Jogos Vorazes: Atlas escrita por Anikenkai


Capítulo 1
Prólogo




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Eu tive um novo sonho esta noite.

É estúpido querer poder fechar os olhos e reviver as últimas imagens que minha mente projetou durante meu sono, mas, mesmo assim, continuo insistindo, fechando minhas pálpebras até que surja algo, mas nada acontece, pelo ao contrário, só consigo ver escuridão agora.

Eu sonhei com nuvens brancas. Com um céu tão lilás com salpicos de tinta rosa, preto e azul borrados um no outro, que parecia uma extensa galáxia. Havia estrelas por toda parte. Umas mais brilhantes do que outras. E foi lá que eu consegui me enxergar pela primeira vez, depois de meses deitada nesta cama.

— Katniss? Consegue me ouvir agora? — Ouço a voz de Snow me trazer de volta à realidade, e sinto também seus dedos frios tocarem meu braço bom. — Ah, sim. Você pode me ouvir. Está na hora — Ele diz, suspirando pesadamente em seguida, como se arrependesse do que estaria prestes a fazer comigo. — Chegou sua hora.

Abro os olhos mais uma vez. Não está tudo tão turvo como imaginei que ficaria da última vez que os fechei para dormir, ainda consigo enxergar o rosto do Snow parado em frente a mim, com uma barba branca um pouco volumosa e olhos vermelhos de dias sem dormir. Aquela pele enrugada nunca será tradada totalmente pelos seus médicos da Capital, ele sempre terá este rosto de velho. Sorrio com este pensamento, achando graça pela primeira vez em relação ao seu rosto.

— Eu sonhei com os deuses gregos hoje — Digo para ele, sorrindo. Ele me ajuda a levantar da cama. — Eles falavam algo para mim. Mas eu não conseguia entender. Todos eles eram tão bonitos… havia tantas cores e tantas estrelas… eu juro que me via em uma delas, Snow… — Conto para ele, para que acredite. Sei que o presidente gosta também de mitologia.

— É mesmo? — Ele diz. — Me conte mais do que sonhou enquanto nos dirigimos para uma outra sala, tudo bem?

Ele então me abraça. Não um abraço caloroso ou amigável, mas um abraço forçado, como se ele fosse obrigado a fazer aquilo e estar ali comigo. Mas eu estou acostumada com esse tipo de tratamento. Ele assente para que eu entenda, e eu sorrio e afirmo que sim, segurando sua mão enquanto o sigo para fora do meu quarto.

É a primeira vez que saio em 61 dias.

De mãos dadas, vamos caminhando para um extenso corredor do prédio branco, mas eu não consigo descobrir onde é minha exata localização neste momento. Eu prefiro não saber. Snow e eu passamos por alguns Pacificadores que estão de guarda perto dos quartos das outras crianças, para sempre protegê-las, e eu sorrio para eles. Inclusive, até aceno, mas eles parecem confusos ao me ver.

O presidente larga minha mão por um momento, e vai até os Pacificadores, murmura algo em seus ouvidos, e eles finalmente compreendem. Snow deve estar contando que hoje é meu último dia de vida. Não volto a sorrir, quando ele novamente se aproxima de mim.

— Vamos. — Ele me volta a me chamar, estendendo a mão.

Recuso-a por um momento, mas então a agarro novamente, e percebo quanto nossas ambas palmas estão suadas. Ignoro a irrelevância disso rápido, e voltamos a caminhar, entrando em um elevador transparente que só o Banco de Corpos tem.

— Já pode me contar, menina. — Snow diz, assim que o cilindro em forma de elevador começa a nos subir.

— Hã?

— Você estava me contando sobre o sonho dos deuses gregos que teve — Ele então sorri, mas não sinto aquele aroma de rosas e sangue por estar próxima. Apenas de rosas. Usá-las já um vicio da parte dele, por mais que ele tenha ficado curado do envenenamento da sua boca. — Estou todo ouvido agora. — Ele menciona sem tirar os olhos da porta.

— Foi um sonho limpo, sem nada projetado, eu tenho certeza — Conto para ele, observando a paisagem de metrópole grande e ensolarada da manhã do elevador transparente. De trás de um prédio afastado, consigo capturar a imagem do sol nascendo e seu fundo alaranjado, e imediatamente me lembro de Peeta. — Foi perfeito demais para mim. Acho que era algum tipo de mensagem. — Acrescento, sentindo minha boca seca.

— Você mesma tinha me dito uma vez que não acreditava em premonições, senhorita Katniss. — Ele menciona, pousando sua mão no meu ombro e obrigando-me a me virar de novo para frente.

— Eu sei! Mas eu mudei de ideia — Falo, olhando novamente seu rosto — Eu consegui ver toda minha vida passar diante dos meus olhos… — Por um momento, paro de falar para analisar novamente meu sonho. Ele era colorido e esclarecedor demais para que somente minha mente o projetasse. Ela teve uma ajuda. — Espere… foi você, não foi? Mandou meus enfermeiros projetarem um último sonho em mim antes de eu morrer hoje?

