Lovebelt escrita por Nina Antunes


Capítulo 17
Capítulo 17




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O som dos ponteiros do relógio estava prestes a enlouquecer Rin. Ela estava sentada na sala de espera da clínica, com Sesshoumaru ao seu lado. Ele usava o celular para responder e-mails do trabalho e parecia estar focado demais naquela tarefa - focado a ponto de não perceber o quanto as pernas dela se moviam para cima e para baixo, de forma nervosa. Rin estava sentada na ponta da cadeira, segurando a borda do estofado com as mãos. Os ombros curvados para frente estavam mais tensos do que dois blocos de pedra.

Ao contrário dela, as outras mulheres da sala, com barrigas bem mais proeminentes, liam revistas ou mexiam no celular de forma despreocupada. Como elas não poderiam estar a ponto de surtar? - pensou Rin. Será que era só ela que ficava em pânico quando pensava que teria a responsabilidade de gerar e criar uma nova pessoa? Não era loucura pensar em trazer outra criança ao mundo?

É claro, também, que o histórico de complicações na gravidez potencializava aquele nervosismo. Por mais que tivesse conseguido digerir o fato de que estava grávida outra vez, Rin começava a pensar se teria força para enfrentar cada fase daquela longa jornada. Os enjoos, a dor de cabeça, o cansaço, a dor nas costas, as noites sem dormir... ainda se essas fossem suas únicas preocupações, tudo poderia ser mais bem administrável. Ela perguntava-se se ainda se lembrava como colocar um bebê para dormir, se ainda se lembrava a melhor forma de amamentar, se ainda tinha a mesma destreza para trocar fraldas. E se ela tivesse se esquecido de tudo? Melissa faria seis anos em daqui a quatro dias, afinal de contas. E se ela não fosse uma boa mãe?

Aquele nervosismo estava se transformando em uma bela dor de cabeça. Rin começou a passar o polegar da mão direita pela palma da mão esquerda de forma repetida. Sesshoumaru olhou-a pelo canto dos olhos, reparando o movimento das mãos. Sabia que ela só fazia aquele gesto repetitivo quando estava uma pilha de nervos, como agora. Ele acariciou as costas dela, deixando o celular de lado - o trabalho teria que esperar. Antes que pudesse perguntar se estava tudo bem, a secretária chamou o nome de Rin. Ele estendeu a mão para ela, envolvendo os dedos nos dela de forma gentil.

Entraram pela porta, encontrando uma médica de cinquenta e poucos anos. Ela tinha os cabelos tingidos de loiro-areia e usava óculos de armação vermelha. Os olhos castanhos eram estreitos e ficavam ainda menores quando ela sorria, como agora. Ela levantou-se para receber o casal e fechou a porta do consultório. Sentou-se na mesa ampla, repleta de fotos de pessoas que pareciam ser da sua família.

Percebendo o nervosismo de Rin, a médica começou a mostrar as fotos, contando orgulhosamente sobre os netos. A morena sorriu, tentando relaxar.

Após a tentativa de amenizar o clima, a médica passou, então, a fazer perguntas para Rin. Qual o tempo de atraso da menstruação, quantas vezes ela havia engravidado, como havia sido o parto de Melissa, como havia sido o pós-operatório. Ela contornou o assunto que mais interessava a Rin, evitando falar qualquer coisa sobre a eclâmpsia. Aquilo só seria capaz de deixá-la mais nervosa.

— Como se chama sua filha? - A doutora, que se chamava Sue, perguntou, enquanto examinava Rin, colocando o aparelho de pressão em seu braço.

— Lissy... - A voz dela falhou, e Rin precisou limpar a garganta antes de corrigir. - Melissa, na verdade.

— É um lindo nome. - Ela sorriu, esperando o aparelho "desinchar". Assim que os números apareceram na tela, Rin soube que sua pressão estava alta. Ela lembrava bem de quantas vezes usou aquele aparelho anos atrás, O coração dela disparou, conforme a sensação de estar em um pesadelo ficava mais real. Ela respirou fundo, tentando controlar seus nervos.

Sue anotou algo no prontuário digital de Rin, deixando que os óculos escorregassem para a ponta do nariz. Ela ergueu o rosto para ver a tela do computador pelas lentes do óculos, fazendo uma careta para enxergar melhor. Mais sons de teclas do computador, e Rin se perguntava o que diabos aquela médica tanto anotava.

— Eu vou precisar de alguns exames. Assim que você voltar com os resultados, vamos falar sobre as vitaminas que você precisará tomar. - Ela tirou os olhos da tela do computador finalmente, voltando a observar Rin. - Me parece que ainda está cedo, você provavelmente está com seis ou sete semanas apenas. Temos tempo.

— Doutora. - Rin quase a interrompeu, arrastando a cadeira para se aproximar da mesa. - Me desculpe, mas eu preciso saber...

Sesshoumaru buscou a mão direita de Rin, que repousava sobre o colo dela. Ele murmurou para que ela ficasse calma, mas foi em vão.

— Eu vou ter eclâmpsia outra vez? - O tom de voz urgente fez com que as palavras quase se atrapalhassem.

A médica suspirou fundo, tirando os óculos do rosto. Ela moveu a cadeira para frente, como se quisesse se aproximar o máximo possível de Rin.

— Como eu disse, ainda é cedo. Não dá para saber. - O rosto tombado mostrava empatia pelo nervosismo dela.

— Quais são as chances? - Ela insistiu.

— Você é jovem e não tem problemas de saúde. O prognóstico é bom...

— Eu era ainda mais jovem quando tive Melissa. Ainda assim aconteceu. - Rin engoliu seco.

Suspirando fundo outra vez, a doutora Sue percebeu que adiar aquela conversa provavelmente só causaria mais ansiedade em Rin.

— As chances diminuem pela metade na segunda gravidez. Como eu disse, você é jovem e saudável, não deve ser uma preocupação para agora. - Ela colocou a mão sobre a de Rin, tentando passar confiança. - Os sinais só aparecem depois da vigésima semana. Até lá, vamos acompanhar sua pressão e fazer os exames para checar se está tudo bem.

— Minha pressão está alta, eu notei. - Os olhos dela tremulavam. - E se acontecer de novo?

Sesshoumaru ficou na ponta da cadeira para passar a mão pelas costas dela. Vê-la naquele estado de nervos era doloroso demais. Sabendo quão forte ela era, não conseguia imaginar o tamanho do medo que Rin sentia agora. Ele também estava com medo, é claro, mas não podia sequer imaginar a aflição de não saber se você teria uma gravidez tranquila ou se teria que passar os próximos meses controlando uma doença que só era curada com o fim da gravidez.

— Se os seus testes indicarem qualquer sinal de preocupação, nós vamos começar a administrar os remédios para a hipertensão e os anticonvulsivos.

— Anticonvulsivos? - Sesshoumaru repetiu, torcendo as sobrancelhas.

— É por precaução. - Ela explicou calmamente.

Sesshoumaru parecia em choque, mas Rin já sabia que aquilo possivelmente seria necessário. Se o seu maior medo se materializasse, ela teria que passar os próximos meses sob o controle da medicação, e teria que fazer um rigoroso acompanhamento médico. Possivelmente teria que deixar o trabalho na fazenda de lado nos meses finais - embora Rin não fizesse a menor ideia de quem cuidaria da colheita do trigo - e até a própria confeitaria. Ainda assim, mesmo que fizesse tudo isso, nada seria capaz de garantir que ela teria um parto tranquilo.

— Não quero que vocês se preocupem agora. O importante é fazer os exames e tentar melhorar alguns pontos da rotina. Diminua o sal da alimentação, faça exercícios e evite o estresse. - Sue sorriu, dando uma pequena palma sobre as costas da mão de Rin.

Ela acenou positivamente, recolhendo as mãos junto ao colo. A médica escreveu mais algumas anotações no prontuário e terminou de preencher o pedido médico de exames. Entregou os papéis necessários para Rin e se despediu do casal, chamando a próxima paciente.

Os dois saíram pela porta de vidro da clínica, rodeados por um silêncio sepulcral. Sesshoumaru ainda estava processando aquelas informações, mas era difícil. Os motivos para Rin ter ficado tão assustada com a gravidez ficavam cada vez mais claros para ele. Quando ela disse que ele não fazia ideia do que ela havia passado, não era exagero. Rin enfrentou um inferno muito pior do que ele poderia imaginar.

— Você tomou os remédios naquela época? - Ele quis saber. Os dois já estavam dentro do carro, mas ele não havia dado partida ainda.

— Não. O médico não desconfiou que alguém jovem e saudável como eu poderia ter pré-eclâmpsia. Descobri quando já era tarde demais.

— Como?

— O quê? - Ela piscou repetidas vezes, tentando entender.

— Como descobriu?

