Cabo de Guerra escrita por M4r1-ch4n


Capítulo 1
Capítulo 1




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/65755/chapter/1

          O ventilador girava lentamente na sua posição pouco abaixo do teto, servindo mais como mero artefato decorativo do que para aliviar o calor do cômodo em questão. O dono do ambiente, no entanto, não prestava muita atenção em detalhes externos à sua tarefa como aqueles; seus olhos escuros e perspicazes corriam com rapidez as linhas longas e cheias de informações técnicas, datas e locais, dados que ele já havia lido e relido em mais ocasiões do que ele se podia recordar, mas relembrar todos aqueles fatos era necessário naquele momento.
          Ele ouviu os passos ritmados do lado de fora, anunciando a chegada de pelo menos três pessoas pelo barulho. Erguendo a cabeça para fitar a porta de entrada da sua sala, as venezianas das janelas completamente fechadas e isolando seu ambiente de trabalho, ele já estava esperando as batidas respeitosas que se fizeram ouvir contra a madeira; pronunciando uma ordem afirmativa, ele observou praticamente sem se mexer enquanto dois oficiais entravam na sala, depositando um terceiro indivíduo em uma das cadeiras de frente para a sua mesa e fazendo menção de algemá-lo, mas aquela atitude, porém, foi impedida com um breve gesto da sua mão direita, erguendo-a espalmada no ar na direção dos policiais. Os dois homens hesitaram por um momento, trocando um olhar nervoso antes de fazerem uma reverência profunda, retirando-se dali e fechando a porta.
          Os passos sumiram do lado de fora, o único ruído que chegava à sala sendo o do barulho normal das atividades realizadas pelo prédio da Polícia Metropolitana de Tokyo, o lento girar do ventilador na sala do Superintendente Chefe do Departamento de Crime Organizado e o salto das botas do recém-chegado, indo de encontro ao piso com um intervalo de aproximadamente três segundos, tempo mais do que suficiente para que um sorriso quase arrogante surgisse no seu rosto.
          - Finalmente nos encontramos cara a cara, Tanaka-san.
          - Hm-hmmm.
          Uma pausa, seguida de um olhar calculado.
          - Ou prefere que eu o chame de Hakuei?
          - Como preferir, Sakurai-san. - a réplica deixou os lábios adornados por um piercing prateado de forma jocosa, quase chegando ao desdém que se limitou a ficar somente nos olhos cobertos por lentes azuis, a expressão de diversão não sumindo nem por um segundo do rosto do moreno; era quase como se aquela não fosse a sala de Sakurai Atsushi, Superintendente Chefe de um dos departamentos mais recentes da Polícia de Tokyo e, sob o seu comando, um dos mais eficientes também. Não era por outro motivo que Tanaka Hirohide, mais conhecido de certos segmentos da população e dos policiais como Hakuei, estava sentado ali, finalmente tendo sido capturado depois de anos de investigações sigilosas e um plano de interceptação que havia sido bem-sucedido e orquestrado pelo moreno alto e sério que ocupava a cadeira de destaque daquela saleta.
          - Sua ficha é impressionante, Hakuei-san. - a voz grave mas sem qualquer emoção que veio do policial não deixava dúvidas a respeito do quão pouco impressionado ele realmente estava; ele havia, afinal, estudado todas aquelas informações que cobriam as páginas que ele virava uma atrás da outra com dedicação - Poucas pessoas chegam aos quarenta anos com tantas... Conquistas.
          - Não se rebaixe tanto, Sakurai-san. - o barulho do salto parou conforme Hakuei mudou de posição, plantando os dois pés firmemente contra o piso e projetando o corpo ligeiramente para a frente, apoiando as mãos nos joelhos e ainda mantendo o sorriso na cara, uma mecha de cabelo escuro com fios tingidos de loiro encobrindo parcialmente um lado do seu rosto - São poucos os policiais de rua que chegam a um cargo como o seu antes dos sessenta anos, também. Você fez tudo isso em o quê? Metade do tempo normal?
