-a encará-lo. Julia abaixou a cabeça e assentiu.

Dylan a segurou pelas costas e pelas pernas, erguendo-a nos braços. Julia gemeu e apoiou a cabeça no ombro do rapaz. Ele caminhou apressadamente para fora da propriedade, parando exatamente quando um carro freou bruscamente em sua frente.

— Entrem, agora — Tina mandou. Estava sentada no banco da frente e quem dirigia era Bruno. O rapaz não pensou duas vezes e colocou Julia deitada no banco, apoiando a cabeça e uma de suas pernas. — O que aconteceu com ela?

— Bill apareceu e... — parou de falar. Prendia um choro de desespero. — Se eu não tivesse chegado a tempo, ela estaria morta.

— Droga, Dylan — o pai respondeu, batendo a mão no volante. — Onde você esteve todos esses dias? Não é obrigação sua protegê-la?

— Eu estava tentando despistá-los — respondeu. — Minha fonte me disse que viu meus irmãos na propriedade da escola, sondando os funcionários do local para saber a meu respeito. Não tive outra opção a não ser pegar a droga da moto e mudar de cidade. Achei que fazendo isso eu os afastaria de Julia, mas Bill descobriu que morei aqui por um mês inteiro e ficou. Georgiana e Charles foram atrás de mim.

— Poderia ter ao menos respondido meus e-mails — Julia sussurrou em meio a uma careta de dor e outro gemido. — Achei que eles tinham feito alguma coisa com você.

— Eu não podia dar a eles a chance de te encontrar. Descobriram meu perfil do Facebook, por isso tive que excluir. Determinaram a origem do meu IP e qualquer mensagem que eu trocasse com você, eles saberiam. Fiz isso para te proteger, mas falhei mesmo assim — alisava a testa dela e prendeu algumas lágrimas. — Me desculpe.

— Como o Bill a encontrou? — perguntou Bruno.

— Eu não sei como, mas...

— O que? — Tina perguntou.

— Thomas está vivo — Dylan respondeu.

— Não — Bruno bradou. — Thomas está morto.

— Ele está vivo. Estão com meu filho e o transformaram em um deles.

— Filho? — Julia perguntou sonolenta. Dylan a segurou pelo rosto quando percebeu que os seus olhos viraram para cima. No instante seguinte, Julia começou a convulsionar com força em seu colo.

— Bruno, encosta! — mandou desesperado e o homem assim o fez. — Tina, me ajuda.

A morena desceu apressada do carro e abriu a porta mais próxima de Dylan.

— Segura o corpo dela — mandou e em seguida colocou as mãos de cada lado da cabeça da irmã. A jovem pronunciava algo em um sussurro até que de seu corpo começou a fluir uma luz forte, branca e bastante brilhante. Ela continuava naquela espécie de transe e quando abriu os olhos, no lugar do mais profundo verde que possuía, havia um par amarelo vivo. Tina continuou, enquanto fazia careta de dor e de seu nariz começava a escorrer sangue, até que parou de repente e ajoelhou-se na estrada.

— Christina — o pai a amparou, antes que começasse a vomitar uma gosma preta, bem parecido com sangue velho. Permaneceu assim por um tempo, apenas colocando todas aquelas impurezas para fora. Ao terminar, encostou-se no veículo.

— Eu estou bem — pronunciou quando viu ser possível. Ainda tentando sorver um pouco de ar, para acalmar. — Como ela está?

— Ela parou e agora parece respirar normalmente, mas está desmaiada — Dylan respondeu. Permanecia fazendo um carinho na cabeça da garota. — Ela vai ficar bem?

— Vai acordar logo — a morena comentou enquanto o pai abria a porta do carona e a colocava sentada no banco do passageiro outra vez. — Agora estou cansada. Preciso dormir um pouco.

— Obrigado, Tina — o rapaz agradeceu, mas a jovem não o ouviu. Já havia pegado no sono encostada no vidro do carro.

—___ ღ ____

Julia acordou em um lugar onde ela sabia não conhecer. Na realidade, estava no meio de um bosque onde um rio cristalino corria livre logo mais abaixo. Sentou-se rapidamente, buscando entender o que fazia ali até que a viu: uma cópia perfeita sua que deixava as águas.

