I see you on the blue skies

(eu vejo você nos céus azuis)

Hermione não se mexeu até que tivesse certeza que Rony havia ido dormir. Harry continuaria de guarda pelas próximas horas e depois o ruivo o substituiria. Tentou, em vão, se aconchegar mais na coberta e achar uma posição confortável no colchão. Mas ela sabia que seria inútil.

Todos os músculos do seu rosto doíam por causa do tempo que havia ficado de cara fechada, tendo que ouvir as desculpas esfarrapadas de Rony e, é claro, aquele acontecimento curioso sobre o desiluminador. Sentia suas sombrancelhas ainda unidas, o maxilar tenso, a expressão carrancuda e forçou-se a relaxar. Fechou os olhos com força e voltou a abrí-los, enxergando pontinhos pretos na vista.

Ela não iria conseguir dormir tão cedo e muito menos levantaria daquela cama para correr o risco de topar com Rony acordado ou pior, Rony dormindo. Não conseguiria continuar brava com ele, observando a forma como dormia - tudo bem, talvez conseguisse. Porém, ele parecia um anjo e nem de longe, aquele ser humano intragável que gritara com Harry e com ela, a semanas atrás. Semanas. E ele ainda tinha a audácia de esperar que ela o recebesse de braços abertos.

Honestamente, Ronald.

Pensou ela.

Eu esperava mais de você.

Quando Rony aparecera com os cabelos molhados, rosto corado e com nada menos que a espada de Godricc Gryffindor nas mãos, foi o momento em que seu lado racional e emocional se cruzaram. E isso a deixou incrivelmente irritada. A razão e a emoção iniciaram um insuportável conflito dentro ela. Por sorte, ela conseguira usar a razão, e não foi nem um pouco fácil. Especialmente, depois do discurso em que Rony alegara ouvir sua voz no desiluminador. E ainda havia aquela bolinha que cismara em atravessar justo o coração dele. O coração.

No momento em que ele foi embora, ela se lembrava, o coração dela ficara em frangalhos. Ainda se lembrava do barulho da chuva e do líquido gelado em contato com seu cabelo, suas roupas, sua alma. As lágrimas se misturando, facilmente. O desespero. A angústia. A mais pura tristeza. Um medo que ela pensou que nunca fosse sentir.

O céu levemente azul que se abriu no início da manhã após a partida dele, parecia querer zombar dela. Era uma manhã fria, que acabou combinando com a situação, mas o céu estava lá, manchado de azul. Não um azul forte e intenso como os olhos do ruivo que havia ido embora, mas ainda sim era azul e ela não pôde deixar de lembrar dele.

I need a little sunshine

(eu preciso de um pouco de luz do sol)

No momento em que ele voltou, o felicidade por vê-lo bem, fora de perigo, retornando para eles, para ela, o fato dele ter se arrependido e todos os outros sentimentos de alívio que tomaram conta dela, se colidiram bruscamente com a raiva, o rancor, a dor por ele tê-la deixado, ido embora sem se comover com seu chamado, sem, literalmente, olhar para trás e a indignação por voltar como se nada tivesse acontecido. Como se ele não tivesse feito nada de errado. Como se ela não tivesse chorado todos os dias daquelas mórbidas semanas. Como se ela tivesse a obrigação de aceitar o seu ''sinto muito'' e abraçá-lo como se não houvesse amanhã. E talvez, o amanhã deles não chegasse mesmo. Mas naquele momento, ouvindo ele agir como vítima e ainda aturar Harry, seu melhor amigo, puxar para o lado do ruivo, Hermione só queria ser ouvida, ser entendida, ser recompensada.

E ela esperava que ele houvesse entendido o recado...

E que mais eu posso dizer? - gritou Rony.

Ah, não sei! - berrou Hermione, sarcástica. - Vasculhe o seu cérebro, Rony, só vai precisar de uns segundinhos...

E pelo visto, não entendeu. Hermione não se arrependia do que disse e ainda imaginava como Rony não havia conseguido compreender o que devia fazer. Era tão simples...

Toda a preocupação se esvaiu no momento em que ele apareceu na porta da barraca, a minutos - talvez horas - atrás. O amor inundou o peito dela. Mas, infelizmente, a dor veio junto.

Quase podia enxergar, naquele momento mesmo, seu cérebro e seu coração se engalfinhando bem dentro dela. Seus olhos arderam e lágrimas teimosas começaram a cair, provavelmente frustradas por não poderem percorrer o caminho da bochecha, devido Hermione estar deitada e deslizaram pelo nariz, até, gradativamente, molhar o colchão. Fechou os olhos, tentando reprimí-las em vão.

Cada vez que a mágoa enchia seu interior, ela teve certeza que o abraço para matar a saudades, que Rony aguardou receber, poderia muito bem esperar.

I fill into your brown eyes

(eu me preencho em seus olhos castanhos)

Durante minutos - talvez horas - Rony encarava o teto da barraca, deitado no chão. O sono não iria aparecer e ele nem fazia questão. Preferia ficar acordado, se martirizando, se castigando mentalmente, afinal, ele merecia. Como havia sido idiota. Como havia sido estúpido. Um completo palhaço, como Hermione mesmo dissera. Hermione.