— Ah... Um dia, quando eu já estava no sétimo mês... - Ela engoliu seco, esfregando os dedos de forma nervosa. - Eu passei o dia sob o sol da fazenda, ajudando meu pai. Eu desidratei sem perceber. No final do dia, quando estava em casa vendo TV, eu apaguei. Não me lembro de nada, apenas de acordar no hospital.

— Você teve uma convulsão... - Ele adivinhou.

— Sim. Meu pai me levou para o hospital, eu fiquei desacordada por um tempo... depois passei mais algumas semanas tentando controlar a pressão, mas a placenta começou a receber pouco oxigênio, então Melissa precisou nascer. - Rin explicou. Os olhos vazios transpareciam quanto aquelas lembranças pareciam ao mesmo tempo distantes e mais próximas do que nunca.

Sesshoumaru a envolveu em um abraço firme, encostando o rosto sobre os cabelos dela. A culpa o consumia outra vez. Não era só a culpa de não ter estado próximo quando tudo aquilo aconteceu, mas por vê-la passando por tudo de novo. Ele queria muito ser pai outra vez, queria viver as experiências que perdeu com Melissa. Mas Sesshoumaru notou que enquanto ele estava anestesiado pela felicidade de ter outro filho, Rin estava mergulhada no medo de passar por outra gravidez. E não havia nada que ele pudesse fazer para controlar aquilo, exceto estar ao lado dela. Sentiu-se, de novo, golpeado no estômago. Suas atitudes do passado tinham ainda mais consequências do que ele poderia imaginar.

— Você se lembra do que eu disse? - Ele afagou os cabelos dela, fazendo uma pausa antes de continuar. - Eu vou te apoiar, caso você queira...

— A médica disse que as chances caíram pela metade, certo? - Rin apoiou as duas mãos contra o peito dele, fechando os olhos. - Então vamos confiar que os números estão a nosso favor.

Pelo estado de angústia que Rin estava até minutos atrás, Sesshoumaru sabia que aquela era uma tentativa de acalmá-lo. Era incrível como até em momentos como aquele ela conseguia não pensar somente em si mesma.

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Já era tarde quando Rin tirou a chaleira do fogo, servindo o líquido fumegante em quatro canecas separadas. Ela esfregou as mãos uma contra as outras, tentando espalhar o calor proveniente do contato com as canecas pela extensão dos dedos. A primeira frente fria do outono havia chegado, deixando a cidade coberta por uma fina geada. Talvez estivesse na hora de trocar o aquecedor da casa, ela pensou.

Deixando aquela constatação de lado, a morena colocou as quatro canecas em uma bandeja e voltou para a sala, encontrando Sesshoumaru e Miroku mergulhados em pilhas e pilhas de papéis de processos e planilhas contábeis. Sentada ao lado deles estava Melissa, fazendo o dever de casa. Apesar de não entender meia vírgula do "juridiquês" falado pelo pai e por Miroku, a menina havia se prostrado logo ao lado dos dois, fingindo estar também trabalhando.

Quando Rin passou pela porta que dividia a sala da cozinha, encontrou Sesshoumaru e Miroku discutindo normas do acordo comercial bilateral entre os Estados Unidos e o México – especialmente as normas que tratavam da exportação de grãos. Melissa prestava atenção, acenando repetidas vezes, como se estivesse concordando com a abordagem do pai para resolver o assunto. Ao ver aquilo, Rin não evitou um riso baixo na garganta. Ela arranjou um espaço entre os papeis para depositar as canecas de chá dos três, recebendo um agradecimento distraído dos dois homens. Melissa repetiu o gesto, voltando a "participar" da discussão.

Depois que Sesshoumaru se mudou para a casa de Rin e depois que Miroku passou a ficar na casa de Sango todas as vezes em que vinha para Lovebelt, não fazia mais sentido eles trabalharem da sala de reuniões do hotel. A hospedaria dos Clark havia perdido seus clientes mais fiéis, no final das contas.

Isso significava duas coisas. A primeira: Sesshoumaru estava indo com mais frequência para Salina, onde ficava o escritório da família de Miroku. E a segunda: a sala de jantar de Rin vez ou outra se transformava em um espaço de reuniões improvisado. Em dias como aquele, em que os dois advogados passavam a manhã e tarde visitando clientes em Lovebelt, não fazia sentido viajar para a cidade próxima para resolverem questões pontuais.

Aquilo não a incomodava nem um pouco. Na verdade, Rin gostava de ver Sesshoumaru trabalhando. Sua dedicação e foco eram admiráveis, e mostravam o quanto a advocacia era realmente sua vocação. Ela sentou-se no sofá, esticando as pernas pelo estofado. Pegou o cobertor cinza que estava recolhido próximo ao braço do sofá e esticou-o sobre seu corpo, voltando à leitura do seu livro.

— A alíquota para a soja em grãos é de 13%. Mas depois houve uma nova tributação de 11% pela a soja em farelo. – Miroku anotava os números na borda de um dos documentos.

— Na verdade, ele não pagou os 11%, pois conseguiu abater parte do imposto da remessa anterior. Foram usados parte dos créditos tributários acumulados. – Sesshoumaru vasculhava uma tabela de Excel impressa, passando a ponta da caneta pelas infinitas linhas em busca de informações sobre aquele cliente em específico.

— Que dá mais ou menos quanto? - O outro rapaz torceu as sobrancelhas, ajeitando a armação dos óculos no centro da testa.

— Por volta de 7,5%. –- O som da caneta marca-texto foi a única coisa ouvida. Assim que destacou a linha do cliente, um grande exportador de soja de Ellsworth, Sesshoumaru levantou os olhos, esperando que Miroku encontrasse a resposta para aquela conta.

Miroku fechou os olhos com força e chacoalhou a cabeça, como se o cérebro tivesse entrado em tela azul. – Espere, vamos lá. Foram 13%, e depois 7,5%. Isso significa que ele pagou 20,5% de imposto, certo?

— Certo. – Sesshoumaru concordou.

— Errado. – A voz de Rin, vinda de trás das páginas do livro, fez com que os dois a olhassem. Ela balançava os pés cruzados de forma despreocupada, parecendo ainda estar dedicada à leitura. – Não é assim que se soma porcentagem, rapazes.

— Pelo amor de Deus, eu sou advogado, não contador. Isso é demais para meus neurônios. – Miroku grunhiu, apoiando a testa na mesa. Melissa riu diante da cena.

Rin jogou o cobertor para o lado e deixou o livro sobre o braço do sofá. Deu um longo gole no chá antes de levantar-se. Ela entrelaçou os dedos das mãos e os esticou no ar, como se estivesse os estralando. – Vamos lá... – Ela esticou a palma da mão para Miroku, pedindo que ele entregasse a caneta que tinha em sua mão, o que ele fez prontamente. – Primeiro houve um aumento de 13% e depois um de 7,5%. – Os números foram desenhados no papel de forma mágica, deixando Miroku hipnotizado. – Então... – Ela parou por um pequeno instante, parecendo calcular na mente. - No total ele pagou 21,48% de impostos.

O rapaz ficou embasbacado, como se tivesse sendo ensinado pela professora do primário. – Se você diz que é isso, eu boto fé.

— E aqui? Neste outro caso houve um desconto de 33% na alíquota de 17%. - Sesshoumaru escorregou a folha da tabela na direção dela. Rin examinou rapidamente os números e começou a fazer anotações ao lado de algumas linhas. O cenho franzido mostrava o quanto ela estava concentrada em fazer aquelas contas.

— Isso é sequer possível? Como você faz porcentagem de outra porcentagem? - Miroku jogou as mãos para o ar de forma exasperada. – Matemática é um monte de abstrações. Guarde o que eu digo, Lissy. – Ele aconselhou a menina com um ar sábio, e Melissa mordeu a ponta da língua, rindo.

Rin pareceu sequer ter ouvido, focada nas anotações. Números empilhados uns sobre os outros, risca-se um algarismo aqui, sobe uma dezena ali e... - Então, a alíquota final foi de 11,39%.

— Quanto você quer para decifrar essas planilhas todas? - Miroku reuniu folhas sequentes de tabelas e mais tabelas repletas de números, organizadas em escalas diferentes de cores. – Meu pai me delegou essa tarefa, mas ele esqueceu que eu não tenho metade do Q.I necessário para tanto.

Ela riu, puxando uma cadeira para sentar-se ao lado de Sesshoumaru.

— Eba! Trabalho em equipe. – Melissa exclamou, batendo a palma da mão contra a de Miroku.

