O Livro Preciso escrita por L G Bida


Capítulo 1
O menino que sobrevive




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De longe se via um garoto sentado na calçada, encostado na grande árvore, os braços cruzados em cima dos joelhos, no lado, um cano de plástico, cheio de furos onde estavam pendurados um monte de pacotinhos de doces. Estava um calor insuportável até na sombra, muito barulho, de todos os lados vinha algum som alto, carros passando de lá pra cá, gente conversando, o vendedor ambulante gritando: -Duas por dez, pulseiras artesanais com pedras místicas —tudo foi ficando cada vez mais confuso, e aquele calor, já não aguentava mais. Seus olhos foram ficando menores, até tudo sumir.

Mike estava atrás da parede olhando através de um portal que dava pra sala de estar, em uma casa que não era a sua, era maior e mais bonita. Se sentia estranho como se aquele corpo não fosse realmente seu. Estava escuro, sua visão meio embaçada, a porta abriu com um barulho alto, um homem de casaco marrom caiu de costas pra dentro, logo atrás entrou outro homem, este era feio tinha o rosto magro o olhos redondos como uma de fuinha. Estavam brigando. Vinham gritos de fora da casa, uma mulher, que ele achou ser sua mãe, entrou na frente do cara , pra protege-lo , o fuinha mirava o seu rosto com uma vara que emitia uma luz pequena da ponta. O homem caído atrás de sua mãe pegou algo de dentro do casaco e atirou uma luz atingindo o cara de fuinha no peito, fazendo o invasor cair pra trás se contorcendo de dor. O homem de casaco se virou e o olhou, era seu pai, ele e falou algo, mas Mike não entendeu o que, todos sons cessaram, a imagem estava ficando cada vez mais borrada, seu pai olhou pra frente quando outras duas pessoas entraram na casa, uma figura que parecida ser uma mulher, jogou uma luz contra sua mãe derrubando-a de lado e um homem gordo e baixo, atirou no seu pai, o clarão fez  Mike proteger os olhos, tudo ficou escuro e agora ele só escutava o som de carros e buzina que foram ficando cada vez mais altos.”

Acordou com um salto, ofegante, foi apenas um sonho, o estranho era que não costumava dormir de dia, ainda mais num lugar como aquele, no chão a beira da avenida encostado numa árvore “deve ser o calor” pensou Mike. A árvore era uma das maiores do centro da cidade, era grossa e bem alta, devia ter centenas de anos. Sentou ali pra descansar e se esconder do sol escaldante e acabou pegando no sono, era um menino pequeno pra idade, tinha dez anos mas parecia ter oito, era negro tinha o rosto fino, cabelos encaracolados

Tentava vender doces no sinal, pra ajudar em casa, mas ninguém parecia interessado, as pessoas estavam sempre apressadas, a vida delas devia estava muito corrida, andavam de um lado pra outro, mal olhando quem estava no lado, não tinham tempo de comprar doces.

Uma senhora de cabelos lisos de saia comprida, vinha andando rápido e segurava a bolsa contra o corpo tão forte que os dedos brancos pareciam que iam cair da mão, quando se bateu contra um homem alto, de chapéu e sobretudo cinza, seus sapatos pretos lustrados brilhavam no sol, Mike não sabia como ela não o viu chegando perto, ele vinha quase correndo, falava no celular tão alto que de longe dava pra escutar, era alguma coisa de uma reportagem sobre uma grande escola, do século XIV, parecia zangado. A mulher se assustou quase derrubou a bolsa e pediu desculpa pro homem que mal ligou pra ela, se fosse ele que tivesse trombado com ela, com certeza ela tinha saído correndo ou gritado pra polícia. Aquilo até, já tinha acontecido antes.

Um homem de cabelos marrons, de meia idade, com um colete de lã azul e calça laranja, suava muito, também vestido com um colete de lã naquele calor, olhava para os lados parecia com medo de ser assaltado. Um carro preto, grande e bonito, provavelmente de uma pessoa muito rica, parou próximo a ele, Mike se levantou, pegou os doces e foi oferecer, mas antes que pudesse chegar perto, o homem entrou no carro que imediatamente foi embora, não dando nem tempo de chegar perto.

