Caixa de Pandora escrita por Luana Santiago


Capítulo 1
Distante


Notas iniciais do capítulo

Esta história é um presente para Palloma, minha amiga secreta d'A Torre. Ah, desde já me desculpe por eventuais erros, não tive muito tempo para revisar. Hehe. Mas espero que goste, sim? Acabou tomando um rumo um pouco diferente do planejado, mas... É, espero que goste.



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Quem disse que os mistérios do mundo necessariamente precisam ser grandes? Que precisam tratar de revelações que mudarão o rumo da história? Descobertas e mistérios dependem do ponto de vista: o que é claro para alguns, pode não ser claro para outros. O mesmo funciona para a escala de grandeza. O supremo, baseado nas mais diferentes interpretações, pode ter vários níveis diferentes. Há quem diga que supremo é Deus, outros que o supremo é o Universo...

Tudo é relativo.

Para Makoto Tachibana, o grande mistério de seu mundo é Haruka Nanase. Por fora um amigo, por dentro um amor. Um amor de anos, décadas... Um amor que o mais velho sequer entendia como sobreviveu, afinal, fora tão pouco alimentado...

Até agora.

Esta é a primeira vez desde se conhecem – e eles se conhecem desde o berço – que o moreno lhe dá um pensamento que pode ou não insinuar segundas ou até mesmo terceiras intenções. E é por isto que Makoto está acuado no quarto, com uma das mãos pousadas sobre o peito. Dentro dele, seu coração voa. Não faz bem para Makoto, deixa-o tonto; sem fôlego. Gelado.

– O que foi... Isso?

Já é a quarta vez que faz esta pergunta e não será agora que receberá uma resposta. Do lado de fora, Nanase está longe de passar pelo mesmo dilema. Após uma reação estranha por parte do amigo, restou-lhe dar de ombros e seguir para o banho. Mil anos passariam e a atividade predileta do nadador continuaria sendo ficar de molho numa banheira, aproveitando sua conexão especial com a água.

Aliás, qual é o problema em falar que estar com Makoto é o mesmo que estar imerso em água? Havia algo de errado em sua frase? Isto o incomodou e, pela primeira vez em muito tempo, sua mente não esteve limpa naquelas horas que passou encarando o teto branco do banheiro no pequeno apartamento que dividiam desde que mudaram-se para Tokyo completar seus estudos.

– Por quê?

Por que Makoto se incomodou tanto?

É, Makoto... Por que se incomodou tanto?

Não era óbvio? Porque ele sabia que não era verdade. Conhecia Haru de longa data e sabia - sempre soube - que seu amor pela água superava tudo e todos. Até então, Makoto nunca se sentiu mal com este amor platônico. Achava engraçado, até, que o moreno tivesse uma obsessão tão... Incomum. Ou nem tanto assim, pois bastava olhar em seus olhos composto de mil nuances de azul para saber que aquele rapaz era uma criatura da água. Muitas vezes, como um bobo, pensou nisso. Seria Haruka um tritão? Um ninfo dos oceanos? Explicaria muita coisa; especialmente o talento nas piscinas.

Ah, pensar em Haruka o dava tantas ideias... Este era o grande problema dele ser tão enigmático. Quaisquer hipóteses – inclusive as mais fantasiosas – faziam sentido. Haruka podia ser quem e o quê quisesse. Após mais uns anos de convivência na capital japonesa, Tachibana passou a desconfiar até mesmo de sua humanidade.

Havia algo em Haruka... Algo que ele não sabia explicar o que era. Uma linha tênue entre o místico e o indecifrável.

Seria ele feito de gelo?

Seria ele uma lenda? Um mito?

Seria ele... Feito de algo?

Aparentemente sim.

De beleza, de desejo. De luxúria. Porque ele precisava, justamente agora, ter parado bem em seu colo e lhe dito aquelas palavras tão terrivelmente tentadoras? Logo num dia de chuva, o início das três longas semanas delas, quando não pode e nem tem vontade de sair de casa. Será que foi de propósito? Para encurralá-lo? Céus, Makoto! Pare de ser dominado por estes pensamentos puramente carnais! Onde está seu respeito por uma amizade de anos?!

