Laços de família escrita por Izzy Aguecheek


Capítulo 1
Talk latin to me


Notas iniciais do capítulo

Eu fiquei realmente surpresa por não ter nenhuma fic de TRC no Nyah!, e, como essa série vem consumindo minha vida e minha alma completamente desde janeiro, decidi escrever uma Pynch (embora eu ainda esteja procurando as pistas para shippá-los -q)que tinha idealizado há um tempo :D
Eu escrevi essa fic entre reler Os Ladrões de Sonhos e ler Azul Lírio, Lírio Azul, então realmente espero que não esteja OOC.
(Sim, o Adam e o Ronan namoram aqui.)



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Laços de família são estranhos. São tudo o que conhecemos, e, ao mesmo tempo, tudo que nos limita. São, em parte, o que fazem de nós quem nós somos, e o que nos faz querer ser outras pessoas. É difícil se livrar de laços de família, e Adam Parrish achava que já havia se dado conta disso; mas ele não havia, não de verdade. Não até aquele dia no estacionamento.

Ele teria passado o dia inteiro estudando latim, sem pausa, se não fosse Ronan Lynch que estivesse fazendo o papel de professor particular. O papel não combinava com Ronan da forma como o papel de aluno dedicado combinava com Adam; eles começaram a ter problemas com a pronúncia no primeiro capítulo, com a grafia no segundo e com a própria sanidade no terceiro.

Ronan fora o primeiro a desistir, empurrando o caderno para longe e se espreguiçando, a ponta dos dedos quase tocando o teto baixo. Eles estavam sentados no chão do quarto de Adam na Santa Inês, anotações espalhadas ao redor de suas pernas cruzadas, falhando miseravelmente em ignorar o calor do verão e um do outro. Ronan tirara a camisa assim que chegara, e Adam evitara olhar para ele o máximo possível.

Ronan dissera:

– Quer saber, Parrish? Eu estou com fome. Acho que devíamos fazer uma pausa.

Adam franzira o cenho.

– Nós mal começamos. Acho que...

Como de costume, Ronan o ignorara. Ele se levantara, pegara a camisa jogada de qualquer jeito e saíra do quarto. Adam, com um suspiro, fora obrigado a segui-lo, e foi assim que eles acabaram no estacionamento de um supermercado quase vazio ao meio-dia de um domingo.

Ao sair do BMW, Ronan passara um braço em torno de Adam de uma maneira um tanto desconfortável. Às vezes, Adam achava que ele fazia isso mais pelo prazer de receber olhares tortos e poder fuzilar as pessoas de volta do que por eles estarem juntos. Talvez isso se devesse ao fato de ele não estar acostumado ao fato de eles estarem juntos. Ou talvez fosse porque ele conhecia Ronan o suficiente para notar como o gesto não parecia cem por cento natural. O que talvez fosse porque Ronan não estava acostumado a estar junto com as pessoas, ao invés de xingando-as à distância.

Quando eles entraram no supermercado, o braço em torno dos ombros se tornou uma mão em volta da outra, o que pareceu mais natural, mas mais óbvio. Adam tentou não se preocupar com isso enquanto Ronan mostrava alegremente o dedo do meio para senhorinhas que os olhavam com reprovação.

– Pare com isso – sussurrou ele, puxando a mão do namorado para baixo.

Ronan levou a mão até o ombro, em um gesto inconsciente, antes de lembrar que havia deixado Motosserra em casa com Noah.

– Não – respondeu, displicente. Ele lançou um olhar torto para duas mulheres que passaram cochichando, e Adam pressionou dois dedos contra seu maxilar para fazê-lo virar o rosto.

– Pare - repetiu. O pedido não tinha a mesma autoridade tranquila e firme que Gansey utilizava, mas ele esperava que a ansiedade nervosa em sua voz surtisse algum efeito.

Mais pessoas passaram por eles, e Adam sentiu seu estômago se revirar. Estamos só dando as mãos, pelo amor de Deus. Ele se perguntou se algum dia isso pararia de incomodá-lo.

Algo atingiu-o na nuca; um peteleco. Adam se virou. Era um dos garotos da Aglionby; ele não o conhecia, mas, mesmo sem o blusão, o porte altivo, o sorriso arrogante e o cabelo espetado cuidadosamente desarrumado o tornavam identificável. O garoto sorriu.

– Veados - resmungou. Talvez ele estivesse bêbado.