Foi a vez de Sesshoumaru de recuar contra o encosto da cadeira de madeira e admirar Rin devorando aqueles números com facilidade. Já sabia da habilidade que ela tinha com contabilidade, pois lembrava-se perfeitamente das inúmeras vezes em que tentou incentivá-la a ir para a faculdade. Mas isso foi seis anos atrás, e muita coisa havia mudado desde então. Sesshoumaru sabia que Rin provavelmente nunca aperfeiçoaria aquela habilidade no ambiente acadêmico, e que tampouco tomaria proveito daquilo em um trabalho – exceto, claro, no controle das contas da fazenda e da confeitaria.

Apesar de ainda achar aquilo um desperdício da enorme inteligência dela, Sesshoumaru conseguia entender que um diploma não era nada perto da experiência que Rin adquiriu por trabalhar há tanto tempo no negócio da família. Situações como aquela, em que dois advogados formados com honras em Yale tomavam uma lição embaraçosa sobre matemática básica, só provavam a ele que a capacidade vai muito além dos títulos.

Depois de Rin decifrar e organizar as infinitas planilhas, montando um novo controle contábil em anotações organizadas – mais ou menos como ela fazia com as contas da fazenda e da confeitaria – Miroku a agradeceu e partiu.

Sesshoumaru colocou Melissa na cama, contou uma história para ela, e voltou para o quarto, encontrando Rin já deitada. Ela continuava absorta na leitura do seu livro.

Ele fechou a porta atrás de si e começou a desabotoar a linha de botões da camisa branca que vestia por baixo do suéter. Ela moveu o livro para baixo, enxergando por cima das páginas os músculos das costas dele se mexendo conforme a camisa foi livrada dos braços.

— Você deveria ter cobrado pela consultoria contábil. – Ele abriu uma linha de sorriso, sentando-se na ponta da cama para tirar as meias.

— Não me custou nada. – Rin deu os ombros, tentando voltar a atenção para seu livro. Estava difícil, no entanto, manter o foco em algo que não a imagem tentadora de Sesshoumaru se despindo em sua frente.

— O pai de Miroku está se desligando aos poucos do escritório. Em breve será necessário contratar alguém para cuidar dos clientes da contabilidade. – Ele levantou-se, desabotoando a calça jeans escura.

Ela desistiu de fingir que prestava atenção nas páginas e deixou o livro de lado. – Seria bom que contratassem alguém que não faltou nas aulas de matemática do ensino médio, sabe? – Ela zombou, escondendo de forma travessa os lábios com a ponta do edredom.

Sesshoumaru virou-se para ela, captando o olhar divertido de Rin. Passou a calça pelos calcanhares e então escalou a cama, deitando-se sobre o corpo daquela que seria sua mulher em apenas algumas semanas. Ela conseguiu sentir o calor do corpo dele, ainda que o edredom estivesse os separando. – Eu conheço alguém que é muito boa em contas.

— Exceto para calcular o próprio período fértil. – Rin zombou outra vez, envolvendo o pescoço dele com os braços.

Ele abriu uma linha de sorriso no rosto, roçando o nariz pelo pescoço dela. – Você anda com o humor afiado.

A pele dela arrepiou-se diante do contato dele, fazendo com que Rin se encolhesse. – Estou só feliz. Em algumas semanas vou me casar com o homem da minha vida.

— Que cara sortudo. – Sesshoumaru manteve os olhos fixos nos dela brevemente, e depois deixou que os lábios escorregassem pela pele da base do pescoço delicado, beijando as curvas da clavícula de Rin. Ela suspirou, envolvendo os cabelos dele, que parou repentinamente. – Mas suas táticas para mudar de assunto precisam ser melhoradas.

Ela riu, sentindo as bochechas arderem. – O quê? Achei que você estivesse brincando.

— Não, eu não estou. – Ele recuou para voltar a olhá-la nos olhos. – Acho que não há ninguém que entenda mais de números, do plantio de grãos e que conheça tão bem a região.

Rin pareceu hesitar por um instante. – Quando a época da colheita chegar, eu vou voltar a me dedicar exclusivamente à fazenda. É impossível conciliar isso e um emprego no escritório. Sem falar que ainda vamos ter um bebê para cuidar... – Ela torceu os lábios de forma decepcionada.

— Por que não contrata alguém para cuidar da fazenda? - Sesshoumaru resolveu sanar sua curiosidade, trazendo à tona um assunto que poderia ser espinhoso.

— Com qual dinheiro? - Rin torceu as sobrancelhas, sentindo um estranho incômodo diante da pergunta. – Claro que uma mãozinha seria ótimo, mas não dá para pagar alguém agora.

— Bem, já era difícil quando você tinha a ajuda do seu pai. O bebê vai nascer no verão, na época da colheita... – Ele deu os ombros, sentando-se na beirada da cama, logo ao lado dela.

— Já fiz essas contas... – Balançou a cabeça negativamente e mordeu o lábio inferior. – Eu vou dar um jeito.

— Rin... – Ele virou o pescoço para olhá-la por cima do ombro. – Você já pensou em arrendar as terras, pelo menos por um tempo? Sabe... no escritório temos clientes que precisam de mais espaço para o plantio, nós poderíamos...

— Não. – Ela o interrompeu, sentando-se na cama de uma vez. – A fazenda era a vida para meu pai. Ele ficaria muito decepcionado se eu fizesse isso. – Toda leveza de antes foi apagada do rosto dela, que agora exibia linhas duras.

— Seria só por um tempo, até que tudo estivesse mais calmo... – Sesshoumaru já havia percebido que tinha entrado em um campo minado, mas já que o assunto estava à mesa, era hora de debatê-lo.

— Foi por isso que você ofereceu o trabalho no escritório? - Rin cruzou os braços na altura do peito, sentindo a raiva subir às bochechas.

Ele suspirou, balançando o rosto. – Não. Eu estive pensando nisso há um tempo.

— A fazenda é o meu trabalho, é o trabalho de anos da minha família. Como você pode sugerir que eu deixe isso de lado? - A voz dela aumentou em um décimo.

— Eu estou encarando a realidade. – Ele suspirou, massageando brevemente a área entre os olhos. - Quando o verão chegar, você vai precisar se dedicar à fazenda, assim como sempre fez. Vai precisar passar horas sob o sol, trabalhando. Como vai poder fazer isso na reta final da gravidez?

— Por que você não me ajuda? - A voz dela se sobrepôs à voz serena de Sesshoumaru, demonstrando o quanto aquele assunto a irritava. – Por que não deixa o trabalho no escritório de lado por um tempo?

Ele sabia que aquilo era um blefe. Era claro que ele não deixaria o trabalho de advogado de lado para ajudá-la a colher o trigo – até porque ele não tinha a menor habilidade com nada daquilo. Perceber que Rin o testava fez com que a serenidade de Sesshoumaru fosse para o espaço.

— Como eu poderia ser útil? Você e eu sabemos que eu só sei advogar. - Ele virou o torso para olhá-la diretamente.

— Certo. – O sarcasmo da voz dela só aumentava o clima tenso do ambiente. – Você nunca calçaria suas botas e viraria um lavrador. Não foi isso que você me disse?

— Qual prova mais você quer de mim? - Sesshoumaru travou os dentes, inflando as narinas para respirar fundo. – Não foi suficiente eu ter largado tudo da vida de antes? Eu preciso deixar minha profissão de lado para você acreditar que eu mudei?

A irritação cedeu espaço para um lapso de racionalidade, e Rin percebeu o quanto a situação havia escalado rápido. A sugestão de Sesshoumaru ainda a magoava, principalmente por ter vindo logo após a ideia de ela trabalhar no escritório de contabilidade. Era frustrante pensar que ele havia oferecido aquilo apenas como uma tentativa de mudá-la de alguma forma. Será que para ele era mais aceitável a ideia de ter uma esposa que trabalha em um escritório do que uma esposa que passa o dia sob o sol, na colheita do trigo? Será que, mesmo depois de tudo, Sesshoumaru ainda não conseguiria se casar com alguém como ela: sem estudo, sem conhecimento de mundo, sem nenhum tipo de luxo? Aquele seria um sinal de que, apesar de todas as mudanças, ele ainda estava preso a alguma das coisas de seu passado?

— Eu não quero que você deixe seu trabalho. – Ela voltou o tom de voz para o nível normal, mas a dureza da frustração ainda estava evidente em seu rosto. – E eu estou contente com as coisas como elas estão.

— Eu me preocupo com você. – Ele apoiou os braços sobre as coxas, reunindo as mãos em um bloco. – Quando Melissa nasceu, você estava trabalhando muito...

— Não vai acontecer outra vez. – Rin o interrompeu. Ela abraçou o próprio tronco, desviando o olhar por um instante. – Eu já me culpei o suficiente pelo que aconteceu. Por favor, não faça com que eu volte a sentir essa culpa...