Por alguns segundos, Snow não me responde. A luz do painel do elevador acende, e as portas se abrem, e somos puxados para a sala na nossa frente.

Algumas pessoas estão aqui, vestidas de branco e olhando curiosamente para mim enquanto caminho. Algo aqueles vários olhares sobre mim me deixa ainda mais nervosa do que vão fazer comigo.

Uma mulher de cabelos verdes repuxados em um coque se aproxima de mim e do presidente. Ela assente para ele em comprimento, e se em seguida se dirige a mim; sem rodeios. Ela então aponta uma lanterna pequena no meu olho direito e eu faço uma careta pela luz forte e tento me afastar, mas ela então segura firme meu queixo para conseguir terminar de me examinar. Depois, a luz vai para meu olho esquerdo. Ela passa dos dedos no meu rosto, observando com cuidado se tenho alguma imperfeição. Ela examina minha pele, minhas orelhas e meus dentes. Mas eu não tenho imperfeições. A mulher então enfia uma das mãos nos meus bolsos da calça branca hospitalar que estou usando, tentando achar algo afiado que eu use para tentar fugir daqui, mas é novamente inútil.

Eu não tenho como escapar. Eu não posso escapar, mesmo se eu quisesse.

— Pode se deitar na câmara que quiser. — A mulher diz, apontando para uma filheira de camas protegidos por vidros ovais como tampa atrás dela, conectados em vários computadores e telas ligados com cabos azuis. Algumas das camas são deitadas e outros em pé, de modo que opto em uma deitada. Caminho o mais devagar possível até lá, mas o presidente acompanha meus passos bem atrás de mim, acelerando meus passos.

Apenas paro de andar quando fico de frente na primeira câmara, e então estendo a mão para tocar na descrição de registro do aparelho, gravado perto da tampa: "ATLAS01 - PJVC1".

— Se chama Jogos Vorazes. É nisso que estamos apostando o futuro da nossa nação, senhorita Katniss. — Snow diz, apertando meus ombros por trás de mim.

Posso sentir sua voz firme ecoando em minha cabeça, tentando me obrigar a obedecer em tudo que ele disser. Snow sempre foi muito persuasivo, menos comigo.

— Está escrito "atlas" — Digo, apontando para a as letras marcadas em código — Vocês querem mesmo que isso signifique. Um conjunto de memórias. Um livro de registros. Um manual sobre a vida — E então, viro-me para me concentrar novamente no rosto do presidente: — Você precisa de um “atlas” para ver o mapa do futuro, não é isso?

Então pela primeira vez, minhas dúvidas e medos desaparecem como fumaça.

— Você sempre foi tão inteligente, não é a toa que é filha de Marbleize — Ele diz, sorrindo gentilmente para mim. — Sim. É isso mesmo que eu quero, e o que precisamos. Precisamos de um "Atlas", em outras palavras, algo para guiar os Estados Unidos em qualquer desastre natural novamente, ou guerra que acontecer no futuro. Algo que as pessoas precisam seguir como um manual, para que nunca mais precisam mais errar.

— Vocês precisam de mim.

— Precisamos — Ele afirma, e eu assinto e me viro para a câmara. — Preciso que enfrente estes Jogos. Pelo bem da humanidade.

Desta vez, são duas mulheres vestidas de prateado que aparecem para me ajudar a me conectar na câmara e nos computadores. Uma tem cabelos azuis-escuros bem presos, e outra mais claros; com alguns fios escapando para cair sobre seus olhos. Elas me ajudam a me deitar na cama, e me pedem para respirar fundo, e é exatamente isso que eu faço.

— Relaxe — Uma delas sussurra para mim, então começam a me despir.

Não me importo de ficar nua na frente delas, ou da frente do presidente, ou na frente de qualquer Pacificador e médico do projeto que está me observando ali. A nudez não me envergonha mais, porém, sinto frio, de modo que tento me cobrir minha intimidade e meus seios com as mãos. A mulher de cabelos azuis mais claros desliza um dedo em um painel e tiras de tecido surgem e me prendem na cama macia, escondendo partes frágeis do meu corpo. O tecido emana calor, de modo que não sinto o frio de antes e suspiro deliciada.

Como minha cabeça está raspada, fica fácil dos eletrodos se fixarem no topo da minha cabeça, surgindo atrás do travesseiro. Mas sou pega de surpresa quando ouço zunidos, e então abro os olhos e rujo, grito e me esperneio de dor quando as agulhas penetram meu crânio sem aviso. Quero tocar minha cabeça, mas minhas mãos estão atadas. Continuo a gritar, quando enfim elas param de girar dentro de mim, e se fixam. Eu posso sentir que elas não entram em todo meu cérebro. Apenas na parte superior dele. Começo a sentir muita dor. Sei que estou sangrando, e não evito de chorar. Faz muitos meses que não me permito chorar, e se há um momento de fazer isso, o momento era agora: causada pela dor.