          Atsushi deixou seu corpo repousar contra a cadeira estofada, as mãos apenas cruzadas sobre o documento que ele havia parado de folhear. Uma sobrancelha se arqueou delicadamente, mas nada além disso transpareceu no rosto do oficial antes dele falar:
          - Está bem informado.
          - Mochiron. - o outro homem replicou, divertido, tamborilando com os dedos sobre a superfície da mesa antes de se encostar na cadeira ligeiramente desconfortável que ocupava, cruzando os braços nus e tatuados na frente do seu torso, uma perna se dobrando para se apoiar na outra - Eu faço questão de saber de tudo dos meus inimigos.
          Um pequeno sorriso apareceu nos lábios do oficial então, repuxando o canto esquerdo da sua boca para cima por alguns momentos antes de sumir por completo, sendo a vez do policial se inclinar para frente e apoiar o queixo sobre os dedos das mãos que ele havia entrelaçado, observando o moreno de mechas descoloridas, inúmeras tatuagens e sorriso desafiador.
          - Aparentemente, você não cumpriu tão bem essa função ultimamente, senão não estaria aqui. - Atsushi se mexeu, apanhando uma folha solitária que estivera em um outro canto da mesa e procurando por uma informação específica, sorrindo minimamente ao encontrá-la - Apreendemos cocaína e ecstasy naquela mala lustrosa que você carregava ontem. Estou desapontado. - ele acrescentou, colocando o auto de flagrante realizado pelos policiais de lado, observando Hakuei com um olhar penetrante - Você conseguiu esconder a heroína em algum lugar da sua casa que ainda não encontramos.
          O traficante riu abertamente então, jogando a cabeça para trás e sacudindo as mechas longas que caíam pela frente do seu corpo, a nova posição que ele havia adotado exibindo algumas das tatuagens no seu pescoço que haviam ficado encobertas até então. Atsushi simplesmente esperou, seu rosto calmo e impassivo como estivera desde o início, suas mãos eliminando rugas imaginárias da camisa azul-celeste que ele usava por baixo da gravata azul-marinho, as insígnias do seu posto brilhando sobre o tecido claro logo abaixo de onde seu nome se encontrava bordado com destaque.
          - Você já tinha preparado um mandado de busca e apreensão para a minha casa? Vocês realmente estavam confiantes. - Hakuei falou quando finalmente havia controlado a risada, sua voz ainda sim contendo resquícios da sua gargalhada de momentos antes e um sorriso largo no rosto, inclinando-se para frente e apoiando um cotovelo sobre a mesa, erguendo a cabeça com a ponta dos dedos - Sakurai-san, ouvi tanto de você durante esses anos... Esperava mais.
          - Ouviu? - foi tudo que o outro se limitou a dizer, observando o outro moreno da sua posição contra a cadeira imponente enquanto cruzava os braços e erguia uma sobrancelha.
          - Aa, claro. Ouvi muito a respeito da sua competência e do seu rigor, mas tenho que admitir que você é muito mais bonito ao vivo, Sakurai-san. As fotos não lhe fazem justiça. - a curva nos lábios de Hakuei assumiu uma natureza completamente diferente naquele instante, a malícia aparente ali alcançando os olhos temporariamente azuis - E também escutei algumas coisas sobre a sua inteligência, de forma que muito me admira você honestamente ter cogitado que encontraria qualquer coisa na minha casa.
          - Isso seria uma confissão de que existem coisas a serem apreendidas em outros locais então, Hakuei-san? - o policial inquiriu em uma voz falsamente suave, suas palavras certeiras e afiadas como navalha. Um breve embate de olhares se seguiu antes que o traficante piscasse, deixando o corpo cair para trás com estrépito e sacudindo a cabeça negativamente.