Os cabelos vermelhos caindo por sobre uma espécie de camisola branca e extremamente fina, foram espremidos para que ela pudesse vestir o vestido sem que a água escorresse e o molhasse. Era bem simples, com mangas cumpridas e na cor marrom escuro, com um leve franzido no busto. Colocou uma faixa de seda da mesma cor do vestido, na altura de sua cintura, e prendeu o cabelo em um penteado não muito trabalhado.

Abaixou-se novamente e pegou os sapatos e uma cesta. Julia levantou-se quando percebeu que ela se afastaria e que ainda não fazia ideia de onde estava ou do porque estava ali. A última coisa que se lembra foi de estar deitada no colo de Dylan, no carro de seu pai.

— Ei — gritou, enquanto corria em sua direção, mas a sua cópia parecia não percebê-la. Ela respirou de maneira profunda, antes que pudesse começar a formular teorias que explicasse o que fazia naquele lugar. Reparou que a mulher entrou em um bosque, um pouco antes de uma carruagem passar por ela. Havia um homem muito bem arrumado dentro dela, usando roupas que Julia sabia não existir há séculos. Se deu conta, finalmente, que não estava mais em seu tempo.

Virou-se rapidamente, para não perder a mulher de vista, e correu até ela. Percebeu quando se abaixou ao lado de um arbusto e colheu algumas plantas, colocando-as na cesta. Reconheceu algumas das suas aulas de ecologia: Beladona, jasmim, hypericum e cicuta. Os pés em contato com o chão úmido do lugar fez Julia sorrir. Ela também adorava andar descalços pela grama e pelo barro.

Permanecia distraída quando um sujeito saiu de dentro da mata. Julia gritou assustada, mas a mulher apenas o encarava seriamente.

— Para trás, cria do demônio — pronunciou. A garota apenas o encarava sem piscar e mesmo que Julia soubesse que aquilo era um pesadelo, bastante real, ela não conseguia parar de tremer. Não entendia mesmo o que estava acontecendo. — Confesse seus crimes e talvez receba o perdão divino, adoradora de Satanás.

— O que o faz achar que sou cria do demônio, senhor? — ela perguntou, colocando a cesta no chão. — Só porque andei colhendo algumas ervas que o próprio Deus deixou para os homens? Não estaria, por um acaso, adorando o Deus misericordioso que nos concedeu essa graça?

— Não tente confundir minha cabeça, maldita — apontou a faca grande para ela e a mulher fechou os olhos. Quando os abriu, estavam completamente amarelos e um sorriso surgia em seus lábios. Os ventos começaram a ficar cada vez mais forte, ao ponto da própria jovem balançar de um lado a outro, tentando equilibrar-se. Esticou a mão na direção do sujeito e o encarou seriamente — Você tem três segundos para ir embora, antes que eu lhe amaldiçoe. Um... dois... — antes que ela completasse a contagem, o sujeito já saia correndo mata a dentro, deixando a faca cair no chão em frente a moça. Ela começou a rir divertidamente, pegando a faca e arremessando no rio logo mais à frente. Pegou sua cesta novamente e ergueu-se, percebendo a movimentação da mata.

Só então percebeu o que havia feito. Atrair atenção para si, naquela época, era sentença de morte. Ela havia assinado a sua.

Julia acordou num sobressalto. Dylan a segurou pela mão, quando percebeu que ela havia tido um pesadelo.

— Respira — mandou e sentou-se ao seu lado na cama — Está tudo bem agora — pegou uma das mechas dos cabelos vermelhos e a colocou atrás da orelha da jovem, antes que ela se afastasse. Era visível que estava furiosa com ele.

— Não me toque — mandou, encarando-o. Olhou para mais ao fundo, percebendo que seus pais se levantaram quando ela acordou.

— Por favor, imploro que não faça isso comigo. Não você — pediu em suplica.

— Você mentiu para mim. Justo você, Dylan — ela respondeu prendendo um choro que não conseguia mais deixar dentro de si. — Todos vocês. Porque?

— Porque todas as vezes que lhe contamos a verdade, algo ruim acontece e você é tirada de nós — Willa explicou, abraçada a Bruno.

