Lovebelt escrita por Nina Antunes


Capítulo 14
Capítulo 14




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Capítulo 14

O silêncio foi tudo que preencheu o quarto durante os últimos minutos. Vez ou outra o ranger do assoalho de madeira quebrava o absoluto nada, conforme Rin dava passos de um lado ao outro, parecendo estar em alguma espécie de transe desesperado. Sesshoumaru acompanhava-a apenas com os olhos, ainda sentado na cama. Os sentidos dele continuavam nublados pela reação que ela havia tido, e não sabia como reagir. Tinha sentimentos dúbios dentro de si: parte queria tentar acalmar Rin, e outra parte não estava conseguindo lidar com a frustração da rejeição. Já ela também vivia sentimentos dúbios. Dúbios, não: múltiplos. O alívio de ver que ele havia reagido bem à notícia de gravidez acalmou parte da angústia em seu peito, mas a outra parte se tornou um turbilhão de sentimentos que foi finalmente liberado quando ela disse a Sesshoumaru que não sabia se queria aquele bebê - se é que havia realmente algum bebê.

Já o peito dele sentiu que ganhou um peso enorme assim que ouviu aquela frase. Estava tentando não se ressentir pela reação dela, mas aquela era uma tarefa cada vez mais difícil. Por que ela estava reagindo assim? Ele lembrava-se bem de seis anos atrás, quando Rin soube que teria que lidar sozinha com a tarefa de ser mãe, ela parecia ter somente uma certeza: a de que enfrentaria tudo aquilo. Agora que ela tinha Sesshoumaru ali ao seu lado, a dúvida era evidente. Por quê?

— Eu também estou surpreso - Ele tentou sufocar todo ressentimento para lidar com aquela situação sem mais traumas. Sesshoumaru sabia que se ele reagisse mal, Rin poderia se retrair ainda mais. - Mas vai ficar tudo bem. Eu te entendo...

— Não. - Ela o interrompeu. Os olhos marejados o encararam fixamente. - Você não entende. Você não tem ideia do que eu passei.

Ele engoliu seco, travando a mandíbula. Sesshoumaru sabia que voltar para Lovebelt e ficar com a mulher que amava teria seu preço. Eventualmente, ele precisaria encarar todos os erros que cometeu, e, já que não era possível voltar no tempo para corrigi-los, teria que lidar com a culpa. Era hora de pagar aquele preço.

— Você não tem ideia do quanto foi difícil passar semanas acompanhando Melissa na UTI neonatal, sem saber se ela sobreviveria. Não tem ideia de como era difícil sair do hospital para dormir ou até tomar um banho. Cada vez que eu saía pela porta eu imaginava que quando eu voltasse ela não estaria mais viva. - A voz embargada foi ficando cada vez mais pesada, e Sesshoumaru sentia como se cada palavra fosse uma estaca em seu peito. - Você não tem ideia do quanto eu sofri, sentindo culpa por não ter percebido os sinais da eclampsia antes. O quanto eu temia que Melissa não sobrevivesse por minha culpa.

— Rin... - Ele se aproximou, tocando os ombros dela. - Eu sinto por não ter estado aqui. Se eu pudesse voltar atrás, eu voltaria. - Ele olhava-a fixamente, sentindo o ressentimento murchar. Era frustrante ver que ela estava reticente, mas Sesshoumaru começava a entender as razões para aquilo. Rin havia sofrido muito, e algumas das únicas pessoas que a haviam apoiado naquela época não estavam mais aqui. Seu pai, Kohako... Sesshoumaru engoliu seoc.

— Eu não quero passar por tudo isso de novo. - Ela balançou o rosto, fechando os olhos.

Ele segurou gentilmente o rosto dela com a mão direita e envolveu as costas dela com o outro braço, encostando a cabeça de Rin contra o próprio peito. - Eu estou aqui. Vamos passar juntos por isso.

— E se eu tiver eclampsia outra vez? E se eu ou o bebê morrermos? Lissy não pode ficar sozinha... - As palavras começavam a se confundir, conforme o choro tomava posse da voz de Rin.

Sesshoumaru recuou para olhá-la diretamente. O medo era evidente nos olhos de Rin, mas não era o mesmo medo de seis anos antes. Era o medo de Lissy crescer sem a mãe, depois de perder o avô que tanto amava. Uma coisa havia sido ela viver sem o amor do pai, porque esse amor ela nunca havia conhecido. Outra completamente diferente era ver Rin passando pelas complicações de uma gravidez, e eventualmente perder a mãe.

— Isso não vai acontecer. - Ele murmurou, inclinando-se para que os olhos ficassem na mesma altura.

— Pode acontecer. O médico me disse. - Ela segurou as mãos dele e as retirou do próprio rosto, girando os calcanhares para ficar de perfil, encarando o chão.

Ele ficou em silêncio por alguns instantes, pensando. Aquela era realmente uma decisão difícil, e bem mais complicada do que a que Rin tomou, ao escolher seguir em frente com a primeira gravidez. Agora ela tinha que pensar não somente em si, mas também na filha. Começava a entender o tamanho da aflição que ela sentia.

— Você... - Ele respirou fundo, tentando organizar as ideias na mente. - Você pensa em não continuar com a...

— Eu não sei! - Ela mergulhou as mãos no cabelo, exasperada. - Quando eu soube que teria Melissa, eu fiquei assustada, mas imediatamente eu senti dentro de mim uma alegria tão grande... eu entendi que nunca mais estaria sozinha, que seria eu e Lissy para sempre. - Rin usou a ponta dos dedos para tentar secar as lágrimas do rosto. Um breve sorriso passou pelos lábios dela, conforme ela lembrava-se daquele sentimento. - Eu nunca pensei em ter outro filho. Nunca passou pela minha cabeça que... - Ela suspirou, fechando os olhos com força. A dor de cabeça havia voltado, e estava atrapalhando a capacidade de raciocínio de Rin. - Que você voltaria e que tudo isso aconteceria.

— Você vai ter o meu apoio em qualquer decisão você tomar. - A voz suave dele anunciou de imediato, e ela o olhou, surpresa. - Seja o que decidir sobre a criança, eu estarei ao seu lado.

Rin virou-se, sentindo a maré que embalava o próprio peito ficando mais calma. Dessa vez foi que que virou de costas, encarando o próprio reflexo no vidro da enorme janela.

— Quando eu te pedi em casamento, foi para reparar o erro que cometi há seis anos. Já que não posso voltar no tempo, meu maior desejo é recuperar tudo que eu perdi quando decidi ir embora. - Ele pareceu hesitar por um instante. Admitir os próprios erros e abrir aquelas feridas era difícil, e mais difícil ainda era tentar conciliar os próprios anseios com as necessidades de Rin. Ela é mais importante, ele pensava. - Quando você falou da gravidez, eu imaginei que eu estivesse ganhando uma segunda chance de fazer o que eu não fiz por Melissa... - Ele suspirou, vendo também pelo reflexo que Rin torcia os dedos de forma nervosa. - Mas de nada valeria isso se vocês duas não estivessem a salvo.

Rin avançou um passo e o abraçou pelas costas com força, envolvendo os dois braços abaixo do peito dele. Sesshoumaru segurou a mão dela, olhando para o teto. Havia dito e aquela era a sua palavra: ele estaria com ela em qualquer decisão, o que significava que também a apoiaria se Rin não quisesse ter o bebê.

Depois de um tempo abraçados naquela posição, os dois deitaram-se na cama de casal, em silêncio. Passaram minutos entre carícias, até que o sono finalmente venceu a aflição de Rin. Ela caiu no profundo descanso, enquanto Sesshoumaru manteve-se acordado. Ele sentou-se na ponta da cama e a cobriu completamente, livrando a toalha úmida do corpo de Rin. Levantou-se e se aproximou da janela, olhando a neblina do lado de fora. A angústia crescia em seu peito, conforme ele pensava naquela situação. Como ele havia sido imprudente a ponto de permitir que aquilo acontecesse?

Por mais que fosse um homem feito e bastante consciente dos próprios atos, ele não imaginou que aquilo pudesse acontecer - pelo menos não daquela forma. Sabia que a gravidez não planejada havia colocado Rin diante de uma escolha de Sofia. Conhecendo-a como conhecia, sabia que no fundo ela estava sofrendo só de cogitar a possibilidade de não ter aquela criança. Mas escolher dar continuidade à gravidez era ainda mais difícil, porque envolvia uma série de possíveis consequências. Não havia uma solução simples, no final das contas.

