Nadezhda escrita por Luna Nebulosa


Capítulo 1
Adeus Lenin, olá Krupskaya


Notas iniciais do capítulo

Nadia é uma borboleta saindo do casulo.



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− Por que esse nome?

Muitas pessoas perguntam como eu escolhi meu nome, sempre lhes respondo de forma evasiva, mais por costume do que por não ter nenhum motivo aparente. Hoje resolvi que é melhor contar essa história de uma vez.

Se eu tiver sorte, ninguém vai me perguntar novamente.

Pois, bem.

Escolher esse nome foi mais difícil do que parece, tive de passar longas horas fazendo pesquisas até encontrar algo que me servisse. Foi um trabalho árduo, mas, felizmente, eficaz.

Quando eu estava na escola, meu professor de História nos ensinou sobre a Revolução Russa de 1917. Ele falava muito sobre Lenin, Stalin e Khrushchov, mas Krupskaya… não, ela não era importante. Eu tinha o mesmo nome de Lenin, o que fazia com que me sentisse importante, mas eu não queria ter o nome de Lenin porque era nome de menino, então me sentia confusa.

Quando eu tinha onze anos, e contei a minha mãe que não me sentia como um garoto, mas como uma garota, ela me perguntou: por que? Eu disse que era porque garotas eram bonitas como flores.

A questão é que aquela era a única informação que o mundo insistia em esfregar na minha cara sobre as garotas, que eram todas lindas, exuberantes, perfeitas e, principalmente, fracas. Eu tentava encaixar essas informações na minha cabeça, mas não surtia efeito; me sentia forte, e me sentia como uma garota, o que havia de errado? Eu não conseguia explicar.

Na minha primeira consulta com a dra. Pavlova ela me indicou os medicamentos que eu deveria ingerir para que me desenvolvesse como uma garota durante a adolescência, depois disso sorriu para mim e me perguntou se eu já havia escolhido um nome.

“Não, não consigo encontrar nomes fortes”, respondi com desgosto.

Ela sorriu, novamente, dessa vez com mais vivacidade:

“Existem diversas mulheres fortes por aí, tenho certeza de que você vai encontrar uma que concorde em lhe emprestar seu nome.”

Eu concordei, mais por educação do que por concordância, mas não conseguia crer naquilo porque ninguém havia me dito qualquer coisa semelhante antes.

Comecei minha busca, com as minhas enormes pilhas de livros de História cheios de Napoleões, Galileus e Einsteins. Não me leve a mal, eu não tinha nenhum problema com aqueles homens todos (com exceção de Napoleão, talvez), mas me faltavam as mulheres, me faltava a força delas.

Reclamei com a dra. Pavlova na consulta seguinte que minhas pesquisas estavam e mostrando infrutíferas. Ela me fitou compreensiva e suspirou:

“Por que não começa com as princesas?”

Fiz várias pesquisas nos meus livros e na escola, mas as opções continuavam bastante limitadas, eram poucas as princesas que se tornavam rainhas ou que eram rainhas governantes já que a maioria das princesas (mesmo quando eram filhas mais velhas) perdiam o direito a coroa em favor de seus irmãos homens, ou eram, meramente, mulheres que se tornavam rainhas por casar-se com reis.

Concentrei, então, minhas energias nas rainhas, mas estas eram também poucas, invisíveis ou tiranas (ou era assim que os historiadores as pintavam) e sempre que aparentavam ser mais fortes do que a maioria descreviam-nas como ‘masculinas’. Eu não conseguia compreender o que havia de incoerente no fato de uma mulher ser forte.

Novamente, queixei-me com a dra. Pavlova dizendo-lhe que, de acordo com o que eu lia, as mulheres pareciam sempre boas ou más demais, eu não me sentia como nenhuma delas, queria apenas uma que me parecesse humana.

Ela assentiu pesarosa e levantou-se de sua cadeira para apanhar um livro na estante, sentou-se ao meu lado e o abriu na minha frente, era um livro de princesas da Disney com bonecas perfeitas e acinturadas.

“Olhe para elas, Vladimir, você acha que vai se parecer com alguma delas um dia?”

Passei os dedos por cima da figura da Cinderella enfiada em seu vestido azul, rodado e brilhoso. Perfeita demais.

“Não”, murmurei com amargura.

Para meu espanto, a doutora concordou.

“Não mesmo, e provavelmente, nenhuma garota no mundo vai se parecer com alguma delas. Isso não significa que elas sejam feias, Vladimir, ou que não sejam suficientemente boas ou suficientemente perfeitas. Significa apenas que, todas essas garotas, assim como você, são humanas.”

A dra. Pavlova tocou meus cabelos escuros e compridos, e acariciou meu rosto.

“Você me disse que não conseguia encontrar nomes fortes, isso se deve ao fato de que as pessoas costumam nomear suas filhas para que elas pareçam bonitas, delicadas ou pueris. Ninguém pensa que uma menina possa ser forte, por isso você acha que precisa de um nome especial, você não quer ser fraca. E sabe o que mais? Você não é fraca. Nenhuma de nós é.”

Ela, então, me entregou um livro que eu não havia visto, estivera propositalmente posicionado abaixo do livro das princesas, possuía capa preta de couro e podia-se ler em letras garrafais: As mulheres na História.

“Leve para casa, acho que vai encontrar o seu nome aí dentro.”

Li o livro em seis horas, sem intervalos.

Conheci diversas mulheres das quais meu professor deveria ter me contado.

Dentre elas, Nadezhda Krupskaya, seu nome estava grifado com marcador cor-de-rosa. Era uma mulher feia.

Eu li o pequeno resumo de sua enorme biografia milhares de vezes, ela foi uma revolucionária bolchevique durante a Revolução Russa de 1917, chegou a ser ministra interina da Educação e dedicou toda a sua vida a facilitar o ensino as classes mais pobres. Ela ficou a sombra de Lenin porque era mulher, não porque era incapaz ou incompetente.

Na consulta seguinte eu entreguei o livro a dra. Pavlova, ela me fitou por trás dos óculos de grau com olhos inquiridores.

“Qual é o seu primeiro nome?”, decidi perguntar antes que ela o fizesse.

“Ekaterina”, respondeu de imediato.

“A grande!”

A doutora riu.

“E o seu?”

“Nadezhda”, murmurei enchendo a boca.

“A revolucionária!”



− Porque Nadezhda foi forte.


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Notas finais do capítulo

Reviews? Espero que tenham gostado. :)



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