— Eu não posso te perder novamente, Julia. Nenhum de nós aguenta mais isso — Dylan concluiu.

— Bill me encontrou de qualquer forma. Não tem mais jeito.

— Julia... — Bruno a chamou, mas foi interrompido.

— Dylan, vou te dar uma segunda chance. Me fale a verdade dessa vez e não me faça ficar ainda mais decepcionada com você — concluiu. O moreno arqueou a sobrancelha em um gesto claro, como se estivesse em um beco sem saída. Olhou para as mãos por um instante e levantou-se, parando ao lado da janela e observando a noite.

— Está bem. Não posso mais esconder isso de você — concordou por fim.

— Por favor — Julia implorou.

— Deixe-nos a sós — Dylan pediu. Bruno e Willa não tiveram outra alternativa a não ser fazer o que o rapaz queria. Quando se viu sozinho com Julia, sentou-se na cama da ruiva. — É uma história bastante longa e talvez eu esqueça um detalhe ou outro, por isso acho melhor fazermos de uma maneira diferente.

— Que maneira? — Julia perguntou.

— Era para que quando você tivesse completado dezessete anos, suas memórias sobre nós dois retornassem como a maldição prevê, mas seu pais arranjaram um jeito de impedir isso.

— Maldição? Que maldição, Dylan?

— Tudo a seu tempo, não é? — segurou na mão da garota — Você vai lembrar dela, mas para que isso corra, eu tenho que te fazer ver a história através de meus olhos. Talvez a ajude a lembrar de tudo quando terminar.

— Está bem. Conte-me tudo — ela pediu.

— Prefiro te mostrar — Dylan sorriu para Julia enquanto se aproximava o máximo que conseguia dela, parando a alguns centímetros de distância de seu rosto. Fechou os olhos e se deteve assim por alguns segundos, antes de abri-los novamente e Julia percebesse que a íris estava completamente vermelha. — Olhe dentro de meus olhos e deixe sua mente livre, não pense em nada. Apenas foque em meus olhos.

A ruiva o examinou por um minuto e, mesmo que fosse difícil se concentrar por causa da proximidade com o rapaz, fez conforme ele havia mandado. Não demorou muito para Julia entrar em um transe profundo, assim como Dylan, e todas as memórias do rapaz começasse a passar em sua cabeça como em um filme. A verdade, finalmente, seria revelada a ela.

Viu um cavalo correr pela estrada de barro, em direção a um aglomerado de pessoas que se reuniam logo mais à margem do mesmo rio cristalino que ela viu em seu sonho. Quem o montava era um Dylan diferente, com uma feição como se sempre estivesse com raiva e não usava mais as roupas do clérigo. Usava uma vestimenta completamente escura, composta por uma casaca, com um colete por baixo, calça e sapatos. Tudo inteiramente confeccionado para a sua época, que era o ano de 1767.

Fez o cavalo desacelerar quando percebeu estar já próximo do grupo.

— Você a pegou? — perguntou quando percebeu que seus irmãos estavam ao redor de um dos homens que trabalhavam para eles.

— Ela me lançou um feitiço, senhor — um sujeito com cabelos compridos, desgrenhados e com os dentes amarelados respondeu. O mesmo sujeito que Julia havia visto em seu sonho.

— Está óbvio que não. Se tivesse mesmo lançado, estarias morto nesse exato momento — foi a vez de William se pronunciar. O cavalo ainda marchava, mesmo estando parado.

— Ela está a pé ou montada? — Dylan insistiu.

— A pé. Fugiu para aquele lado — a mão apontando o caminho ainda tremia. Ele estava realmente muito assustado com o encontro e não era para menos. Todos haviam visto as nuvens no céu se aglomerarem e o vento ficar ainda mais forte.

— Vou procurá-la, Bill — Dylan fez seu cavalo dar a volta. — Os encontro na estalagem.

— Tenha cuidado — falou a única mulher dali. Ela tinha os cabelos loiros compridos e montava um cavalo negro, com pelo brilhoso. Estava ao lado de um jovem, um pouco mais velho que ela e que possuía os cabelos negros iguais aos dos irmãos.