Àquela altura, Sesshoumaru imaginava se estava sendo castigado pelo destino. Lembrava-se perfeitamente do motivo que o havia levado de volta para Lovebelt: o desejo de Rebeca de ser mãe. Durante um tempo, ele foi conivente com o plano da ex-mulher de assumir a guarda de Melissa e levá-la para longe de Rin. Aliás, ele não só foi conivente, como foi cúmplice, dando a Rebeca uma procuração para que ela tivesse os mesmos direitos que ele na guarda de Melissa. Só de lembrar aquilo fazia com que Sesshoumaru sentisse um gosto amargo na boca. Por mais que ele tivesse se desviado daquele caminho e desistido do plano, sua permissão para algo tão baixo e frio havia sido concedida. Imaginava como Rin se sentiria se algum dia desconfiasse que ele quis, meses atrás, tirar Melissa dela.

O profundo desejo que ele tinha de ter outro filho com Rin, e o sofrimento por não saber se isso era possível, só podiam ser um castigo divino. Era como se o destino estivesse forçando-o a experimentar a frustração que Rebeca sentia por não poder ser mãe - ainda que, para ele, o amargor fosse amenizado pela existência e doçura de Melissa.

Ele respirou fundo, esfregando os olhos. Não conseguia decidir, também, se deveria voltar para o hotel. Como Melissa reagiria se soubesse que ele passou a noite ali? Como Rin reagiria se acordasse no dia seguinte sozinha? Era uma decisão difícil, mas Sesshoumaru acabou ficando com ela. Não teria um segundo de paz longe de Rin, e ainda precisava fazer algo importante na manhã seguinte.

Todas as ponderações eram baseadas no fato de Rin estar grávida, mas e se ela não estivesse? A confusão dos últimos dias poderia, no final das contas, ser responsável pelo mal estar que ela sentia. O lado racional de Sesshoumaru tentava convencê-lo que seria melhor se ela não estivesse esperando uma criança. Já o lado sentimental se dividia entre o receio de não haver gravidez alguma, e o medo de que ela tivesse que escolher entre ter o bebê ou não. Tudo era confuso demais para Sesshoumaru – logo para ele, que havia se esforçado a vida toda para organizar suas ideias e planos em ilhas de racionalidade, enquanto deixava todos os sentimentos verdadeiros mergulhados no fundo do oceano de frieza do seu peito.

Ele tentou dormir naquela noite, mas não conseguiu, pois sua mente não parou por um único instante. Quando o dia amanheceu, ele colocou-se de pé e vestiu as roupas do dia anterior. Cobriu Rin novamente, percebendo que ela continuava em um sono profundo. Preparou o material escolar de Melissa, e fez o melhor para preparar um café da manhã com o que encontrou na cozinha. Subiu as escadas e acordou a filha, percebendo o olhar confuso da menina ao vê-lo ali.

— Bom dia, Melissa. - Ele esforçou-se para sorrir de lado, sentado na beirada da cama infantil.

— Papai? - Ela testou, como se não estivesse acreditando que ele estava ali. - Onde está a mamãe?

— Dormindo. Ela precisa descansar hoje, para se recuperar. - Sesshoumaru afagou os cabelos castanhos desalinhados, vendo Lissy se espreguiçar.

— Você vai me levar para a escola? - Ela estirou os braços e pernas, prolongando também a voz. Sesshoumaru acenou uma vez e Lissy interrompeu o movimento para bater palminhas animadas. - Eba! - Exclamou.

A reação positiva dela o surpreendeu e aliviou parte da aflição do peito de Sesshoumaru. Melissa parecia, afinal de contas, começar a aceitar o pai ali, por perto. Ajudou a menina a se preparar para a aula e a tomar café, e então foram até o sedan prata, estacionado logo atrás da caminhonete vermelha. O caminho até Ellsworth foi tranquilo, embora boa parte da neblina da noite anterior ainda estivesse cobrindo a estrada. Dirigiu com cautela até a escola infantil, deixando a filha ali.

Na volta, ainda na cidade vizinha, Sesshoumaru foi até a farmácia, comprando alguns testes de gravidez. Dirigiu até Lovebelt, percebendo que a neblina estava começando a se dissipar e o tímido sol começava a aparecer. Estacionou o carro no mesmo lugar em que o sedan havia passado a noite e entrou pela porta da sala, percebendo que Rin estava sentada na cadeira à ponta da mesa da cozinha, vestida com um robe cinza de lã macia. O cabelo estava preso em um coque solto, e ela encarava o conteúdo fumegante de uma xícara de chá.

— Bom dia. - Ele cumprimentou, aproximando-se.

— Bom dia. - Ela suspirou pesadamente. Embora Rin tivesse dormido a noite toda, o semblante ainda parecia cansado. - Obrigada por levar Lissy para a aula. Eu perdi a hora.

— Não quis te acordar. - Ele apoiou-se no balcão da cozinha, olhando-a. Embora Rin ainda parecesse angustiada, o desespero evidente da noite anterior havia desaparecido. Parecia que ela começava a digerir tudo que estava acontecendo.

— Obrigada por isso também. Nem acredito que finalmente pude descansar. - Ela levantou-se e se aproximou dele, abraçando-o com força. Ele prendeu o tecido macio do roupão feminino entre os dedos, sentindo o peito arder.

— Como você se sente hoje? - Perguntou, repousando o rosto no topo da cabeça dela.

— Não sei. - Ela admitiu, respirando fundo. O perfume da pele dele invadiu as narinas dela, e um frio na barriga surgiu. - Acho que o choque passou, ao menos.

— Rin. - Sesshoumaru chamou, fazendo com que ela o olhasse. - Nós precisamos saber se você realmente está grávida.

Ela engoliu seco, ficando com os olhos trêmulos.

— A dúvida só vai piorar as coisas. – Ele continuou. A mão direita de Sesshoumaru mergulhou na sacola de papel pardo e tirou dali uma das caixas de testes. Esticou na direção dela, esperando que ela pegasse.

— Eu não acredito que isso pôde acontecer de novo... - Ela mergulhou as mãos no cabelo, começando outra vez as ponderações. - Eu estive pensando... como nós, dois adultos, fizemos isso?

— Você sabe bem como foi que fizemos. - Sesshoumaru massageou a área entre os olhos.

— Não foi isso que quis dizer. - Ela exclamou de forma exasperada, girando os calcanhares. Puxou o tecido do roupão, fechando-o melhor, como se estivesse sentindo frio. - Como alguém comete o mesmo deslize duas vezes?

— Rin... - Ele suspirou. - Não vejo como essas perguntas vão ajudar agora. O que está feito está feito.

— Eu não posso estar grávida. - Ela murmurou, voltando para o looping da negação, assim como no dia anterior.

— Você precisa fazer o teste para saber. - Sesshoumaru estendeu os braços, tentando trazer a razão para aquela situação confusa. - Qualquer coisa antes disso é precipitado.

— Mas e se eu... - Ela torceu os dedos outra vez, mordendo o lábio inferior. - Eu estou com medo.

— De quê? - Ele inquiriu.

— De saber! - Exclamou.

— Por Deus, Rin, faça o teste. - Ele voltou a massagear a área entre os olhos, tentando ser compreensivo.

(Trilha sonora: Never be alone - Shawn Mendes)

Ela tomou a caixa nas mãos em um impulso, olhando fixamente a imagem que mostrava a pequena vareta do exame, onde um ou dois traços deveriam aparecer. Percebeu que a sacola que Sesshoumaru tinha em mãos estava mais pesada, então estendeu a mão, para que ele a entregasse o pacote todo. Era óbvio que ele, racional como era, havia comprado mais de um teste, para que não houvesse nenhum sinal de dúvida.

Assim que Sesshoumaru entregou a sacola, ela segurou a embalagem com força entre os dedos, hesitando por um instante. As mãos tremiam com intensidade, assim como as pernas. Caminhou vagarosamente até o lavabo, percebendo que Sesshoumaru estava em seu encalço. Entrou pela porta de madeira e a fechou rapidamente, percebendo uma expressão de objeção no rosto dele antes que o batente encontrasse a porta.

Rin colocou todas as três caixas em cima da pia e apoiou as mãos na pedra fria, encarando as embalagens repletas de mães felizes com seus bebês. Sinceramente, desconfiava que a maioria das pessoas que fazia um teste de gravidez torcia por um resultado negativo, e não o contrário. Por isso, não entendia bem o propósito daquelas imagens felizes. Mas o que ela desejava, afinal de contas? Seu coração ficaria mais calmo ao ver apenas um traço naqueles exames?

