O Desfastio de Mara Dyer escrita por Layla Magalhães


Capítulo 16
16




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MARA

— VOCÊ NÃO VAI ME DIZER ONDE FEZ A TATUAGEM? — Não sei calcular quantas vezes ele perguntara isso para mim, mas a negativa fora a mesma para todas. — Ou, pelo menos, o que você fizera?

— Não e não.

— Você sabe que, mais cedo ou mais tarde, descobrirei, certo?

— Sei.

— Então diga agora.

Não posso evitar achar graça de sua insistência.

— Não fiz nenhuma tatuagem — zombo dele.

— Você já é meio grandinha para contar mentiras, Mara Shaw.

Dou de ombros.

— Você acreditou?

Ele vira os olhos, achando a pergunta ridícula.

— Não.

— Então pare de me encher sobre isso. Quero fazer uma surpresa.

Ele olha diretamente em meus olhos, sem se desviar. Estamos em um avião há algumas horas e, neste momento, mesmo se essa bugiganga de aço definhar e cair aos pedaços, sinto que seus olhos nunca deixariam os meus.

— Tenho meios para te fazer falar — ele se aproxima o suficiente para que seu hálito quente e doce brinque com minha pele, seu perfume singelo perfurando meu nariz e me tornando consciente de seu cabelo levemente bagunçado, seus olhos azuis brilhando em desafio, seus dedos gelados brincando com a minha cabeça.

— Eu não ligo — minha voz sai apertada da garganta, meu coração acelerado prendendo o fôlego, a mentira cruzando meus lábios e meus olhos afastando-se dos de Noah.

— Mentirosa. Uma má mentirosa, ainda por cima.

Seus olhos fitam-me por trás de fendas, seu sorriso malicioso desobstruindo cada grão de resistência que se acumulara anteriormente por meu corpo. Seus dedos acariciam meu braço e fico rendida a seu contato, rendida feliz e de bom grado a seu contato. Noah me encara de um jeito felino, como o predador que é, pegando sua presa na hora em que ela menos esperava. E é lindo. É quente. Inesperado e desejado ao mesmo tempo. É um conjunto de antônimos, é oito ou oitenta, é Noah Elliot Simon Shaw.

Inclinando-se em direção a meu ouvido, ele sussurra.

— Tente outra vez, minha Shaw.

E Noah não me dá sequer uma chance. Seus lábios se prendem nos meus, seus dentes segurando o inferior com força e a língua o massageando em seguida. Ele passa sua mão de modo sugestivo por minha coxa, o que faz eu me contorcer.

Diante de tanto entusiasmo, chego a considerar que ele parece a grávida, com todos esses hormônios aflorando, o desejo intensificado e a vontade imensa de estarmos juntos o tempo todo.

Ao nos separarmos, estou ofegante, o assento muito mais quente que alguns minutos atrás. Meu corpo está suando e sofrendo com essa preliminar, e tenho vontade de estapear Noah por iniciar algo que não podemos terminar.

— Tentarei mais tarde — respondo a ele, e grogue e bêbada é como minha voz soa. Afogada em meus pensamentos impuros do que eu e Noah poderíamos fazer.

— Mais tarde, então — a ponta de seu indicador percorre a linha do meu queixo e meus olhos acompanham cada pequeno e singular movimento de seu corpo. — Temos algumas horas de voo, portanto acho que devemos aproveitar. Vamos falar de algo mais ameno.

— Mais ameno? — não evito meu tom desconfiado.

— É uma hora boa para discutirmos os nomes.

Pisco algumas vezes.

— E escolher o nome de nosso filho ou filha é mais ameno nessa sua cabeça distorcida?

— Com certeza.

Ajeito-me no assento e respiro fundo.

— O quê?

— Nada.

— Diga logo, senhora Shaw.

Estalo a língua, derrotada.

— Você fica sexy quando falamos do nosso filho.

O sorriso presunçoso que ele dá em seguida me faz querer afogar sua cabeça na privada e pular no colo dele ao mesmo tempo.

— Bem, eu não ficaria surpreso. Sou sexy em todas as circunstâncias.

Imito-o, resmungando e fazendo careta, o que o faz gargalhar.

— Isso sim é sexy como o inferno. Sabe — ele pega meu queixo em suas mãos e olho feio pra ele —, a gravidez só ressaltou seus melhores lados.

— Espere só mais alguns meses. O lado da frente estará bem ressaltado. A barriga, os braços, os pés...

— Os seios — acrescenta ele, interrompendo-me, suas sobrancelhas num ângulo sugestivo.

Os nomes, Noah — relembro-o relutantemente.

— Bem, os nomes. Você tem alguma sugestão?

Umedeço os lábios, pensando.

— Não parei para pensar em um nome. Não de verdade. Depois que Lieben se referiu à criança por anjo, não tenho visto de outra forma.

Avaliando-me por alguns segundos, ele dá de ombros.

