Lovebelt escrita por Nina Antunes


Capítulo 8
Capítulo 8




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Capítulo 8

O bipe de mais uma hora virando no relógio serviu apenas para lembrar Sesshoumaru que já era madrugada, mas ele não conseguia dormir. Estava encarando o teto do quarto de hotel, na completa penumbra daquela noite, apenas ouvindo o vento frio bater contra a janela. Sua mente não conseguia parar por um único instante. A homenagem a Takao havia sido cinco dias antes, e desde aquela noite, ele não havia mais encontrado Rin. Ela parecia ter intensificado suas táticas para evitá-lo, fazendo com que Sango fosse responsável por receber e entregar Lissy.

Levantou-se da cama de uma vez, seguindo para a janela do quarto. Encaixou os dedos na fresta da madeira, levantando o vitral. Uma brisa fria do início do outono o lembrou que ele já estava em Lovebelt há três meses. O tempo havia passado depressa, tão rápido que ele mal percebeu. O sinal do tempo se traduzia nas ligações mais insistentes de Rebeca, e a falta de paciência de seu sogro, Leonard, no escritório de advocacia. Naquela semana, ele havia recebido um e-mail com tom de ultimato do sogro. O conteúdo, como se pode imaginar, era pouco amigável. Mas o que mais o incomodou foi a ameaça velada de Leonard fez: ou ele voltava para Nova York com Melissa, ou o velho advogado transformaria o desejo de Rebeca de levar a menina para Nova York em uma briga judicial.

Sesshoumaru estava, novamente, encurralado. Ele sabia que teria que tomar uma decisão, e que não teria muito tempo. Sua mente fervilhava, ainda perturbada pela batalha da razão sobre a emoção. Via-se na mesma situação que quase o partiu ao meio há seis anos – se não o partiu, congelou a parte da emoção.

Mas sentia também agora era diferente. Ele sabia que não poderia voltar para Nova York, depois de tudo que aconteceu. Não podia deixar Melissa pra trás, mas tampouco poderia levá-la consigo. Primeiro porque sabia que Rin morreria aos poucos se isso acontecesse. Segundo porque Melissa não viveria sem a mãe. E terceiro, e mais importante, Rebeca não seria uma mãe melhor para Melissa do que Rin, e tudo que importava naquele momento era a felicidade da filha. Além do mais, ele pensava, constantemente, na hipótese de Rebeca não querer um filho. O que ela queria era que Rin não ficasse com Melissa.

Nem todo dinheiro do mundo, uma educação de primeira ou uma vida de luxo compensariam a falta que sua filha sentiria de Rin. E por saber disso, ele não conseguia nem por um segundo colocar seus interesses à frente. Separar Melissa da mãe era algo fora de cogitação.

Mas e então? O que ele faria?

Por outro lado, Sesshoumaru sabia que não poderia ficar em Lovebelt. Ele se sentia estranho, se sentia avulso naquele lugar. Afinal, Rin tinha a fábrica, a loja, os amigos... tinha Kohako. Não havia nada para ele ali, exceto Melissa. Queria ficar perto da filha daqui pra frente, não queria deixá-la nunca mais. Mas como ele poderia ficar, e conviver com a felicidade de Rin com outro homem? Como poderia estruturar uma vida naquela cidade interiorana?

Aquilo doía no peito, embora ele relutasse em admitir. Depois de ter reencontrado todos os sentimentos que foi obrigado a deixar pra trás, depois de ter descoberto o que era sentir de novo, depois de ter beijado Rin...

Droga. Ele passou a mão pelo rosto, tentando diminuir a angústia no peito. A distância que Rin impôs nos últimos dias era um sinal de que ela havia seguido em frente, e que não havia mais espaço para ele na vida dela. Sesshoumaru temia que vivesse o resto da vida à sombra da chance que ele desperdiçou. Da chance de ter a mulher que verdadeiramente amava.

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No dia seguinte, Lissy decidiu cumprir uma velha promessa e levou Sesshoumaru para conhecer o moinho de trigo, que ficava próximo à fazenda da família. Com todo o trigo colhido do campo e com os ventos do fim do verão soprando de forma intensa, o moinho estava trabalhando a todo vapor. A forma com que a filha se empolgava em contar como era o processo de moagem do cereal surpreendeu Sesshoumaru.

Realmente, ela era exatamente igual à mãe e ao avô. Depois do passeio, os dois andavam de mãos dadas até o velho carro esverdeado, que seguia emprestado pelo pobre recepcionista do hotel.

— Papai? - Ela chamou.

Os olhos dourados encontraram os cor de mel dela.