O nome dela ecoava na mente dele durante aquelas tortuosas semanas. Como ele pôde fazer aquilo? Como!? E, infelizmente, não podia pôr a culpa inteiramente no medalhão - ele só agravou seus próprios pensamentos secretos. E Rony tinha consciência de que havia sido duplamente imbecil, quando cogitara a possibilidade dela recebê-lo de braços abertos. Mas estava claro que isso não aconteceria. Estamos falando de Hermione Granger. Ele nunca aprenderia a ser digno dela? Será que dava para se aprender a se tornar isso? Rony estava tão cansado de errar com ela. Se arrependia tanto de errar com ela. Justamente com ela. Como se ela merecesse...

O ruivo riu baixo, amargurado.

Ela é a última pessoa que mereceria passar por algo assim.

Pensou.

E eu fiz isso.

Logo ele, que já havia se acostumado com o desejo de sempre querê-la por perto, de sempre querer estar por perto. Porém, no meio desse caos, algo o surpreendia.

Talvez, ela não estivesse brava apenas por ele ter deixado ela e Harry e faltado com o compromisso com o amigo. Talvez, ela também sentia a mesma dor que ele sentiu no momento em que desaparatou para longe. A dor da perda. A falta que ela fazia para ele a cada segundo que passou distante dela. O sentimento de que ele, além de deixar Harry na mão, o que já era horrível por si só, havia a abandonado. Terá ela se sentido abandonada? O coração dele doeu só de imaginar e ele se surpreendeu por não ter falecido ali mesmo.

Estar ao lado dela, parecia o certo. Não havia outra explicação. E ele não se cansaria de ruminar tudo aquilo até o último dia de sua vida. Se arrependimento matasse...ele já teria morrido a semanas. E a única parte ruim disso, era não poder mais vê-la. Mas, ora vejam só, ele já havia abdicado desse direito por livre e espontânea vontade. Seu peito doeu novamente, de uma forma insuportável. Rony percebeu, que, definitivamente, não estava em sã consciência quando escolheu perder o direito de fitar os olhos castanhos de Hermione no momento em que quisesse - apenas quando ela não estivesse olhando, é claro.

Rony deixou de se repreender por esses pensamentos piegas que o rondavam a tanto tempo. Ele simplesmente tinha que admitir que se sentia completo, no minuto em que se deixava levar pelo castanho vivo dos olhos dela, daquele olhar perspicaz que só ela possuia.

Told you I was your light

(você disse que eu era sua luz)

– Quê? - disse Rony, que observava Hermione examinar o medalhão - Ah...falei sim.

Por pouco, ele não respondeu a pergunta dela. Se deixou devanear pelos movimentos rápidos de sua íris ao examinar a horcrux, os delicados dedos que passeavam pelo medalhão, a expressão concentrada e curiosa que, irrevogavelmente, pertencia a ela.

Rony se levantou, decidido a tomar o lugar de Harry lá fora. Seus pensamentos acabariam com ele. No instante seguinte, foi obrigado a parar, quando pareceu ter ouvido um soluço vindo da cama que ele costumava dormir - onde estava ocupada por uma encolhida Hermione.

Se aproximou lentamente, comprimindo os lábios, quando notou o rosto dela manchado por lágrimas frescas.

– Ah, Hermione...- As palavras simplesmente sairam da boca dele, enquanto, automaticamente, arrastou, com cuidado, a poltrona para se sentar do lado de onde ela dormia. - Espero que não seja um pesadelo...- Rony sussurrou, sentindo o aperto em seu peito se intensificar e, depois de segundos de hesitação, levou a mão direita até o rosto dela, enxugando todos os resquícios de lágrimas dali. - Eu queria tanto poder te dizer...- mordeu o lábio, quando sentiu os olhos arderem. - te dizer que sinto tanto...muito mesmo. - Puxou todo o ar que conseguiu. - Queria prometer...- Estava ciente de que sua voz denunciava as poucas lágrimas que começaram a cair. Com o indicador, começou a fazer círculos na bochecha de Hermione. A essa altura, não se importava mais se ela acordasse. Seria mais fácil. - prometer não ser mais...um imbecil com você. - se inclinou mais para frente, analisando todos os traços do rosto dela e o modo como sua respiração era calma dormindo, embora, ele notou, parecia se acelerar de vez em quando. Devia ser impressão. - Você foi a minha luz...- pensou alto, enquanto começava uma onda de carícias, só que dessa vez, nos cabelos dela, depois de afastá-los de seu rosto. - eu queria poder ter sido a sua.

No, I don't wanna talk about it

(não, eu não quero falar sobre isso)

I don't wanna listen all that much

(eu não quero ouvir tudo isso)

Is it falling apart?

(está caindo aos pedaços?)

I don't wanna talk about it

(eu não quero falar sobre isso)

I just wanna hold your hand

(eu só quero segurar a sua mão)

– Desculpa por ter ido embora...

