Laura, uma vadia irresponsável escrita por Srta Strapazzon


Capítulo 1
Meu corpo, minhas regras?


Notas iniciais do capítulo

Antes de qualquer coisa quero deixar claro que sou feminista e de esquerda, como tal, apoio a legalização do aborto. Escrevi esta história pois acredito que a literatura e a arte influenciam sim nossa maneira de pensar. Creio que quase todos tem um pré conceito sobre garotas grávidas: engravidou porque quis, porque não se protegeu?
Enfim, espero que gostem.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/658221/chapter/1

Cinco milhões de crianças sem o nome do pai no registro. E meu filho será mais um. Tudo que consigo pensar é, quão caro as clínicas abortivas podem cobrar para tirar esse feto de meu corpo.

Um parasita!

Sim, um parasita. Sempre tomei anticoncepcional, embora tivesse uma vida sexual ativa, nunca deixei de usar camisinhas que sempre comprava em uma farmácia de confiança.

Merda, estava fodida.

Já podia ver as manchetes.

“Adolescente é morta durante aborto clandestino.” Laura Santos, uma vadia irresponsável. O que faria da minha vida? Carlos nunca assumiria um filho, até mesmo desconfiaria que seria dele. Nós usamos camisinha em todas as nossas transas. Nunca faltei um dia do meu anticoncepcional. As chances disso acontecer é baixas mas aconteceram. Quantas garotas estariam passando pelo que eu estou passando? Quantas passaram por isso?

Qual foi a solução delas?

Deus só poderia estar me gozando.

Poderia ter e colocar em um orfanato. Mas e os estupros cometidos e as faltas de verbas? Sabia de diversas pessoas que gostariam de ter um filho mas a fila de adoção dura cerca de quatro a cinco anos. Colocar um ser no mundo para sofrer? Estragar duas vidas? Qual a necessidade?

Entrei na internet, doze clinicas clandestinas em Porto Alegre, era a minha chance. Só faltava uma coisa, dinheiro.

A quem poderia pedir? Meus pais não poderia nem desconfiar além de não terem tal quantia. Carlos? Não, ele não se importa comigo ou com o bebê.

Quem sabe se eu…Não seria arriscado. Teria coragem? Vender meu corpo apenas para tirar essa coisa de mim?

Não! Nunca, se a camisinha estourou, pode acontecer novamente. E os riscos de dst?

Poderia pedir um empréstimo, mas os juros… Não, o empréstimo é minha saída, mais caro seria manter a gravidez e trazer sofrimento a mim e ao feto.

Dois meses, ele não sentiria dor. Sei dos riscos mas vou adiante. Não posso ir além. Estou no meu limite, já me peguei até mesmo com pensamentos suicidas. A dose certa de remédios, um corte em uma artéria...

Chego uma hora antes do combinado. Estou munada de outra muda de roupa e dinheiro para o pagamento e táxi já que me alertaram que ficaria exausta depois do procedimento. Estava tomando chá de canela a quase duas semanas afim de facilitar o serviço e poupar dinheiro mas aparentemente a praga resistia.

Entrei na sala, não era tudo branco como imaginei. O médico estava lá, não sei realmente se ele era médico mas não estava em posição de divagar ou questionar.

Deito depois de colocar a camisola já meio desbotada. Devia ser azul mas com o passar do tempo e do uso ela já estava em uma cor puxada para o amarelo. Havia algumas manchas maiores na barra.

Abri as pernas.

Me senti tão solitária, mas não pude contar a ninguém. ali, naquela mesa, uma vida deixaria de existir. Não por irresponsabilidade, mas por medo. Pela falta de preparo. Ali, naquela mesa, um feto que em alguns meses se tornaria um bebê iria deixar de existir.

Fechei os olhos.

Fariam um velório para mim? Ou minha família simplesmente me renegaria? Não enxergariam que estou fazendo o certo para todos? Estaria aqui assinando meu atestado de óbito?

Respirei fundo.

Não queria que o feto sofresse mas estudos garantem que até as 12 semanas não há sistema nervoso, logo, não há dor.

Abri os olhos, a enfermeira aplicava algo em minha veia. Fechei novamente os olhos.

E nunca mais abri.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!