          - Perguntas retóricas agora? Ora ora, Atsushi... - ele de repente reduziu a sua voz a um sussurro, o sorriso diminuindo até restar quase imperceptível na sua boca de lábios carnudos e brilhantes por obra de maquiagem ou iluminação, os dedos pintados de preto batendo contra a pele exposta e tatuada dos seus braços quando ele os cruzou - Não zombe do meu intelecto nem do seu. Gostaria muito de continuar acreditando que eu... - ele fez uma pausa, empurrando a cadeira para trás com a força do corpo e causando um ruído irritantemente agudo e alto por alguns segundos, erguendo uma das pernas envoltas em um jeans claro e cheio de buracos para descansar na ponta da mesa do oficial, o solado levemente empoeirado da sua bota preta provavelmente sujando alguns memorandos sobre os quais ele havia se apoiado - ...Fui pego por um oficial inteligente e hábil quando todos os outros falharam.
          O olhar do Superintendente Chefe caiu sobre o sapato escuro em segundos, saindo dali para o rosto sorridente do traficante:
          - Hakuei.
          - Sim? - ele inquiriu, despreocupado, colocando a perna restante para cima e cruzando as duas, equilibrando o corpo de forma a ficar balançando a cadeira que ele ocupava para frente e para trás, deixando absolutamente fácil para Atsushi simplesmente empurrá-lo pelos pés se desejasse derrubá-lo para o chão.
          - Você não tem idéia do que está para acontecer com você, tem? - a pergunta foi feita conforme o policial espalmou as duas mãos contra a sua mesa, impulsionando-se para cima e se levantando da sua cadeira que girou ligeiramente sobre o próprio eixo ao se ver livre do peso do moreno, sua nova posição suficiente para que o criminoso conseguisse avistar a calça social da mesma cor da gravata e com vincos perfeitos, o estado da roupa do chefe daquele departamento absolutamente imaculado. Atsushi deu um passo para o lado e depois outro, seus sapatos lustrosos quase não fazendo ruído conforme ele caminhava, rodeando a mesa com as mãos para trás, os punhos da sua camisa abertos e dobrados na altura do cotovelo, exibindo os antebraços torneados na academia de polícia e o bonito relógio suíço no pulso esquerdo.
          - Hmm, vejamos. Alguns processos criminais, condenação, umas férias na cadeia enquanto alguém ocupa meu lugar e continua enriquecendo minha conta bancária da mesma maneira... É uma visão suficientemente realista para você, Sakurai-san?
          Hakuei lançou a pergunta enquanto examinava a mão esquerda, observando o estado do seu esmalte antes de deixar seus dedos caírem para encontrar a ponta do seu cinto, brincado despreocupadamente com aquela extensão do utensílio que ele não havia passado pelos quadris como ditava a regra. Os passos suaves do oficial ainda eram ouvidos, o número deles já tendo sido suficiente para chegar até a porta e voltar para a sua mesa, de forma que o mais velho provavelmente andava em círculos ou de um lado para o outro naquela sala relativamente ampla se comparada às outras do prédio, completamente isolada do mundo exterior pelas venezianas.
          De repente, porém, a expressão do criminoso passou a refletir o puro espanto que ele sentiu ao ter sua cadeira puxada para trás, seus pés escorregando da madeira para caírem no chão e depois ter seu corpo totalmente empurrado para a frente, as mãos firmes de Atsushi separando Hakuei do seu assento e colocando-o dolorosamente contra a mesa. Ele foi preso ali com uma certa força e, apesar dos centímetros a mais que o mais novo possuía em termos de vantagem de altura, a voz do policial chegou exatamente no seu ouvido, sedutora e fascinante como o efeito da luz sobre um punhal antes que ele se afundasse na carne de alguém:
          - Você vai ser morto, Hakuei. - ele sorriu, a curva dos seus lábios não sendo percebida ou sentida pelo traficante, mas certamente o seu tom não escondia o deleite pessoal do oficial graduado com a idéia. O chefe do departamento deu mais um passo para frente, colocando seu corpo rente às costas do mais novo e forçando mais uma colisão entre eles, com a diferença de que o contato do moreno com a sua mesa seria certamente mais dolorido - Alguém como você tem mais tentáculos do que se imagina, então mesmo prendê-lo não seria suficiente. Você precisa ser eliminado. - apesar do assunto, a voz de Atsushi continuava suave, o ar quente que saía da sua boca criando arrepios pela espinha do homem tatuado que também poderiam ser originários das ameaças - Antes que acabe o espaço no seu corpo para tatuar as suas conquistas e grandes negócios fechados.