Não podia dizer que não se via naquelas imagens felizes. Naquela manhã, ao levantar-se da cama, sua mente resgatou os tantos momentos felizes com Lissy, quando ela era apenas um bebê e já estava em casa, sã e salva. Lembrou-se dos gritinhos felizes ao receber a fruta preferida, ou quando o avô entrava pela porta da sala, no final de um dia de trabalho. Sim, havia sofrido muito quando a menina nasceu, mas cada dia de desenvolvimento, que mostrava que Lissy não havia nenhuma sequela da prematuridade, era uma alegria para Rin. Depois de pensar em tudo de ruim que poderia acontecer naquela jornada, sua mente a obrigou a pensar também no lado bom – todas as coisas maravilhosas que um filho traria.

I promise that one day I'll be around. I'll keep you safe, I'll keep you sound

Era inevitável, por exemplo, imaginar a filha brincando com um bebê no chão da sala. Era inevitável imaginar Sesshoumaru embalando uma criança durante a noite, frente à enorme janela envidraçada do quarto. Seria justo tirar essas memórias dele? Seria justo impedir Lissy de ter um irmão? Seria certo desistir daquele pequeno milagre pelo medo? Sua fé a fazia pensar que aquilo havia acontecido por uma razão, embora sua compreensão estivesse muito aquém de tudo.

Rin esfregou o rosto, sentindo a mente girar. Seguindo as instruções das embalagens, fez todos os testes simultaneamente. Colocou cada um deles dentro da pia - desde o mais simples, que era uma vareta, até um que parecia um termômetro com painel digital - para que os resultados aparecessem. Esperou pelos minutos exigidos, que pareceram uma eternidade.

Já para Sesshoumaru, aquele tempo pareceu duas eternidades. Estava apoiado no batente, frente à porta fechada, prestes a bater na madeira e perguntar se tudo estava bem. Antes que os dedos alcançassem a porta, Rin girou a maçaneta e abriu, revelando uma expressão de puro choque.

— E então? - Ele perguntou. A urgência na voz era quase inédita, até mesmo para Rin.

— Você vai ter sua segunda chance. - A mão trêmula exibiu o teste mais simples entre os dedos. Ali estava a cena que Sesshoumaru tanto construiu na mente, ainda que de forma involuntária e contra o seu lado racional: a fita branca do teste exibia dois traços paralelos bastante definidos. Imediatamente, ele a abraçou com força, tirando os pés de Rin do chão. Ela envolveu o pescoço dele e fechou os olhos, deixando as lágrimas escorrerem. Não sabia bem se chorava de felicidade ou se ainda era o medo falando alto, mas os pensamentos de uma outra criança na vida deles se tornavam cada vez mais vívidos.

No momento em que ela viu aquele segundo traço soube que não poderia desistir. Ainda que soubesse dos riscos de uma nova eclampsia na gravidez, Rin não poderia abrir mão daquele pequeno ser que já crescia dentro de si. Ele era, afinal das contas, fruto de um enorme amor - assim como Melissa. E Rin já o amava, mesmo sabendo de todo sofrimento que possivelmente viria pela frente.

Sesshoumaru sentiu como se alguém tivesse tirado um enorme peso de suas costas. A felicidade que preenchia seu peito era enorme, e comparava-se somente com a que sentiu quando falou com Melissa pela primeira vez, meses atrás, e de quando Rin disse "sim" para seu pedido de casamento. Não podia acreditar que teria a chance de fazer tudo corretamente. O destino, que antes ele acreditava estar castigando-o, o deu a chance de ter a família que sempre sonhou - e agora com mais um pedaço.

Right now it's pretty crazy, and I don't know how to stop or slow it down

— Eu te amo. - Ele sussurrou, beijando os lábios dela repetidamente.

Ela esboçou um sorriso nos lábios, murmurando que também o amava. Ainda que a aflição não tivesse ido embora, Rin sentia-se protegida ali, nos braços dele.

And I can't stay. Just let me hold you for a little longer now

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Depois de muita insistência de Sesshoumaru, Rin decidiu não trabalhar e ficar em casa naquela semana. Ao longo dos dias, foi alimentando-se melhor – seja porque forçava-se a colocar algo para dentro do estômago rebelde, ou porque depois de tantos dias sem conseguir comer, a fome parecia finalmente vencer o mal-estar. Já era o meio de uma manhã de sexta-feira quando Sesshoumaru estava voltando para a casa de Rin, depois de ter deixado Melissa na escola. Encontrou o ambiente completamente silencioso, o que indicava que a morena estava dormindo.

Subiu pelas escadas vagarosamente e entrou pelo quarto, encontrando desarrumada a metade da cama onde ele havia dormido e Rin descansando pesadamente do outro lado. Sorriu de lado, percebendo que ela finalmente parecia estar mais tranquila. Nos últimos dias, a angústia de Rin havia diminuído. Ela e Sesshoumaru decidiram que não contariam sobre a gravidez em um primeiro momento, até que Rin começasse a fazer acompanhamento médico. Ele tentava se planejar para o momento em que eles contariam a novidade para Melissa – e sinceramente evitava falar sobre aquilo com Rin, porque sabia que ela ficaria preocupada com a hipótese de a filha não aceitar bem também o fato de que um irmão ou irmã estava a caminho.

Sentou-se na cama, não querendo colocar-se no meio dos lençóis, já que estava pronto para ir trabalhar. Sentindo a presença dele ali, Rin esticou-se pelo colchão até repousar a cabeça sobre o tecido da calça jeans que cobria a coxa dele. Sesshoumaru acariciou os cabelos dela, ouvindo uma respiração profunda.

— Eu preciso ir. – Ele murmurou. - Vim só me despedir.

Rin resmungou e envolveu o quadril dele com os braços, desejando impedir que ele fosse a lugar algum. Ele abriu outra linha de sorriso, acariciando agora a pele quente dos braços delicados.

— Mas antes... eu estive pensando... – A voz suave anunciou, percebendo que ela havia prendido a respiração, atenta ao que viria. – ... em marcar o dia do nosso casamento.

Ela imediatamente levantou o pescoço, com os olhos ainda pesados pelo cansaço – a mente, no entanto, havia ficado prontamente alerta. Bem... aquele era, no final das contas, um método despertador muito eficaz. – Mas e o seu divórcio? - A voz rouca de Rin perguntou.

— Foi publicado oficialmente ontem. – Sesshoumaru abaixou os olhos para encará-la, quase divertindo-se com a situação.

— Você... – Ela sentou-se rapidamente na cama, ajeitando a alça da camisola creme no ombro. – Está livre, então?

— Sim, e quero me casar com você o mais rápido possível. – Ele inclinou-se sobre o corpo dela, unindo os lábios dos dois.

— Espera, espera. – Ela interrompeu a carícia, desviando o rosto. Sesshoumaru seguiu beijando a parte inferior da orelha de Rin, sentindo o perfume da pele dela invadir as narinas. – Eu quero me casar na igreja.

Ele parou imediatamente, recuando para olhá-la. – Na igreja? Que eu saiba, divorciados não podem se casar na igreja. - A objeção havia om tom de sarcasmo, mas havia um fundo de verdade.

— É sério, Sesshoumaru. – Rin ficou de joelhos na cama. – Eu quero uma cerimônia religiosa.

— Eu também falo sério. Não posso me casar outra vez. – Ele respirou fundo, apertando a região das têmporas. Discutir as regras matrimoniais do catolicismo naquele momento era uma péssima ideia, e Sesshoumaru começava a se arrepender de ter usado a estratégia de falar do casamento para despertá-la.

— Você se casou no religioso com... ela? - Ela hesitou por um instante, mordendo o lábio inferior.

— Não. – Negou com um aceno.

— Então você pode se casar na igreja. – Rin uniu as duas mãos, como se tivesse feito uma constatação revolucionária.

— Por quê? - Ele quis saber.

— É importante para mim. – Ela sentou-se sobre as pernas no colchão, ajeitando a própria postura. – Eu sempre quis me casar na igreja. Não pelas normas e convenções, mas porque a bênção de Deus é importante. Meu pai também ficaria feliz.

— Se assim você deseja... – Sesshoumaru abriu uma linha de sorriso, percebendo que ceder era fácil demais quando se tratava das vontades que faziam Rin feliz.

— Precisamos de tempo para organizar a cerimônia. – Ela o censurou como se estivesse dando uma bronca em uma criança.

— Eu concordei com a cerimônia religiosa, mas não abro mão do tempo. Quero me casar com você o mais rápido possível. No mês que vem, semana que vem, ou amanhã. – Ele afastou o pulso dela que apontava para ele, unindo os lábios dos dois outra vez.