— Não se preocupe comigo, Georgiana — respondeu fazendo com que seu cavalo seguisse pela estrada e se embrenhasse mata à dentro. A realidade é que ninguém conseguia rastrear uma bruxa melhor do que um caçador e, na família Norton, ninguém era tão bom nisso quanto o próprio Dylan.

Os olhos vermelhos pareciam como os de uma águia, rastreando sua presa traiçoeira. A localizou correndo alguns metros à frente na estrada. Imaginou que aquela bruxa talvez nunca tivesse sido caçada antes e que conseguiu esconder sua verdadeira forma por um bom tempo. Correr em uma estrada, enquanto tem caçadores em seu encalço, era o mesmo que se entregar de bandeja.

A garota virou-se rapidamente, dando tempo de Dylan perceber os olhos amarelos claros piscarem. Não daria chance de se defender, seria um golpe só. Ela voltou a correr desesperada e tropeçando em algumas pedras no caminho. Os pés descalços estavam feridos e o rapaz constatou quando percebeu uma pegada ensanguentada no barro claro. Não iria muito longe assim.

Atiçou seu cavalo, para que conseguisse alcançá-la mais depressa. Quando ele estava bem atrás da jovem, Dylan começou a girar uma boleadeira — uma espécie de funda que consiste em bolas metálicas, amarradas entre si, por uma corda. Em cada extremidade tem uma dessas bolas — e lançou na direção da garota. Acertaram direto em suas pernas, enroscando-se ali e a derrubando violentamente no chão.

Rapidamente desceu do seu cavalo e correu até a garota. Ela caiu no chão deitada de costas e isso facilitou para que o rapaz a imobilizasse, colocando uma perna de cada lado de seu corpo e puxando os cabelos para trás. A faca afiada foi em sua garganta, antes que percebesse que ela chorava baixo.

— Meus irmãos e eu temos uma regra conosco: Se quiseres dizer alguma coisa antes de morrer, alguma mensagem para a família, a ouvirei e farei chegar até eles. Então diga suas últimas palavras, bruxa. Porém se eu ouvir qualquer coisa que pareça ser um feitiço sendo proferido, estará engasgando em seu próprio sangue antes que termine a frase.

— Em nome de Cristo, não me mate — ela pediu e o rapaz franziu o cenho. Era certo que as bruxas não eram criaturas cristãs e, em todos os seus anos de caçador, nunca nenhuma delas implorou usando o nome do filho de Deus.

— O que você disse?

— Não me mate. Não me faça mal algum — ela repetiu. A voz fina tremida pelo choro.

— Porque ousou clamar por misericórdia em nome de Cristo? — pediu uma explicação, mas a garota apenas chorava baixo.

A segurou pelo ombro e a virou de frente. Queria olhar em seus olhos quando respondesse. Os caçadores conseguiam perceber quando alguém mentia e assim descobriam os acobertadores das bruxas. Foi então que percebeu que quando a jovem caiu, o impacto fez com que ela batesse a cabeça no chão e abrisse um corte em sua testa. O sangue mesclava-se a poeira do chão de barro e lhe sujava o rosto e um pouco dos cabelos. Os olhos azuis — molhados de lágrimas — demonstravam dor e muito medo. Os lábios finos tremiam só em pensar que já estava condenada à morte.

— Diga a minha mãe que sinto muito e ao meu pai para ser forte. A Christina diga que a amo e a Marie para não chorar que estarei com ela em seu coração — suplicou com a voz triste, tentando conter um choro que não parava. — Prometa-me que fará isso.

— Eu farei — Dylan assentiu, sentindo-se levemente desconfortável. Nunca havia visto uma bruxa tão linda quanto aquela. Perfeita em sua totalidade.

— E perdoo-te pelo que farás — concluiu encarando-o. Os olhos castanhos do rapaz assumiram uma coloração vermelho-sangue, um pouco antes da menina fechar os seus que já estavam amarelos. O rapaz ergueu o punhal acima da cabeça e desceria de uma única vez, cravando a lâmina em seu peito. Um golpe limpo e menos doloroso do que um corte profundo na garganta. Estava pronto para fazê-lo, mas então viu o pingente entre os seios da garota. A cruz de Cristo feita em prata, com quatro pedras esmeraldas em cada ponta. Sentiu a mão fraquejar, antes que se levantasse e se afastasse. A jovem sentiu o peso do caçador lhe deixar e abriu os olhos.