Ele engoliu seco, percebendo que estava aumentando a carga sobre Rin, ao invés de aliviá-la. Sesshoumaru escalou os dedos pelo edredom, entrelaçando a mão esquerda com a dela. Rin passou o dedão pela parte interna do dedo anelar, fazendo com que a aliança saltasse sobre sua pele. Olhar para aquele anel aumentava sua angústia em pensar que talvez Sesshoumaru não fosse conseguir ser feliz daquela forma. Perguntava-se, agora, se eles haviam ido rápido demais. Será que ele havia tido tempo de digerir tudo que havia acontecido?

— Desculpe. – Ele murmurou, surpreendendo-a. – Não foi minha intenção magoá-la.

Rin jogou o edredom de lado e inclinou o corpo na direção dele, deixando-se ser tomada pelo anseio urgente de estar ao lado do homem que amava. Segurou os braços fortes e encostou a testa contra a dele, fechando os olhos. Sesshoumaru segurou os ombros dela de volta, permitindo-se fechar os olhos também.

— Eu nasci aqui, eu cresci com meu pai na fazenda. Arrendar as terras... ceder a plantação para outra pessoa, mesmo que temporariamente, significaria deixar de ser quem eu sou. – As palavras soavam gentis, embora ainda fossem firmes. – Eu não consigo ser outra pessoa, Sesshoumaru.

Ele abriu os olhos, parecendo finalmente compreender. Sesshoumaru acreditava que a reação dela havia sido parte gerada pelo ressentimento e pela culpa que a situação carregava, mas não era só isso. Rin achava que ele estava tentando mudá-la de alguma forma?

— Eu te amo, te amo exatamente como você é. – Ele sussurrou, fazendo o hálito quente bater contra o rosto dela. – Eu estou aqui porque amo a mulher que conheci no meio de uma fila tratores e de uma nuvem de poeira, anos atrás.

Rin abriu um sorriso, acariciando o rosto dele. – Bom saber que você não está reconsiderando o casamento.

— Não fale bobagem. – Ele a olhou com seriedade, ofendido pelo que ela havia dito. – Eu nunca tive tanta certeza de qualquer outra coisa.

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Mais quatro dias se passaram e o aniversário de Melissa havia finalmente chegado. Rin preparou uma pequena festa em casa, assim como havia sido nos anos anteriores, mas a verdade era que ela não tinha metade da habilidade do pai para organizar comemorações. Sango estava fazendo um bolo do sabor preferido de Melissa – chocolate - e Miroku havia comprado inúmeras bexigas coloridas que estavam sendo penduradas por Sesshoumaru pela entrada da casa. Ainda faltavam duas horas até que as primeiras crianças chegassem, mas Melissa já estava andando de forma inquieta de um lado para o outro.

— Você acha que meu padrinho vai vir? - Ela perguntou, quebrando o silêncio da sala.

No ano anterior, Kohako havia feito boa parte da organização da festa. Rin ainda estava atordoada demais com a morte do pai, e não tê-lo por perto naquela data somente piorava a situação. Agora, as lembranças da festa de um ano antes só reavivaram a falta que Kohako fazia para Melissa.

— Bem... – Rin suspirou, sentando-se em uma cadeira. Ela abriu os braços, convidando Melissa para aninhar-se em seu colo, e assim a menina o fez. – Nós o convidamos, certo?

— Certo. – Ela murmurou de forma desapontada.

— Você pode mandar uma mensagem para ele, se quiser. – Ela passou os dedos pelo cabelo liso de Melissa, desembaraçando um pequeno nó nas pontas.

— Está bem. – Lissy acenou positivamente, pegando o celular da mãe. Rin abriu o aplicativo de mensagens e procurou o contato de Kohako. Uma janela sem nenhum histórico de mensagens surgiu na tela. Melissa tomou o aparelho em mãos e começou a gravar uma mensagem. – Oi tio Kohako, tudo bem? É... hm... você vai vir na minha festa? Sabe, a tia Sango está fazendo o bolo do nosso sabor preferido e... eu acho que você vai gostar das bexigas... então, hm... você deveria vir. Eu vou te esperar, tá?

Era difícil dizer em quem aquelas palavras doíam mais: se era em Rin ou em Sesshoumaru, que ouvia tudo pela abertura da porta da frente. A morena forçou um sorriso no rosto, beijando a testa da filha. Assim que Melissa saiu pela porta do fundo, ocupada em brincar com o pula-pula que havia sido colocado no jardim, Sesshoumaru terminou de pendurar a última bexiga, desceu as escadas e fechou a porta da frente.

— Você acha que ele vem? - Ele perguntou, fazendo com que Rin o olhasse.

— Não sei. – Ela admitiu. – Espero que sim.

O silêncio pairou por um instante, antes que a campainha tocasse. Era cedo demais para qualquer convidado chegar, e Rin perguntou-se se havia se atrapalhado a ponto de mandar os convites com o horário errado da festa. Não duvidava daquilo, diante de sua inaptidão com organização de eventos comemorativos.

Ela choramingou mentalmente e deu um salto da cadeira, indo em direção à porta. Quando puxou a maçaneta viu que ali estava um homem de estatura média, cabelos prateados como os de Sesshoumaru e olhos tão dourados quanto o sol. Ela não conseguiu conter a expressão embasbacada ao notar que estava diante de seu futuro cunhado.

— Boa tarde, err... – Ele coçou a nuca de forma desajeitada, desviando o olhar. – Eu estou procurando o Sesshoumaru.

Ao ouvir a voz do irmão, Sesshoumaru atravessou a sala como um raio, aparecendo atrás de Rin. Os dois pares de olhos dourados se cruzaram, e InuYasha travou os lábios de forma descontente.

— Eu... – Ela olhou para trás, percebendo o clima tenso entre os dois. – Vou deixar vocês dois a sós. Mas por favor, entre. – Rin abriu a porta, liberando o espaço para que InuYasha entrasse. Assim ele o fez, mas ficou prostrado perto da entrada, com as duas mãos mergulhadas dentro dos bolsos do casaco.

Rin fechou a porta da frente e foi em direção à porta dos fundos, fazendo com que o som das molas da cama elástica do pula-pula se espalhassem pelo cômodo por um instante.

— Eu precisei vir até aqui pra ver com meus próprios olhos. – InuYasha começou com o mesmo tom áspero de antes. – Não acreditei quando mamãe contou que você tinha se mudado para o meio do nada.

Sesshoumaru travou as mandíbulas. Sabia que se Rin tivesse ouvido aquilo provavelmente teria ficado chateada. O irmão despejar todo seu ressentimento em cima dele era esperado, mas não podia acreditar que InuYasha havia cruzado metade do país para tripudiar daquela forma.

— O que está fazendo aqui? - A voz fria era quase inaudível.

— Eu trouxe Izayoi. – Ele explicou, fazendo com que a surpresa aparecesse no rosto de Sesshoumaru. – Ela disse que precisava vir.

— O casamento é só no próximo mês. – Sesshoumaru torceu as sobrancelhas, confuso.

— Eu sei. – InuYasha rebateu, de foma impaciente. – Mas ela quis.

— Onde ela está? - Ele olhou pela janela de forma quase instintiva, procurando por sinais da mãe.

— É claro que eu não a deixaria esperando no gramado, seu idiota. – O irmão mais novo rolou os olhos, impaciente. – Ela está naquele hotel pulguento.

Sesshoumaru estreitou os olhos, começando a irritar-se com a malcriação típica do irmão. – Ainda não respondeu o que você faz aqui.

— Você esperava que eu deixasse uma idosa com Alzheimer viajar sozinha?

— Não, InuYasha... – Sesshoumaru o cortou com um tom sombrio. – Eu pergunto o que você faz em minha casa.

— Então é verdade? Você está morando aqui. – Ele olhou em volta, reparando na decoração infantil da festa. – Trocou sua cobertura em Nova York por uma casa simples no Kansas.

— Sim, aqui vive a minha família. – Ele ergueu o queixo, cruzando os braços.

— Sabe, essa mulher merece um prêmio. – InuYasha começou a olhar os porta-retratos que ficavam em cima do aparador, perto da porta. – Não só por te aturar, mas por ter feito você desistir daquele projeto idiota de ser metido a rico.

Sesshoumaru ergueu uma sobrancelha, tentando entender onde o irmão queria chegar. Seria aquela uma forma grosseira de erguer a bandeira branca? InuYasha estava tentando estabelecer um acordo de paz, ainda que do jeito mal-educado e rude típico do irmão?

— Essa é sua filha? - Ele tomou um porta-retrato que tinha uma foto de Melissa em mãos.

— Sim. – Sesshoumaru confirmou, embora soubesse que não era preciso.

— Izayoi só pode estar mesmo batendo mal dos pinos por acreditar que ela se parece com você. – InuYasha balançou o rosto negativamente, deixando a foto no mesmo lugar de antes. – Ainda bem que a menina puxou à mãe.