Não, não foi. Haru não é ardiloso a este ponto. Na verdade, Makoto duvida que ele seja ardiloso. Ponto. Exceto quando há água em jogo. Ainda tentava entender como e por que foi comparado a ela. Isso era sequer possível? Devia ter verificado se o amigo não estava com febre, pois insinuações tão diretas não eram do seu feitio.

– Acho que... Nós dois estamos com febre. – Constata e, para o bem de ambos, resolve sair. Está molhado do lado de fora, porém, por mais redundante que possa soar, é fresco. E úmido. O frescor de junho acalma Makoto e ele logo se livra dos pensamentos relacionados à sua tentação exclusiva.

A semana seguinte é exatamente igual: como gato e rato, um foge do outro. Uma quantidade mínima de palavras são trocadas. Sem que Tachibana perceba, a distância imposta entristece Haruka e assim, o próprio Nanase se afasta, como se já não o fizesse sempre. Por que ao invés de fugir dele ele simplesmente não tenta entendê-lo como sempre fez? Por que não o confronta e conversam sobre o que o deixou tão arreliado? Não fizeram assim sempre? Por que mudar agora?

– Onde está indo?

– Trabalho. Até.

Ah, pouco importava. Era bom ter menos de Makoto em sua vida, ao menos assim podia concentrar-se melhor nos treinos; aproveitar sem empecilhos a água o envolvendo e levando-o para outra dimensão. Sua dimensão tão, tão distante.

Lá é seguro.

Aqui também, mas Haru não consegue enxergar isto ainda. Nem Makoto. De tão temeroso com o que pode se tornar sua relação com o nadador, ele recorre a seus velhos amigos. Acaba passando lá a troco de nada, simplesmente chegando de surpresa no apartamento após um dia inteiro dando aula para crianças. As amava, mas não negava o quão cansativas eram.

Ficar com Nagisa e Rei, o casal recém-oficializado do grupo (eles iriam se casar!), equipara-se a tirar um grande peso das costas. Uma folga. Nem o tempo foi capaz de mudá-los, só tornou-os mais espontâneos e engraçados. Juntos eram ainda melhores. E fáceis de lidar também, pois não precisou falar nada para que começassem a tagarelar e... Distraí-lo. Sem dúvidas faziam isto muito bem.

– Quer chá, Mako-chan? – Oferece. Este é um hábito que Nagisa adquiriu de Rei. Saudável e surpreendente, pois lembrava-se muito bem das caretas do loirinho toda vez que colocava um pouco de chá verde na boca.

– Acho que preciso de algo um pouco mais forte. – Confessa e os outros dois logo o entendem. Beber numa sexta à tarde não parece má ideia. Após um olhar cúmplice, eles trazem todas as cervejas guardadas no congelador para a sala, dispondo-as para seu convidado surpresa que, sinceramente, nem precisava mais ser chamado assim de tão de casa que era.

– Eu... Preciso contar uma coisa a vocês.

A primeira parte da confissão começa assim: rasteira feita cobra. Preocupados com o timbre que o moreno usa, os mais novos voltam-se para ele num alarde sutil:

– Mako-chan?

– Makoto-senpai?

A sincronia deles é perfeita. Embora um pouco irritante, diverte Makoto. Ele os olha por algum tempo, pensando em como parecem bem e certos juntos. A vontade de ter algo parecido é o que o faz falar:

– Eu... Gosto do Haru.

O silêncio os toma. Não é fúnebre ou pesado, mas sem dúvidas é estranho. Felizmente, não dura quase nada. Se quebra bruscamente, ou melhor, é quebrado por Nagisa. O loiro salta em sua cadeira com um sorriso maior que o rosto:

– Hah! – Aponta para Rei, iluminado. Há nele um brilho de epifania que confunde Tachibana, mas parece ser entendido pelo rapaz de cabelos azulados. Este ajeita os olhos e, polido, diz:

– Você venceu, meu bem.