— Como é morar em Nova Órqui? — Ela parou a caminhada e ficou firme olhando para ele, com um dos olhos cerrados, incomodados pela luz forte do sol a pino.

Ele teria sorrido pela confusão das palavras se a pergunta não fosse tão incômoda. Como poderia responder aquilo?

— É uma cidade bem grande, cheia de prédios altos. – Ele tentou sair pela tangente, mas soube que havia falhado assim que um brilho de curiosidade passou pelo olhar de Lissy.

— E você mora em um desses prédios?

Sesshoumaru suspirou. – Sim, no topo de um deles.

— Uaau. – Ela prolongou as vogais, fazendo o riso finalmente surgir do fundo da garganta dele. – E você mora sozinho na sua casa?

Oh-oh, ele pensou. As palavras faltaram à sua mente, e Sesshoumaru engoliu seco. Não se lembrava qual foi a última vez em que uma pergunta o deixou tão desarmado daquela forma. Como se fosse cronometrado, o celular dele tocou naquele instante, o salvando do desembaraço. Ele olhou na tela e ali estava o número de Rin. O coração dele pulou uma batida antes de atender.

— Sesshoumaru? — Ela chamou, do outro lado da linha.

— Está tudo bem? - Ele perguntou, sentindo um aperto no peito.

— Está, está. – Rin suspirou profundamente, demonstrando o cansaço que sentia. — Escute, Sango não está se sentindo bem, então ela não poderá te encontrar para pegar Lissy. Você pode deixá-la com Kohako?

Sesshoumaru não pôde evitar o gosto amargo na boca e um nó no meio das sobrancelhas. Rin preferiu causar o encontro desconfortável entre ele e Kohako do que ter que encontrá-lo.

— Como Sango está doente, eu vou ficar na confeitaria até tarde preparando as encomendas de amanhã. Lissy vai dormir lá. — Ela explicou, sentindo o palpável desconforto dele.

— Tudo bem. – Sesshoumaru respondeu. – Qual é o endereço?

— Lissy vai te explicar, ela sabe o caminho. – Rin disse, despedindo-se em seguida.

Aquela última parte teve um efeito pior que o esperado em Sesshoumaru. Ele estava evitando pensar naquilo, mas até que voltasse de Nova York, Kohako havia ocupado a figura paterna para Lissy. Ele quem havia apoiado Rin e a menina durante todos os anos em que ele esteve distante. Mas principalmente, foi Kohako quem as amparou quando o pai de Rin faleceu, e ele sabia que aquele havia sido um momento delicado para elas.

— Vou te deixar com o seu padrinho. – Ele virou-se para a menina. Lissy deu um pulinho e bateu as mãos juntas, feliz por saber que passaria parte da tarde com o padrinho. Aquilo fez com que o aperto no peito de Sesshoumaru se intensificasse.

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Depois de almoçarem juntos, Sesshoumaru e Lissy passaram a tarde no parque de Lovebelt. Ele estendeu uma toalha embaixo de uma árvore frondosa, e passaram a tarde conversando. O interesse da menina sobre como era o mundo lá fora – não só Nova York, mas outros lugares que Sesshoumaru conheceu – o impressionava. Ele passou a mostrar fotos de viagens que fizera, fotos que estavam armazenadas no celular.

Em uma das fotos de uma viagem pela Itália, a terra do astrônomo Galileu Galilei, ele aparecia abraçado a Rebeca. Tentou mudar a foto da tela do celular, mas, obviamente, os olhos de Lissy foram mais rápidos.

— Quem é essa? - A menina perguntou, levando o dedo à tela do smartphone para arrastá-lo de volta à imagem.

— É uma amiga... – Sesshoumaru respondeu com a primeira coisa que veio à mente, sem pensar bem nas consequências.

— Ela é bonita. – Lissy sorriu. – Você não tem uma namorada, papai? - A menina finalmente virou para olhar o pai.

Sesshoumaru virou-se para ela, percebendo que ela não se contentaria com qualquer resposta. Resolveu, então, improvisar.

— Você acha que eu deveria ter uma? - Ele perguntou, mantendo um sorriso divertido no rosto. No final, a curiosidade e a inocência da menina o divertiam.

— Acho. – Ela acenou positivamente com a cabeça, voltando a olhar o céu pelas frestas das folhas da árvore acima. – A mamãe tem o meu padrinho, acho que você deveria ter alguém que te fizesse feliz.