— Anjo é um bom nome, Mara.

— Não é muito convencional, mas me soa quase como se fosse... comum. E nossa criança não será comum, Noah.

Seu sorriso de concordância responde o meu comentário. Dou-o alguns minutos em silêncio, já que parece que Noah está compenetrado em algo.

— Ahren.

— Saúde? — Caçoo.

— Não faça piada agora, Mara — repreende ele, contendo-se para não rir também —, estamos discutindo algo que definirá nosso filho.

— Está bem, está bem. Ahren. — Peso a palavra em minha língua. A pronúncia soa aniguio em meus ouvidos. — O que é isso?

— Anjo. Em russo.

Pisco algumas vezes com a revelação.

— Ahren — suspiro o nome, respiro-o. É adorável.

— Malak — tento não ouvir algo parecido com meleca, mas é impossível.

Melécon — repito, certificando-me de não falar meleca — é anjo em qual língua?

— Árabe.

Sorrio, e percebo-me acariciando minha barriga inconscientemente. Não é por acaso que a palavra amor tem tantos representantes verbais, gestuais e físicos por aí. Meu filho será pintado por tantas línguas diariamente que tê-lo perto de mim sempre para chamá-lo de meu é quase egoísta.

— Ange — Noah sugere, e reconheço a palavra. Angê. Francês.

Sorrio-lhe.

— É muito bonito, Noah, embora eu desejasse algo mais único. E que não me parecesse tanto com meleca.

Rindo, ele pede mais uns momentos para pensar.

— Anioł.

Ãniou. Uma nota de música em meus lábios, quase uma cantiga profunda que sobe do meu ventre até minhas cordas vocais. Meu coração dispara com a sonoridade e sinto-me trêmula, como se algo interno estivesse estimulando-me, avisando-me. Dizendo sim.

— Ani — sussurro por entre os lábios. Anjinho.

— É polonês. E serve para ambos os sexos.

— É lindo. E é perfeito. — Seguro seus dedos em meus lábios e descanso um beijo na mão — Eu amei.

Noah sorri por trás de meu beijo, seu olhar apaixonado no meu.

— Sabe o que mais eu amo?

De apaixonado à travesso, de oito a oitenta, seu olhar muda.

— O quê?

Suspiro em sua pele, expirando carbono e ganhando em troca o perfume que jazia em seus pulsos. Não sei como ele faz para ficar perfumado o tempo todo e na medida certa, mas bem, ele consegue. Tenho vontade de me vingar dele por isso, por ser tão demasiadamente bonito e sexy o tempo todo, mas penso em algo melhor do que vingança.

É melhor aproveitar-me dele do que vingar-me dele.

Com meu subconsciente lembrando-me de que estamos em um avião cheio de pessoas, permaneço segurando sua mão com a minha esquerda enquanto a direita começa a viajar, lentamente, por seu antebraço, passendo por seu bíceps, massageando o ombro, descansando no começo de seu couro cabeludo.

Os lábios dele se abrem e posso ouvir o ar sendo sugado por eles. Não seguro o sorriso malicioso que força-se em meu rosto. Eu sei como é, Noah, ter de abrir os lábios para respirar porque os pulmões estavam sufocados demais, cheios demais, afogados completa e irrevogavelmente em você.

Você, Noah Shaw. Vamos voltar a você.

— O quê você ama, Noah?

Ele pisca rapidamente, contudo cada vez que seus olhos se fecham e então tornam a se abrir, suas pupilas dilatadas ficam mais aparentes.

— Você — ele pausa o suficiente para eu achar que esta é a resposta, entretanto Noah continua —, está me excitando em um local lotado. Eu, um marido fiel, um médico respeitado, futuro pai de família honesto e cristão.

Bufo, rindo do que só pode ser o discurso mais infame da história dos discursos infames. Nem a pessoa mais inocente do planeta cairia nessa.

— Praticamente um santo — Caçoo, meus dedos persistentes rabiscando desenhos abstratos na nuca dele.

— Isso é muito cruel de sua parte, Mara. Como você dorme de noite? — O sorriso desafiador dele é delicioso. Grita para que eu pare de falar e beije-o, beije-o sem parar, buscando e recebendo cada vez mais dele, como alguém com bronquite inspira cada vez mais ar sem nunca ter o suficiente. Afora isso, sei que eu gostaria muito mais de continuar nesta brincadeira, que eu apreciarei ainda mais se deixá-la amadurecer e crescer e tornar-se doce e satisfatoriamente comestível.

— Eu não durmo — pausadamente, sílaba à sílaba é como a frase dança por meus lábios. Insinuante. Desafiadora. Assim como Noah.

— Não dorme, é?

— Raramente. Pelo menos, não antes da minha atividade física.

— Sempre soube que havia um lado atleta dentro de você — brinca ele.

— Só com você.

Seu polegar delineia meus lábios.