– Isso! – Ainda sem maiores explicações, Nagisa dança animado no lugar, entoando um cântico de “eu sabia, eu sabia” aparentemente interminável. Makoto une as sobrancelhas e, após somar dois mais dois, seu semblante beira o ultraje:

– Nós fizemos uma aposta – Rei explica, porém é vago. – Sobre quando Makoto-senpai admitiria seus sentimentos em relação ao Haruka-senpai. – Pigarreia ao fim, desconfortável com o próprio comportamento.

– Qual... – Trava de início, pois ainda é chocante para si que tenha sido tão óbvio a ponto dos outros brincarem sobre isso. Não sabe se pode ou não sentir-se chateado ou quem sabe até ofendido. – Qual era o critério?

– Nagisa apostou que o Makoto-senpai admitiria pouco após o anúncio do nosso noivado. Ele venceu, obviamente.

– E você?

– Eu achei que levaria mais algum tempo. – Admite, sorrindo sem graça. Sem nenhum motivo aparente, as palavras do mais novo o acalentam. Então... Não era tão evidente? Ou era?

– Ei, Mako-chan! – Nagisa os interrompe, pegando as mãos do amigo entre as suas e o fitando com expectativa. Makoto podia sentir o gosto da pergunta a seguir na ponta da língua de tão previsível. – Quando irá se declarar? Hoje? Amanhã? No final do ano? Seria bom, não é? Ao menos assim não pareceria aleatório...

É uma pena quebrar as esperanças do menor, porém o mais velho precisa fazê-lo. Sua resposta vem rápida, curta. Seca e, sem surpresas, também insegura:

– Nunca? – Dá uma risadinha nervosa e tanto o semblante de Hazuki quanto o de Ryugazaki desmoronam. A sincronia está lá de novo, cutucando Tachibana bem em seu âmago com a perigosa inveja branca. Mais uma vez, ele sorri. Entretanto, é sem vontade. É falso.

– Como assim nunca?! – O loirinho explode, cerrando os punhos e quase avançando sobre o amigo. A cólera queima em seus dóceis orbes rosa-cerejeira, porém ela não basta para abater o mais alto.

– Querido... – Rei o contém, colocando uma mão em seu ombro e fazendo-o retornar ao seu assento. Por mais que não queira, o mais baixo cede. Como recompensa, recebe um beijinho na testa: esta é sua deixa para lamentações. Com a voz embargada e os olhos marejados, se queixa tanto com o companheiro quanto com o amigo:

– Isto não é justo! Eu venho esperando por este momento onde os verei juntos e felizes desde o Ensino Médio e você diz que não fará nada?! Como pode, Mako-chan?! Como pode querer esperar mais?! Se esconder mais?!

– Nagisa... – Seu amado chama-lhe atenção sutilmente, temendo que seu discurso rude e acusador machuque Tachibana. Mais racional, Rei compreende o quão difícil deve ser para o moreno ouvir isto: que nunca irá para frente com o amor de sua vida. Pior deve ser admitir.

Com seu olhar de falcão, detalhistas e por que não calculistas, ele nota que não há nenhum ânimo em Makoto. Ao contrário do esperado, ele não parece feliz com a própria descoberta e aceitação. Em silêncio, sente-se mal, afinal... Queria que todos tivessem a mesma sorte dele e Nagisa. O mundo seria tão mais simples assim, não? Tão mais... Exato. Uma fórmula com todas suas incógnitas resolvidas.

– Entendo o seu ponto, Nagisa-kun, mas... – Ri sem humor, passando uma mão pelas madeixas castanhas. Ninguém é capaz de ver suas irises verde-oliva por elas estarem presas ao chão, sem coragem para encarar seu dilema ou seus amigos. – É do Haru que estamos falando.

– Hã? Como assim? – O caçula do trio o encara em choque. Não acreditava no que ouvia; não conseguia! De todos os argumentos... Este é o melhor que Makoto consegue encontrar? Sério? A vontade que tem é de voar em seu pescoço e gritar até não ter voz. Makoto está sendo estúpido. Não, pior: Makoto está fingindo que é estúpido!

No entanto, antes da tragédia acontecer, Rei se adianta. Para ele é fácil colocar-se no lugar do veterano, afinal... Nanase era mesmo uma pessoa difícil. Não do tipo intragável, porém... Seria injusto se discordasse.

