Rosa de Hiroshima escrita por GG


Capítulo 1
"Pensem nas crianças, mudas telepáticas..."




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/656260/chapter/1

ROSA DE HIROSHIMA


HIROSHIMA,

06 DE AGOSTO DE 1945.

"Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada."

Enquanto uma menininha japonesa despertava ansiosa naquela manhã de seis de agosto de mil novecentos e quarenta e cinco algo muito ruim se aproximava cada vez mais do lugar onde ela residia, mas como iria saber? Hiroshima iria perecer.

Era apenas uma criança ansiosa pelo retorno do pai que fora convocado para lutar naquela maldita guerra! Afinal de contas, era seu aniversário e papai sempre dava um jeito de lhe fazer alguma coisa surpresa, naquele ano não poderia ser diferente de maneira alguma.

Estava acordando antes mesmo do sol se levantar. E era impressionante como sentia saudades do pai, quase não lhe cabia no peito, e nos momentos mais difíceis ela colocava uma parte para fora de si derramando-se em lágrimas. Aimeé vira que a avó fazia o mesmo quando pensava que não havia mais ninguém observando-a, quantas vezes a garotinha se escondera no canto da escada e vira a avó manchar os vestidos com as lágrimas quentes e salgadas? Fora covarde demais para ir ajudá-la e decidira que iria acompanhá-la naqueles choros secretos, fazia isso sempre que explodia algo dentro de si. E as coisas pioraram nos tempos, ela ouvia vovó chorar enquanto dizia que a guerra avançava e as coisas pioravam. Contudo Aimeé ainda acreditava no pai, antes de partir ele lhe prometera que voltaria para ela, até seu décimo aniversário, e ele nunca lhe enganara.

Escovava os cabelos lisos e negros enquanto encarava seu reflexo no espelho acima da sua cômoda, as roupas já estavam separadas fazia semanas, iria usar seu vestido predileto, presente do último aniversário. Aimeé tinha os cabelos lisos e negros que caiam até metade da cintura, os prendeu em marias-chiquinhas e colocou o vestido branco rendado que fora presente do pai, ela ainda lembrava-se de quando o ganhara, do sorriso que esboçara e da melhor parte do dia, o abraço apertado que recebera do seu tão amado pai.

Sentou-se na sua cama logo após abrir a sua gaveta e buscar pela última carta que recebera do pai. Havia lido-a várias e várias vezes, mas nunca se cansava de ler mais uma vez, passava as pontas dos dedos cuidadosamente pelas letras pensando no pai escrevendo tudo aquilo, era quase como se pudesse vê-lo bem diante dos seus olhos em um canto quando conseguira algum tempo para escrever-lhe algo.

"Amada Aimeé,

Preciso me desculpar pela demora em lhe enviar algo, é que as coisas têm se tornado mais complicadas por aqui. A guerra avança miseravelmente e cada minuto que eu passo longe dos meus companheiros mais pessoas morrem, você sabe como isso me angustia, não sabe, minha filha? Mesmo com isso eu só conseguia pensar em te enviar notícias, sei muito bem como fica preocupada quando demoro muito mas já está grande o suficiente para entender que os adultos nem sempre podem fazer tudo.

Eu te amo muito e sinto sua falta todos os dias, da sua avó também, mas nós temos uma ligação especial e você sempre vai ser essa garotinha forte. Nunca desista dos seus sonhos, mesmo que a caminhada seja árdua,

Com todo amor,

Seu pai."

Sorriu e a guardou com todo o cuidado de volta na gaveta, colocava-a em uma caixinha cor-de-rosa e fechava a gaveta, naquela caixinha estavam seus verdadeiros tesouros.

A porta de seu quarto se abriu e uma senhora com um vestido azul adentrou o local, era a avó de Aimeé.

"Feliz aniversário, querida.", sussurrou ela enquanto abraçava a menina com todo o carinho, tornara-se quase uma mãe para ela já que a mesma falecera durante o parto de Aimeé, era uma americana que havia viajado durante as férias para o Japão e acabara ficando por causa de um casamento relâmpago com o pai de Aimeé.

"Obrigada, vovó.", agradeceu a menina com um sorriso no rosto.

Fez-se silêncio no quarto enquanto as duas ficavam apenas abraçadas na beirada da cama da menina. Aimeé não conseguia sustentar o silêncio por muito tempo, e sua avó já esperava por algo assim, sabia quão inquieta era a menina.

"Que horas ele chega, vovó?", inquiriu a menina enquanto segurava firmemente a mão da mulher. A senhora sentiu os olhos marejarem mas logo engoliu o choro, não podia chorar, não na frente de Aimeé, precisava passar aquela imagem falsa, até que fosse impossível aguentá-la.

"Seu pai deve estar aqui na hora do almoço.", ela mentiu pensando em quão doloroso seria quando Aimeé descobrisse, logo no dia do seu aniversário...

"Eu sinto tantas saudades dele.", suspirou a garotinha com um olhar triste direcionado a avó.

“Ah, eu também, minha querida, eu também.", concordou a mulher acariciando suavemente a mão da neta, fazendo círculos imaginários que serviam para conter sua ansiedade.

"Mas nós vamos nos encontrar em breve, vovó. Não precisamos ficar tristes.", garantiu a menina abrindo um sorriso angelical, Yuli ficava com o coração em pedaços só de ouvir aquelas palavras tão solenes da neta.

Aimeé levantou-se da cama e foi encarar a janela, o relógio no criado mudo ao lado da sua cama marcou exatamente 8:45, mal sabia que era o horário do fim.

A menina avistou uma luz azulada que brilhava intensamente. E o mundo inteiro parecia ter ficado branco. Aimeé olhou logo para a avó, um olhar de desentendimento.

" Vovó, o quê....", ela nunca terminaria sua frase, ela nunca teria tempo suficiente para fazer uma das suas indagações, nunca mais ela faria nenhuma, nunca mais ela veria seu pai, sua avó, nunca mais ela seria ela.

Era como se tudo desabasse em seu pequeno corpo infantil, ela sentia o mundo inteiro cair em si mesma, era como sentir a guerra lhe tomar, lhe levar rapidamente.

E naquele momento final, nos últimos instantes que ela ainda teve de consciência, ela constatou o pior: nunca mais veria seu herói, não passaria seu aniversário com seu pai.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Rosa de Hiroshima" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.