Aquilo, sim, doeu mais que um soco no estômago. O sorriso desapareceu gradativamente do rosto dele, e o assovio do vento cortou o silêncio que ficou no ar. Não sabia o que dizer para Lissy. A dor de imaginar que Rin havia, sim, seguido em frente e se apaixonado por outra pessoa era incalculável. Por outro lado, ele sabia que a culpa de tudo aquilo era dele mesmo. Foi ele quem seguiu em frente, antes de qualquer coisa. Foi ele quem não só teve coragem de virar as costas e voltar para Nova York, como também teve coragem de casar-se. Mesmo sabendo que Rin estava grávida, mesmo não amando Rebeca.

Naquele momento, Sesshoumaru perguntou-se: Por quê? Por que havia feito aquilo consigo mesmo? Seu lado racional voltava a enumerar os motivos de sempre: havia voltado porque ele tinha uma vida em Nova York, porque havia estudado para ser um advogado renomado, porque queria ser alguém. Mas alguém quem? Ele só conseguiu se transformar em uma pessoa cada vez mais fria, cada vez mais distante. A felicidade e o prazer que o dinheiro trouxeram não se comparavam à felicidade que ele sentia em momentos como aquele, ao lado da filha. Então, novamente, por quê?

— Eu sou feliz aqui, com você, pequenina. – Ele respondeu simplesmente, vendo a filha virar-se para ele de novo, com um sorriso estampado no rosto.

— Você não vai mais embora, vai? - Lissy perguntou, sem deixar de sorrir.

— Não, nunca mais. Mas algum dia vamos conhecer todos esses lugares que te mostrei. Juntos. – Ele sorriu pra ela, sentindo os pequenos bracinhos envolverem seu pescoço em um abraço caloroso e apertado.

Aquele momento durou pouco, mas pareceu uma eternidade. Outra rajada de vento passou pelos dois, dessa vez um vento frio, anunciando o fim da tarde e o começo da noite. Ele sabia que era hora de levar Lissy para Kohako, mas seu coração implorava para que ele adiasse mais um pouco. Embora soubesse que voltaria a ver a filha no dia seguinte, o ciúme da relação dela com Kohako o perturbava. Porque sim, tinha consciência de que tudo aquilo era meramente ciúme.

Mas ciúme de quem? Ele se perguntava aquilo, tentando resistir à resposta óbvia. Era claro que seu medo não era só de que Lissy visse em Kohako uma figura paterna melhor do que a dele. Ele temia, também, que o que Rin sentia por aquele homem fosse maior do que o que ela já sentiu por ele. Sesshoumaru reprimiu aquele último pensamento, porque, no fundo, sabia que mesmo que aquilo fosse verdade, não poderia culpá-la.

— Precisamos ir, Lissy. – Ele sentou-se sobre a toalha xadrez verde, vendo a menina se espreguiçar. Ela também estava cansada. – Você terá que me ensinar o caminho até a casa do seu... – Engoliu seco – tio.

Em questão de minutos, eles levantaram-se, recolheram a toalha e seguiram para o velho carro verde, estacionado do outro lado da calçada. Lissy entrou do lado do passageiro, passou o cinto e dirigiu os pequenos dedos ao rádio. Assim que ela ligou, uma melodia invadiu o carro.

(Trilha Sonora: Wonderwall - Oasis)

Today is gonna be the day that they're gonna throw it back to you.

Sesshoumaru ligou o carro e começou a seguir as direções dadas por Lissy. A tarde já caía, pintando o céu de tons de laranja e lilás. Em poucos minutos eles chegaram a uma casa de madeira, de dois andares. As janelas brancas e os detalhes dos beirais contrastavam com o revestimento escuro. Só então lembrou-se que era ali que morava Sango e Kohako. Se ele estava lá, significava que Rin nunca chegou a morar com o rapaz. Sesshoumaru balançou a cabeça para afastar aquele pensamento.

Assim que encostou em frente à entrada, ele percebeu que Kohako os esperava, sentado à varanda.

By now you should've somehow realized what you gotta do

Ele sequer esperou que o carro fosse desligado para levantar-se da cadeira e seguir em direção aos dois. Lissy abriu um sorriso enorme ao ver o padrinho e logo levou a mão à manivela da porta do carro, para abrir o vidro.

I don't believe that anybody feels the way I do about you now

— Tio Kohako! – Ela exclamou. – Eu levei o papai para conhecer o moinho!

Backbeat, the word was on the street that the fire in your heart is out

— É mesmo? -- Kohako esgueirou-se na porta do carro, encarando brevemente Sesshoumaru. Os olhos castanho-escuro rapidamente passaram para Melissa, e ele afagou os cabelos dela. – A tia Sango está te esperando, para que você cuide dela. Tenho certeza que seu chá fará com que ela se sinta bem melhor.