– Como é que você vai saber que não está arriscando uma amizade de anos se confessando assim, sem mais nem menos?

Este é o ponto.

– Uh? – Nagisa olha o noivo e depois o amigo, repetindo o gesto uma dezena de vezes e tornando-se até caricato com tanta confusão:

– Mas é o Haru-chan! É claro que ele gosta do Mako-chan! Estão juntos há anos!

– Como você pode ter tanta certeza? – Makoto retruca. Os anos se passaram e Nagisa... Ah, Nagisa... Uma criatura rara que teve a inocência preservada. Queria ser assim; ter para sempre esta visão positiva e simplória.

– É, amor... – Ryugazaki esfrega suas costas, consolando-o em silêncio. – Como pode ter certeza? O Haruka-senpai é... – Não se atreveu a completar, mas Tachibana faz as honras:

Distante.

A sala emudece, mas a condição não se estende. Num ciclo sem fim, Hazuki corta o clima infausto. Por que o acaso insistia? Nunca seria páreo para sua tagarelice!

– Mas o Mako-chan o conhece! Ele sabe como o Haru-chan pensa! – Argumentou. A face brilha uma segunda vez, porém não dura. – Não sabe? – Volta-se para o mais alto, necessitado da confirmação. Ela não vem. Era um crime ter que negá-lo, mas há não jeito. Makoto jamais mentiria para Nagisa – nem para confortá-lo:

– Não... – Suspira e ambas as mãos vão para a cabeça. Seu estado desolado é digno de pena. – Não neste caso.

– Como n... – Iria confrontá-lo, mas Rei o impede. Gostando ou não, ele tem que respeitar o espaço do amigo e parar de agir como um inquisidor da Idade Média. Distraído, Nagisa mal notava quando o fazia; sequer repara no quão arrasado Mako-chan se encontrava. Era para isto que Ryugazaki estava ali, não era? Para alertá-lo e, juntos, melhorariam os piores pontos um do outro. Juntos, tornar-se-iam melhores.

Os três se calam, cada um com seus próprios questionamentos. No entanto, a decepção antecipada é compartilhada. Surpreendentemente, a voz que resgata a conversa não é de Nagisa e sim de Rei:

– Engraçado...

– O quê?

– Haruka.

– O que tem Haruka, Rei-chan?

– Haruka significa distante.

Seu noivo franze o cenho, encarando-o como se viesse doutro mundo:

– É, mas... Não é com este kanji que se escreve o nome dele. O “Haruka” do nosso Haru-chan significa golfinho.

– Sim, mas... Ainda não é "Haruka"? Distante? "Haruka" de distante é muito mais utilizado que o "Haruka" de golfinho. É a primeira coisa que vem à nossa cabeça quando é mencionado.

Por suas próprias razões, Makoto sorri. Contudo, é um sorriso embebido em dor. É difícil vê-la, o semblante plácido e gentil quase sempre a disfarça, entretanto, os amigos de longa data já podem identificá-la sem maiores empecilhos.

Haruka.

Distante.

Como não pensou nisto antes?

Porque por mais que Haru estivesse ali, também estava... Lá. Onde? Ah, era o quê Tachibana mais se perguntava. Lá em seu mundo particular e silencioso. Solitário. Não, melhor: acompanhado apenas por água. Cercado dela. Uma ilha. Nanase era uma ilha. Distante, inatingível... Isolado. Antes tinha facilidade em visitá-lo, ler na areia molhada e nas folhas caídas o que se passava, porém... Agora não mais. Nunca mais.

– Já sei! – O loiro irrompe no ar com o indicador levantado. Já está virando um ritual, não é? Quantas vezes mais fará isto neste breve intervalo?

– O quê? – Rei pergunta. Está interessado, porém sabe que de Nagisa não se deve esperar uma solução mirabolante que atenda à real gravidade do cenário. De qualquer forma, Makoto agradece: uma ideia é melhor do que ideia alguma.