— Mas, a barriga vai aparecer... – Ela protestou entre um beijo e outro.

— Já estamos burlando a regra do divórcio, a gravidez não vai ser problema para a igreja. – Sesshoumaru inclinou-se de vez, deitando sobre o corpo dela. As mãos dele posicionaram-se nas laterais do quadril de Rin e os dedões escorregaram para acariciar a parte inferior do ventre dela, que não tinha volume algum ainda. Ela sorriu, vencendo a vontade de censurá-lo pela piada. Envolveu os dedos nos cabelos da nuca dele, pensando que não teria problema algum atrasá-lo por mais um tempo.

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No curto caminho até a cafeteria, Sesshoumaru começou a tentar ligar na seguradora que cuidava de seu plano de saúde em Nova York, antes de ele terminar o casamento com Rebeca e ir embora, semanas antes. Embora aquele fosse um seguro-saúde caro, sabia que precisava contratar uma nova apólice para Rin, para que ela tivesse um bom atendimento médico durante a gravidez. Aproveitaria para incluir Melissa na cobertura do plano também. Ele sabia que teria que trabalhar muito mais para pagar aquela despesa, mas provavelmente conseguiria um desconto por ser um ex-cliente do serviço.

Passou seus dados, os de Rin e de Melissa para a atendente da central. Enquanto ditava os números por telefone, ele chegou à confeitaria, onde Miroku costumava estar – sempre na companhia de Sango, obviamente. Sesshoumaru encaixou o celular entre o ombro e a orelha, acenando para o sócio do lado de fora. Apontou o relógio de pulso, indicando que eles deveriam sair agora ou se atrasariam.

Miroku despediu-se de Sango com um beijo longo e apaixonado, o que fez com que ela ficasse envergonhada. Ele saiu pela porta de vidro, fazendo a sineta tocar. Como ainda estava ao telefone, Sesshoumaru estendeu as chaves do sedan prata para Miroku, que tomou o metal entre as mãos, ainda que sem entender bem o que acontecia.

Entraram no carro e seguiram para uma das maiores fazendas de trigo da região. No caminho, Sesshoumaru finalizou as tratativas para a contratação do seguro médico, passando seu número de cartão para o pagamento. Desligou a chamada assim que chegaram à fazenda.

— Está tudo bem com Rin? - Miroku perguntou, fechando a porta do motorista.

Sesshoumaru, que também havia acabado de desembarcar do banco do passageiro, acenou positivamente.

— Ela está doente? - O outro rapaz insistiu, apoiando os dois antebraços no capô do carro. - Desculpe, eu não pude deixar de ouvir...

— Não, ela não está doente. - Sesshoumaru lembrou-se que Lissy fez a mesma pergunta dias antes. Esfregou o rosto, sentindo o cansaço pesar.

Miroku ficou parado na mesma posição, esperando que Sesshoumaru dissesse mais alguma coisa. Ele ergueu as sobrancelhas, esperando.

— Ela... - Sesshoumaru massageou a área entre os olhos brevemente. - Está grávida.

A surpresa ficou imediatamente evidente no rosto de Miroku. As sobrancelhas arqueadas fizeram com que os óculos de armação grossa escorregassem pelo nariz, e ele foi obrigado a empurrar o centro da armação para cima, ajeitando as lentes frente aos olhos. - Caramba! Quer dizer... meus parabéns.

— Somente você e Sango sabem disso, por enquanto. – Ele pegou uma última pasta de documentos de dentro do banco de trás e fechou a porta, começando a caminhar em direção ao enorme armazém de madeira escura, cercado de campos de trigo recém-plantado.

— Minha boca é um túmulo. – Miroku passou o dedo indicador e polegar rente aos lábios, fazendo o sinal de um zíper.

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No final da noite, depois de longas horas de reuniões, Miroku e Sesshoumaru estavam voltando para a casa de Rin. O velho senhor dono da plantação de trigo vivia em Lovebelt há muitos anos, e conhecia, inclusive, a família Ozawa. De origem coreana, o sereno senhor mostrou-se um verdadeiro inquisidor. Perguntou sobre cada minúcia e detalhe nas leis sobre as exportações de cereais, com uma lucidez digna de invejar até o mais jovem dos jovens. Sesshoumaru não evitou imaginar que o velho Kenichi, se vivo estivesse, também estaria demonstrando uma capacidade ímpar de raciocínio – mesmo que não tivesse uma idade tão avançada quanto a daquele outro senhor. Lembrar que ele não estaria aqui para ver Rin se casando ou tendo o segundo filho era pesaroso.

Encontraram o carro de Sango parado à calçada, o que fez com que Miroku se sentisse ainda mais motivado a entrar na casa. Sesshoumaru bateu na madeira clara da porta, esperando alguns instantes até que Rin viesse atender. O rosto aflito dela demonstrava que algo não estava bem – e assim que ele viu, pela fresta aberta, que Sango estava sentada ao sofá com uma expressão consternada e confusa, Sesshoumaru soube qual era a razão daquele clima pesado.

— É uma má hora? - Ele murmurou, voltando a encarar Rin.

Ela negou com um aceno de rosto e abriu espaço para que ambos entrassem. Sesshoumaru beijou o topo da cabeça de Rin e Miroku prontamente foi ao encontro de Sango, sentando-se ao lado dela no sofá.

— Obrigada, Sesshoumaru. – Sango levantou os olhos cor de chocolate, que agora estavam inchados e marcados por lágrimas. – Obrigada a vocês dois pelo que fizeram por meu irmão. – Ela olhou Miroku, que segurou a parte alta do antebraço dela, em um ato de consolação.

Os olhos dourados encararam Rin, confirmando a tese que levantou a princípio: ela havia contado para Sango que Kohako havia voltado a beber. Sesshoumaru imaginava que aquela havia sido uma conversa dura para as duas. Ele apenas acenou para a outra morena, aceitando o genuíno agradecimento.

— Você pode contar conosco. – Rin sentou-se do lado livre ao lado de Sango, segurando o ombro dela. – Ele vai ficar bem outra vez. - A outra morena acenou, segurando as mãos de Rin e Miroku.

Sesshoumaru sentia pena de Sango. Sabia que ela era uma pessoa que se preocupava com todos, e que a tarefa de cuidar do irmão seria árdua. Sabia, também, que Rin faria o melhor para estar ao lado dela nesse período e, embora aquilo fosse o certo a se fazer, ele não conseguia evitar uma angústia no fundo do peito por perceber que ela sempre se importaria com Kohako. No caso da recaída do rapaz, a coisa ainda era um pouco mais séria. Sesshoumaru sabia que Rin se sentia culpada por Kohako voltar a beber, e aquilo o incomodava.

— Você pode dar uma olhada em Melissa? - Rin pediu, dirigindo-se, agora, a Sesshoumaru. Era como se ela tivesse percebido o incômodo dele. – Ela está fazendo o dever de casa lá em cima.

Ele acenou positivamente e subiu pelas escadas de madeira, batendo à porta do quarto da filha antes de entrar. A menina, sentada na cadeira de uma pequena escrivaninha no canto do quarto, trocava os lápis de cor da mão direita para pintar o unicórnio desenhado em um livrinho de colorir. Lissy o olhou por cima do ombro, sorrindo assim que viu o pai. Sesshoumaru se aproximou, beijando o topo da cabeça da menina.

— Oi, papai. – Ela cumprimentou.

— Oi, Melissa. – Ele sorriu, puxando um pequeno banquinho de madeira ao lado da escrivaninha. Dobrou as longas pernas para sentar-se, ficando na mesma altura da filha.

— Olha como meu desenho está bonito. – Lissy estendeu a folha para o pai, mostrando as linhas de cores vívidas do desenho.

— Muito bonito. – Sesshoumaru concordou, acenando com o rosto. – Como foi o seu dia?

Ela deu de ombros, suspirando. – Foi tudo bem, eu acho.

Ele torceu as sobrancelhas, percebendo que havia algo de errado. – O que houve?

— Não foi nada... – Ela balançou a cabeça, voltando a pintar. A pequena mãozinha pressionava o papel com tanta força, que a ponta do lápis fazia um chiado constante.

— Não quer falar sobre isso? - Ele recuou o tronco, olhando-a por baixo dos cílios.

— É que... – Ela deixou o lápis de lado, mas sem tirar os olhos do papel do desenho. – Na escola, hoje... nós tínhamos que fazer um desenho sobre o dia de Ação de Graças.

A menina ficou em silêncio por um instante, em um óbvio sinal de hesitação. Sesshoumaru permaneceu em silêncio, apenas olhando-a de forma paciente.