Mike abriu a mão e contou as moedas.

— Dois e cinquenta, não vendi quase nada hoje — Já estava de tarde não podia demorar muito, da última vez, ficou quase uma semana sem televisão. Saiu andando devagar, olhando em volta oferecendo os doces, veio um homem não muito alto de cabelos pretos desarrumados, terno cinza escuro, usava uns óculos de aros redondos, “parece do Jhon Lennon” pensou Mike.

—Gostaria de comprar doces, senhor? — falou Mike erguendo o cano

—tenho doce de amendoim, doce de leite, cubinhos de abóbora e …

—Aboborra é? — falou o homem com um sotaque estrangeiro.

—Huhum! é um real. — Mike ficou olhando o homem, cabelos derramados, uma roupa estranha.

—Acha que vou ficar um de abóborra —falou já procurando dinheiro nos bolsos—faz tempo que não como comida de trouxas.

Comida de que?” pensou Mike, mas não falou nada pra não parecer mal educado com um dos poucos clientes que arrumou hoje, devia ser alguma palavra de seu país. Colocou a mão no bolso e tirou um monte de moedas, segurou-as  com a mão direita e voltou a procurar com a esquerda.

—Ah não! não ter dinheiro de trouxa! - De novo trouxa, o que será é isso, será que ele tá xingando?

—E essas moedas aí na tua mão? - Mike apontou com o dedo. O homem olhou pra própria mão, e se abaixou ficando na mesma altura dele, quando chegou perto Mike viu uma cicatriz em forma de raio na testa. Devia ser de nascença. O homem deu uma moeda pra ele. Era grande, dourada parecia feita de ouro, de um lado, tinha o desenho de um homem de barba cumprida e chapéu pontudo na cabeça escrito “gringots bank” e do outro um animal que parecia um dragão, e as palavras “unum galleon”

—É um galleon, vale muito de onde eu vennho.

Mike pensou um pouco, não tinha vendido muito naquele dia, e a moeda podia não valer nada, ele ia ficar no prejuízo, mas era muito bonita, e além disso seu pai colecionava, e tinha uma daquelas, só que não era tão dourada.

—Tá bom—Mike entregou um doce de abóbora pro homem—essa moeda me lembra meu pai ele tinha uma quase igual.

—Tiinhaa é ?—o homem ergueu uma sobrancelha —como é o nome de seu pai?

—Arthur Benefoi — falou Mike, um pouco triste só de lembrar de seu pai. O homem colocou uma mão no queixo

—Non conhecer, mas non conhecer muitas pessoas neste país, estou só de passagem— O sotaque deixava ele com um ar engraçado.

—De onde ó senhor é? — Disse Mike guardando a moeda no bolso da camiseta.

—De um lugarr muito longe, menino—Deu uma mordida no doce— talvez um dia você conhecer —falou com a boca cheia.

—Talvez. Disse Mike.— o que o senhor faz no Brasil?

—Estou a procurar umas pessoas— e fez um barulho quando engoliu

— muito bom seu doce.

—Obrigado, minha mãe que faz —Mike ergueu os olhos para o relógio que tinha numa torre da igreja ali perto, já era quase seis horas.

—Tenho que ir agora, até qualquer dia, tchau— Disse Mike, pegando o cano pra ir embora. O homem fez um gesto com a mão que estava livre, e voltou a andar terminando seu doce.

Mike fazia aquele trajeto todos os dias, ia vender doces no sinal, conhecia toda vizinhança, o seu Zé padeiro, a dona Márcia do salão, o Dr. Alvarenga dentista, o velho seu Rufino do Bar, e todo mundo o conhecia, tinha nascido e se criado ali — pelo menos é o que ele achava—. O semáforo não era muito longe de sua casa apenas quatro quarteirões na direção do centro. Morava com sua mãe e irmão mais novo numa casa de madeira velha, bem pequena. Seu pai saiu de casa quando Mike tinha cinco anos, mesma idade que Caio seu irmão tem hoje, depois disso Mike nunca mais o viu.


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