Ele estava ao lado do cavalo, apoiando-se no animal, e tentava sorver um pouco de ar. Por mais que a garota soubesse que aquela era sua chance de correr, ela não o fez. Em primeiro lugar, porque os pés estavam tão machucados que mal conseguiria ir muito longe sem que o caçador a alcançasse outra vez. E em segundo lugar, porque o homem claramente precisava de ajuda.

O coração que batia em seu peito era bondoso, mais do que deveria ser. Muito inocente também, em contraste com a sua força ou natureza. Nem todas as bruxas eram más, porém todas eram julgadas erroneamente e muitas foram assassinadas por simplesmente serem aquilo que eram.

Levantou-se com dificuldade, sentindo os cortes nos pés latejarem. Arrastou-se da melhor maneira que conseguiu e aproximou-se do rapaz. Segurou em seu ombro e aquilo o fez virar-se com extrema rapidez, apontando-lhe a arma branca. Ela ergueu as mãos ao ar e sorriu.

— Está tudo bem. Deixe que o ar flua por seus pulmões. Acalme-se — o incentivou. O rapaz a encarou, antes que se afastasse alguns metros e fizesse como ela o instruiu. Quando percebeu que já havia condições de falar, disparou:

— Porque ainda estás aqui? Teve a chance de escapar e não o fez. Porque? — perguntou. — Se foi tu que me enfeitiçou, para que o ar me faltasse, diga-me agora.

— De maneira alguma, senhor — respondeu. — Porque ainda assim permaneceria aqui e o ajudaria se o meu intuito fosse machucá-lo? Fiquei porque precisavas de mim e não nego ajuda a quem quer que seja, mesmo que esta mesma pessoa esteja prestes a ceifar-me a vida.

— O que tu és? — perguntou em um tom baixo de voz. Guardando a adaga de volta na cintura.

— Sou o que caças. Não tenho porque ocultar isso do senhor, visto que a cor em meus olhos me trai, assim como a cor dos teus me acusa — respondeu e apertou os lábios. Os pés feridos doíam imensamente. — Só não assumo o que não faço. Não machuco ninguém, tampouco tenho intenção de fazê-lo. Apenas tive a infelicidade de nascer aquilo que julgas ser mal. Assim como o senhor não teve escolhas ao vir ao mundo com a responsabilidade que lhe recai sobre os ombros, também não tive escolha ao nascer sendo isto que sou. A escolha que eu tenho é de não machucar ser algum, da mesma forma que o senhor também a tem.

— Esperas que eu vá de encontro a tudo aquilo que me foi ensinado e a deixe ir?

— Já havia aceitado o meu destino e a abraçado a morte como uma velha amiga. O que o senhor fizer a seguir é lucro — respondeu também se apoiando no cavalo. Dylan a olhou por um instante. Os dois no mais profundo silêncio e apenas as respirações ruidosas sendo ouvidas. A cabeça do rapaz não parava em momento algum, examinando a ruiva em sua frente. Ela não se parecia em nada com as bruxas que vinha caçando ao longo de sua vida e transparecia mesmo que não fazia mal a ninguém, mas e se fosse uma cilada? Apenas um truque para que ele mudasse de ideia? Nunca saberia. Deixou que seu instinto falasse mais alto. 

— Quero que vá, mas saia da estrada. És uma presa fácil se continuar nela — respondeu e a jovem soltou o ar que prendia. Estava mesmo aliviada — Pegue o meu cavalo, visto que seus pés estão machucados. Direi que não a vi escondida e que pegou-me desprevenido. Assim que estiver com sua família, parta imediatamente para qualquer outro lugar ao sul. No norte tem havido um grande número de bruxas caçadas — Dylan virou-se para a mulher, encarando-a firmemente — A senhorita está me entendendo?

— Sim — respondeu. Pela primeira vez a chamou cordialmente, não acusando-a de ser bruxa, mesmo que fosse o que ela realmente é.