– Vamos falar com o Rin-chan! Ele deve saber como ajudar! – Exclama e, sem mentiras, sua proposta surpreende. Envolver Rin? Para quê? Ele era complicado com seus próprios relacionamentos, portanto, o que saberia dizer para ajudá-lo? E também...

Havia o ciúme.

Não era novidade, não é? O quão ciumento Makoto era com Haruka quando se tratava de Matsuoka. De tão antigo, o sentimento parecia até que nascera junto com o rapaz. Não nasceu. E não, não atrapalhava sua relação com Rin, porém... A ameaça estava lá. Sempre esteve. A ameaça de que Haru um dia acharia o ruivo mais empolgante, melhor confidente... E seria jogado para escanteio. Talvez estivesse sendo mesquinho ferindo a honra de Nanase pensando tão pouco dele, mas a insegurança... Ah, olha ela ali de novo. Seu grande problema; sua sina. Se não revelava ao amigo, ao melhor amigo, um sentimento de anos, a culpa recaía exclusivamente sobre aquele sentimento angustiante e inútil. Se Makoto fosse um pouco mais confiante...

No fim, eles ligaram mesmo para Rin. Ele parecia estar no meio de algo importante, uma voz embargada sussurrava atrás da linha e às vezes o nadador, sem mais nem menos, perdia o fôlego. Todavia, o que quer que estivesse fazendo, não era mais importante do que ajudar um amigo em apuros. Rin resmungou um pouco, porém cedeu. Quarenta e sete minutos depois ele estava ali, no sofá, ostentando sua típica feição carrancuda.

Para esta conversa, provavelmente tensa, Nagisa e Rei prefeririam deixar Makoto e ruivo sozinhos. Foi uma situação estranha, afinal... Eles eram amigos, mas... Sempre tiveram suas diferenças? Não tão declaradas quanto às de Haruka e Sousuke, por exemplo, mas já eram o suficiente para não deixá-los relaxados quando estavam sem mais ninguém por perto.

– Bem... – Matsuoka se levantou após terminar a segunda cerveja, seguindo para a porta. – Se não vai dizer nada, é melhor eu ir.

– Espera!

Ele para. Com uma sobrancelha levantada, observa o amigo. Makoto está nervoso, não faz ideia de como abordar um assunto tão delicado com Rin. De todas as pessoas para conversar, ele é a pior: pode explodir, ofender-se ou magoar-se com facilidade. Por tudo que é mais sagrado, Tachibana não quer nada disso:

– Você...

A hesitação do mais alto enfada o menor o suficiente. Independente de incentivos, ele o faz soltar de uma vez o que quer saber:

– Se existe algo que queria saber, pergunte! – Ele é ríspido, porém não é ruim. Este é o jeito de Rin e todos que o conhecem há anos – Makoto incluído – sabem que esta é sua maneira de apoiar; dar o peteleco que os outros geralmente precisavam.

– Você já gostou do Haru, certo? Quero dizer... – Pressiona os lábios, incapaz de continuar fitando-o bem nos olhos. O que é bom, pois Rin está terrivelmente encabulado. Seu rosto se tinge de carmim, equiparando-se aos fios da cabeça. – Gostar num sentido além da amizade.

O momento de silêncio estabelecido entre eles é muito maior do que o planejado. Makoto trinca os dentes, temeroso. Será que falou algo de errado? Ou teria sido ele muito absurdo? Não era verdade, não é? Rin realmente nutriu sentimentos por Haru de outra maneira no passado. Uma paixão platônica e facilmente perceptível por quem o observou com mais cuidado. Makoto o observou. Lógico, não? O ruivo era sua eterna ameaça e analisá-lo friamente, como um concorrente, não era mais que sua obrigação.

– Tsc... – Rin estala a língua no céu da boca e ri. Não dá para saber se realmente acha graça da situação ou se está irritado. Tachibana espera pelo momento da ira, do constrangimento, mas este nunca chega. Ele só não sabe definir se isto é bom ou ruim. Com a sua sorte, certamente a segunda opção. – Então é sobre isto que vamos falar? Sobre os seus sentimentos em relação ao Haru?

– Mas eu não perguntei dos m...