          A surpresa que havia dominado o visitante da sala já havia se esvaído por completo, um sorriso voltando a curvar seus lábios para cima assim que as últimas palavras do policial chegaram até ele, sua risada curta e genuína cortando o silêncio pesado no qual o ambiente havia sido imerso. Hakuei manteve sua boca repuxada para cima naquele sinal clássico de divertimento, permitindo que seu corpo fosse para trás de forma que sua cabeça terminou por se apoiar no ombro protegido pelo uniforme policial do moreno mais velho, um barulho que lembrava o ronronar de um gato escapando da sua garganta:
          - Ah, Atsushi... Não sabia que você conhecia o meu corpo tão bem assim. - ele encontrou o olhar do outro homem com o seu, girando levemente a cabeça para se adaptar aos desafios que tal tarefa exigia dele naquele ângulo, íris artificialmente coloridas encontrando outras naturais que brilhavam com uma intensidade peculiar - Mas ainda há muito espaço aqui... - ele parou de falar, pegando uma das mãos do policial e colocando sobre o próprio peito, comandando os dedos do mais velho a desabotoarem os únicos dois botões feitos da sua camisa azul escura que era recoberta por um casaco também sem mangas que estivera escancarado desde sempre, deslizando a palma do oficial contra a sua pele pelos locais que ele sabia estarem livres de desenhos coloridos.
          O oficial podia sentir o calor que emanava daquele corpo com as pontas dos dedos, mas rapidamente removeu a sua mão, sincronizando-a com a outra de forma a afundar suas unhas curtas nos braços nus do outro e girando-o por cento e oitenta graus de um jeito forçoso, batendo-o novamente contra a mesa até que ele caísse sentado sobre o tampo do seu local de trabalho principal. Ele usou cada uma das suas mãos para encontrarem as do traficante, prendendo-as sobre o objeto com força conforme ele abriu espaço entre as pernas cobertas pelo jeans justo, seus olhos tão intensos que seriam capazes de abrir buracos no rosto do moreno mais novo.
          - Não me tente a machucá-lo antes do tempo necessário, Hakuei. - ele falou baixo, cada sílaba bem enunciada pelos seus lábios que agora assumiam o formato de uma curva quase cruel, o rosto sempre sério do chefe daquele departamento mostrando mais emoções ali dentro com aquele homem do que seus subordinados haviam visto em meses - Não tente fingir que ainda tem algum controle sobre isso.
          - Controle. Você acha que isso é a respeito de controle? - Hakuei riu curto e baixo, balançando a cabeça e parando quando aquele movimento havia voltado a fazer um dos seus olhos ficar encoberto pelos fios de cabelo caprichosamente cortados - A autoridade que você possui não tem tanto valor assim lá fora, Atsushi. Você pode me matar... Mas vai surgir alguém para tomar o meu lugar e as coisas vão continuar como sempre. Eu sou substituível. Você... - dada a nova posição que ocupava e sem a vantagem dos saltos, o traficante havia ficado mais baixo que seu algoz, precisando erguer o rosto de forma quase petulante para continuar falando e olhando Atsushi nos olhos - Também é substituível, meu caro. Uma pena, considerando a matéria-prima de qualidade... Mas é a verdade.
          - Você está insinuando alguma coisa, Hakuei? - a pergunta veio cálida contra o rosto do mais novo, tamanha a proximidade dos rostos de ambos naquela conversa tão perigosa. Os olhos negros do policial estavam acirrados e exibindo uma ferocidade que ficava ainda mais em destaque pelo jeito que seu cabelo lustroso e escuro era cortado, emoldurando o rosto e ressaltando suas íris vivazes. Ele soltou uma das mãos de Hakuei, subindo pelo peito do outro com as suas unhas aparadas e causando leves arranhões vermelhos na pele branca, chegando por fim ao rosto que ele agarrou de forma rude pelo queixo - Você já está nas minhas mãos e não tem nada que você possa fazer para me atingir em represália.