— E todas minhas amigas desenharam sua família. – Lissy começou a torcer os dedos, um gesto idêntico ao da mãe. – Mas eu não sabia o que desenhar.

— Por que não? - Ele franziu as sobrancelhas.

— Porque eu não sabia se você viria para o dia de Ação de Graças. Você não mora aqui. – Ela explicou, dando ênfase para a penúltima palavra.

— Você gostaria que eu viesse? - Sesshoumaru apoiou o cotovelo na ponta da mesa e segurou o queixo com a mão.

— Eu gostaria que você morasse aqui. – Ela finalmente olhou-o, com os olhos trêmulos de nervosismo.

Ele não conseguiu conter a expressão surpresa, arqueando as sobrancelhas. Aquilo, sim, havia sido inesperado. Embora Melissa estivesse reagindo melhor ao relacionamento dos pais, Sesshoumaru não esperava um pedido como aquele tão cedo. Para ser honesto, a gravidez de Rin fez com que a hipótese de morar com elas passasse pela cabeça dele diversas vezes nos últimos dias. Mas havia postergado aquela conversa, diante de tudo que estava acontecendo.

— Você gostaria? - Ele repetiu, vendo a menina acenar positivamente.

— Eu gostei de você ter me levado para a escola. Gostei de ter tomado café com você... – Ela listou, balançando os ombros.

— Eu também. – Sesshoumaru afagou os cabelos dela, sorrindo.

— Então por que a gente não faz isso todo dia? - Os olhos cor de mel ganharam um brilho esperançoso, e as mãozinhas se uniram em um sinal de pedido.

— Passar mais tempo com você é tudo que eu sempre quis. – Ele inclinou-se, olhando-a diretamente. – Mas eu e sua mãe precisamos resolver algumas coisas antes de morarmos juntos.

— Resolver o quê? - Melissa cruzou os braços na altura do peito, fazendo uma careta contrariada.

— Bem... – Ele respirou fundo, tentando pensar em uma resposta para aquela pergunta. Afinal de contas, o que faltava para que eles fossem felizes de verdade? Sesshoumaru queria casar-se com Rin o mais rápido possível. Morar com ela e a filha era apenas uma das melhores consequências daquela decisão. Então por que não?

— Os pais das minhas amigas moram juntos. – A menina juntou os dois dedos indicadores, formando um par. – Agora que você está aqui, e que você e a mamãe são namorados, você pode morar aqui.

A perspicácia da menina fez Sesshoumaru sorrir. Era incrível como as crianças enxergavam o mundo de uma forma simples e pura. Não seria a vida mais simples se todos tivessem a mesma perspectiva?

— Falta uma coisa. – Ele estendeu o dedo indicador no ar, puxando o banquinho para se aproximar dela. – E eu vou precisar da sua ajuda.

Os olhos dela voltaram a brilhar e ela também se inclinou, como quem está pronto para ouvir um segredo.

— Eu quero me casar com sua mãe. – Sesshoumaru disse. Assim que as palavras saíram da boca dele, o seu lado racional o alertou que talvez a notícia tivesse sido precipitada. Mas todo o medo de uma reação ruim se dissipou assim que Melissa sorriu, levando a pequena mãozinha aos lábios, escondendo um riso travesso.

— Casar tipo... casar de vestido de noiva? - Ela perguntou, sussurrando. Ele acenou positivamente, não contendo um sorriso. – E com uma festa... e um anel?

— É por isso que eu preciso da sua ajuda. – Ele também abaixou o tom de voz.

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Naquele sábado, Rin deixou Melissa com Sesshoumaru para que pudesse fazer compras para a confeitaria. Ela passou parte da manhã ensolarada em uma feira a céu aberto, escolhendo frutas para as geleias e doces que Sango sabia fazer com maestria. Depois, ela dirigiu-se a um supermercado, comprando o restante dos ingredientes industrializados. Colocou as infinitas sacolas na caçamba da caminhonete vermelha e ajeitou o rabo de cavalo, sentindo o vento frio bater contra o corpo. Ajeitou o casaco bege que vestia e entrou pela porta do motorista do carro, pegando o caminho de volta de Ellsworth para Lovebelt.

Não muitos minutos depois, ela estacionou em frente à confeitaria, que estava repleta de clientes. Pegou as sacolas da caçamba e entrou pela porta dos fundos, encontrando o ambiente da cozinha completamente vazio. Limpou e organizou cada uma das embalagens na despensa e saiu pela porta-balcão, vendo Sango atendendo aos clientes do salão.

Rin vestiu o avental e começou a ajudar no atendimento do caixa, enquanto a amiga passou a circular pelas mesas com os pedidos. Não demorou para que Sesshoumaru e Melissa entrassem pela porta, esperando na fila para fazer um pedido.

— Oi, mamãe! – A menina exclamou, pulando para que pudesse alcançar o topo do balcão.

— Oi, meu anjo. – Rin inclinou-se sobre a madeira e depositou um beijo no topo da cabeça da filha.

Sesshoumaru esperou que ela voltasse para a postura normal e inclinou-se, encostando os lábios nos dela suavemente. O gesto surpreendeu Rin, mas ela correspondeu o beijo. Assim que se separaram, após um breve momento, ambos olharam Melissa, que tinha um sorriso travesso no rosto.

— Eu ainda vou precisar de mais um tempo aqui, a loja hoje está cheia. – Rin apoiou as duas mãos espalmadas no balcão, com os braços separados. – Por que vocês não se sentam e esperam?

— Eu posso ajudar. – A voz suave de Sesshoumaru alcançou os ouvidos dela. Rin não evitou a surpresa, mas acenou positivamente, sorrindo.

Ele levantou a tampa do balcão, passando pelo espaço entre a madeira e o batente. As mãos firmes dobraram as mangas da camisa jeans clara que vestia, fazendo dobras perfeitamente iguais e que iam até o meio do antebraço. Assim que ele entrou, Rin chamou o próximo cliente da fila, anotando o pedido na velha caixa registradora.

— E então, o que você vai pedir? - Sesshoumaru inclinou-se na direção de Melissa, vendo a menina pendurar-se na banqueta para finalmente conseguir se sentar.

— Bolo de chocolate! – Ela exclamou, apoiando o rosto sobre a mão cerrada, um gesto igual ao que o pai costumava fazer.

Ele abriu a estufa envidraçada que abrigava um bolo inteiro de chocolate e serviu dali um pedaço. Passou o prato e um garfo de metal para o outro lado do balcão, posicionando-o frente a Melissa, que agradeceu. Rin trocou de lugar com Sesshoumaru, permitindo que ele ficasse no caixa, fazendo a cobrança dos clientes. Ela passou a buscar os pedidos na cozinha e a conferir os tabuleiros que haviam sido colocados por Sango no forno, minutos antes. Já Sango permanecia levando os pedidos para as mesas, que estavam quase completamente preenchidas. A confeitaria continuava cheia, repleta de clientes que não eram de Lovebelt.

— Por que o dia está tão movimentado? - Rin aproveitou um momento em que Sango se aproximou para repassar um pedido.

— Parece que há uma feira, uma convenção de negócios, ou algo assim. – Ela balançou os ombros, molhando na língua a ponta do dedo indicador para destacar o papel em que havia anotado os itens.

Rin conferiu o que estava escrito e entrou pela porta-balcão, a fim de buscar os pães e rosquinhas pedidos pelo cliente. Sesshoumaru bateu o último registro no caixa, fazendo com que as teclas de metal soassem um fino tinir.

Assim que ele levantou o rosto, encontrou um par de olhos azuis que conhecia bem. Mas não era Sesshoumaru que eles contemplavam. Os orbes da cor do oceano encaravam Melissa fixamente, que sequer havia percebido que estava sendo observada, pois estava muito dedicada a comer o bolo de chocolate. Sesshoumaru sentiu como se um choque tivesse passado por seu corpo, e um desespero inexplicável subiu à sua mente.

— Bom dia. – Rebeca o cumprimentou como um estranho, sorrindo para ele. - Eu quero dois desses muffins aqui. – Ela bateu com o indicador duas vezes na estufa de vidro, acima dos muffins apetitosamente assados. – Eles parecem ótimos.

Sesshoumaru ficou congelado no mesmo lugar, sem conseguir dizer qualquer coisa e sem saber o que fazer. Parte de si o aconselhava a tirar Rebeca dali o mais rápido possível, antes que Rin voltasse da cozinha. Outra parte pedia que ele não fizesse nada, e, principalmente, que não cedesse a aquele óbvio gesto de provocação dela. Merda. Por que, afinal, Rebeca havia pego um avião e viajado por horas para um lugar que ela detestava só de ouvir falar? Sabia que sua ex-mulher podia ser perniciosa quando desejava, mas aquilo já era um pouco demais.