– Mas é óbvio, não? – Volta-se para o amigo, sustentando um misto de impaciência e incredulidade curioso. É tão fácil interpretar Rin, saber o que se passa por sua mente... Makoto queria que Haruka fosse assim: transparente. Muitos problemas não existiriam se o moreno fosse desse jeito. – Isto é sobre você, não eu. Mas você quer saber como eu me sentia, como ele se sentia, antes de tomar qualquer iniciativa.

O silêncio de Makoto significa consentimento. Rin sabe disto.

– É estranho você estar me perguntando isto, sabe? – O nadador gira nos calcanhares e volta a se jogar no sofá. É, aparentemente ele não vai embora tão cedo. Sousuke vai ter que esperar. Entendera, finalmente, o porquê da urgência de Nagisa na hora de chamá-lo. – Justamente você, Makoto... – Balança a cabeça de um lado para o outro, rindo de alguma piada que o mais alto não capta. Impressão sua ou está perdendo... Algo?

– Em se tratando do amor do Haru, você sempre foi meu maior rival.

– O-o quê?! – Tachibana arregala os olhos e engasga com o ar. É hilário, mas o momento não pede gracinhas.

– Você me ouviu. – Rin responde preguiçoso. Presunçoso.

Ele dá espaço para Makoto se recuperar, aproveitando para pegar mais uma cerveja. Seria melhor se ao fim daquela conversa eles ligassem para Yamazaki vir buscá-lo, não? Rin ao volante e embriagado poderia ser perigoso para ele e o país inteiro. Tinha certeza que seu namorado (Eram mesmo? Viviam brigando...) apreciaria se eles lhe fizessem esse favor.

– Tirando todo o espírito competitivo, que sempre foi mais meu do que dele, eu e Haru sempre nos demos bem, eu acho. – Começou, fingindo ler o rótulo da lata em mãos. Tsc, Rin... Todos sabem que você só está evitando Makoto para não ficar com o rosto queimando em vergonha. Assim como Nagisa, Rin jamais perderia sua inocência. Não, melhor: no caso dele trata-se da velha e pura timidez.

– Mas quando eu comecei a gostar dele, ainda no primário, não dava para... – Escolheu bem suas palavras e Makoto agradeceu. Os olhos verdes nunca deixavam Matsuoka: avaliavam-no com zelo, como se ele fosse um grande sábio que lhe daria todas as respostas para os mistérios do mundo. Seu mundo. – Bem, não dava para competir com você, que sempre esteve lá, ao lado dele, antes mesmo de eu chegar.

– Mas isso é sobre amizade. – Alegou confuso.

– Acredite... – O ruivo encarou-o, subitamente sério. Makoto sente um frio na espinha com aquele olhar vermelho e poderoso, incapaz de se mover. – Isto não é sobre amizade. Nunca foi. Não entre nós três.

Nunca foi.

As palavras ecoam bem no fundo da mente de Tachibana, que se sente perdido. Como assim nunca foi? Será que Rin não estava sendo um pouco exagerado? Queria dizer que sim, mas... Tinha suas dúvidas. Uma vez que não sabia a partir de quando a amizade por Haruka transformou-se em amor, não soube dizer. Era difícil admitir, mas... Talvez o outro estivesse certo; talvez sempre tenha sido amor.

– Mas não fazia diferença, sabe? Se eu o amava ou não, se nos divertíamos juntos ou não... Haru nunca foi comigo o que ele é com você. – Suspira com pesar, mas não há mágoa em seu olhar. Ainda bem. – Ele pode gostar de nós também, sei que gosta, mas é diferente. Por mais que nos conheçamos há tanto tempo, ele nunca se sentirá tão confortável conosco. Na verdade, eu duvido que ele se sinta com alguém que não você. – Dá de ombros, dando mais um gole em sua bebida. Quanto mais colocava para dentro, mais naturalidade vinha para fora. Se estivesse sóbrio, não conseguiria dizer nem um por cento daquilo.

– Mas isto é...

– Não é amizade. Não é só amizade.