          - Ah. - ele comentou apenas, fingindo compreender alguma coisa mas tal noção era desmentida rapidamente pelo sorriso que ele ainda tinha no rosto. Sua mão livre se moveu então, pousando no ombro protegido pela camisa azul-clara e subindo por ali, encostando de leve no pescoço do outro onde seus dedos ameaçaram se fechar, mas a pressão não era suficiente para tanto. Os dígitos do traficante continuaram escalando, chegando ao cabelo e parando por ali - Eu não posso fazer nada, mas não pense que eliminar um chefe do tráfico não tem conseqüências. Talvez você, protegido por tudo isso aqui... - ele fez uma pausa e girou a cabeça, indicando as instalações da polícia de uma forma geral - Esteja a salvo, mas o que dizer da doce e inocente Sakurai Kaori, professora de artes plásticas na Universidade de Tokyo e com casamento marcado para daqui dois meses, hmm?
          Um gemido de dor deixou a garganta do mais novo conforme ele foi simplesmente jogado contra a mesa, suas costas batendo contra madeira, papel e objetos como cinzeiro, canetas e pranchetas. Com uma agilidade que talvez não se esperasse de alguém que se aproximava diariamente dos quarenta e cinco anos, o policial subiu no seu local de trabalho, apoiando os joelhos ao lado do corpo do criminoso e segurando seus punhos com as mãos sem qualquer cuidado, mas ainda sim prestando atenção para não deixar nenhum tipo de lesão que pudesse ser detectada posteriormente num exame de corpo de delito. Íris artificialmente azuis demoraram algum tempo para se focarem em Atsushi, seu rosto próximo e seus olhos queimando.
          - Nem você nem ninguém vão encostar um dedo na Kaori.
          - Eu honestamente prefiro o irmão mais velho dela... - foi a primeira coisa que Hakuei conseguiu articular, tossindo duas vezes e sentindo suas costas protestarem ainda, o formato de um cinzeiro redondo perfeitamente perceptível pelos seus músculos dorsais doloridos. Ele se recuperou com alguma rapidez, travando os pés contra a madeira da mesa e impulsionando seu corpo para cima, roçando contra o do moreno mais velho enquanto seu sorriso costumeiro voltava para a sua face atraente, a curva nos lábios adornados contendo doses iguais de diversão e malícia - Mas não tem nada que eu possa fazer se você terminar com a minha vida e entristecer meus subordinados muito leais que, curiosamente, conhecem alguns pontos fracos seus. Ou você acha que as fotos que eu tenho de você são para meus momentos de solidão, Atsushi?
          - Então a solução é muito simples. - a frieza e a calma com a qual essas palavras saíram da boca do oficial era de gelar o sangue de qualquer um, mas Hakuei não era exatamente qualquer um. Um sorriso perigoso surgiu na boca do mais velho, que uniu os dois braços do criminoso logo acima da sua cabeça de maneira a conseguir segurar ambos com uma só mão, usando os dedos que ele havia libertado para desfazer o nó da sua gravata e puxar o pedaço de tecido para longe, retirando o acessório em definitivo e quase se deitando por cima do moreno mais novo para amarrar os punhos dele com o item de seda. Ele se endireitou quando seu trabalho estava completo, descendo as mãos pelo tórax completamente exposto do outro apenas para subir novamente, usando as unhas para criar lesões vermelhas tão leves que sumiram logo depois - Basta que eu torture você o suficiente... - ele desceu a cabeça, o cabelo negro caindo para frente e criando duas pequenas cortinas que escondiam a expressão de divertimento sombrio do seu rosto de qualquer olhar indesejado, ainda que as venezianas estivessem completamente fechadas - Para me satisfazer.
          O sorriso de triunfo e compreensão no rosto de Hakuei foi quebrado pelo contato quase animalesco entre os dois homens, a boca de Atsushi usando de violência e persuasão para partir lábios que não precisaram de tanto incentivo para permitirem o acesso à parte interna. O criminoso ergueu os braços atados, os movimentos restritos que ele possuía suficientes, porém, para pressionar a cabeça do oficial para baixo, forçando ainda mais aquele embate delicioso. Os dígitos do oficial seguravam a cabeça do traficante, embrenhando-se nas mechas bicolores e puxando de forma a causar a dor no seu primeiro estágio, aquele leve incômodo que acabava contribuindo para a intensificação do prazer sentido pelas outras regiões do corpo.