O som da porta-balcão abrindo fez com que Sesshoumaru sentisse outro calafrio. Rin saiu pela porta da cozinha com uma bandeja repleta de pães, rosquinhas e muffins. Ela apoiou a bandeja no balcão de madeira e tocou a campainha, indicando para Sango que a comida que o cliente anterior havia pedido estava pronta.

— Oh, esses parecem mais frescos. – Rebeca apontou com o queixo para os muffins da bandeja. – Poderia buscar um desses para mim? - Ela pediu, dirigindo-se a Sesshoumaru.

— Claro. – Rin tomou a frente, antes que ele pudesse abrir a boca. Ela puxou com a ponta dos dedos a luva térmica que usava, deixando as mãos livres. – De qual sabor?

— Pode ser exatamente como eu pedi: dois muffins de baunilha. – Rebeca finalmente tirou os olhos de Sesshoumaru para olhar para Rin. Ele olhou por cima dos ombros e encontrou a morena ainda sorrindo, o que indicava que ela não fazia a menor ideia de quem era aquela mulher à sua frente.

Assim que Rin entrou pela porta da cozinha outra vez, Rebeca apoiou-se no balcão, virando-se para Melissa. A menina ainda parecia ocupada demais, observando o ambiente ao redor e balançando os pequenos pés no ar.

— Esse bolo parece muito gostoso. Talvez eu devesse pedir um pedaço. O que me diz? - Rebeca perguntou, fazendo com que Lissy finalmente a olhasse.

— É o melhor bolo de todos. – A menina sorriu, lambendo uma migalha que havia ficado presa no canto dos lábios.

Sesshoumaru estava inerte, encarando as duas. Perceber que Rin não havia desconfiado que aquela era Rebeca havia dado força para não interferir, em uma tentativa de não piorar tudo. Mas a aquele ponto ele duvidava que conseguiria fazer algo, mesmo que tivesse decidido tirar Rebeca dali. Suas pernas tremulavam de forma nervosa, e as mãos cerradas estavam apoiadas sobre o balcão. Uma vontade crescente em seu peito demandava, agora, que ele tirasse Lissy de perto da sua ex-mulher, mas aquilo estragaria o que ele e a filha haviam planejado para aquele dia. Antes que ele continuasse a ponderar, Rin voltou da cozinha com os dois muffins e colocou-os em um prato.

— Oh, não. – Rebeca virou-se para ela, acenando negativamente com a mão. – Poderia embalar para a viagem?

— Sem problema. – Rin pegou uma sacola de papel pardo e colocou os dois bolinhos ali dentro, oferecendo a embalagem para a mulher.

Rebeca estendeu a mão esquerda para pegar o pacote e Sesshoumaru percebeu que ela ainda usava a aliança de casamento dos dois. Ele travou a mandíbula, sentindo outra carga de adrenalina. A loira abriu a carteira e tirou dali uma nota alta, deixando-a sobre o balcão. – Pode ficar com o troco. – Os olhos azuis desprenderam-se dos de Rin e viraram-se para Melissa. – Tchau, meu anjo.

— Tchau. – A menina se despediu, acenando os pequenos dedos no ar.

A mulher loira e alta olhou Sesshoumaru por uma última vez e deu as costas, saindo pela porta envidraçada. Ele sentiu como se um piano tivesse sido tirado de seus ombros, respirando fundo. Esfregou o rosto, abrindo a gaveta da caixa registradora para colocar ali a nota que havia sido deixada no balcão.

— Está tudo bem? - Rin perguntou, levando as mãos para os ombros dele e apoiando o rosto na lateral dos braços fortes.

— Sim. – Ele fechou a gaveta com um pouco mais de força que o necessário e virou-se, segurando o rosto dela gentilmente. – Vai demorar muito para você ficar livre?

— Não. – Ela segurou os quadris dele, olhando fixamente para os olhos dourados. – Logo esse movimento todo vai diminuir. - Rin torceu as sobrancelhas, fazendo Sesshoumaru engolir seco. - Tem certeza que está tudo bem?

— Nós temos uma surpresa! – Melissa exclamou, empurrando o prato, agora vazio, para o outro lado do balcão.

Sesshoumaru sentiu alívio pela interferência da filha, embora a menina tivesse ensaiado a manhã toda para não deixar escapar que havia uma surpresa a ser feita. No fim, a ansiedade havia vencido todo o ensaio.

— Uma surpresa? - Rin sorriu, olhando a filha. – Que surpresa?

— Se eu contar não vai ser surpresa, né, mãe? - A menina rolou os olhos cor de mel, fazendo com que a mãe gargalhasse.

A chegada de outros clientes fez com que eles se separassem, voltando a atender aos pedidos do balcão. A mente de Sesshoumaru tentava concentrar-se nos números da caixa registradora antiga, mas tudo que ele conseguia pensar era no motivo de Rebeca estar ali. Não era, certamente, por causa da convenção que acontecia na região. Ela nunca acompanhava o pai nas viagens, exceto quando o destino envolvia algum ponto turístico que ela quisesse visitar. Paris, a costa da Grécia e uma breve viagem pela Ásia foram as poucas exceções em que Rebeca acompanhou o pai em viagens a trabalho. Mas aquele claramente não era o caso. O motivo de ela ir a Lovebelt e o motivo de ela ir até a confeitaria não era turismo. Era alguma outra coisa, que Sesshoumaru não conseguia saber o que, exatamente. Seria pura curiosidade? Será que Rebeca não acreditava que ele havia, mesmo, sido capaz de trocar tudo que tinha por aquela vida simples no interior? Ela queria ver com os próprios olhos? Seja o que for, ele não gostava nem um pouco do fato de ela estar por perto.

Mas contar aquilo para Rin abriria uma ferida profunda, cuja cicatriz ainda era recente e dolorosa. Além do mais, todo o nervosismo, ressentimento e raiva que provavelmente ela sentiria seriam delicados, principalmente no estado em que ela se encontrava, e não mudariam em nada a situação. Depois de ponderar e ponderar outra vez, Sesshoumaru decidiu que não contaria para Rin quem era aquela mulher – porque esperava, do fundo do coração, que aquela havia sido a última vez que veria Rebeca em sua frente.

O horário do almoço se aproximava, e a confeitaria foi ficando mais vazia. Assim que o movimento ficou calmo suficiente para que somente Sango atendesse aos clientes, Rin tirou o avental azul escuro e soltou o cabelo, permitindo que as mechas volumosas caíssem pelos ombros, contrastando com o casaco quase cor de creme que ela vestiu outra vez.

— Vamos? - Ela chamou, não conseguindo evitar a curiosidade para saber o que era, afinal, a surpresa que a esperava.

— Vamos! – Melissa exclamou, deixando de lado o seu tablet, que exibia um desenho infantil qualquer.

Sesshoumaru fechou a caixa registradora pela última vez e saiu pelo balcão, deixando a tampa de madeira aberta para que Rin também passasse por ali. Ele apanhou o casaco cinza mesh de Melissa, pendurado em um cabide no canto do salão e estendeu para a filha, que prontamente encaixou os bracinhos pelo tecido, fechando o zíper. Em seguida, Sesshoumaru pegou o próprio casaco marrom, vestindo-o por cima da camisa jeans. Os três saíram pela porta da confeitaria, entrando no sedan prateado, que permanecia estacionado ao lado do meio fio. Assim que começaram a andar, indo na direção oposta da rua tranquila onde o sobrado de dois andares em que Rin e Melissa moravam, ela percebeu que eles não estavam indo para casa.

— Para onde vamos? - Ela mirou Sesshoumaru, que abriu um meio sorriso.

— É segredo! – Lissy repetiu, fazendo sinal de zíper na boca.

— Por favor! – A morena suplicou, virando o corpo para olhar para a filha, que estava no banco de trás. – Eu estou muito curiosa.

— Mamãe... – A menina abriu um sorriso travesso. – A curiosidade matou o gato! – Ela levou as mãos aos lábios, abafando uma gargalhada. – O vovô sempre dizia isso, lembra?

Rin não evitou um sorriso, voltando a olhar Sesshoumaru.

— Nem olhe pra mim. – Ele balançou a cabeça negativamente, batendo os polegares contra o volante.