Enquanto Adam o fitava sem reação, sentindo as orelhas queimarem, Ronan revirou os olhos. Foi a vez dele de segurar o rosto de Adam e virá-lo de modo que os dois se encarassem.

– O que você está fazendo? - Adam não quis sussurrar nem soar tão tenso, mas, como sempre, foi assim que soou.

Ronan beijou-o. Quando se separaram, o sorriso no rosto do garoto da Aglionby havia esmaecido consideravelmente, e Adam estava ligeiramente sem fôlego e mais do que ligeiramente nervoso. Ronan se virou para o desconhecido, ergueu as mãos e disse:

– É, cara. Tanto faz.

E voltou a escolher produtos das prateleiras como se nada tivesse acontecido.

Adam observou o garoto da Aglionby ir embora e se virou para encarar Ronan com um misto de horror e admiração. Ronan não retribuiu o olhar diretamente, mas um de seus olhos piscou para ele. Eles terminaram as compras rapidamente depois disso, e Adam quase conseguiu parar de se preocupar com os olhares por alguns instantes

Quase.

Eles estavam de volta ao estacionamento, quase alcançando o BMW, quando Adam estancou de repente. Ele olhou para seus dedos, entrelaçados aos de Ronan, e de volta para algum ponto mais à frente. Ronan franziu a testa.

– Adam? - Ele apertou a mão do namorado de leve antes de seguir o olhar deste. - Ah, merda.

Robert Parrish estava caminhando na direção deles; não na direção que o levaria acidentalmente de encontro a eles, mas na direção DELES. Adam subitamente sentiu como se suas pernas fossem feitas de cimento.

Ronan puxou-o pelo braço, tentando fazê-lo andar.

– Vamos dar o fora daqui - rosnou.

Adam assentiu, mas não se moveu. Naquele momento, ele realmente achou que havia algo errado com suas pernas; era o único motivo plausível para ele ficar ali, parado, até seu pai estar a apenas alguns passos de distância.

– Adam - disse Robert Parrish.

Adam mal registrou o cumprimento. Ele estava hiperconsciente da proximidade de Ronan ao seu lado, do gosto de Ronan em sua boca, das noites que Ronan passara em seu quarto, e não conseguiu evitar pensar que seu pai também percebia. Ele ouviu Ronan intervir:

– Senhor Parrish. Eu não acho que já tenhamos sido devidamente apresentados.

Seu tom de voz era cortês, o que, se tratando de Ronan, queria dizer frieza mortal e perigo. O rosto de Robert Parrish se contorceu.

– Você. Da última vez em que eu te vi, você estava batendo em um homem honesto.

Adam tentou procurar refúgio em Cabeswater; Ronan apertou-lhe a mão de novo. Uma mensagem clara: você não vai, não. Adam não foi. Ele sentiu o braço de Ronan envolver sua cintura, sustentando-o. Um gesto estranhamente protetor.

– Não é bem assim que eu me lembro - retrucou Ronan. - Pelo que EU me lembro, eu estava batendo em um babaca.

O mundo pairou, imóvel, por alguns instantes. O pai de Adam olhou para o filho, a expressão chocada e irritada.

– Você não vai dizer nada sobre o seu amigo falar assim comigo? - A voz dele estava perigosamente controlada, e o esforço necessário para mantê-la assim era perceptível.

– Como, do jeito que eu falei quando você estava enchendo ele de porrada? - rebateu Ronan na mesma hora.

Adam apertou o braço dele. Ronan, pare. Por favor, pare. Ele ficou feliz que o outro o estivesse segurando; o cimento de suas pernas parecia estar quebrando em pedacinhos. Ele demorou para encontrar a própria vez, e, quando o fez, não conseguiu encontrar as palavras certas nem a coragem para dizê-las. A imagem nítida de um punho se erguendo e vindo em sua direção as estava bloqueando.

A urgência de desaparecer em Cabeswater agora era quase insuportável, mas o abraço de Ronan e o olhar gelado de seu pai o ancoravam ali. Por fim, Adam disse, quase sussurrando:

– Namorado.

O sorriso de Ronan foi mais um arreganhar de dentes do que um sorriso propriamente dito. Robert Parrish cerrou os punhos.

– O que você disse? - perguntou, quase educadamente.

Adam, que estivera olhando para os próprios pés até então, ergueu o olhar para fitar o pai.