          O policial mudou de posição, deixando seu peso cair sobre o corpo do outro e praticamente se sentando sobre os quadris do outro, quebrando o beijo inesperadamente e fazendo com que o mais novo demonstrasse uma expressão de desapontamento que sumiu quase que imediatamente do seu rosto ao perceber os sutis movimentos do oficial sobre o seu corpo. Ele inspirou e expirou pesadamente, contorcendo os lábios em um sorriso conforme jogava os braços atados para trás, deixando-os cair pela outra extremidade da mesa e expondo ainda mais o peito nu e livre dos botões que estiveram mantendo sua camisa fechada de forma precária até minutos atrás.
          - Eu diria que temos um grande masoquista aqui, Hakuei.
          - Está cometendo um grave engano ao assumir isso, Sakurai-san.
          - Oh? - ele se limitou a formar um pequeno círculo com os lábios, emitindo a exclamação de surpresa com um escárnio evidente no rosto. Ele parou de se mover, apoiando novamente os joelhos sobre a mesa e descendo o corpo fardado até bem próximo do outro, quase dividindo o mesmo ar devido à proximidade das bocas - Toda a evidência aponta exatamente para isso. - um sorriso iluminou seu rosto de uma forma perigosa, uma das suas mãos novamente descendo pela sua pele exposta e causando pressão suficiente para arranhar e nada mais do que isso, sentindo um prazer indefinível ao ver a pequena careta no rosto do outro que teve seu tórax marcado de maneira sutil.
          - A investigação ainda não terminou. - o outro replicou, batendo uma das pernas contra a madeira e produzindo um som ritmado conforme seu salto ia e voltava contra a mesa, o barulho em compasso com o ventilador lento no teto - Como é que vocês falam...? Ah! O "conjunto probatório" ainda não está completo. - ele riu, focando os olhos coloridos que tinham quase a mesma tonalidade da camisa do Superintendente Chefe no próprio - Não tome decisões antes de conhecer todos os fatos.
          Mal Hakuei havia dito aquelas palavras e alguém parou do lado de fora, batendo respeitosamente à porta por três vezes. O moreno mais velho piscou, virando a cabeça na direção do ruído e não se preocupando em sair de cima do outro, sua mão apenas caminhando cegamente pelo corpo do outro e tampando a boca do traficante enquanto ele estreitava os olhos e tentava imaginar quem havia decidido lhe atrapalhar no meio de uma entrevista com o homem mais procurado do seu departamento.
          - Sim?
          - Sakurai-san, ordem de habeas corpus para Tanaka-san. - veio a voz de um dos funcionários do local, a nota de perplexidade na voz dele se refletindo no rosto do seu superior hierárquico ainda que o criminoso não conseguisse vislumbrar tal fato - Acabou de chegar.
          - Me dê dois minutos e já vejo isso com você, Yamada-san. - a dispensa implícita do homem foi entendida pelo oficial menos graduado, que murmurou um cumprimento qualquer e se afastou da porta, seus passos sumindo no corredor e deixando que o silêncio da sala fosse quebrado apenas pelo lento girar do ventilador acima das cabeças dos dois únicos ocupantes do escritório. Ainda virado na direção da saída da saleta, Atsushi podia ouvir o sorriso largo e satisfeito que sem dúvidas estaria no rosto do seu prisioneiro temporário que acabava de ser posto em liberdade pelas autoridades judiciárias. E aquilo não fazia o menor sentido, dado o trabalho de muitos meses que havia sido necessário para conseguir um flagrante e colocar Hakuei atrás das barras de ferro de uma cela na delegacia, especialmente em um país que vivia sofrendo críticas de organizações de direitos humanos por restringir a aplicação de um instrumento tão caro à sociedade internacional para a proteção da liberdade de locomoção.