Rin tentou, sem sucesso, arrancar qualquer tipo de informação dos dois, mas eles pareciam ter combinado o sigilo perfeitamente. Não demorou até que eles estivessem na estrada que ligava Lovebelt a Ellsworth, mas assim que Sesshoumaru passou a entrada para a pequena cidade vizinha, Rin soube que também não era para lá que eles iriam. Isso só aumentou sua curiosidade.

Cerca de uma hora depois, eles alcançaram uma larga ponte que cruzava o lago Wilson. De um lado, a paisagem da vegetação baixa e seca, castigada pelo outono, formava tons amarelados no horizonte. Do outro, a extensão de água bem azul se misturava com o céu claro daquela tarde. O sol refletia contra o espelho d'água, criando na linha do horizonte um tom de amarelo que lembrava o da vegetação. A beira do lago era composta por cânions de pedra alaranjada, lapidadas em diversos tons de argila parecidos com os do solo da fazenda, em Lovebelt. Era como uma pintura.

Assim que cruzaram a ponte, Sesshoumaru entrou por uma estrada menor, que cercava a margem do lago. Eles passaram por uma marina, repleta de barcos menores que flutuavam sobre a água brilhante até que chegaram finalmente a uma entrada do que parecia uma pequena rua repleta de chalés.

— É aqui? - Rin quis saber. Os olhos brilhavam em empolgação, assim como os de Melissa, que observava atentamente a paisagem ao redor.

Sesshoumaru abriu um sorriso de canto, mantendo-se em silêncio. Ele passou pela portaria de acesso e seguiu pelas pequenas vias de terra até chegar a uma pequena entrada que levava para um chalé, no final da rua. O casebre, que lembrava uma cabana interiorana, era feito de madeira de cor média. O telhado e as janelas eram de ferro, pintados de verde-musgo. A casa tinha um pequeno alpendre na entrada e uma varanda no fundo, que tinha vista para o lago.

Take a piece of my heart and make it all your own

— Nós vamos ficar? - A morena perguntou, assim que Sesshoumaru parou o carro. – Mas eu não trouxe nenhuma roupa pra mim ou para Melissa...

— Eu e o papai fizemos malas pra todo mundo! – Mellisa deu pequenos pulinhos no banco, desprendendo o cinto de segurança do assento.

Rin olhou Sesshoumaru, que já a encarava com um olhar perspicaz e um meio sorriso. Ela inclinou-se para beijá-lo brevemente, o que fez Melissa bater palminhas de alegria.

Assim que desceram do carro, Sesshoumaru começou a tirar a bagagem do porta-malas. Havia, de fato, três malas pequenas preparadas. Ela imaginou, então, que eles não passariam muitos dias ali. Embora tivesse plena consciência de que não poderiam ficar mais do que o final de semana, por causa da escola de Melissa e do trabalho dos dois, Rin desejou por um instante que ela, a filha e Sesshoumaru se escondessem ali por semanas. A brisa úmida vinda do lago bateu contra o corpo de Rin e ela abriu os braços, sentindo o corpo absorvendo cada raio de sol. Ela fechou os olhos, com uma incrível sensação de bem-estar passando pelas suas veias.

Melissa deu uma volta pela casa, parando no fundo para encarar o lago. Dali ela podia ver um pequeno flutuante de madeira balançando suavemente conforme o vento mexia com as águas.

— Olhe, mamãe! – A menina apontou o flutuante e um par de pequenos caiaques, amarrados junto à madeira do deck.

So when we are apart, you'll never be alone

Rin colocou a mão acima da linha das sobrancelhas, tentando proteger os olhos da luminosidade para enxergar bem. Apesar de ter morado a apenas uma hora daquele lugar durante toda a vida, nunca havia visitado o lago. Havia ouvido algumas vezes que aquela costumava ser uma propriedade do exército, e que o lago foi formado pela inundação de uma área de planície, para a construção de uma represa. Mais abaixo no rio, havia uma pequena usina hidrelétrica. Não sabia, realmente, que havia algo a ser visitado ali. Sesshoumaru provavelmente se empenhou, procurando algo que eles pudessem fazer juntos, como uma família, e sinceramente aquela ideia havia sido perfeita.

Assim que entraram pelo chalé, encontraram uma decoração rústica, mas bastante aconchegante. O primeiro anexo do chalé tinha uma pequena cozinha conjugada com uma sala de estar, onde havia um sofá de couro marrom e uma estante de livros. Mais ao fundo havia uma mesa de refeições redonda, também de madeira, com quatro lugares. Atrás dela havia a porta que levava para a varanda com vista para o lago. Ao lado da pequena sala de jantar havia a porta do banheiro e uma outra porta, que levava a um quarto. Só então Rin notou que no canto, perto do sofá e da estante, havia uma escada estreita, que levava a um mezanino, onde Rin imaginava haver mais um quarto. Era tudo simples, mas absolutamente charmoso.

Melissa subiu as escadas do mezanino como um furacão e Rin a seguiu. Chegando lá, as duas viram o que já era imaginado: uma cama tipo futon de casal, com dois criados mudos e uma pequena cômoda. Duas janelas grandes revelavam, ao fundo, o lago cristalino e, na lateral, os pinheiros altos e finos que preenchiam a paisagem.

— Uaaau. – Foi tudo que a menina disse.

As duas desceram pela escada, encontrando Sesshoumaru acomodando na geladeira alguns alimentos, que haviam sido trazidos em uma bolsa térmica. As três pequenas malas ainda estavam na sala.

Melissa decidiu que dormiria no quarto no térreo, pois apesar de ter gostado da vista do lago, tinha medo de cair da escada íngreme do mezanino. Rin posicionou as coisas da filha no quarto, colocando sobre a cama o pequeno urso de pelúcia que a acompanhava durante o sono.

— Vamos andar de caiaque? - Lissy implorou.

Rin sorriu, sentindo-se tentada, mas sem saber se teria coragem. A verdade é que ela nunca havia aprendido a nadar, e tinha medo só de pensar naquele frágil barquinho balançando sobre as águas do lado.

— Hmmm, aposto que seu pai sabe remar muito melhor do que eu. – Ela apontou a porta do quarto com o queixo.

— Paaaai! – Melissa chamou, como se ele estivesse a quilômetros dali, e não no cômodo ao lado. Uma risada fugiu do fundo da garganta de Rin.

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Apesar do vento ser úmido e frio, o sol havia esquentado o suficiente para que Rin trocasse o casaco por uma blusa branca de manga três quartos e ombros descobertos. Ela estava sentada sobre o flutuante, à beira da represa, apenas observando Sesshoumaru e Melissa remando no caiaque. Na verdade, somente ele remava, enquanto Melissa se dedicava a olhar a água sob o casco, procurando por peixes ou por qualquer outra coisa interessante escondida no lago. Ambos vestiam blusas de manga longa, feitas de um tecido frio que oferecia proteção contra o sol e contra a brisa do lago. Por baixo do chapéu creme que usava para cobrir o rosto, Rin observava a filha e o futuro marido se divertindo.

You'll never be alone...

Pensou em como seu pai adoraria estar ali. A tranquilidade da cabana, o som ritmado da água batendo contra o flutuante e o barulho das folhas secas das árvores formavam o ambiente perfeito para ele. Fechou os olhos e quando os abriu, viu o velho Kenichi Takao sentado ao seu lado, com a mesma postura serena de sempre. O peito dela ardeu. Rin sentiu vontade de estender a mão para tocá-lo, mas sabia que aquilo era só uma lembrança e que provavelmente aquela visão desapareceria tão logo os dedos dela encontrassem o completo nada. Permaneceu estática, apenas contemplando a imagem do pai que ela sabia não estar ali, fisicamente, mas que estava ao seu lado.

When you miss me close your eyes, I may be far but never gone

Estava evitando pensar naquilo, mas a notícia da gravidez a havia feito refletir sobre a falta do pai. Como ele ficaria feliz ao saber que teria mais um neto ou neta. Sabia que, menino ou menina, aquela criança seria levada pelo pai pelos passeios de trator pelos campos dourados da plantação. Sabia que ele ensinaria a fazer pequenos trançados com os ramos do trigo, assim como havia ensinado a ela e a Melissa, quando eram ainda pequenas. E sabia, acima de tudo, que o pai estaria ali para ajudá-la a criar mais um bom ser humano. Estava contente por ter Sesshoumaru por perto, e não tinha a menor dúvida de que ele seria tão bom pai para o bebê que esperava quanto era para Melissa. Mas a falta do pai era algo que Rin não conseguia superar.