Ele não evitou um rosnado do fundo da garganta. – Você deixou a mamãe sozinha no hotel para ser inconveniente comigo?

InuYasha engoliu seco, percebendo que não daria mais para esconder-se atrás dos comentários grosseiros. Uma coisa que havia dito era verdadeira: ele estava ali para ter certeza que Sesshoumaru havia mudado a ponto de viver uma vida completamente diferente. Parecia surreal demais imaginar o irmão deixando de lado a empáfia de sempre, mas ali ele estava: morando em uma casa no interior do Kansas e decorando a sala com balões de festa. Se antes alguém tivesse dito para InuYasha que seu irmão estava vivendo assim, ele sugeriria tratamento psiquiátrico para essa pessoa.

— Finalmente você parece ter entendido. – InuYasha aliviou a postura dura de antes, encarando o irmão diretamente. – Aquele monte de zeros na conta nunca foram capazes de te fazer feliz, não é?

Sesshoumaru ficou em silêncio. Sabia que aquela era uma pergunta retórica.

— Você tem sorte por ter tido a chance de mudar. – Ele desviou o olhar de volta para o porta-retrato onde havia uma foto de Melissa e Rin. – Kagome teria me esganado se eu passasse anos longe do nosso filho.

Em qualquer outro contexto, aquele comentário não o teria afetado, mas Sesshoumaru sabia que InuYasha, assim como ele, estava pensando no pai. Um gosto amargo surgiu no céu da boca do mais velho.

— Bem, parece que você finalmente fez algo certo na vida, não é? - InuYasha rolou os olhos, voltando à posição rabugenta de antes. – Não foi tão idiota quanto InuTaisho.

O som da porta do fundo se abrindo interrompeu a conversa e logo Melissa apareceu na porta da cozinha. Rin veio logo depois, segurando a menina gentilmente pelos ombros.

— Está vendo? Eles ainda não terminaram de conversar. – Ela sussurrou para Melissa, que encarava o tio fixamente. – Vem, depois a gente volta.

— Espere. – Sesshoumaru chamou, fazendo com que as duas parassem. – Esse é InuYasha, meu irmão. – Ele indicou com o queixo. – InuYasha, essas são Rin, minha mulher, e Melissa, minha filha.

Rin sentiu as bochechas arderem ao ouvir Sesshoumaru a chamando de "minha mulher". Como se não bastasse a estranheza da situação, Melissa não aguentou a curiosidade e correu para dentro da sala, interrompendo a conversa entre o pai e o tio. Mediar aquela situação era ainda mais esquisito.

— Oi. – A menina cumprimentou, segurando as mãos juntas nas costas. Ela balançou na ponta dos pés, tentando equilibrar a timidez com a curiosidade.

— Me parece que hoje é seu aniversário. – InuYasha comentou, vendo a menina sorrir.

— É sim. – Ela confirmou, pressionando os lábios juntos.

— E parece que você vai ter uma festa muito legal.

Melissa aproximou-se cautelosamente, encarando o pai vez ou outra para buscar permissão. InuYasha agachou-se, ficando na altura dela.

— Você pode ficar para minha festa? - Melissa convidou, entrelaçando os dedos juntos de forma nervosa. – Ele pode, não pode, papai? - Ela olhou para Sesshoumaru por cima do ombro, recebendo um aceno de volta.

— Bem, eu adoraria ficar, mas... – InuYasha respirou fundo, fazendo com que o desapontamento surgisse no rosto de Lissy. – Eu preciso buscar alguém. Na verdade, alguéns.

Sesshoumaru ergueu as sobrancelhas, surpreso pela última palavra. Quem, além de Izayoi, poderia estar ali?

— É mesmo? - Os olhos cor de mel de Melissa brilharam de curiosidade e ela se aproximou mais.

— Sua avó não aguentou tanta saudade de você. – Ele afagou os cabelos dela brevemente, vendo um enorme sorriso surgir no rosto da sobrinha.

— Vovó Izayoi veio? - Ela deu pulinhos, não conseguindo conter a ansiedade.

InuYasha acenou positivamente, vendo Melissa correr de volta para o pai e abraçá-lo.

— A vovó veio, a vovó veio! – Exclamava, pulando de forma frenética.

— Vem, vamos tomar banho para esperar os convidados. – Rin estendeu a mão para a filha e a menina concordou prontamente. – Foi um prazer, InuYasha. – Ela cumprimentou ao passar por ele, recebendo um olhar gentil de volta.

— Tio InuYasha, vamos esperar vocês. – Melissa reforçou enquanto subia as escadas, fazendo com que Sesshoumaru abrisse uma linha de sorriso.

Assim que as duas desapareceram pelas escadas, o silêncio incômodo voltou a reinar. O breve encontro com Melissa parecia ter amolecido a postura de InuYasha, que ainda olhava a decoração infantil do ambiente.

— Quem você trouxe, além de Izayoi? - Sesshoumaru perguntou, cedendo à curiosidade.

— Minha mulher e meu filho. – Ele explicou calmamente. – Kagome vai ficar eufórica ao saber que viemos justo no dia do aniversário da nossa sobrinha. – O tom divertido da voz de InuYasha beirava a provocação ao irmão mais velho, que fingiu não perceber.

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A noite já havia caído quando o gramado dos fundos da casa de fachada branca ficou repleto de convidados. Mesas de madeira, estilo piquenique, haviam sido colocadas perto da entrada, e luzes em formato de varal foram espalhadas no espaço para iluminar o ambiente. A temperatura era fria, mas não havia vento ou garoa fina naquela noite, o que tornava tudo mais agradável. Rin colocou a bandeja de cachorro-quente em cima da mesa, vendo uma legião de crianças se aproximando para atacar a refeição. Ela sorriu, notando que o filho de seu cunhado, um adorável menino de um ano e dez meses, já havia se misturado com as outras crianças, ainda que fosse mais novo que a maioria delas.

Aquela situação beirava um pouco o surreal, para ser honesta. Meses atrás ela sequer sabia que Sesshoumaru apareceria, tampouco que tinha uma família. Agora todos estavam aqui, em sua cidade e em sua casa. Ela olhou por cima dos ombros, vendo Izayoi, InuYasha e Kagome sentados em uma das mesas. A postura dos três denunciava o quanto a situação era esquisita também para eles.

A verdade era que Sesshoumaru havia perdido totalmente o contato com sua família a ponto de eles se tornarem quase estranhos. Mas vê-lo tentando recuperar aquilo fazia com que Rin se sentisse feliz. Para ela, que sempre foi tão apegada ao pai, a família era algo muito importante. Sabia que Melissa também havia ficado muito contente por saber mais sobre o pai e por formar laços com uma parte da família que ela nunca teve oportunidade de conhecer.

Sesshoumaru aproximou-se dela, tocando gentilmente a base das costas de Rin. – Como estamos indo no encontro de família? - A voz suave tinha um tom de ironia.

— Eu diria que eu estou indo bem demais para alguém que conheceu a família do noivo cinco minutos atrás. – Ela sorriu.

— Pena eu não poder dizer o mesmo. – Sesshoumaru respirou fundo.

— Você está indo bem. – Rin incentivou, esfregando a lateral do braço dele. – Eles estão aqui, e isso que importa.

Ele abriu uma linha de sorriso, envolvendo-a em um abraço protetor. Rin se encolheu contra o peito dele, sentindo-se invadida por uma sensação boa. Fechou os olhos, aproveitando aquele momento.

Sango saiu pela porta dos fundos com uma caixa enorme em mãos. Miroku segurava a porta mosqueteiro aberta, tentando lidar com a pressa da, agora, namorada. A morena se aproximou de Rin, fazendo com que Sesshoumaru desfizesse o abraço de antes.

— Desculpe o atraso. – Ela choramingou, depositando a caixa em cima da mesa onde estava a decoração de estrelas e nuvens feitas de algodão. – Levei mais tempo que o esperado para confeitar essa belezinha.

Assim que a caixa foi deixada de lado, Rin viu o bolo de dois andares coberto com pasta americana branca e estrelas douradas e prateadas. Ela juntou as mãos frente ao rosto. – Sango, ficou lindo demais.

A outra morena colocou as mãos na cintura, orgulhosa por seu feito. Ela olhou em volta, percebendo que, além da legião de crianças da escola e dos pais que moravam em Lovebelt e em Ellsworth, havia rostos novos.

— Quem são? - Sango perguntou discretamente.

— A família de Sesshoumaru. – Rin respondeu naturalmente, recebendo um olhar surpreso de volta.

— Bem, falando em família... – Sango virou-se, apontando com o queixo o caminho lateral que levava até os fundos da casa. Kohako estava apoiado contra as ripas de madeira que cobriam a fachada da casa, segurando nervosamente um embrulho colorido.

