Durante o café percebi que Eadlyn estava cabisbaixa, mesmo que se esforçasse muito para esconder isso então assim que ela se retirou eu aguardei alguns minutos e fui até seu quarto ver se ela estava bem. O motivo de eu estar fazendo isso era desconhecido por mim

Quando chego em seu quarto a porta ainda estava aberta, mas eu não entro - não sabia se ela queria ficar sozinha - apenas bato e aguardo. Assim que Eadlyn se vira e vê que sou eu na porta ela corre para meus braços provavelmente em busca de conforto o qual eu tento fornecer a ela

— Ei - disse lhe abraçando da maneira mais gentil, mas ainda assim forte

— Não sei o que fazer. Tudo só piora - segrega para mim

Eu levanto minha cabeça e abaixo os olhos para baixo com o objetivo de encara-la

— Alguns rapazes estão confusos. Não sabem se estou sendo usados - falo em um sussurro para que Neena não ouvisse - Eu sei que o nosso primeiro beijo foi encenação - falo tentando ignorar o quanto eu não gostava dessas palavras - É tudo encenação? Se sim, você precisa abrir o jogo - digo não aguentando mais não saber

Ela olhou fundo nos meus olhos. Não sei como um dia eu cheguei a pensar que ela não passava de uma princesa metida. Ela tem um peso enorme sobre as costas, um peso maior do que qualquer pessoa deveria suportar, pelo menos sozinha.

Eadlyn dispensou Neena com um gesto provavelmente querendo mais privacidade e volta a me encarar

— É complicado, Kile - diz cansada

— Sou uma pessoa inteligente. Explique - digo em um tom calmo e descontraído.

Não queria que ela se sentisse obrigada a me contar

— Se você tivesse me perguntado uma noite antes de todos chegarem, eu teria dito que a Seleção não passava de uma piada. Mas não é mais, não para mim - confessa

Tento não parecer surpreso com suas palavras, pois eu me sentia da mesma forma. No início a Seleção não passava de uma piada para mim e a única vantagem que eu vi ao ser Selecionado seria ser mandado embora do palácio, já hoje não tenho tanta certeza. Eu estava longe demais da minha zona de conforto e não sei o que eu teria que fazer para voltar para ela

— Você é importante para mim - ela confessa me fazendo sorrir minimamente - Vários de vocês são. Mas se penso que vou me casar - fala ao dar de ombros - Não sei

— Não faz sentido - digo um pouco chateado - Ou você quer ou não quer

— Não é justo - fala um pouco irritada - Quando chamei seu nome você queria participar? Sente o mesmo que sentia?

Havia sido pego totalmente de surpresa com sua pergunta e pensando melhor no assunto sabia que ela estava certa o que me fez suspirar. Eu não era mais o mesmo Kile que havia sido selecionado

— Ok, entendo

— Tem sido mais difícil do que eu imaginava, com tantos desastres pelo caminho. E eu não sou boa em demonstrar minhas emoções. Passo a impressão de não estar me importando quando na verdade me importo. Gosto de guardar as coisas para mim. Sei que não soa muito bem, mas é verdade - escuto ela desabafar

Eu havia passado tempo o suficiente com ela - praticamente minha vida toda - para saber a veracidade daquelas palavras, mas mesmo assim estava um pouco surpreso

— Você precisa cuidar disso - digo fazendo carinho em seus cabelos - Precisa dar uma declaração pública sobre essa questão - ela suspira e esfrega as têmporas

— Não sei se é uma boa ideia. E se eu só piorar as coisas?

Tentando aliviar o clima lhe dou um cutucão na barriga como quando fazíamos como éramos crianças e consigo arrancar um leve sorriso dela

— E desde quando a verdade piora as coisas - falo tentando ajudá-la, mesmo estando tão perdido quanto ela

Ela começou a pensar e, embora seu corpo estivesse presente, eu sentia que seu pensamento estava indo cada vez mais longe e tentando ignorar o fato de que a conhecia bem demais para minha própria sanidade a viro para a janela e aponto para a escrivaninha dela

— Aqui. Vamos sentar um minuto - digo e me sento em uma das cadeiras

Ela se senta ao meu lado e começa a organizar alguns papéis que estavam ali enquanto eu pegava alguns para observar. Os vestidos que ela desenhava eram realmente muito bonitos

— São muito bons - falo ainda analisando os desenhos

— Obrigada, mas são só um monte de rabiscos

— Não faça com que pareça menos do que é - falo me lembrando do que ela havia me dito e ela sorri

Sem saber mais como afastar as preocupações da Seleção da cabeça dela pego alguns papéis em branco é um lápis e começo a desenhar

— O que são essas caixinhas? - pergunta curiosa

— É uma ideia que andei trabalhando. Li sobre algumas províncias mais pobres. No momento, um dos principais problemas nesses locais é a moradia

— Por causa do crescimento das manufaturas? - pergunta acompanhando meu raciocínio

— Sim - digo e continuo desenhando enquanto ela me observava

Era bom ficar assim. Era um silêncio confortável onde apenas o som do lápis contra o papel poderia ser ouvido e quando eu terminei olhei para ela novamente

— Sei algumas coisas sobre o custo para conseguir os materiais. Imagino que seria possível construir essas pequenas cabanas, uma espécie de cubículos familiares, por um preço bem baixo e acessível. Se eu entregasse a alguém esse projeto talvez fosse possível implementa-lo - digo contente

Ela olha para o meu desenho e sorrio, mas logo sua expressão muda

— Mas elas são tão pequenas

— Pareceriam uma mansão se morasse na rua - digo com sinceridade

— Não cabe nem um banheiro aí

— Não, mas a maioria das pessoas usa os das fábricas. Isso seria apenas um abrigo, assim os trabalhadores ficariam mais descansados, mais saudáveis... E é importante ter um lugar para chamar de seu - falo e volto a acrescentar alguns detalhes no desenho

Quando me dei por satisfeito eu sutilmente coloquei o papel com os demais e me virei para Eadlyn que sorria

— Está bem longe de ser tão empolgante quanto seus vestidos, mas é só o que sei desenhar - digo sorrindo

— E você desenha tão bem

— É... - digo colocando a mão na nuca por alguns segundos - Só queria te distrair um pouco, mas não sei mais o que fazer - falo e ela segura minha mão

— Só o fato de ter vindo já basta - diz fazendo com que eu me sinta incrivelmente feliz com suas palavras - Não podia me dar ao luxo de ficar sofrendo aqui por muito mais tempo. Preciso pensar em um plano de ação

— Como contar a verdade? - pergunto e ela dá de ombros

— Talvez. Tenho que conversar com meu pai antes

Achei meio infantil da parte dela ter que falar com o pai primeiro, mas quem eu era para julgá-la?

— Obrigada por vir, Kile. Te devo uma

— Mais uma? Deus, ainda estou à espera daquela conversa com a minha mãe - digo piscando.

Eu não estava nenhum pouco chateado por ela ainda não ter conversado com a minha mãe e achava isso completamente estranho

— Claro, não esqueci - diz com um sorriso forçado

Cutuco sua barriga de novo tentando descontrair o clima tenso que havia se instalado e ela ri

— Eu sei - digo

— Vou falar com os meus pais. Preciso descobrir o que fazer

— Tudo bem - digo e ela levanta

Levanto-me também e passo o braço pelas suas costas a acompanhando até a escada que é onde nos separamos. Um pensamento ainda não havia saído da minha cabeça, eu não sei dizer o porquê, mas eu não estava mais tão animado assim em sair do palácio