– Nós nos conhecemos desde muito pequenos, Rin... – O mais alto lamenta, dando o braço a torcer e sentando-se ao lado de Matsuoka. Cansado, leva as mãos ao rosto e o esfrega. Será que podia dar um tempo daquilo? Estava o consumindo! Não aguentava mais!

– Ora, Makoto... – O menor revira os olhos, impaciente. Será que precisaria desenhar para fazê-lo entender? Aceitar? Era tão complicado assim? – Você o conhece, por favor! O conhece melhor do que ninguém! Haru é distraído e, de tanto encher a cabeça com água e mais água, acabou se esquecendo de priorizar o que é importante de verdade.

– O que você está querendo dizer? – A direção que Rin toma o confunde ainda mais. Matsuoka bufa, optando pela objetividade brusca:

– Que ele te ama, mas provavelmente não parou para pensar sobre isto ainda! E nem vai! Não sem estímulo! – Gira o corpo da direção do moreno, tocando sua testa com o indicador. - Não seja tão teimoso, caramba!

Mas Makoto não sente o toque de Rin. Nem isto, nem nada. Ele está estatelado, afinal... Esta é a primeira coisa em dias que parece fazer sentido. Todo o sentido. Sua boca pende aberta e, sem perceber, lágrimas ardem em seus olhos. Como ele não... Como ele não havia percebido? Sentiu-se até um pouco mal, pois ele, quem deveria saber mais de Haruka do que todo mundo, não entendeu algo que Rin, logo Rin, pescou sem dificuldade. Ah, mas é sempre mais fácil para quem vê de fora, não é?

– A mente do Haru é como uma caixa, Makoto. Não há outra forma de saber o que há lá dentro senão abrindo-a.

Abrindo-a.

Abra-a.

Por que não fez antes?

Por que foi tão idiota? E por que levou tanto tempo?

Se tivesse se dado conta antes, nenhuma das partes teria sofrido.

Xingou-se baixinho, mas também riu. Por ser um pateta, um estúpido. Nagisa tinha toda a razão. Até ele, ainda que instintivamente, sabia. Makoto, não. Como não, Makoto?! É do Haru que estamos falando, lembra? O Haru, seu Haru... Ninguém no mundo conhece-o como você! Nem mesmo sua mãe, seu pai ou sua falecida avó! Só você!

Só você.

– Eu... – Olha para Rin em pleno desespero e o ruivo apenas faz um gesto qualquer com a mão, dispensando-o. Sua consciência está limpa; sua alma, leve. Matsuoka está feliz por ter sido aquele quem abriu os olhos de Makoto. Finalmente. No futuro, eles o agradeceriam:

– Eu sei, eu sei. Você precisa ir. Eu falo com Nagisa e Rei.

Makoto não precisa de um segundo a mais: pega suas coisas e voa porta afora, assustando quem tromba com ele pelo caminho. De tão eufórico, sequer percebe que está chovendo. A frente fria ainda está sobre a cidade? Que maldição... Mas isto é bom, ao menos assim não encontra tanta gente para atrapalhá-lo. Consegue alguns arranhões de guarda-chuvas alheios, nada preocupante. Graças aos céus tem um condicionamento físico bom ou então teria morrido no meio do caminho, o que seria um desperdício:

– H-haru? E-estou em casa!

Chama-o assim que coloca os pés em casa, esbaforido. Apoia-se na parede mais próxima, permitindo-se fechar os olhos e respirar. Respirar fundo. Não pelo cansaço, pelo esforço. E sim pelo que virá a seguir.

Ou não.

Haru não está em casa e o silêncio, o escuro, funciona como uma quebra. Semelhante às consecutivas quebras de silêncio de Nagisa, porém infinitamente mais amarga. Rindo da própria sorte, Makoto fecha os olhos de novo. Dá para acreditar numa coisa dessas? Ele correu e correu e quase morreu... Para ele não estar ali.

Que azar, não?

Sem opções, esperou pelo moreno. Ele voltaria uma hora, não voltaria? Estava tarde, mas Nanase não fazia o tipo que passava as noites na rua. Para não ficar aguardando-o como bobo, livrou-se da roupa ensopada e secou o carpete, não resistindo à vontade de olhar o relógio de cinco em cinco minutos e perguntar-se quando o outro estaria de volta.