Rin sentiu o coração pular uma batida. O último encontro dos dois havia sido cheio de mágoa – não só pelo fim doloroso do namoro, mas também pela recaída de Kohako no vício da bebida. Rin já havia feito as pazes consigo mesmo e com a culpa que sentia por não poder amá-lo da forma que ele a amava, mas a verdade era que ela queria fazer as pazes também com Kohako. Sabia que talvez fosse egoísmo querer tê-lo por perto, ainda mais depois de tudo que aconteceu, mas o conhecia há tantos anos, havia contado com ele tantas vezes, que era estranho imaginá-lo longe. Era estranho imaginar as festas de aniversário de Melissa, as noites de Ação de Graças, as ceias de Natal, o seu casamento e tantas outros eventos importantes sem a presença dele. Não sabia como Sesshoumaru se sentiria em relação a aquilo, mas sonhava com um futuro em que o homem que amava convivesse pacificamente com o homem que cresceu com ela e que era tão importante para Melissa.

Rin olhou para Sesshoumaru, que calmamente virou-se e foi em direção à mesa da família. Depois olhou para Melissa, que estava distraída com as brincadeiras com os amigos. Ela decidiu, então, ir até Kohako. Ele a acompanhou com os olhos castanhos e desapoiou-se da parede, voltando a evidenciar o quanto era alto.

— Melissa vai ficar muito contente por te ver aqui. – Ela abriu uma linha de sorriso, colocando as duas mãos dentro do bolso da frente da calça jeans.

— Eu sei. – Ele engoliu seco, entregando o embrulho colorido para Rin. – Sinto falta dela também.

— Eu sei. – Rin repetiu, colocando o pacote quadrado apoiado entre o antebraço e a lateral do quadril. – Como você está?

— Bem. – Kohako travou os lábios juntos, evidenciando o desconforto da situação. – Voltei para casa. O lado ruim é que tenho que aturar o mala que seu noivo apresentou para minha irmã. – Ele olhou Miroku, que se divertia com as crianças.

Então ele já sabia sobre o casamento, Rin pensou. Imediatamente ela percebeu que Kohako encarava a mão esquerda dela, que exibia um brilhante anel de noivado no segundo dedo. Mesmo que ele ainda não soubesse, não seria difícil notar, de qualquer forma.

— Miroku é um bom rapaz. – Ela sorriu, tentando amenizar o clima.

— Eu sei. – Kohako murmurou, encarando o chão.

O silêncio pairou e Rin continuou a encará-lo, sentindo um misto de angústia e alívio por tê-lo ali.

— Eu também estou feliz por você estar aqui. – Ela finalmente criou coragem para dizer, vendo-o ficar com as bochechas avermelhadas.

— Faz você se sentir menos pior? - O tom de voz que ele usou evidenciou que por mais que Rin quisesse pacificar as coisas, ainda havia uma montanha de ressentimento a ser superada.

— Não, não faz. – Ela respirou fundo. – Mas faz com que eu sinta que, pelo menos por hoje, as coisas estão como eram antes.

— Mas não estão. – Kohako a interrompeu. Os olhos castanhos voltaram a encará-la diretamente, o que fez com que o peito de Rin ardesse. – E nunca voltarão a ser.

— Nós crescemos juntos... – Rin suplicou, torcendo as sobrancelhas. – Eu achei que isso importasse.

— Eu também achei, Rin. – Ele engoliu seco, claramente tentando lidar com o turbilhão de sentimentos que habitavam sua mente. – Mas quando você voltou para esse cara eu percebi que não importa.

— Kohako... – Ela protestou.

— Não importa. – Ele repetiu de forma pausada, cuspindo as sílabas entre os dentes. – Eu estou aqui por Melissa e vou estar sempre que ela quiser. E é só isso.

— Você não vai... – Rin respirou fundo, fechando os olhos por um instante. – Nem mesmo ao meu casamento?

Ele riu pelas narinas, balançando a cabeça negativamente. – Você não está falando sério, né?

Ela ficou em silêncio, apenas o encarando. Começou a se sentir mal por ter tentado aquela reaproximação, percebendo que aquele pedido era realmente descabido.

Seu lado racional a lembrou que Kohako foi, até pouco tempo atrás, seu namorado, e que só perdeu esse status quando ela decidiu trai-lo com Sesshoumaru. Não importava que ele era seu amigo de infância, não importava que eles haviam sido criados como irmãos, não importava o quanto ela o quisesse por perto e nem qualquer outra coisa que seu lado emocional pedisse. Para ele, os anos que passaram juntos haviam sido apagados pelo sentimento de traição e, para ser honesta, Rin não podia culpá-lo.

Melissa percebeu a presença do padrinho, correndo para abraçá-lo. Kohako a recebeu com os braços abertos e um abraço cheio de saudade. Ele ajoelhou-se para que a menina pudesse envolver seu pescoço, e Rin sentiu como se uma estaca tivesse sido cravada em seu peito. Ela entregou o presente para Kohako, que repassou o pacote para Melissa. A menina rasgou o embrulho em apenas um instante, revelando uma boneca feita de crochê.

— Para fazer companhia para o seu ursinho. – Ele murmurou, afagando os cabelos dela. Melissa o abraçou mais uma vez, agradecendo o presente.

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O momento de cantar os "parabéns" havia chegado e Melissa já estava posicionada no centro da mesa, com os olhos brilhando de ansiedade. Rin espetou as velas de brilhos no bolo, esperando que Sesshoumaru buscasse algo para acendê-las. InuYasha acomodou Izayoi em uma cadeira, perto dos outros convidados, e pegou o pequeno Danny no colo. O menino imediatamente ganhou uma expressão contrariada, querendo aproximar-se da mesa do bolo. As crianças se amontoaram ao redor de Lissy e Rin incentivou que InuYasha se aproximasse com Danny, coisa que ele prontamente negou, com uma careta.

— Ei, garotão, o que acha de ir com sua tia? - Ele perguntou ao menino. Danny bateu palmas, animado, e Rin sentiu como se uma enorme pedra de gelo tivesse caído em seu estômago.

Antes que ela pudesse protestar, InuYasha estendeu o menino em sua direção. As mãos trêmulas ampararam Danny, e ela sentiu como se não soubesse bem como pegá-lo. Nem parecia que poucos anos atrás ela carregava Melissa nos próprios braços. Assim que as pequenas mãos se prenderam no casaco jeans que ela usava, Rin sentiu uma sensação de aconchego no peito.

Ela aproximou-se da mesa assim que Sesshoumaru voltou com um isqueiro em mãos. Ele olhou para o sobrinho, que batia palmas animadamente, e olhou para a fascinação de Rin ao ter o menino nos braços. Será que o bebê que esperavam teria os cabelos prateados, como os dele, do irmão e do sobrinho? Ou será que seria mais parecido com Rin? Será que seria um menino, como a mãe imaginava?

Não era a primeira vez que aquele pensamento o ocorria, mas nunca havia conseguido chegar a uma resposta. Quando viu Melissa pela primeira vez, Sesshoumaru percebeu que a aparência e a personalidade dela não se comparavam com o que um dia ele sonhou – eram muito melhores. Criar expectativas parecia um esforço em vão.

Ele acendeu as velas, fazendo com que as faíscas se espalhassem em todas as direções. As crianças começaram a entoar o "parabéns pra você" em um uníssono desajeitado, mas caloroso. Os olhos cor de mel da menina estavam fixos nas velas do bolo, cujos confeitos refletiam o brilho das faíscas. Assim que a música acabou, Melissa fechou os olhos e assoprou as velas, acabando com os últimos resquícios amarelados das hastes. Rin curvou-se para beijar a filha, que envolveu a mãe e o primo em um abraço apertado.

— Feliz aniversário, Lissy. - Rin sussurrou ao pé do ouvido da filha, depositando um beijo rápido em sua bochecha. - O que você desejou?

— Não posso contar, mamãe. Ou o desejo não se realiza. – Ela prendeu os lábios em um sorriso tímido, e Rin também sorriu.

Os olhos cor de mel passaram por cada uma das pessoas que amava: Rin, Sesshoumaru, Sango, Kohako, Miroku, Izayoi, InuYasha, Kagome, Danny e cada coleguinha da escola. Apesar de sentir falta de uma pessoa muito importante – o avô – a menina não podia ter imaginado um aniversário melhor do que aquele.

Melissa virou-se para o outro lado, encontrando o pai. Ela abraçou Sesshoumaru com força, permitindo que ele a pegasse nos braços, como se não fosse agora uma menina de seis anos. Ele sussurrou um "feliz aniversário" no ouvido de Lissy, que retribuiu com uma série de beijos. Kohako aproveitou o momento de atenção à menina e foi em direção ao caminho lateral, saindo da festa de forma despercebida.