I'm sure you've heard it all before, but you never really had a doubt

Lissy acenou afirmativamente uma série de vezes e abriu a porta do carro, sem antes se despedir de Sesshoumaru. Ela desceu do carro e foi imediatamente abraçada por Kohako. Ele a ergueu no ar e aplicou uma série de beijos na bochecha da menina, rodopiando-a em seguida. Lissy gargalhou.

I don't believe that anybody feels the way I do about you now

— Dê adeus ao papai. – Kohako pediu, ainda segurando Melissa. Outro soco no estômago de Sesshoumaru. Ele queria poder dizer que aquilo era puramente ciúmes, mas não era. Havia um tom de sarcasmo e de disputa nas palavras do rapaz. A menina, que tinha o rosto apoiado no braço forte do padrinho, virou-se de volta para o velho hatch verde. As pequenas mãos se estenderam, dando um tchauzinho ao ar. Sesshoumaru retribuiu com um aceno de mão.

— Tchau, papai!

Kohako voltou a beijá-la, e caminhou pelas pedras da entrada até a porta da casa, entrando sem sequer olhar pra trás. O coração de Sesshoumaru batia rápido, e o gosto amargo não saía do céu da sua boca. Ele sentiu-se desnorteado, e não conseguia se lembrar qual foi a última vez que sentira aquilo. As mãos tremulavam, de forma que ele tinha dúvidas se conseguiria ligar o carro novamente.

Obrigou-se a fazer aquilo, para que saísse dali e não piorasse aquela cena humilhante que protagonizou. Dirigiu até o hotel, não sabendo exatamente como. Não entrou com o carro no estacionamento, apenas parou à porta. Entrou pela recepção e viu, ali, o filho dos Clark.

And all the roads we have to walk are winding, and all the lights that lead us there are blinding

— Onde eu encontro um bar?

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Sesshoumaru havia perdido a conta da hora e de quantos copos de whisky havia tomado. Depois de muito relutar, o jovem Clark indicou um bar próximo à rodovia. Tratava-se de um espaço no subsolo, com pouca luz, algumas banquetas no balcão e uma mesa de bilhar ao fundo. O público que frequentava o lugar não parecia ser de Lovebelt, e sim alguns caminhoneiros ou outros viajantes de passagem. Nenhum daqueles rostos era familiar para Sesshoumaru.

Ele estava sentado em uma das banquetas na ponta do balcão, e seu corpo esgueirava-se na parede. Sua mente havia pensado em tantas coisas, e o álcool só piorava a sensação de que Sesshoumaru estava prestes a enlouquecer. A decisão que ele tinha que tomar em relação à Rebeca e a Leonard, somado com o medo que ele tinha de perder Lissy, somado ao medo que ele tinha de sentir-se sobrando na vida da filha... Tudo aquilo o atordoava.

Mas de uma coisa ele tinha certeza: não conseguiria voltar para o seu casamento de mentira. A vida em Nova York era uma farsa, e pensar em voltar pra lá, ainda mais na condição de levar Lissy consigo, fazia com que seu estômago revirasse. Ele sabia que além de ser errado, era algo com o que ele não poderia conviver. Estava farto de ter seu sogro e sua mulher manipulando seu destino, apenas pelo conforto de viver uma vida luxuosa.

Depois de certo tempo, que ele não sabia dizer quanto exatamente, ele levantou-se da banqueta, deixando uma nota alta sobre o balcão. Ele não cambaleava, mas sua mente estava turva, trabalhando em um ritmo diferente do usual. Suas pernas caminhavam a um ritmo diferente dos pensamentos, como se ele tivesse perdido controle do próprio destino.

Sesshoumaru saiu do bar e caminhou até o carro. Seu lado racional o alertou sobre como era uma péssima ideia dirigir alcoolizado, mas naquele instante ele resolveu desligar a parte da sua mente que o alertava para as ações erradas. Ele não queria ouvir. Dirigiu por poucos quilômetros e só percebeu onde estava quando dobrou a rua da confeitaria. Os comércios todos já estavam fechados, o que indicava que já era tarde da noite. Mas ele viu uma luz, uma luz que parecia ser o final do túnel.

Embora a fachada estivesse escura, a luz da cozinha da confeitaria ainda estava acesa, indicando que Rin ainda estava lá. Encostou o hatch verde atrás da caminhonete vermelha e velha, logo à frente da fachada. Ele desligou o carro e desceu, impelido por um sentimento que ele não sabia descrever e tampouco sabia como frear. Subiu pela calçada e deu a volta, aproximando-se da porta dos fundos. A porta de vidro estava recostada, tremulando com o vento frio da noite.