Numa dessas, acabou encontrando um de seus livros na mesa de centro. Intrigou-se, afinal... Desde quando Haru tomara gosto por mitologia grega? Era... Peculiar. Por que ir tão longe se no próprio Japão, ali tão perto, já tinham uma cultura rica em lendas e criaturas místicas? Makoto não via muito sentido nisso.

Mas não questionou. Não quando, enxerido, abriu-o na página que o outro lia. Coincidência ou não, o mito marcado tirou-lhe o fôlego. Como podia ser... Tão certo? Estariam os céus, ou quem sabe o destino, lhe dando uma prova de que tudo andava para o caminho esperado? Deveria ficar feliz? Podia confiar isto à serendipidade?

– A Caixa de Pandora?

Sim, a Caixa de Pandora. À sua própria maneira, era com ela que Haruka se identificava. Com a primeira mulher, aquela que ficou responsável por uma caixa que continha todos os males do mundo e, num surto de curiosidade, abriu-a. No entanto, assustada com o que saiu de lá, fechou-a de novo antes mesmo de deixar o mais importante escapar: a esperança.

A mente do Haru é como uma caixa, Makoto. Não há outra forma de saber o que há lá dentro senão abrindo-a.”

A Caixa de Pandora era uma metáfora.

E também era a ilustração perfeita para a mente misteriosa de Haruka.

Abra-a.

– Você é como Pandora, Haru? – Sussurrou para o nada, sua voz embargada pela emoção.

– Acho que sim.

Nenhum dos dois esperava uma resposta, mas... Ah! Que oportuno! Se antes tinha suas dúvidas sobre o destino intervindo por eles, não tinha mais. Um arrepio gostoso subiu por seu corpo e, de costas para o moreno, Makoto sorriu. Finalmente um sorriso genuíno, não um cheio de dor e mil emoções escondidas.

– Ou talvez eu seja como a caixa.

Abra-a.

Para quê perdeu tanto tempo secando o chão? Assim como ele minutos antes, Haru também estava ensopado. Dos pés à cabeça e ainda pior que Tachibana quando chegou. Aliás, podia jurar que o menor tomou um banho de propósito, afinal... Água era água, não? Não importa em qual forma, nunca a recusava.

– Então acho que eu é que sou a Pandora.

Uma dúvida ínfima acende nos olhos azuis de Haruka, mas ele não tem muito tempo para refletir sobre as palavras do amigo. Elas se tornam autoexplicativas quando, de súbito, Makoto some com a distância entre eles e sua mão vem para sua cintura e o puxa para perto. Em meio a um ofego de surpresa, ele tem sua boca atacada.

O beijo é viciante como ele imaginou que seria.

Não existe resistência por nenhuma das partes. Os lábios se colam, as línguas se enrolam e de novo as roupas se molham. E se perdem pelo meio do caminho. No chão, no sofá, na mesa. Onde quer que seja. O trabalho de Makoto foi em vão, porém sua recompensa foi muito melhor. Incomparável.

– Makoto... – Geme entre uma carícia e outra, incerto sobre o que está acontecendo. Não era isto que sempre quis? Não sabe dizer ao certo, tais pensamentos nunca o dominaram tão vividamente, mas... Talvez. A caixa de sua mente recém fora aberta, portanto não teve muito tempo para compreender o que havia ali dentro, guardado em sua alma. De uma coisa, porém, ele tem certeza: Makoto era sua esperança.

– Sim, Haru?

– Por que demorou tanto?

Abra-a.

E quem disse que Pandora não abriu?

Haruka significa distante, mas também significa seu.

Seu.

Finalmente.


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Notas finais do capítulo

As poucas informações sobre o espaço-tempo e a conclusão são propositais. Desde o início era para a história ser mais uma reflexão introspectiva que um romance em si. Sabe-se, porém, que a história se passa no pós-epílogo do anime e que as personagens já são jovens-adultas na casa dos vinte e poucos anos. Espero que tenha aproveitado, Palloma, e quem mais leu. Hehe.



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