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Danny e Melissa brincavam com um jogo de peças na mesinha da sala, sob o olhar curioso de Izayoi. Rin lavava a louça na pia da cozinha e Kagome estava sentada à mesa, conversando distraidamente com Sango sobre truques para fazer muffins perfeitos para o jantar de Ação de Graças. As duas tinham se conhecido naquela noite, mas encontraram muita afinidade entre si – principalmente nos gostos para a culinária. Sesshoumaru e InuYasha trouxeram as últimas mesas já desmontadas para dentro, apagando as luzes externas.

— Acho que devemos ir. – O mais novo comentou, olhando o relógio de pulso.

Miroku entrou pela porta da frente, após descartar o lixo. Como se tivesse adivinhado o que InuYasha disse pouco antes, ele dirigiu-se a Sango. – Terminamos por aqui. Vamos para casa?

Rin desligou a torneira e chacoalhou as mãos, tirando o excesso de água dos dedos. Ver a casa cheia, como agora, a enchia de felicidade. Tudo que seu pai sempre quis foi uma família numerosa e unida, coisa que o velho Takao parcialmente conseguiu quando Sango e Kohako entraram na vida dele e de Rin. Mas imaginá-lo ali, participando das pequenas conversas ou contando a Izayoi alguma história sobre aquela região do Kansas, fazia com que o coração de Rin ficasse apertado.

— Vocês podem ficar aqui. – Rin dirigiu-se a Kagome, que pegou Danny do chão. O menino coçou os olhos, prestes a ser vencido pelo sono. – O hotel não é muito confortável, e eu, Sesshoumaru e Melissa podemos dormir na fazenda.

— O hotel é ótimo. – Kagome dirigiu um olhar de censura ao marido, como se pudesse adivinhar que ele havia, mais cedo, chamado de "pulguento" o único hotel da cidade. – Estamos bem instalados lá, não se preocupe.

— Está bem. – Rin acariciou a bochecha rosada de Danny, que já havia apoiado a cabeça sobre o ombro da mãe. – Esperamos por vocês amanhã, na confeitaria.

— Mal posso esperar para experimentar os bolinhos. – Ela exclamou, sorrindo.

Sesshoumaru ajudou a mãe a se levantar do sofá, entregando a ela a bengala de apoio. Melissa levantou-se do chão e abraçou a avó demoradamente, recebendo um afago nos cabelos. Ela despediu-se do tio, InuYasha, com um toque de mão e recebeu um beijo na bochecha de Kagome. Lissy colocou-se na ponta dos pés para beijar Danny, que já piscava longamente no colo da mãe. A menina despediu-se, ainda, de Sango e Miroku com abraços bem apertados.

— Obrigada por terem vindo. – Rin agradeceu, levando todos até a porta. O sereno da noite tornava o clima um pouco mais gelado do que mais cedo, o que fez com que InuYasha cobrisse as costas da mãe com mais um casaco.

— Até amanhã. – Melissa se despediu, segurando o braço do pai junto ao próprio corpo.

Quando os três entraram pela porta, ouvindo nada mais que o intenso silêncio, Melissa bocejou. Ela guardou as peças do brinquedo na caixa, enquanto Sesshoumaru e Rin ajeitavam as últimas louças da cozinha no lugar, e subiu para o quarto, tomando um banho rápido antes de dormir. Quando a menina voltou para o quarto, a mãe já a esperava sentada na cama.

— Gostei muito do meu aniversário. – Lissy comentou, colocando o par de meias quentinhas no pé.

— Eu também. – Rin puxou o edredom, dando espaço para que a filha se deitasse.

— Fiquei feliz pela família do papai ter vindo. – Ela deitou-se embaixo do grosso edredom roxo, deixando os braços para o lado de fora. – Brincar com o Danny é legal.

— Ver vocês juntos me fez lembrar de quando eu e seus tios brincávamos na fazenda. – A morena sorriu, puxando o edredom para aquecer o peito da menina.

— Deve ser legal ter alguém para brincar todos os dias. – Ela bocejou outra vez, fechando um dos olhos. – Queria que eles morassem mais perto daqui.

— Agora que eles já conheceram nossa casa e que nós conhecemos a Filadélfia, podemos nos ver com mais frequência. O que acha?

— Acho legal, mas seria melhor ainda tivesse alguém para brincar todos os dias. – Ela coçou um dos olhos com as costas da mão, afundando no travesseiro.

Rin beijou o topo da testa de Melissa, entregando a ela o ursinho de pelúcia, que era seu fiel companheiro nas noites de sono, e a nova boneca de crochê que havia sido dada por Kohako. Ela abraçou a pelúcia e a boneca e virou de lado, caindo no sono em menos de um instante.

A morena ficou em silêncio, observando apenas um feixe de luz que passava pela janela e se estendia pelo chão do quarto. Ouvir Melissa falando sobre aquilo a fez lembrar que uma importante conversa teria que acontecer em breve. A menina ainda não sabia que Rin estava grávida, e a decisão tomada por Rin e Sesshoumaru era que Melissa saberia antes do casamento. Faltando pouco mais de 20 dias para a data, ela se perguntava se a hora de contar havia chegado.

Rin voltou para o quarto, encontrando tudo em uma penumbra absoluta. Sesshoumaru parecia estar dormindo em um sono tranquilo, então ela optou por trocar-se no escuro. Um calafrio passou por seu corpo e ela notou, mais uma vez, que o aquecedor não estava mais funcionando tão bem. Amanhã precisaria resolver aquilo.

Na verdade, talvez fosse a hora de fazer reparos maiores do que aquele. A casa havia sido reformada quase nove anos atrás, quando o último tornado fez estragos no telhado e nas janelas, mas boa parte da estrutura hidráulica e elétrica ainda eram de quarenta anos antes, quando o pai construiu o sobrado de dois andares com as próprias mãos. Queria preservar a casa como era, porque sabia que aquilo era o que seu pai desejaria, mas sabia que algumas coisas precisavam mudar. Precisariam, por exemplo, de um quarto para o bebê, e o único espaço vago era o quarto que pertenceu ao seu pai.

A cama, o armário e boa parte dos pertences dele ainda estavam ali. Um ano antes, Rin havia tentado se manter forte para Melissa e evitou a todo custo coisas que pudessem colocar aquela fortaleza por água abaixo. Então resolveu trancar – literalmente – aquela dura etapa. Sabia que se começasse a organizar tudo aquilo, ainda que fossem só objetos, teria que entrar em contato com as memórias do pai, o que seria doloroso demais. Não sabia se estava preparada para aquilo agora, mas assim como a conversa sobre o bebê se tornava cada vez mais urgente, talvez a hora de dar um caminho para as coisas do pai também tivesse chegado.

— No que está pensando? - Sesshoumaru perguntou, fazendo Rin saltar de susto.

— Achei que você estivesse dormindo. – Ela levou a mão até o centro do peito, tentando acalmar as batidas do coração.

— Temos que falar sobre algo. Mas antes responda a minha pergunta. – Ele pediu gentilmente, puxando-a para perto de si.

O calor da pele de Sesshoumaru aplacou o frio que Rin sentia e ela se aninhou contra o peito nu dele. – Estava pensando que... – Ela fez suspense, vendo-o erguer o pescoço de forma atenta. – Precisamos de um novo sistema de aquecimento.

— Precisamos? - Ele rolou na cama, ficando sobre o corpo dela. Podia sentir como as mãos dela, antes frias, começavam a ficar aquecidas.

— Espere até o inverno chegar para dizer. – Rin sorriu, tentando deixar os pensamentos de lado. – Mas estou curiosa para saber qual assunto é tão importante a ponto de te deixar acordado, me esperando, depois de um dia tão cansativo.

— Estive pensando... – Sesshoumaru moveu uma mecha de cabelo do rosto dela, apoiando os dois cotovelos no colchão. – Melissa anda muito só. Talvez possamos arranjar uma companhia para ela.

— Tipo um irmãozinho? - Ela zombou, vendo-o abrir uma linha de sorriso.

— Talvez algo antes disso.

Rin afastou o rosto, tentando adivinhar o que ele tinha em mente. Aquela tarefa era especialmente difícil quando se tratava de decifrar Sesshoumaru.

— Pensei em termos um cachorro. – Ele finalmente disse, deixando Rin surpresa. Definitivamente não esperava por aquilo.

— Acho que Melissa adoraria. – Ela envolveu o pescoço dele, espalmando a outra mão contra as costas largas de Sesshoumaru. – Mas é bastante responsabilidade. Você passa o dia no escritório e Lissy vai para a escola...

— Ele poderia te acompanhar na fazenda. – Sesshoumaru concluiu o raciocínio, abreviando o contra-argumento dela. – Pensei em um cão treinado, que possa cuidar de você.