– Ele é meu namorado - repetiu, mais alto dessa vez, embora não mais confiante. Soava como se ele tivesse acabado de se dar conta do fato, e talvez tivesse mesmo. Ele é meu namorado. Ah, Deus.

– Adam, você passou da idade de fazer brincadeiras.

A resposta de Ronan foi rápida, como uma cobra dando o bote:

– E da idade de te dever satisfação.

Adam olhou de um para o outro, ao mesmo tempo satisfeito e assustado por ter alguém em sua defesa. Satisfeito e assustado ao ver o semblante do pai se fechar, machucado ao ver o olhar de decepção nele. Desesperado ao ver a mãe se aproximar.

A Sra. Parrish pôs uma mão no ombro do marido e fitou o filho com uma pergunta no olhar. Adam devolveu a pergunta sem responder, mudo, e olhou para os próprios pés. Ele conseguira ver o que havia se quebrado entre eles naquele olhar, entre eles três, e não aguentaria vê-lo por muito tempo. Ela disse, hesitante:

– Há quanto tempo, não é? O que você anda…

– Vamos - O Sr. Parrish a interrompeu. Adam podia sentir o olhar dele abrindo um buraco em seu peito. - Aqui não é lugar para gente decente.

Ronan se retesou, furioso, enquanto a Sra. Parrish se deixava ser levada para longe pelo marido, sem contestá-lo. Como sempre. A família Parrish, sempre em harmonia com o poder de um homem só. Adam enrolou um dos punhos na camisa dele, impedindo-o de se mover, e ergueu o rosto ao sentir a respiração de Ronan próxima à sua. Ele desejou que o outro não o beijasse, e este não o fez; a mensagem do punho em sua camisa era clara. Não faça nada. Só... Dê-me um momento.

Eles se deixaram ficar ali, em silêncio, por mais tempo do que deveriam. Adam não achou que conseguiria ver sua família se afastando; manteve os olhos fixos em Ronan ao invés disso.

Ele não tinha pensado em como seria aquilo; sequer cogitara a possibilidade de seus pais chegarem a saber. Mas, se tivesse pensado, não teria imaginado que importaria tanto.

Foi Ronan quem rompeu o silêncio, porque foi ele quem viu os pais de Adam desaparecerem pela entrada do supermercado.

– Eles já foram - comunicou, em voz baixa. Adam anuiu, ausente. - O que você quer fazer?

– Vamos embora - Ao dizer as palavras, Adam se deu conta de que fizera eco ao pai, e isso o tirou do torpor. Ele se afastou de Ronan, recuperando o controle do próprio corpo e, assim ele esperava, dos pensamentos. - Quer dizer, para casa. Antes que mais alguém apareça.

Eles se acomodaram no BMW, Adam se encolhendo instintivamente no banco do carona e Ronan se largando agressivamente no assento do motorista. "Ir para casa" era uma expressão vaga para eles, porque a casa de Ronan era a Barns e a de Adam costumava ser um trailer ao qual ele nunca voltaria.

– Você quer ir para Cabeswater? - perguntou Ronan.

Parte de Adam queria, mas ele negou com a cabeça. Cabeswater era uma espécie de bálsamo para as feridas; aquela ele precisava deixar arder. A dor simples, pura, mundana, não mágica. O pior tipo, e o tipo mais necessário.

Ronan ligou o motor, parecendo orgulhoso da a decisão. O carro ganhou vida abaixo deles com um rugido igualmente satisfeito.

– Santa Inês?

Suspirando, Adam concordou.

Tão logo eles estavam de volta ao calor do quarto apertado, sentados no chão entre anotações em latim, sanduíches e uma camiseta regata preta amarrotada em um canto, Ronan puxou o caderno de Adam para perto e o abriu em uma folha em branco. Havia algo de fervoroso e irritado na maneira como ele virou as páginas.

– Vamos fazer diferente agora, Parrish. Vocabulário - Ele pegou uma caneta e lançou um sorriso irônico para Adam antes de escrever cuidadosamente no topo da página. - Culus. É uma palavra muito importante para aplicação prática.

Adam tomou um gole de seu refrigerante, franzindo o cenho.

– O que significa?

– Significa “imbecil” - Ronan sorriu para si mesmo.

Adam engasgou com o refrigerante, o que transformou sua risada fraca e algo forçada em algo semelhante aos grasnados irritados de Motosserra. Ronan nem ergueu a cabeça. Estava escrevendo outra palavra, agora sério.