          E, mesmo com todos esses possíveis reveses, Tanaka Hirohide havia conseguido um habeas corpus.
          O Superintendente Chefe se mexeu então, descendo da mesa com um movimento único e elegante. O criminoso permaneceu deitado sobre a mesa enquanto Atsushi deu a volta na mobília, sentando-se na sua cadeira imponente e recuperando a gravata de onde ela se encontrava cumprindo a função de um par de algemas improvisado, colocando-a novamente ao redor do pescoço e fazendo o nó com a rapidez que só a habitualidade dava a alguém. Hakuei se sentou depois de algum tempo, ficando de costas para o policial enquanto ele se espreguiçava e parecia fechar os botões da sua camisa pelo movimento dos seus braços, apoiando as mãos para trás e sobre os papéis que exibiam sua extensa ficha criminal antes de virar o rosto em pouco mais que noventa graus, encarando o moreno mais velho com apenas um dos olhos naquela posição e um sorriso irritante na boca.
          - Se eu fosse apenas masoquista, Atsushi... Eu estaria contente em me submeter às suas punições. - ele alargou a curva perigosa nos lábios que era acompanhada de um brilho intenso no seu olhar, a expressão do oficial dura e sem trair nenhuma emoção ou pensamento - Mas eu também gosto de torturar um pouco e, para isso, a liberdade é necessária.
          O traficante saiu de cima da mesa devagar, colocando primeiro um pé no chão e depois o outro, lentamente desfazendo as rugas na roupa e ajeitando-se para sair dali, penteando o cabelo descolorido com os dedos longos ainda livres de tatuagens, uma mecha caindo sobre um de seus olhos e o escondendo tal qual o tapa-olho que ele se caracterizava por utilizar em determinadas aparições públicas. Ele ficou de pé, mãos para trás nas costas como se esperasse as algemas que logo vieram de uma gaveta do oficial, prendendo os pulsos do mais novo quando Atsushi se levantou do seu lugar e o conduziu de forma ligeiramente brusca na direção da porta, parando na frente dela antes de abri-la e chamar algum funcionário para escoltar Hakuei de volta ao cárcere temporário que lhe abrigava.
          - Não pense que as coisas lá fora estão como eram antes, Hakuei. - a voz do oficial era baixa e afiada como uma lâmina, causando arrepios como o gelado de qualquer arma cortante fazia em contato com a pele - Você pode até sair daqui, mas eu vou pegar você de novo, quantas vezes forem necessárias.
          - Eu não esperaria nada diferente de você, Atsushi. - ele replicou, curvando os lábios em um sorriso - Mas no mundo lá fora, são as minhas regras e não as suas que imperam. Lembre-se disso.
          - Você é quem faria bem em se lembrar que isto é apenas o começo.
          O mais novo riu, o som breve e divertido sem demonstrar o mínimo receio ou medo. A porta se abriu, alguns funcionários do local erguendo a cabeça a fim de observar aquele que haviam buscado por tanto tempo e que agora, injustamente, era libertado pelas autoridades competentes. Ante o modo como foram encarados pelo seu superior, porém, os outros oficiais baixaram os rostos e voltaram a trabalhar, fazendo o criminoso esboçar um leve sorriso diante da pequena exibição do poder e do controle que Atsushi detinha.
          - Acho que é a primeira vez que concordamos em algo. - ele comentou enquanto era levado pelo Superintendente Chefe pelo andar, um policial em uniforme idêntico ao do moreno que caminhava atrás de si vindo na direção deles com a ordem de habeas corpus nas mãos e uma expressão preocupada no rosto. Sem qualquer outro sussurro ou troca de olhares, Hakuei passou para os cuidados do policial recém-chegado, o papel sendo entregue imediatamente ao moreno mais velho que retornou ao seu escritório, fechando a porta atrás de si e permitindo-se descansar contra aquela superfície de madeira. Ele sabia que o traficante também tinha a perfeita ciência de que ambos haviam entrado em um jogo cujas regras não permitiam um empate.
          O único problema era que nenhum dos jogadores iria aceitar a derrota.



Continua...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Cabo de Guerra" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.