— Hmmm. – Rin suspirou. – Não seria um presente para Melissa, no final das contas.

— Seria. Mas também me deixaria mais tranquilo quando você estiver sozinha na fazenda. – Ele passou a ponta do nariz pelo dela.

— Isso sequer é possível? Um cachorro que cuida de um humano? - Ela riu. Vê-lo se preocupando com ela era adorável.

— Se adestrado corretamente, ele pode avisar quando algo estiver errado.

— Está bem, se isso vai te deixar mais tranquilo, eu concordo. – Rin acariciou a bochecha dele com o polegar, dando um breve beijo nos lábios finos de Sesshoumaru. – Vai ser ótimo ter um ajudante, e Melissa vai ficar feliz com o novo amigo.

— Ótimo. Vou buscá-lo amanhã cedo. – Ele rolou na cama outra vez, trazendo Rin para seu peito.

— Amanhã? - A morena levantou uma das sobrancelhas.

— Eu queria que fosse um presente de aniversário. – Sesshoumaru explicou, olhando-a por baixo dos cílios. – Na verdade, queria que fosse uma surpresa para vocês duas. Mas percebi que talvez você pudesse não concordar.

— Eu acho uma ótima ideia. – Ela cedeu, sorrindo. – E assim nossa família vai aumentando.

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Melissa acordou com o som das gotas da chuva contra a janela. Sentou-se na cama e se espreguiçou lentamente, caindo novamente sobre o colchão. Olhou para o relógio digital brilhoso que ficava ao lado da cabeceira da cama, percebendo que já eram nove da manhã. Saltou da cama, curiosa para saber por que a casa continuava tão quieta a aquela hora. Será que seus pais tinham dormido até tarde naquela manhã preguiçosa de domingo? Se esse fosse o caso, ela já sabia o que iria fazer. Lissy adorava enfiar-se entre os lençóis da camados pais, aquecendo-se no aconchego dos braços de Rin e Sesshoumaru.

Ela bateu duas vezes na porta dos pais e não houve resposta. Abriu sorrateiramente a porta, notando que a cama estava vazia e perfeitamente arrumada.

Melissa desceu as escadas com pressa, querendo saber onde estavam os pais. Assim que chegou ao último degrau, começou a ouvir sussurros que vinham da cozinha. Caminhou até lá, encontrando o pai agachado sobre um dos joelhos e a mãe de pé, logo ao lado. A cena aguçou ainda mais sua curiosidade.

— Bom dia. – A menina cumprimentou, esfregando a pantufa fofa contra o próprio calcanhar.

— Bom dia. – Sesshoumaru cumprimentou de volta. Lissy esperava que ele viesse abraçá-la, mas o pai manteve-se no lugar. Rin cruzou um dos braços e levou o punho fechado da outra mão até os lábios, escondendo um sorriso cheio de expectativa.

— O que foi? - Lissy quis saber, tentando espiar por cima dos ombros largos do pai.

— Temos uma surpresa. – A morena apoiou a mão esquerda no ombro de Sesshoumaru e abaixou-se para se manter na mesma altura dos dois.

Os olhos cor de mel brilharam de ansiedade e ela se aproximou. – Mamãe, meu desejo vai se cumprir?

— Seu desejo? - Rin repetiu, inclinando o rosto.

— É... – Lissy concordou, aproxmando-se para aconchegar no peito da mãe.

A morena trocou um olhar com Sesshoumaru, que agora estava tão confuso quanto ela. Ele segurava a caixa de papelão com o pequeno filhote atrás de si, torcendo para que o cãozinho não latisse.

— Eu vou ter um irmão? - Ela finalmente separou-se de Rin, olhando-a nos olhos.

A pergunta fez com que Rin tombasse para trás, caindo sentada no chão, e a a movimentação fez o filhote latir.

A situação que estava plenamente sob controle meio segundo antes de repente se tornou uma bagunça. Melissa esgueirou-se pelo colo da mãe para ver de onde vinham os pequenos latidos e viu, finalmente, o filhote de pastor australiano de pé, apoiado na beirada da caixa de papelão. O cãozinho tinha a pelagem macia e manchas de cor cinza, marrom e preta pela parte superior do corpo. O peito e a faixa no centro do rosto eram brancos e os olhos eram um de cada cor: um azul e outro marrom. Ele latiu outra vez, animado.

— Você pediu o quê? - Rin repetiu, ainda embasbacada.

Melissa saiu do colo da mãe para alcançar o cachorro, que prontamente lambeu seu rosto. – Eu amei a surpresa! - A menina sequer notou a importância do que havia dito antes, e por isso não notou o choque da mãe.

A vontade de Rin era de rir, mas a confusão na sua mente impedia até mesmo que ela fizesse aquilo. A situação seria cômica, se não fosse uma bagunça – ou talvez ela fosse tão engraçada justamente por ser caótica. Ela havia refletido sobre formas de trazer o assunto da gravidez à tona, mas definitivamente não esperava uma deixa como aquela.

— Lissy. – Sesshoumaru chamou, fazendo a menina e o filhote olhá-lo atentamente. – Ontem, no seu aniversário, você desejou um irmão? - Ele repetiu a pergunta.

— Sim. – A menina confirmou, acenando com o rosto.

— Você sabe que desejos de aniversário são muito poderosos, certo? - Ele começou a explicar calmamente. O coração de Rin saiu de ritmo. – São como estrelas cadentes.

— Certo. – Ela ficou séria, tentando demonstrar que estava acompanhando o raciocínio.

Ele engoliu seco, parecendo buscar as palavras certas. – Sua mãe disse que temos uma surpresa pra você, mas são duas surpresas.

— É? - Lissy sorriu, enchendo o rosto de luz.

— A primeira está no seu colo. – Ele sorriu, afagando o topo da cabeça do cãozinho. – Essa é a sua nova amiga. Você pode escolher um nome para ela.

Lissy pegou o filhote e levou para a frente do rosto, examinando-a com cuidado. Os olhos heterocromáticos a encaravam de volta, e o filhote tentava se esticar para lambê-la. Depois de alguns segundos, a menina falou. – Você vai se chamar Maia, como aquela estrela que vimos no telescópico.

Sesshoumaru sorriu. – É um belo nome.

— Papai. – Melissa chamou, acomodando Maia no próprio colo. O cãozinho aconchegou-se no pijama felpudo da menina, ficando quieta por um instante. – Qual é a segunda surpresa?

Ele trocou um olhar com Rin, percebendo que ela parecia ainda chocada demais para dizer qualquer coisa. – Lissy, você vai ter um irmão... ou uma irmã.

Lissy imediatamente olhou a mãe, examinando-a de forma inocente em busca de qualquer sinal de gravidez. Talvez a crianças só associassem as notícias sobre a chegada de um bebê a barrigas enormes, no final das contas.

— É sério? - Ela quis confirmar. Os olhos cor de mel estavam arregalados.

Rin acenou positivamente, levando as duas mãos até a parte baixa da barriga, onde havia um volume quase imperceptível.

— Eu vou ter um irmão! – Lissy exclamou, abraçando Maia, que voltou a lamber o rosto da menina. – Desejos se realizam, desejos se realizam!

A morena trouxe a filha para um abraço apertado. Maia agora se dividia em lamber e cheirar as duas, fazendo parte daquele enlace caloroso. Rin sentiu os olhos ficando úmidos e o estômago repleto de borboletas. Sua pequena família, que até poucos meses atrás era composta somente por ela e Lissy, estava se multiplicando mais rápido do que ela um dia pôde desejar. Talvez nunca tivesse tido coragem de sonhar tão alto, a ponto de acreditar que poderia ter uma família como aquela que estava em sua volta. Nunca imaginaria ser possível ter Sesshoumaru de volta, ter outro filho, ter a casa cheia de pessoas amadas... Eram sonhos que seu pai tinha tido, mas que a vida nunca o deu oportunidade de cumprir plenamente.

Mas naquela manhã Rin havia finalmente se convencido de que desejos, sim, se realizam.

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Notas finais do capítulo

Oi pessoal. Como estão?

Espero que tenham passado um ótimo Natal! :)

Eu prometi e aqui está mais um capítulo antes do fim de 2020. Como estou de folga, talvez eu consiga publicar mais um até o final da semana. Receber reviews, claro, seria super importante pra mim :)

Nossa pequena família só está crescendo. O que acharam da chegada da Maia? E, principalmente, o que acharam da Lissy querendo um irmão?

Aliás, alguém já tem um palpite sobre o sexo do bebê? Teremos um menino ou uma menina?

No próximo capítulo teremos o casamento e um salto temporal importante, que dá início aos acontecimentos finais da história. Algum palpite sobre isso também?

Conto com os comentários e críticas de vocês! :) Um beijo a todos, e até a próxima.



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