Libertatem. Isso aqui - Ele lançou um olhar severo para o outro garoto. - é a palavra para “independência”. Liberdade. Autonomia.

Tossindo demais para falar, Adam assentiu para mostrar que tinha entendido. Ronan estreitou os olhos, desconfiado, e ele sacudiu a cabeça com mais veemência. Havia entendido a palavra e as implicações dela: Pare de se preocupar. Você não deve mais nada a eles.

Ensinar-lhe palavras aleatórias em latim e esperar que ele compreendesse não era a melhor maneira de transmitir uma mensagem claramente, mas ainda era melhor do que a alternativa apresentada - socar a cara de Robert Parrish até que Adam se sentisse vingado.

Ronan hesitou, escreveu mais alguma coisa, riscou-a, arrancou a folha do caderno e amassou-a.

– O que era? - indagou Adam estupidamente. Ele sacudiu a cabeça.

– Nada tão relevante quanto "babaca", acredite.

– Certo - Adam se aproximou, um sorriso tímido nos lábios. - Obrigado.

Ronan revirou os olhos e bufou, mas o outro aprendera a lê-lo melhor agora, e sabia que ele queira sorrir de volta. Era algo quase imperceptível, mas estava lá: um músculo mais relaxado, uma letra escrita no fundo de seus olhos.

– Tanto faz. Olha, Parrish, você deveria aprender a tomar conta de si mesmo. Não tenho jeito para ser babá.

Normalmente, isso teria acabado com o clima e feito Adam se afastar com um resmungo. Entretanto, ele realmente estava agradecido, de certa forma, e queria muito saber o que estava escrito naquela folha; logo, beijou-o com uma intensidade que normalmente reservava para madrugadas de insônia que Ronan passava no chão ao lado de sua cama. Isso entreteve Ronan o suficiente para que Adam conseguisse pegar o papel amassado sem que ele reclamasse.

Quando eles se separaram, ele ignorou o xingamento de Ronan e desamassou a folha. Um sorriso aberto se formou em seu rosto ao ler a palavra. Ele conhecia aquela. Adam olhou para Ronan e ergueu as sobrancelhas.

– Eu não conhecia esse seu lado, Lynch.

Ele esperou que Ronan se irritasse, mas se surpreendeu ao ver que este estava vermelho.

– Parrish, tem muita coisa sobre mim que você não sabe - murmurou ele, irritado.

Adam riu alto, já distraído dos pensamentos sobre o pai. Fazia algum tempo que ele não ria daquela forma, e Ronan pareceu menos emburrado ao ouvir aquilo.

– Você é um idiota, Parrish - declarou ele, o que só fez Adam rir mais ainda.

– Ah, claro - Ele agitou o papel no ar, longe do alcance do outro. - Imagina o que a Blue e o Noah iriam achar disso.

Ronan gemeu.

– Você vai me chantagear com isso, não vai?

Quando foi confirmado que sim, Adam totalmente ia chantageá-lo, eles voltaram ao estudo de latim, e, quando anoiteceu, às noites de insônia. Já estava tarde quando eles finalmente recolheram as anotações e embalagens de comida vazias e se sentaram lado a lado no colchão, em silêncio.

Ronan perguntou:

– Você está bem?

Adam estava pensando em seu pai de novo. Ele começou a assentir, mas mudou de ideia.

– Eu não sei - confessou. - É como se eu fosse um estranho para eles agora.

– Mas você é.

A constatação o atingiu como um soco, principalmente porque era verdade. Você é incognoscível. Talvez isso, essa ruptura da pessoa que os pais achavam que ele era, fosse só uma questão de tempo. Adam sabia que tudo havia começado no dia em que ele fizera a denúncia. E talvez nem laços de família fossem fortes o suficiente para resistir a ela.

Subitamente, Adam não queria ser incognoscível. Ele se virou para Ronan.

– Mas não para vocês - Ele percebeu a urgência na própria voz, a necessidade patética de conforto. - Não para você. Certo?

Ronan não pareceu alarmado, como Gansey ficaria. Ele nem respondeu. Só se aproximou um pouco mais de Adam, pressionando o braço contra o dele. Foi o suficiente.

Aquela foi uma das noites de insônia mais compridas desde a primeira que eles haviam passado juntos, mas, por algum motivo, não pareceu tão dolorosa.


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Notas finais do capítulo

Então? Há alguém nesse fandom no Brasil para deixar um reviewzinho? Alguém pra tentar adivinhar a palavra? :D



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