Lirismo de um idiota. escrita por Atenas


Capítulo 1
Jasmim e livros.




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Eu não sabia como era estar apaixonado.

Mas me lembro das sensações dos primemos dias;
Acampei com seu irmão no quintal da sua casa, há treze meses atrás, e bebemos a noite toda, até me dar vontade de ir ao banheiro, e eu escolher a lateral da sua casa de onde dava pra ver a sala de leituras, e você estava deitada sobre o sofá, os olhos concentrados numa poesia de Vinicius de Morais. Você estava de blusa de manga comprida e calcinha branca, os cabelos louros presos num coque desajeitado, mordia o canto da boca muito rosa e na lateral da sala, uma vitrola tocava cartola.

Você não me olhou.

Nem por um segundo.

Apenas levantou-se, espreguiçou-se e riu de uma piada interna. Eu me apaixonei pela sua gargalhada. Apaixonei-me pela blusa de lã e por cartola. Então Martins me chamou e fui obrigado a deixar sua companhia não correspondida.

Não dormi por alguns dias - eu não durmo há dias! - até comprar um daqueles remédios para crianças hiperativas na vitrine da farmácia mais próxima. Eu fui à sua casa por mais três vezes até você me notar. Estava de calças pretas de moletom e regata de renda branca. Sorrindo, olhou em meus olhos e por uma fração de segundos, o que pareceu tempo demais, eu senti o peso do seu olhar. Ofereceu um, recém notado, pedaço de chocolate e, com a voz de arpa, admitiu como uma desculpa:

- Não resisto aos amargos.

E eu soube que era você. Por quê ninguém gosta de chocolate amargo. Eu neguei com a cabeça, mas não pude evitar te mostrar um sorriso.

- Vou pra biblioteca, por favor não entre sem bater. - você se dirigiu ao irmão que mastigava um pedaço enorme de frango.

- Não gosto da biblioteca, gêmea querida. - ironicamente.

Você revirou os olhos, ofereceu-me mais um sorriso e saiu, inaudível, pelo corredor extenso.

Ninguém notou.

Só eu.

E o chocolate amargo começou a ficar bom. Eu comecei a ouvir cartola. E ler Vinícius.

Passaram-se três meses.

Te chamei pra sair quando te vi pela sexta vez e você estudava ouvindo música. Lembro da sua expressão; um sorriso presunçoso como se tivesse apostado consigo mesma, e ao mesmo tempo, surpresa como se jamais tivesse me notado. E fazer amor na segunda noite nunca foi tão bom.

E você gostou do meu apartamento, sugeriu uma vitrola no canto, uma sala só com tapetes, quadros e livros além de um banheiro mais azul.

A cada palavra sua, à cada sílaba, eu sabia o que sentir.

Sabia como sentir.

E você nunca foi vulgar. Nem de lingerie vermelha e batom escuro... Em cima da minha cama, deitada no tapete branco, tomando banho de porta aberta ou meditando no balcão da cozinha. Você era sexy sem querer, com minhas jaquetas de couro, e calcinha de algodão. Você era toda exata e surpreendente. Como um déjà-vu que a gente nem imagina de onde veio, mas a sensação é como fogo num dia de neve.

E seis meses se passaram, e eu comprei a vitrola, e você se mudou pra minha casa. Você me deu um cachorro - de pelos dourados, pequeno como uma bola de algodão, que chamamos de Chest - e instalou estantes nas paredes peroladas. A gente tirou os móveis da sala de estar e pintamos uma parede com cores aleatórias, e você cantou caetano, recitou Drummond e pedimos comida indiana.

E você era tudo o que eu sempre quis. E eu te beijei na escada, te beijei sobre o balcão e com a geladeira entreaberta. Eu te amei no sofá, no tapete, na banheira e em cada cômodo que você preencheu. Eu sentia seu perfume todas as manhãs, quando preparava cappuccino com chocolate amargo e comprava morangos - porque você sempre amou morango.

E mais três meses se foram.

Nós brigamos pela primeira vez, saindo de um caminho torto para entrar num beco porque você nunca teve noção de espaço, mas isso nunca foi importante. E você marcou com suas amigas na escadaria da faculdade e elas não apareceram e eu não consegui sorrir e dizer que não tinha problema nenhum.
Eu devia ter me esforçado mais.

E o vizinho pisou na pata do Chest sem querer e eu fiquei vermelho de raiva e você tocou meu ombro, mas meu olhar foi duro demais, e você teve que desviar. E eu sei que errei. Sei que arranhei nosso disco de Chico Buarque e álbum branco dos Beatles caiu da estante e Chest molhou o tapete.

E eu gritei.

Eu não consegui ser melhor.

E eu queria que o tempo tivesse congelado quando te vi sair do apartamento com o rosto molhado, o sorriso borrado e os cabelos louros revoltos. Eu virei as costas em meio a uma discussão, e você nunca fez isso comigo, e eu já não sabia mais o que sentir, mas o peito afogado, sentia falta de ar de tanto amor. E eu quis pedir perdão, mas você já havia saído.

E nós discutíamos por causa da vitrola, por causa do meu pessimismo e pela forma como eu havia falado com o vizinho. E eu não sabia o que fazer, porque eu nunca soube. E as rosas secaram, o tapete manchou e o cappuccino esfriou.

O vizinho voltou a me cumprimentar e a vitrola parou de travar mas você não voltou.

Um mês se foi e a porta continuava aberta.

Sempre que eu sentia o cheiro de jasmim e livros, meu peito insistia em olhar por cima da mesa da cozinha, só pra fitar a porta estática.

Mas eu te liguei.

Liguei por dias, por horas seguidas até a operadora começar a travar.

Eu fui até a sua casa e falei com seu irmão até ele me dizer que você havia viajado com seus pais e eu ter sentido o peito sufocar de vez.

E nenhuma foto mostrava o brilho exato do teu rosto, nem o ângulo certo do seu queixo. Nenhum vídeo nosso tinha as mordidas nos lábios de quando se concentrava e nenhum deles segurava meu ombro quando eu me estressava.

Nenhum deles.

E eu não consigo mais me lembrar de como é não estar sufocado.
Não consigo mais me lembrar de como é dormir uma noite inteira sem sentir Chest me olhar como se eu fosse o vilão.
Eu não me lembro de como é não amar você.


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