Ele levou a mão até o vidro, ouvindo o som da sineta tocar. Assim que entrou, viu Rin. Ela vestia uma camisa manga longa azul marinho, com botões claros e suja em alguns pontos de farinha. O avental bege também estava coberto do pó branco, assim como as mãos dela. O cabelo estava preso em um coque, e ela usava uma faixa grossa bege nos cabelos, prendendo a franja.

Absolutamente linda. Ele pensou.

Assim que ouviu o som da sineta e o viu, Rin se assustou. Ela soltou o rolo de madeira grosso, que sovava a massa sobre o balcão de pedra. Seu coração pulou uma batida, e ela recuou um passo.

— Sesshoumaru? - Perguntou, não escondendo o tom de confusão na voz. – Aconteceu algo com Lissy?

Ele negou com o rosto. O olhar também estava confuso, refletindo o turbilhão que passava pela mente dele naquele momento.

— Você está bem? - Ela insistiu, sem conseguir tirar os olhos dele. Sesshoumaru travou os dentes, desenhando os contornos da perfeita mandíbula no rosto. Ele sabia que tinha ido até lá por um motivo, mas não sabia exatamente o que dizer. Na verdade, não sabia como dizer.

Rin sentiu sua mente escurecer. Então é isso, ela pensou. Sua mente executou um flashback e ela voltou para o dia em que contou para Sesshoumaru que estava grávida, e em que ele contou para ela que havia decidido voltar para Nova York. De novo, não. Os olhos castanhos marejaram, mas ela tentou manter-se forte.

Esse era o momento, então, que ele diria para ela que estava voltando para a vida em Nova York, que deixaria Melissa para trás, em nome do casamento e da vida de luxo que tinha. Rin tinha tentado se preparar para isso, nos últimos três meses, e já havia passado essa cena na mente milhares de vezes. Mas só agora, vendo o rosto aflito dele novamente, ela percebeu que não estava preparada para vê-lo partir outra vez. E pior: não estava preparada para ver a filha sofrendo por isso. Ela recuou outro passo e apoiou-se em um outro balcão de pedra, atrás de si. Sentia as pernas tremerem e as mãos esfriarem, em um mal-estar que cortava o seu corpo.

— Eu decidi que não vou voltar para Nova York. – Sesshoumaru interrompeu os instantes de silêncio.

Ela achou que tivesse ouvido errado, mas seus ouvidos captaram bem a palavra não. Apesar de ter ouvido corretamente, aquela frase não fazia sentido na mente de Rin. Antes que ela pudesse perguntar algo, ele continuou.

— Eu não posso deixar Lissy pra trás, eu não vou fazer isso nunca mais. – Ele avançou alguns passos, ficando próximo ao balcão. – Nada é mais importante agora.

Só quando ele se aproximou Rin percebeu o que havia de errado. Sesshoumaru havia bebido, e daquilo ela não tinha nenhuma dúvida. Os olhos pesados e o cheiro de bebida o denunciavam. Agora as coisas começavam a fazer mais sentido, embora essa constatação não fizesse com que o mal-estar que ela sentia fosse embora.

— Você não está no seu juízo perfeito. – Ela suspirou, dando a volta pelo balcão. – Eu vou te levar para o hotel, você não está bem. – Rin aproximou-se dele, na intenção de direcioná-lo para a porta da confeitaria. Mas ele não se moveu.

— Eu decidi que não posso também voltar para Rebeca. – Ele ficou no mesmo lugar, encarando Rin de uma posição perigosamente próxima. – Eu não quero voltar para o meu casamento.

Rin engoliu seco, sentindo as pernas tremularem com mais força. Sua mente gritava para que ela se afastasse de Sesshoumaru, mas ela não se moveu. Ela levantou o rosto e encontrou o olhar fixo dele. A respiração quente dele batia no rosto dela, fazendo com que o corpo da morena sentisse um calafrio.

— Você está dizendo isso porque está bêbado. Logo vai perceber que nada do que está falando faz sentido. – As lágrimas nos olhos dela tornaram-se mais grossas e pesadas.

— Eu nunca tive tanta certeza disso. – As mãos suadas dele alcançaram os pulsos dela, e ele os segurou de forma gentil. – Eu não vou conseguir dar as costas para você outra vez, eu não posso, Rin.

— Sesshoumaru... – Ela pronunciou o nome dele em meio a um suspiro, tentando assimilar o que ele havia dito. – Isso tudo ficou no passado, as nossas vidas seguiram em frente.

