Dois corpos, uma alma. escrita por Jessid


Capítulo 1
Prólogo




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Meia noite. Bastava duas palavras para fazer uma pessoa imaginar o que um indivíduo poderia estar fazer a essa hora da noite acordada; grande parte poderia estar dormindo, enquanto outras poderiam estar acomodadas em suas casas debaixo de coberta em um dia chuvoso tomando uma caneca de chocolate quente acompanhado de um bom livro. Mas não era o meu caso. Poderia ser eu um fora da lei, ou um ''quebra regras'', ou mesmo nenhuma dessas duas alternativas? Eu era apenas um alguém que admirava as estrelas ao ar fresco, experimentando e apreciando cada minuto daquela noite, saboreando o prazer de poder ver cada estrela se mostrar, como uma disputa de quem era a mais brilhante dentre um universo infinito. Nada interromperia aquele meu momento grandioso, aliás, teria eu uma moral para questionar sobre o universo, sendo apenas um grão de areia ou mesmo um átomo presente no universo? Talvez não fosse nada comparado ao mesmo, entretanto, eu era apenas um garote.

Por obséquio, eu não errei propositalmente a palavra ''garote'', pelo contrário, está correto. Sou uma garota e um garoto ao mesmo tempo. Não, não é impossível ser os dois ao mesmo tempo. Não é um absurdo. Dependendo de como o indivíduo encara as coisas, sou apenas um ser humano dentre os sete bilhões. Reclamações e críticas sempre subiram à tona e vieram com frequência e que se tornaram polêmicas ao meu respeito, diziam-me o que eu deveria ser agir e pensar. Na sociedade, garotas normais costumam usar saltos, vestidos, maquiagens, mas não era o meu caso. Trajo apenas um simples tênis, calças rasgadas aos joelhos e camisetas largas e clássicas, além de serem cheio de farrapos, acompanhado de uma touca preta e óculos. Esse sou eu. Esse é o garoto o qual estava trancafiado tantos anos e finalmente pôde se libertar, bater as asas e voar livremente, mas havia capturado e o torturavam sem dó nem piedade. Ninguém espera que eu fosse assim, nem mesmo meus pais. Será que sou um problema? Não, eu não sou, espero. As pessoas se incomodam com o diferente, e designam aquilo como algo ''ruim''. Sou um não binário.

Duas e cinquenta e nove da manhã e o sono não viera me buscar ainda, meu companheiro, meu velho amigo. Para onde você pôde ter partido? Vagando talvez sem rumo para outros quartos, ocupado demais confortando outras pessoas dentre das que mais precisam de você? Ou estaria perdido em sua própria bagunça, tentando encontrar uma forma desesperada para sair dela, de encontro a mim? Espero ansiosamente não por sua resposta, mas por UMA resposta. Preciso me preparar para as críticas e os olhares todos virados diretamente em minha direção, e necessito principalmente me preparar para engolir todas as palavras mal ditas e deixar que me acertem de modo que me quebre em cacos, deixar que as risadas caíssem sobre mim. Sinto medo. Não estou preparado para o primeiro dia, neste exato momento, estou desejando que o primeiro dia, fosse o último de minha vida. Por que preciso passar por isso novamente? Por que quando mais preciso de ajuda, o universo conspira contra mim? Tantos porquês a procura de respostas, e mais perguntas que surgem em minha cabeça. Não posso me pegar pensando demais, preciso afastar-me desses pensamentos ou enlouquecerei de vez.

Quatro e meia da manhã. O que estou fazendo sentado a beira de minha janela, observando as estrelas irem se apagando uma a uma, até restar o pouco das nuvens e deixar a lua despida, com seu brilho iluminando todo o céu daquela madrugada monótona? Estava a espera do amanhecer e sentia aquela estranha sensação de angústia tomar conta de meu corpo, aquela sensação de arrependimento por não ter tentado descansar, pois sabia que teria um dia cansativo e longo. Não estava cansado, mas meu corpo implorava pelo descanso, implorava e lutava por isso, mas o cansaço era sinônimo para mim de inexistente. Inexistente era o sinônimo do que eu sentia ou tentava sentir naquele instante. Observar as estrelas sempre foi um de meus passatempos preferidos, contar as mesmas e ver o tempo passar voando até o amanhecer surgir e até sentir minhas pálpebras pesarem e meu corpo pedir um basta.

- A noite é uma criança, a madrugada é apenas uma de suas brincadeiras enquanto nosso corpo tentar manter o ritmo até ele se cansar daquilo e pedir por algo novo, ou seguir adiante até seu limite.

Sussurrei para as estrelas, pois eu sabia que era a única coisa que me ouviria, e dessa vez, em resposta, brilhavam fracamente, talvez como um sinal concordando com o que pensamos em dizer, ou mesmo um sinal dizendo que aquela noite estava chegando ao seu fim. Tudo tem seu próprio fim, e para se obter esse fim, precisamos ter um novo começo para tudo, pois é a partir desse novo começo que se cria uma nova história, e é nessa história que daremos o seu fim.

Permito que meu corpo me conduza até a cama, involuntariamente, deixando que a camada fina do lençol se enroscasse por minhas pernas e braços, impedindo-me de sair dali, minha zona de conforto, meu refúgio, meu porto seguro. Meus olhos não suportam mais e se esforçam em se fechar, sem que eu me dê ao esforço de tentar mantê-los aberto, porque sei que cheguei ao meu limite extremo e não poderei ultrapassá-lo de forma alguma. Não encontro mais forças para continuar lutando, nem mesmo onde retirar mais dessa força para isso em me manter acordado; finalmente o sono chegou e derrubou-me sem ao menos ter me preparado para isso. Minha alma deixa meu corpo descansar e sai à procura de uma nova aventura, se sente mais viva depois de liberta pelo meu corpo. Ele se desliga totalmente, o cansaço o prendeu e agora é tarde para voltar atrás, deixando que a escuridão e o cansaço me acolham de bom grado e de forma acolhedora, como velhos amigos.

Pesadelos penetram em minha mente enquanto me pego em um vago momento de sonolência, em que o único lugar que posso viver e ter minha liberdade em criar e imaginar, são em minhas lembranças. Infelizmente, não são boas. São péssimas. Catastróficas. Lembranças que jamais ousaria a fazê-las subir à tona, lembranças que jamais seriam esquecidas e que deixaram marcas profundas ali, incapazes de serem curadas. Nisso, não só há a presença de marcas, mas também cicatrizes. A diferença entre ambos? Não posso distinguir. Tudo está como um tanto faz e que nada pode mudar esse fato, muito menos curar essas minhas dores que andam me torturando por anos. É o que talvez penso sobre, aliás, não é impossível também, nada é impossível, só se você acreditar que é.

O que são os sonhos comparados aos meus pesadelos? São conto de fadas em que há um final irônico e cínico, em que todos vivem felizes para sempre e que tudo acaba bem. Mas nem tudo acaba como planejamos; sempre haverá alguma coisa que irá nos surpreender, não importa o quanto você questione sobre, suas palavras se tornarão mais vazias do que o próprio espaço.

Assim como o meu espaço e o meu coração, esperando ser preenchido, não importa se for com coisas boas ou ruins.


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Notas finais do capítulo

Gostaria de agradecer a todas aquelas pessoas que me inspiraram e me deram motivação para realizar esta fanfic.
Créditos diretamente para minha querida babs pela capa e pelo apoio.



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