Já era quase início de noite quando Melissa e Sesshoumaru remaram de volta para o flutuante. A aquela altura, Rin já havia deitado sobre a madeira, acomodando a cabeça no casaco bege de lã que antes vestia e cobrindo o rosto parcialmente com o chapéu claro. A respiração lenta e a forma ritmada que o peito dela se expandia e voltava davam sinais de que ela estava cochilando. Assim que o casco do caiaque bateu contra a madeira do flutuante, ela despertou, abrindo um dos olhos. Ela sentou-se, sentindo as costas reclamarem por terem repousado por tanto tempo sobre a madeira dura.

— E então? - Ela sorriu, ainda parecendo sonolenta. – Finalmente ficaram cansados? - Rin olhou Sesshoumaru, sabendo que todo o trabalho de remar havia sido dele.

Um vento frio bateu contra eles e Rin se encolheu, sentindo falta do sol alto para balancear a temperatura. Ela desdobrou o casaco bege e o vestiu outra vez, esfregando os braços. Pegou uma toalha, que estava dobrada ao seu lado, e enrolou em volta dos ombros de Melissa – embora a menina não tivesse se molhado completamente, e tivesse apenas alguns respingos de água sobre o colete salva-vidas que usava.

— Foi muito legal! – A menina comemorou, segurando o tecido da toalha. – Você deveria tentar.

Sesshoumaru sentou-se ao lado dela, ofegante. Ele parecia estar exausto, o que era totalmente compreensível. Durante o cochilo, Rin acordou algumas vezes, vendo-os cada vez em um ponto diferente do lago. Haviam remado quase por toda a extensão das águas, o que havia sido uma tarefa difícil.

— Estou ficando velho. – Ele lamentou, amarrando o caiaque na estaca de ferro do flutuante que o prendia.

Rin sorriu, esfregando o tecido úmido da manga da blusa que ele vestia. – Deveríamos entrar, está começando a esfriar.

Sesshoumaru acenou. Os tons alaranjados do pôr-do-sol começavam a se confundir com os primeiros sinais da noite escura no céu, e tudo aquilo era refletido nas águas calmas. Ele levantou-se, estendendo a mão para que Rin também se levantasse. Os três caminharam de mãos dadas de volta para o chalé. Assim que acenderam as luzes, o ambiente pareceu ainda mais aconchegante. As luminárias amareladas iluminavam pontos estratégicos do ambiente, deixando o restante a uma confortável meia luz.

— Entre no banho, Lissy, antes que você fique resfriada. – Rin pediu, afagando os cabelos da filha. A menina acenou positivamente, dirigindo-se para o banheiro.

A morena foi até o quarto e separou uma roupa quentinha para Lissy – calça moletom lilás e um casaco moletom azul felpudo. Colocou as peças dentro do banheiro e saiu, fechando a porta. Percebeu que Sesshoumaru estava preparando um chá, cujo cheiro estava maravilhoso.

Ela abraçou-o pelas costas, repousando as mãos sobre o peito largo. Ele tombou a cabeça sobre a dela e segurou gentilmente as mãos delicadas, suspirando profundamente. Sentiu-se, como tantas vezes, que estava no lugar certo, onde sempre pertencera.

— Obrigada. – Ela sussurrou contra o tecido da blusa dele. – Esse lugar é tudo que eu precisava, mesmo sem saber.

Ele virou-se, envolvendo a cintura de Rin com os dois braços, o que fez com que ela ficasse nas pontas dos pés. Beijou-a de forma calorosa, explorando cada parte do corpo dela com as mãos e cada parte da boca dela com a língua. Ela não evitou um suspiro, emaranhando os dedos pelos fios da nuca de Sesshoumaru. Ficaram presos naquele carinho hipnotizante até que o som da água do chuveiro parou, o que fez com que se separassem sutilmente.

Assim que Melissa se vestiu e que Sesshoumaru tomou um banho, eles pediram que um pequeno restaurante do conjunto de chalés entregasse uma refeição para os três. Eles jantaram juntos, na mesa da sala, conversando sobre o que poderiam fazer no dia seguinte: pescar, andar de caiaque, ou até mesmo fazer uma fogueira e assar marshmallows. Melissa começou a bocejar, denunciando quão cansada havia ficado.

Sesshoumaru começou a juntar os pratos na pia, deixando a mesa de madeira novamente livre. Rin virou-se para a filha.

— Por que não vai descansar? Assim aproveitará mais o dia amanhã.

Ela esfregou os olhos cor de mel e concordou, movendo-se em direção ao banheiro. Escovou os dentes, piscando de forma prolongada, e vestiu o pijama de estrelas. Sesshoumaru leu uma história para Melissa dormir, enquanto Rin tomava banho. Não levou mais do que duas páginas do livro antes que a menina estivesse em um sono profundo. Ele ajeitou o pescoço de Lissy sobre o travesseiro e a cobriu até a altura dos ombros, beijando seus cabelos antes de sair.

Assim que Rin saiu do banho, vestindo um conjunto moletom preto bem quentinho, ela olhou em volta e não encontrou Sesshoumaru. Percebeu que a luz do abajur do mezanino estava acesa e subiu pelas escadas, encontrando-o sentado na ponta do futon, observando o horizonte. A lua, posicionada imponentemente no meio do céu, refletia diretamente sobre a água do lago, formando uma listra prateada e tortuosa sobre a represa. A silhueta de pequenos barcos flutuando no fundo do lago era marcada pela luz do luar.

Rin aproximou-se, sentando-se ao lado dele, para observar. Assim que ela se aproximou, Sesshoumaru a envolveu com o braço, trazendo o corpo esguio contra o seu peito. Ficaram em silêncio por instantes, até que ele começou a falar.

— Nunca pensei que poderia ter dias tão felizes. – A voz suave dele anunciou. Os olhos dourados ainda estavam fixos no horizonte, e ele tinha uma expressão suave no rosto.

— Nem eu. – Ela também admitiu, respirando fundo. – Esse lugar me trouxe tanta paz... obrigada pela surpresa.

— A surpresa não era essa. – Ele finalmente a olhou, fazendo com que os olhos castanhos também fossem atraídos. – Pelo menos não só essa.

Ela piscou repetidas vezes, imaginando o que de mais maravilhoso ele poderia ter guardado para aquele momento. Tudo parecia tão perfeitamente bem, que Rin duvidava que havia algo mais que pudesse melhorar o que ela estava sentindo.

Sesshoumaru saiu do futon, mas não se levantou. Ele colocou-se sobre um joelho e apoiou o antebraço sobre a perna dobrada. A outra mão mergulhou no bolso da calça que ele vestia e tirou dali uma caixa de veludo. O coração de Rin disparou.

— Rin Ozawa. – Ele disse suavemente. – Você aceita se casar comigo?

And take a piece of my heart and make it all your own

As mãos gentis abriram a caixa e revelaram um delicado anel prateado. O corpo do anel havia sido desenhado em forma de laços, que se enroscavam entre si de forma harmoniosa. No centro, uma pérola média, acompanhada de duas pequenas pedras translúcidas, que pareciam diamantes, brilhava. Ela perdeu o fôlego, levando uma das mãos aos lábios. Aquele anel era uma das coisas mais lindas que havia visto.

— Eu já respondi a essa pergunta. – Ela engoliu, sentindo os olhos ficando rasos. – E diria "sim" outras milhares de vezes. Sim, sim, sim! – Sorriu, apertando o canto dos olhos.

So when we are apart you'll never be alone

Sesshoumaru segurou a mão esquerda de Rin, percebendo que os dedos dela tremulavam. Encaixou o anel no dedo anelar, deslizando suavemente pela falange até o fim da articulação. Os dedos dele também tremiam, embora ele estivesse desempenhando aquela tarefa com firmeza. Sesshoumaru inclinou-se sobre ela, beijando-a de forma apaixonada outra vez.

You'll never be alone

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Notas finais do capítulo

Oi, gente. Como vocês estão? :D

Desculpem pela demora. As coisas andam bem corridas por aqui, e tenho tido pouco tempo pra qualquer outra coisa que não o trabalho. Mas com um pouco de persistência, os capítulos têm saído. O que acharam deste? Melissa parece estar aceitando bem o relacionamento dos pais e... surpresa! Rin está, mesmo, grávida. Será que Lissy vai ficar feliz com isso? E esse casório, vai sair mesmo?

Queria agradecer pelo número de reviews que recebi. Acho que foi o capítulo mais comentado até agora. Vocês não têm ideia de como isso me deixa feliz! Obrigada, de coração. Por favor, continuem comentando e dividindo suas percepções comigo.

Espero vocês na próxima. Até lá! :*



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