— Eu sei que fiz muito mal a vocês duas por ter decidido partir. Mas voltando pra cá eu percebi que eu fiz muito mal a mim mesmo. Eu vivi uma vida de mentira, achando que conseguiria apagar o que vivi aqui. Mas... eu perdi coisas, coisas que doem muito e que eu provavelmente nunca vou conseguir recuperar. – A voz usualmente dura estava agora serena, e os olhos dele não fugiam dos dela.

Rin sentiu como fosse desmaiar, mas seu corpo não desfaleceu. As mãos dela fugiram dos dedos de Sesshoumaru, mas, ao contrário do imaginado, elas não se afastaram. Os dedos delicados se prenderam à camisa dele.

— Você não sabe o que está dizendo. – As lágrimas já não estavam mais presas sobre os cílios de Rin, e começavam a escorrer pelo rosto dela. – Você ama o seu dinheiro, a sua vida de luxo, a sua...

Because maybe, you're gonna be the one that saves me. And after all, you're my wonderwall

— Eu amo você. – Ele a interrompeu, usando um tom mais alto de voz. Sesshoumaru conseguia perceber como o coração de Rin batia forte no peito, e como as pernas dela tremulavam. Em um impulso, ele a puxou pra perto e uniu os lábios aos dela. Mas não foi um beijo como o daquela noite na casa de Rin, aquele foi diferente.

Foi um beijo urgente, saudoso. Ele envolveu um dos braços em torno da cintura dela e a puxou pra perto. Rin envolveu os dois braços no pescoço de Sesshoumaru, ficando nas pontas dos pés. Ele esgueirou-se até encostar a mão no vidro da janela da confeitaria, dando um giro rápido. Naquele momento, foi como se o tempo parasse. Ele e ela perderam a noção de quanto tempo passaram naquele beijo, porque ele foi emendado em outro, e outro... Sesshoumaru passou o nariz pela pele do pescoço dela, beijando a base da clavícula. Rin emaranhou os dedos por entre os cabelos dele, suspirando.

Today was gonna be the day, but they'll never throw it back to you

Rin teve certeza que toda sua racionalidade havia desaparecido quando percebeu que ela e ele estavam subindo os degraus da porta da frente da casa dela, que era próxima à confeitaria. Entraram pela sala, imersa em uma penumbra, sem que os corpos se desgrudassem. Os beijos e as carícias eram diferentes de quando estiveram juntos pela última vez. A vida endureceu o ar de menina de Rin, obrigando-a a se transformar em uma mulher. E a vida amoleceu a frieza de Sesshoumaru, fazendo-o perceber que a vida vazia de luxo que ele quis não era a vida que o faria feliz.

By now you should've somehow realized what you're not to do

Ainda sob a escuridão que só era amenizada pelas luzes da rua que passavam pelas frestas da janela de madeira, Sesshoumaru deitou Rin na cama. Ele desabotoou a calça jeans escura e puxou o tecido gentilmente, revelando a cicatriz da cesárea no baixo ventre. Isso também havia mudado. Da última vez em que estiveram juntos, Rin ainda não tinha dado a Sesshoumaru aquilo que ele descobriu que mais amaria: Melissa.

I don't believe that anybody feels the way I do about you now

Ele beijou o desenho da cicatriz, em um gesto urgente de tentar reparar a angústia que ele sentia por pensar no tempo em que esteve longe, e em tudo que perdeu. Rin suspirou, passando os dedos pela nuca dele.

Naquela noite, estiveram juntos. Juntos como muito sonhou Sesshoumaru, e juntos como Rin temia. Sentiram, de novo, a força do sentimento que os unia, e perceberam que não conseguiam se sentir assim com nenhuma outra pessoa. Nem com Kohako, tampouco com Rebeca. Nem a mágoa e da angústia que ainda abrigava o coração dos dois conseguiu apagar aquilo. O tempo, embora tivesse castigado bastante o coração de ambos, não fazia diferença. Não importava quantos anos mais se passassem, Rin não conseguiria apagar o que sentia por Sesshoumaru. E não importava quantas vezes ele pudesse decidir voltar para Nova York, o coração dele estaria, para sempre, em Lovebelt.

I said maybe, you're gonna be the one that saves me, and after all you're my wonderwall

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Rin achou que estivesse sonhando, mas a certo ponto percebeu que aquele som insistente era o da campainha. Levantou-se cambaleante, e olhou em volta. Só então percebeu que não tinha sonhado, também, com Sesshoumaru. Ele estava dormindo na cama dela, meio coberto apenas por um lençol.

Meu Deus. Ela passou a mão pela testa, exasperada. O som da campainha continuava ferindo os ouvidos dela, e Rin decidiu que teria que lidar com o fato de ter dormido com Sesshoumaru depois. Buscou uma camisola que estava dobrada no encosto da poltrona do quarto e vestiu ainda enquanto descia as escadas.