— É isso que eu amo. O fato de você ter milhões de versões de si mesma e eu adorar cada uma delas. A Mara chata, a resmungona, a mandona, a infantil — mostro a língua para ele, que ri ao continuar —, a atleta, a violenta, a safada, a dona de casa, a futura mãe, a amante, a Mara família, a profissional, a leitora... São múltiplas facetas, mas todas são encantadoras. Principalmente a minha Mara.

— Que seria...?

— O conjunto de todas elas — ele para por um segundo, como de estivesse pensando —, mas a safada se sobrepondo. Como se cada Mara participasse 10% e a safada uns 40. Talvez 50. Que tal deixarmos só a Mara safada agora?

— Crápula.

— Deliciosa.

— Sabe, vou te fazer pagar por essas coisas.

— De que jeito?

— Farei uma lista de desejos e a deixarei prontinha para cada gracinha sua. Serei bem específica. Um dia desejarei tomar um chá da China. Outro, uma macarronada italiana. Uma feijoada do Brasil...

— Captei bem a ideia — resmunga ele.

— E?

— E me comportarei bem, vossa majestade.

Bato na coxa dele duas vezes, como se parabenizando-o.

— Ótimo. Algo me diz que a gestação será infinitamente mais fácil se você for bonzinho.

Noah bufa, descrente.

— Por falar em gestação, quando iniciaremos nosso pré-natal?

Não sei se acho o nosso engraçado ou fofo, entretanto deixo passar, querendo ser boazinha para Noah também.

— Marcarei com um bom doutor assim que chegarmos. Tem algum para me recomendar?

— Que bom que você perguntou. Conheço um que faz um trabalho ótimo, além de ter mãos ágeis, um cabelo incrível e ser absolutamente lindo, com —

— Algum que não seja você — interrompo-o.

— Que pena. Se é isso que você quer, conheço um com trinta anos a mais que você e trinta milhões de fios de cabelo a menos que eu na cabeça. Ele será ótimo.

Sorrio, quase não acreditando na ousadia dele. Apoio-me em seu ombro e fecho os olhos. Com a mão sobre a barriga, meu polegar a acaricia, e fico uns momentos fazendo isso até que Noah une sua mão à minha e juntos, ele, eu e Ani, ficamos totalmente em paz.

— Aliás — sussurro em seu ouvido —, sobre mais cedo, quando te perguntei se sabia o que mais eu amo...

— Sim? — seus lábios sopram as palavras, de olhos ainda fechados e com a mão ainda junto da minha.

— Eu amo você.

Noah beija minha cabeça e aperta-me mais em seus braços.

— Idem.

Sorrio mais ao notar como ele pode ter se referido a me amar ou a amar ele mesmo, porém não volto a falar. Aconchego-me mais nele e caminho para a sonolência, sentindo-me sortuda por não apenas Noah ter me perdoado por seu pai, mas também por tê-lo, por conhecê-lo, por ter a oportunidade de compartilhar a minha existência com a dele.

— Amo vocês, Mara Shaw e Ani Noah Elliot Simon Shaw — ele diz baixinho.

— Nem morta eu deixo você fazer isso — fuzilo-o com o olhar.

— Isso o quê? — Noah se faz de inocente e é incrível como consegue derreter meu coração, mesmo de olhos fechados.

— Dar todos esses nomes à criança. É quase como puni-la por todas as artes que fará antes mesmo de nascer.

— Falaremos disso mais tarde — sorri ele, com os lábios fechados e a omoplata apoiada em minha cabeça.

— Curioso, tinha quase certeza que fora você quem dissera para falarmos sobre isso agora.

— Falei, mas isso foi antes.

Observando-o atentamente, ele parece mais tranquilo do que jamais vi, respirando devagar e jazendo relaxado sobre o assento.

— Antes do quê?

— De eu sentir Ani, de sentir vocês. Há uma conexão, algo unindo vocês sob uma só bolha, e eu estou entrando de carona. Não sei explicar — ele umedece os lábios, pensando —, mas é fortificador. Sinto-me bem, feliz, tranquilo, em paz comigo e com o mundo. Estou bem como nunca me senti antes. Acredito que esse seja o objetivo da família. E, Mara, não sei calcular o quão sortudo sou por ter uma com você, só sei que nunca ignorarei o que temos aqui.

Noah me olha nos olhos agora e sorrio. Ponho minha mão acima da tatuagem com meu nome em sua clavícula e prometemos silenciosamente um ao outro manter este combinado para sempre. Estarmos sempre juntos, sempre em união. Compartilharmos dos momentos bons e ruins, dividirmos o muito e o pouco, amar e comprometer-nos um com os outros. Expandir nossa bolha. Intensificá-la. Vivê-la.

E, pela primeira vez, sinto com antecedência que uma promessa será cumprida e que repercutirá longamente nas linhas genealógicas — da nossa família e do tempo.


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