Abro os olhos novamente. Capturo o momento que a tampa de vidro se fecha ao meu redor. Quando aqueles computadores ligados ao meu cérebro forem ativados, serei posta para hibernar para sempre.

Estes, serão meus últimos momentos.

— Não me contou o final do seu sonho. — Snow pergunta através de um microfone atrás do vidro da câmara, e eu viro minha cabeça com cuidado em direção dele. Através do vidro, enxergo meu reflexo. Minha pele está muito mais branca do que eu jamais tinha visto, e eu estou muito magra, de modo que consigo até ver minhas costelas se destacarem sobre a fina pele sobre carne. Meus olhos estão vermelhos e molhados das lágrimas, e meus lábios secos e pálidos. Também vejo as agulhas e ventosas com fios atravessar no crânio, e isso me causa mais dor.

Eu começo a tremer quando uma máscara de oxigênio é posta na minha boca.

— Não preciso contar, você mesmo a criou — Digo baixinho, e o presidente volta a sorrir. Ele crava seu olhar em meu rosto, assentindo levemente em seguida, concordando com minha afirmação — Por quê fez isso? Por que me deu um último sonho? O que ele tem haver comigo? — Pergunto-o, suplicando por algo da parte dele

Ao menos, ele me deve isso depois de tudo que ameaçou tirar de mim.

Uma luz vermelha acende no computador e eu fecho meus olhos com força. Não quero mais abri-los, não quero ver o rosto da morte quando a luz verde for acionada. Quando penso que minutos são segundos que já passaram, Snow volta a se aproximar do microfone, posando uma mão sobre a tampa de vidro:

— Aquilo era o que estava preso a você. Você apenas viu toda sua vida, cada estrela, cada nuvem do espaço, cada galáxia, cada constelação em forma de “histórias gregas”. Você tinha aquele sonho o tempo todo dentro de você. Eu apenas as transformei em imagens claras para você assistir. — E então quando ele termina, a luz vermelha começa a piscar. Meu tempo está acabando.

— Eu vi uma flecha sendo disparada. Depois ela explodiu. O que significava? — Pergunto, e minha respiração começa a ficar cada vez mais lenta.

Snow retira sua mão da tampa, e fecha seus olhos. Ele então as abre, e percebo que estão marejados.

— Isso, é uma coisa que só você pode me dizer. — Diz, pondo as mãos dentro do paletó. — Quem sabe quando você voltar a acordar, não me conta o que significa?

Isso me faz sorrir.

— Eu não vou mais acordar. — Digo.

— É. Eu sei que não — A luz vermelha está piscando muito rapidamente, e então respiro o mais fundo possível. Mas Snow ainda está movimentando os lábios quando diz: — Mas não duvido nada da sua força de vontade, senhorita Katniss.

Eu sorrio novamente para ele. Porque eu sei que é verdade, apesar de realmente eu não poder mais acordar quando fechar meus olhos na próxima vez. Mas é este é um bom pensamento para partir.

Ter esperança.

— Que a sorte esteja ao favor, Katniss. — Diz o presidente.

Acho interessante o que ele acabou de falar. Gosto tanto da sua frase, que decido reformulá-la do meu jeito, e digo para ele:

— Que a sorte esteja sempre ao nosso favor. — E então minha voz se perde.

Reponho minha cabeça para a posição que deve ficar, de frente, e começo a enxergar as estrelas através de uma tela. Um filme. A tela está projetando um filme para mim antes de tudo se escurecer. Enxergo as galáxias. E depois, enxergo minha irmã na estrela mais alta e mais brilhante, e então sorrio.

“Alguns viram o sol…

Alguns viram a fumaça…

Alguns ouviram o tiro…

Alguns armaram o arco…

Às vezes a corda…

Precisa ficar estendida para a nota. Presos no incêndio, diga 'oh'…

Estamos prestes a explodir,

diga levarei seu mundo…

Eu levarei o seu mundo…

Levarei seu mundo!

Eu levarei o seu mundo.

Alguns estão muito longe…

Alguns procuram ouro…

Alguns dragões para matar…

Esperamos que o paraíso esteja no fim da estrada.

Mostre-me o caminho, Senhor…

Porque eu, eu estou prestes a explodir!

Levarei seu mundo…

Eu levarei o seu mundo…

Levarei seu mundo!

Eu levarei o seu mundo…

Levarei seu mundo e todas as suas mágoas!

Levarei seu mundo.”

—Boa noite, Prim. —E tudo que tenho forças para dizer antes de fechar os olhos lentamente.

Minha mente se esvai, apesar do meu coração continuar a bater. Tudo do meu passado some de uma vez de maneira muito rápida junto com os brilhos da tela e suas estrelas. Meus amigos, meu pai, os lugares que conheci, os sabores, os toques e as emoções que passei são dissipados. Tudo não se passou de um sonho ruim. De uma breve lembrança. Minha realidade e esta, de agora e para sempre.

E então, me deixo levar.


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