Chegou à porta ainda em um tropeço, mas alcançou a maçaneta e abriu. Quando viu quem estava ali, sentiu que o sangue sumiu do seu rosto. As pernas voltaram a fraquejar, e o coração dela pulou uma batida.

— Você está bem? - Kohako perguntou.

— Que horas são? - Ela inquiriu, ainda desnorteada. Olhou para o céu ao fundo, e percebeu que o dia ainda estava amanhecendo.

— É cedo. – Ele fixou os olhos nela, percebendo a evidente confusão e o óbvio desconforto. – É que eu estava indo para a fazenda, mas percebi que a luz da confeitaria estava acesa e seu carro ainda estava lá. Fiquei preocupado, achei que algo tivesse acontecido com você.

Droga, Rin pensou. Ela e Sesshoumaru saíram de lá ontem tão afoitos que ela sequer pensou que deixou a confeitaria aberta e que seu carro havia ficado estacionado à frente. Um calafrio passou pelo corpo dela quando ela constatou que o hatch verde emprestado por Sesshoumaru também estava lá. Droga, droga, droga.

— Eu saí de lá tão cansada, que decidi não vir dirigindo pra casa. Também não percebi que deixei a luz acesa. – Rin sabia que o tom trêmulo denunciava a óbvia mentira que ela estava contando.

Kohako engoliu seco, travando a mandíbula. – Acho melhor falarmos depois.

Ele virou-se e ela fechou a porta. Rin fechou os olhos, sentindo o peso da culpa ocupar sua mente. Não podia acreditar no que havia feito, tampouco conseguia acreditar que estava enganando Kohako daquela forma. Ela só precisava organizar os pensamentos na sua mente para decidir o que fazer.

Mas antes que ela conseguisse assimilar qualquer outra coisa, o estrondo da porta da frente sendo aberta fez com que Rin desse um sobressalto. Dessa vez, Kohako parecia transtornado. Os olhos marejados e o rosto avermelhado denunciavam a raiva no rosto do rapaz.

— Ele está aqui, não está? - Kohako inquiriu, subindo o tom de voz.

Rin tremia dos pés até a cabeça, olhando-o assustada. Conhecia Kohako desde criança, e nunca havia o visto daquela forma. Na verdade, ela lembrava-se de algumas vezes, quando ele ainda era policial, que a adrenalina e a pressão do trabalho haviam transformado completamente a calmaria do rapaz.

— Se acalme. – Rin pediu em um sussurro, recuando um passo.

Kohako cerrou o punho e desferiu um soco contra o batente da porta, fazendo outro estrondo. – Como você pôde?

Naquele instante, Sesshoumaru surgiu no alto das escadas. Já vestido com a camiseta de algodão branca que usava por baixo da camisa no dia anterior, e com uma calça jeans escura, ele desceu os degraus em passos rápidos, pondo-se entre Kohako e Rin. O som insistente da campainha e o estrondo a porta o despertaram, e ele logo soube o motivo daquela confusão.

Os olhos castanhos do moreno arderam, ao mesmo tempo em que lágrimas grossas se acumulavam acima dos cílios grossos. Ele avançou um passo em direção a Sesshoumaru e Rin fez o mesmo, invertendo as posições. Agora ela estava entre os dois.

— Não. – Ela suplicou, colocando os braços sobre o peito de Kohako, que olhava fixamente Sesshoumaru. – Vamos conversar.

Ele segurou Rin pelos pulsos e a empurrou na direção contrária, fazendo com que ela recuasse alguns passos e tropeçasse. Ela caiu sentada sobre o chão da sala, já aos prantos.

Sesshoumaru quase perdeu a cabeça, sentindo vontade de partir para cima de Kohako. Mas um sentimento de proteção falou mais forte e ele foi na direção de Rin, amparando-a. Ele segurou-a pelos ombros e a ajudou a se colocar de pé novamente. Com o braço direito, Sesshoumaru acomodou o corpo de Rin atrás do dele.

— Conversar sobre o quê? - Kohako repetiu, dessa vez gritando. – Depois de tudo que esse homem fez pra você. – Ele aproximou-se em mais um passo rápido e Sesshoumaru travou os punhos, mantendo Rin atrás de si.

— Sesshoumaru, vá embora. – Ela sussurrou. As palavras entrecortadas por soluços fizeram com que o peito dele se apertasse.

— Não. – Ele negou. A voz fria e grossa usual voltou a ecoar pela sala, conforme ele ainda olhava fixamente Kohako.