Rony sentia que um peso enorme havia saído de suas costas. Por mais que não tenha sido uma conversa de verdade, pelo menos ele havia dito o que estava preso em sua garganta.

Tão linda... ele pensava.

E parecia tão quebrada.

E por causa dele.

Se o aperto em seu peito se intensificasse um pouco mais, ele morreria, tinha certeza. Mas será que ela não enxergava que ele também estava caindo aos pedaços? Era tão difícil enxergar? Estava tão óbvio e ao mesmo tempo ele sentia que havia uma muralha de cem metros separando os dois. Como derrubá-la? Ele faria isso sozinho? Ou isso demandaria o desejo dos dois de destruí-la?

Rony continuou ali, em parte por não conseguir tirar as mãos de Hermione e em parte para ter certeza de que ela não teria mais pesadelos. Ele se amaldiçoou por não falar tudo isso para ela mais cedo, naquele mesmo dia. Era da Grifinória, afinal, e a sua suposta coragem parecia sumir quando ele mais precisava.

Oh, you know when you're alone

(oh, você sabe que quando está sozinha)

I am holding on and on and on and on

(eu estou segurando, segurando, segurando)

Oh you know when you're alone

(oh, você sabe que quando está sozinha)

I am holding on and on and on and on

(eu estou segurando, segurando, segurando)

to your soul, your soul, your soul, your soul

(sua alma, sua alma, sua alma, sua alma)

Sentiu o bolo em sua garganta aumentar e depois do que pareceram meros segundos - mas, foram apenas dez minutos - ele tirou as mãos dela. Recostou na poltrona, passando a mão no rosto e em seguida pelos cabelos. Esfregou os olhos. E pôde sentir quando um soluço sacudiu seus ombros para então começar a chorar baixinho. Fungou, afagando uma última vez os cabelos castanhos da garota e se levantou, sem se dar ao trabalho de arrastar a poltrona para o lugar.

Trocou de lugar com Harry sem dizer uma única palavra - o amigo parecera entender o recado quando, Rony percebeu, olhou para o rosto do ruivo que ainda deveria estar molhado.

Rony se sentou na terra fria e observou todo o ar do fim da madrugada, antes de soltar um longo suspiro e se permitir continuar com os martírios inúteis que sua mente fazia. Ele, definitivamente, preferia os pássaros do sexto ano.

Soul shine

(brilho da alma)

It's must've been so tight

(isso deve ter sido tão apertado)

Don't cry, I must've been so blind

(não chore, eu devo ter sido tão cego)

As batidas do coração de Hermione começaram a se normalizar agora. Depois que sentiu um afago nos cabelos e ouviu passos ficando cada vez mais longe, virou para o lado, com os olhos bem abertos, puxando todo o ar que lhe foi permitido. Seu corpo começava a dor, por tanto tempo que ficara contraído.

Durante todo o monólogo de Rony, a tentação de virar para encará-lo foi perturbadora. Ela tinha que ter certeza que era ele que estava ali. Seria alucinação aditiva? Estaria ela delirando? Não! Tinha que ser ele. Era a voz dele. A pele que entrou em contado com a sua bochecha era a dele. Tinha certeza. Por que ele simplesmente não falava tudo aquilo com ela mais cedo? Daquela mesma maneira.

Como ele podia ter sido tão cego e continuar sendo tão cego?

Quando notou o tom embargado da voz do ruivo, por pouco não se levantou para se jogar em nos braços dele; teria ficado assim a noite inteira. Pensamentos...Pensamentos....iria acabar explodindo. Algo a conteve. Não a deixou reagir. Ela poderia, seria mais simples. Provavelmente o mesmo algo que o impedia de conversar com ela abertamente. Sentia que oprotego que Harry lançara entre os dois permaneceria durante um longo tempo. Parecia que o escudo invisível que os separaram a horas atrás, continuaria entre eles para sempre.

Tão cansativo...

Como derrubá-lo?

Oh, you know when you're alone

(oh, você sabe que quando está sozinha)

I am holding on and on and on and on

(eu estou segurando, segurando, segurando)

Oh you know when you're alone

(oh, você sabe que quando está sozinha)

I am holding on and on and on and on

(eu estou segurando, segurando, segurando)

to your soul, your soul, your soul, your soul

(sua alma, sua alma, sua alma, sua alma)

Quando o sol finalmente se pôs entre as altas árvores da mata, Rony jurou pelo amor que sentia por todos de sua família, que nunca mais abandonaria ninguém pelo caminho de novo. Especialmente ela.

Decidiu que não se protegeria mais de algo que estava destinado a fazê-lo feliz.

E a cada minuto que se passava ali, sentia que a hora certa estava prestes a chegar.

A hora certa para tomar certas atitudes que talvez mudariam sua vida para sempre.

Com uma certeza que aqueceu o peito de Rony, ele chegou a conclusão que Hermione sempre seria a luz que o guiaria de volta para casa.

No, I don't wanna talk about it

(não, eu não quero falar sobre isso)

I just wanna hold your hand.

(eu só quero segurar sua mão)