A vaidade da bailarina escrita por Amy W


Capítulo 1
A vaidade da bailarina




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Albine Hertha não estava em um bom dia. Desfizera o cabelo sempre bem arrumado, desamarrara as sapatilhas e abandonara suas alunas para isolar-se em sua sala. Malditos rapazes, pensou, amaldiçoando as criaturas que estavam desvirtuando suas lindas bailarinas.

Para sua infelicidade, tivera seu instante de repouso interrompido por um bater incessante na madeira da porta. Resmungando, abriu-a e lançou um olhar feio para sua assistente.

– Senhora – iniciou –, uma jovem deseja vê-la.

– De que se trata? – Indagou, indisposta a perder seu tempo.

– A senhorita quer ingressar as aulas.

Albine franziu as sobrancelhas, mas assentiu. Se a tal moça lhe importunasse, não permitiria sequer que olhasse novamente para o estúdio.

– Boa tarde – cumprimentou a jovem quando adentrou a sala da professora.

Os olhos de Albine correram dos pés à cabeça da garota. Não era feia, mas tampouco servia para bela; o rosto pálido era marcado pelos dois olhos negros grandes e emoldurado por duas mechas soltas do cabelo claro preso na nuca.

– Meu nome é Anelie – apresentou-se. – É um prazer conhecer a senhora.

Albine sorriu cinicamente.

– Não precisamos perder tempo, querida. Por que está aqui?

Anelie abriu um sorriso nervoso.

– Eu gostaria de ter aulas. Fazer parte da academia.

– Você dança?

– Costumava dançar há algum tempo, e queria poder retornar.

Albine estreitou os olhos para ela.

– Você parece jovem. Está com quantos anos?

– Vinte e um – respondeu Anelie, quase com orgulho.

– Não acha que é um pouco tarde para voltar a ter aulas?

Ela percebeu que Anelie engoliu em seco antes de responder.

– Não acho que haja tempo para realizar um sonho.

– Ah, mas nem tudo é feito movido a sonhos, mas também à capacidade. Você se julga capaz de aprender? – Albine estudou-a novamente. – Quanto você pesa? Sessenta e cinco?

– Sessenta – Anelie corou.

Ainda que fosse alta, era muito. Albine sabia identificar bailarinas de verdade por seus corpos. Aquela menina voluptuosa certamente não era.

A professora suspirou.

– Talvez você se dê melhor em outra modalidade, querida.

Anelie demorou um segundo para processar as palavras.

– Eu... eu posso emagrecer. Tenho certeza. Faria qualquer coisa para voltar a dançar.

Albine ficou interessada, e mesmo ligeiramente tocada pela devoção da jovem.

– Qualquer coisa?

Anelie assentiu.

Albine começou a andar lentamente em volta da garota.

– Muito bem. Você deve saber como funciona o nosso sistema. Somos muito restritos, criamos nossa própria tradição a cada dia.

“As minhas bailarinas devem ser perfeitas, tanto física, psicológica e intelectualmente. De que serve um corpo bonito se não se sabe o que fazer com ele? Sem conhecimento você não conhece a si e a nenhuma pessoa. Mas esse conhecimento deve ser meticulosamente aplicado. É por isso que gosto de recrutar as mais jovens e ensiná-las o que devem fazer consigo mesmas. Assim eu posso mantê-las puras, virginais, distantes do mundo sujo que as rodeiam. É melhor ser admirada do que ser desejada. Acho que é um pouco tarde para você nesse sentido, não?”

Albine não pôde evitar alfinetar a garota, que ficou com as faces ainda mais avermelhadas. Por mais que não tivesse o perfil de uma bailarina – muito menos de uma das suas –, a professora sabia do que os homens gostavam, e Anelie se encaixava muito bem no padrão. Não que ela precisasse de detalhes de sua vida íntima, no entanto.

– Eu treino minhas meninas para que sejam fortes – prosseguiu. – Não hesito em xingá-las, criticá-las, mesmo ofendê-las caso seja necessário. Vale a pena, sabia? As pessoas são muito mais eficientes se você as critica. Elogios são meramente palavras falsas. Se você é bom no que faz, não precisa ouvir nada de ninguém.

Ao ver que Anelie não parecia tão abalada, Albine suspirou.

– Muito bem. Se quiser participar, você só precisa jurar.

– Jurar? – Anelie pareceu desconfiada.

– Sim. Jurar. Jurar abdicar desses anos que viveu. De sua postura sensual. De seu conhecimento vazio. De mais dez quilos, no mínimo. De sua petulância.

Anelie respirou fundo.

– Eu juro.

Albine sorriu e, da manga de seu casaco, deixou que sua arma escorregasse por entre os dedos.

– Ótimo.

Quando atirou, lamentou que a face da jovem tivesse desfalecido naquela expressão – puro horror. Tudo bem, no entanto. Tudo bem.

– Então dance no inferno.


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