— Por favor. – Rin suplicou, puxando a camiseta que ele vestia. – Não piore as coisas. Vá embora. – Ela adotou um tom firme, embora ainda estivesse chorando.

Ele finalmente deixou de olhar Kohako e virou o rosto, olhando-a por cima do ombro direito. Rin abraçava o próprio corpo com um dos braços e o outro segurava o tecido da barra da camisola cinza de algodão que ela vestia. Não queria, em hipótese alguma, deixá-la sozinha com Kohako, mas seu lado racional tentava situá-lo do que estava acontecendo. No final das contas, Kohako ainda era namorado de Rin, e ele não tinha razão alguma na atual situação. Ficar ali só alimentaria a ira de Kohako. Além do mais, era difícil admitir, mas ouvir Rin dispensando-o era doloroso.

— Não se atreva a encostar um dedo nela. – Sesshoumaru murmurou, ao passar por Kohako.

Você não se atreva a tocar nela nunca mais. – Kohako gritou de volta.

Sesshoumaru abriu a porta e saiu, ainda sem ter absoluta certeza de que estava fazendo o que era certo, ou se estava somente se acovardando diante da situação. Pensou em voltar, mas sabia que a situação poderia ser pior. A última coisa que Rin queria era que ele e Kohako se engalfinhassem em uma briga. Isso magoaria Melissa também.

Rin olhava Kohako fixamente, e ambos estavam em prantos. A raiva dele parecia ter sido aplacada, e o rosto avermelhado do rapaz denunciavam a decepção pelo que havia visto.

 - Eu não quis mentir, foi... – Ela começou, sendo interrompida pela voz grossa de Kohako.

— Eu não consigo acreditar que você trouxe esse homem pra dentro da sua casa. – Ele passou as mãos pelo cabelo da nuca, parecendo agora desnorteado. – Por que, Rin?

— Eu... – Rin gaguejou, tentando controlar o ritmo da própria respiração. – Eu sinto muito, eu não quis te magoar.

— Me magoar? - Um riso de sarcasmo se confundiu com o choro persistente de Kohako. – Acho que você esqueceu quem foi que mais sofreu com tudo isso.

Rin abraçou o próprio corpo, cruzando os braços frente ao peito. Ela apertou os olhos, deixando que as lágrimas escorressem. A culpa invadiu sua mente, e ela sentiu-se a pior pessoa do mundo.

— Da primeira vez, ele enganou você, não foi? Você era só a pobre moça do interior que caiu nas mentiras de um cara de Nova York. Todos te apoiamos, porque você foi enganada, não foi? - Kohako cuspia as palavras entre os dentes, com os pulsos tremulando. – E agora, Rin? Você está sendo enganada?

— Não... – Ela murmurou, sendo interrompida por ele.

— É claro que não! Você foi pra cama de novo com o cara que te abandonou grávida. O cara que não foi digno de vir aqui registrar a própria filha, que se escondeu atrás de um advogado por seis anos. Seis anos! – Ele gritou, fazendo com que a voz ecoasse pela sala da casa.

Rin cobriu os ouvidos por um instante, sentindo as palavras atravessando seu peito como estacas. As lágrimas corriam livremente pelo rosto dela, e sua mente ficava cada vez mais turva.

— Sabe o que vai acontecer, Rin? - Kohako aproximou-se, fazendo com que ela tremesse dos pés à cabeça. – Esse homem vai se cansar se você, e vai voltar pra mulher dele. E dessa vez, você não vai ter a mim, a Sango e nem a seu pai para te amparar. Você estará sozinha. – Ele apontou para o rosto dela. – Porque foi isso que você escolheu essa noite.

Ele deu as costas e fechou a porta com força atrás de si. Rin perdeu as forças nas pernas e caiu sentada sobre os calcanhares, ainda aos prantos. As palavras de Kohako doeram profundamente e só ampliaram a culpa pelo que fizera. Ele estava certo. Sesshoumaru havia dado as costas para ela, e mesmo assim Rin decidiu abrir novamente as portas da sua vida e do seu coração pra ele.

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Notas finais do capítulo

Gente, quanto tempo!
Sei que a maior parte de vocês já deve ter desistido de mim, mas eu decidi (de novo) que vou concluir essa história. Estou aproveitando esses tempos de quarentena, que infelizmente têm mudado muito as nossas vidas, para refletir sobre várias coisas. Minha decisão de concluir a história é também para ajudar a me distrair, e espero poder ajudar a distrair quem está lendo. Se puder, deixe um comentário ou recado -- eu adoro quando vocês compartilham as percepções comigo!
Beijo a todos, e se cuidem! #fiquememcasa



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