Até no mais fundo de seu consciente, Hyakuya Yuuichirou poderia ouvir a voz de seu amigo, alto e claro, podia se lembrar com clareza de cada momento que viveram desde que havia chegado ao orfanato, não precisava sequer de seu demônio para atormentá-lo, ele poderia se apunhalar sozinho.

Lembrava de quando o loiro chegava na pequena casa, dentro da cidade subterrânea vampírica, apesar de todas as crianças correndo para seu irmão mais velho, Mika sempre ia de encontro para ele, seu sorriso era o mais angelical que poderia haver, Mika em si era angelical, tudo que o loiro falava parecia tão doce.
Apesar de saber, apesar de desconfiar de que toda aquela felicidade não era totalmente real. Quem poderia realmente ser feliz, vivendo sobre opressão de seres desprezíveis, que se acham melhores que Deus e o mundo?

Tinha gigante vontade de espancar-se por ter sido tão idiota. Se fosse mais insistente com o loiro, se fosse mais compreensível, se tivesse sido menos egoísta...
Não, apesar do modo como agiam, serem diferentes, sabia muito bem que tudo aconteceria da mesma forma, Yuu iria continuar com seu sonho de acabar com todos os vampiros, apenas iriam brigar mais e mais e Mika iria seguir seu plano sozinho. Como fez antes, estando sempre à frente de Yuu, sempre pensando em como ele e seus irmãos se sentiam. Ele era tão gentil.

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O pássaro se remexia, dificultando um pouco o curativo que Akane fazia. Yuu havia chegado com o pequeno pássaro na mão, havia dito que um grupo de crianças estavam atirando pedras nos pequenos animais, era uma explicação pela aparência de que havia levado pedradas na cabeça. Alguns cortes ali. Um galo acolá.
As crianças ficaram felizes com o pequeno animal, apesar de não terem condições de mantê-lo, poderiam deixar o pequenino até que se recuperasse, para voltar para a superfície. Coisa que muitos, ou melhor, todos tinham inveja.

O pombo sempre poderia abrir suas asas e voar, quantas vezes sua família não desejou a mesma coisa? Ter uma vida livre, sem se preocupar com vampiros roubando descaradamente seus sangues, quase os açoitando por coisa míseras, como esbarrar em algum deles, ou até mesmo por não saírem do caminho e abaixarem as cabeças.
Pensar coisas assim, apenas fazia com que o garoto de olhos verdes os odiasse mais e desejasse mais ver cada um virando cinzas, assim como contado nos livros históricos.

─ O que eu perdi? – Perguntou o loiro, entrando na casa, o mesmo havia simplesmente desaparecido, ninguém fazia a menor ideia sobre qualquer lugar onde Mika pudesse estar. Pensou em brigar com ele, mas uma das crianças correu para o mesmo, o abraçando, contando sobre o pássaro que Yuu havia bravamente salvo.
Coisa que fez Mika sorrir. Um sorriso que fez com que toda raiva momentânea sumir de seu peito, deixando um espaço agradável, eram coisas como essa que o fazia agir de forma tão... Diferente.

Não entendia a razão de sempre se sentir tão frágil perto do loiro, não gostava da fragilidade, então apenas insistia em fingir que não estava lá, agia de forma mais rude que podia, tudo para impedir que o loiro ou qualquer outra pessoa ouvisse o som de seu coração batendo tão forte.

─ Entendo... Bom trabalho, Yuu-chan. – Sorriu um pouco mais, deixando seu rosto tão... Fofo... Não podia negar, Mika era com certeza a pessoa mais fofa que havia encontrado na vida, apesar de estranho as vezes. O moreno apenas virou o rosto, dizendo um “Tanto faz”, tentando esconder o pouco da vermelhidão que cobria suas bochechas.

Akane sorriu gentilmente, tomando a frente da conversa, dizendo coisas como um “jantar especial” para comemorar a boa ação de Yuu, o que o deixou apenas mais desconfortável, claro, discordando com tudo. O que como de costume, foi ignorado.

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Os dias foram se passando, o pássaro havia ficado forte e saudável novamente, Yuu e sua família o soltou, vendo o gracioso bater de asas, rumo ao mundo exterior.
Algumas crianças perguntaram se algum dia também poderiam voltar, Yuu por sua vez, apenas afirmou que iria acabar com todos os vampiros, era tudo o que lhe interessava no momento. Não muito diferente de sua situação atual.

Não havia muito o que se fazer, a não ser voltar para casa, já estava próximo ao toque de recolher, seria mais inteligente não comprar uma briga a qual ninguém iria vencer, por mais que Yuu dissesse que não se importava, como de costume, a maioria sempre vence.
Akane guiava a todos para a pequena casa, as crianças brincavam umas com as outras, algumas vezes correndo frente a mesma, que logo os advertia, enquanto Mika e Yuu observavam o movimento adiante.