— Quando estiver terminado com o cavalo, basta soltar-lhe a rédea e fazê-lo correr. Ele regressará direto a mim — concluiu por fim, ajudando a ruiva a subir no animal. — Antes que parta, preciso que enfeitice-me com algo que me faça cair em sono profundo e que o efeito passe apenas após algumas horas. Assim acreditarão quando disser que fui surpreendido.

— Serei eternamente grata — ela o olhou e sorriu.

— Como te chamas? — Dylan quis saber enquanto analisava a jovem. Obtendo um nome, seria mais fácil saber por onde ela andava e se realmente havia feito a escolha certa em deixá-la partir. Se caso fosse o contrário, também seria fácil encontrá-la e matá-la.

— Elizabeth Blowest — respondeu. — E qual o teu?

— Apenas siga o seu caminho, senhorita Elizabeth e boa sorte — respondeu sorrindo e fazendo um rápido aceno de cabeça. Uma saudação. Ela sorriu a assentiu. 

Somnus — ela proferiu e, imediatamente, o sorriso apagou-se do rosto do rapaz e ele caiu ao chão em um sono profundo. A garota olhou para os lados, lembrando das lendas que sua mãe contava sobre aquele bosque. Haviam lobos ali. Não poderia permitir que, depois de tudo, ele terminasse devorado por algum deles. Esticou a mão em direção ao rapaz e proferiu por mim — Tueri adversum animalia — Uma luz clara envolveu o corpo do jovem, antes que ela finalmente desse a ordem ao cavalo para que corresse e se embrenhasse no mato.

As imagens na cabeça de Julia se embaralharam, antes que uma nova cena acontecesse. Já era noite quando Dylan acordou na estalagem. Georgiana mantinha uma compressa de água fria em sua cabeça, enquanto os outros dois irmãos o encarava sem nem ao menos piscar. Queriam entender o que aconteceu.

— Ele está recobrando a razão — ela informou, no minuto em que o rapaz abriu os olhos. — Estas bem, irmão?

— Um pouco confuso — respondeu fechando os olhos novamente e sentindo os travesseiros macios embaixo de sua cabeça. — O que aconteceu?

— Esperávamos que nos dissesse. Te encontramos na estrada, desacordado. Georgiana garante que você foi enfeitiçado — Dylan franziu o cenho, enquanto tentava se sentar na cama. O quarto inteiro girou e ele limitou-se a ficar parado por um instante, esperando que aquela sensação ruim passasse.

— Fui pego de surpresa — mentiu — Ela estava escondida atrás de uma das árvores e me derrubou do cavalo. Deve ter me enfeitiçado quando caí — respondeu sem encarar os irmãos. Eles saberiam que aquela história não era verdadeira se os encarasse. Em outra situação, se ele não fosse um caçador, seria obrigado a falar olhando para dentro dos olhos de William, mas, como era da família, não tinham porque duvidar.

— Sente que algo mais está errado contigo, irmão? — A jovem novamente falou com ele, aproximando-se e tocando-lhe a testa para se certificar que não estava com febre.

— Estou bem, porque perguntas?

— Porque, além do feitiço de sono, Georgiana identificou outro feitiço em ti. Um de proteção. A filha do demônio não queria que nenhum animal do bosque se achegasse a ti — Charles concluiu. — Se ela o fez dessa forma, estava bastante mal-intencionada. Era de seu interesse que o caçador permanecesse vivo. Não estranharia essa situação, irmão?

— Não entendo porque faria uma coisa assim. Qual o intuito?

— Não sabemos ainda, mas vamos descobrir — William respondeu — Até lá, você está proibido de caçar — Dylan franziu o cenho, mas concordou por fim. Realmente surpreendeu-se com a preocupação da bruxa para com ele.

Elizabeth, ela disse. Guardaria aquele nome e o aquele rosto por um longo tempo. Jamais esperou que pudesse vê-la outra vez, mas não tardou para que isso acontecesse.


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Notas finais do capítulo

Bom gente, é isso aí!
Estou indo agora responder os reviews em atraso, viu? Obrigada por eles... ameeei demais!
Um beijão!!!



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