Como sempre, Mika tinha um sorriso gentil nos lábios, o de olhos verdes disfarçava, olhando detalhadamente para cada traço do belo rosto do amigo... Irmão... Já não sabia... Seus sentimentos eram meio confusos na época. Deveria ter apenas um sentimento de irmão para irmão entre a dupla, mas... Nessa época, os sentimentos de Yuu já passavam disso, apenas não queria admitir. Talvez por ser estranho um garoto gostando de outro.
Com certeza não seria a coisa mais bem vista entre as pessoas tanto ao seu redor, quanto ao mundo afora.

─ Você fez um bom trabalho. – Murmurou Mika, fazendo-o encarar diretamente o loiro, forçando uma face mais fechada.

─ Não começa. – O repreendeu. – A propósito, onde você esteve esse tempo todo? – Perguntou, indagado.

─ Por aí... – Sua resposta pareceu ser um pouco tensa, mas, logo foi substituída por uma leve risada marota. ─ Estava preocupado comigo?

Se pudesse comparar com alguma fruta, o rosto de Yuu parecia uma maçã. A mais vermelha, talvez mais que a da Branca de Neve. Estremeceu um pouco incerto, tentando disfarçar o óbvio.

─ Claro que não, idiota! – Pausou um pouco, ainda estando em conflito interno. Não queria ser rude com o loiro, que sempre “zoava” sua cara por ser tão bruto, mas também não queria admitir que realmente estava preocupado. ─ Só perguntei por curiosidade... As crianças também estavam perguntando... – A cada palavra que saia, sua voz diminuía, como se fosse sumir.

─ Entendo. – O moreno parou de andar com a resposta de Mika, sentindo braços passando pelos seus ombros, o abraçando. Se assustou de início, pensou em empurrá-lo para longe, mas... Não conseguiu, seu corpo não deixou, o arrepio que corria por suas costas era tão confortável, ao mesmo tempo que o deixava levemente tenso.
Tentou procurar pela razão, era rara as vezes em que Mika procurava por algum tipo de afeto, principalmente dele, apesar de serem melhores amigos, o de orbes esmeraldas não sabia como agir perante a situações como essa. Poderia entrar em curto circuito a qualquer momento.

O abraço continuou, como em uma tentativa de corresponder o afeto pedido, Yuu adentrou seus dedos em meio a cabeleira de Mika, era tão macio quanto parecia, apesar de não ter certeza sobre força e tudo mais, o moreno tentou acariciar os finos fios de cabelos loiros, deduziu estar fazendo de modo certo, ouviu um pequeno ronrono em seu ouvido.
O que era aquela criatura? Um humano ou um gato? Ou melhor, por que tinha que ser tão adorável. Tudo em Mika aparentava ser inocente, coisa que o de cabelos negros tinha certeza que não era.

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Remexeu-se pela cama, irritado consigo mesmo, se tivesse prestado mais atenção ao de olhos celestes, se fosse mais exigente com o mesmo... Naquela época Mika já estava envolvido com o estranho vampiro Nobre, se tivesse ao menos prestado mais atenção... Talvez Mika fosse quem mais odiasse se envolver com o ser de cabelos brancos. Deveria tê-lo impedido antes, ao menos sua família estaria viva, ao seu lado.

─ Como se você fosse aceitar aquelas condições para sempre. – A voz sussurrou em seu ouvido, fazendo-o morder o canto de seu lábio inferior.

─ Apenas cale a boca, Ashuuramaru. – Murmurou Yuu, não estava a fim de ouvir o papo idiota para fazê-lo abandonar tudo e seguir suas ordens.

─ Você quem sabe. – O demônio voltou para seu lugar de detenção, assim como a aura negra se concentrava na arma, não ao redor do moreno. Apesar de saber que não poderia mudar o passado, tentou dormir, em muito tempo conseguiu dormir com uma esperança. Apenas tinha que recuperar seu estado o mais rápido possível, havia mais um objetivo, o objetivo mais irônico de sua vida. Acabar com os vampiros e salvar a única pessoa que amou na vida, a pessoa que hoje lhe mostrara ser um (meio) vampiro, não fazia ideia de pelo que Mika havia passado, mas sabia que ele ainda estava lá.
Não, não era um vampiro, era apenas Mikaela, era apenas aquela pessoa que sempre ocupava seus pensamentos, a razão pela qual pode dormir em paz pela primeira vez em quatro anos que deixara a cidade vampírica, não lhe importava o que viria pela frente, nem o que iria enfrentar; deixando as palavras saírem em um tom egocêntrico, iria matar dois coelhos com uma cajadada.

Desde que pudesse ter novamente aquela pessoa ao seu lado... Vampiros haviam se tornado o de menos em toda a história, era irônico, ou talvez incrível... De alguma forma, Mika sempre conseguia prender Yuu, seu coração que o dissesse.