Mommy escrita por Eponine


Capítulo 1
Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo...




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Tenho medo da vida, minha mãe.

Canta a doce cantiga que cantavas

Quando eu corria doido ao teu regaço

Com medo dos fantasmas do telhado.

Nina o meu sono cheio de inquietude

Batendo de levinho no meu braço

Que estou com muito medo, minha mãe.

Repousa a luz amiga dos teus olhos

Nos meus olhos sem luz e sem repouso

Dize à dor que me espera eternamente

Para ir embora. Expulsa a angústia imensa

Do meu ser que não quer e que não pode

Dá-me um beijo na fonte dolorida

Que ela arde de febre, minha mãe.

Aninha-me em teu colo como outrora

Dize-me bem baixo assim: — Filho, não temas

Dorme em sossego, que tua mãe não dorme.

Dorme. Os que de há muito te esperavam

Cansados já se foram para longe.

Perto de ti está tua mãezinha

Teu irmão. que o estudo adormeceu

Tuas irmãs pisando de levinho

Para não despertar o sono teu.

Dorme, meu filho, dorme no meu peito

Sonha a felicidade. Velo eu

Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo

Me apavora a renúncia. Dize que eu fique

Afugenta este espaço que me prende

Afugenta o infinito que me chama

Que eu estou com muito medo, minha mãe.

Vinicius de Moraes

— Você é o meu amorzinho. — sussurra no ouvido do recém nascido, estreando seus pulmões na Maternidade do St. Mungus.

James Potter ouviu aquela frase várias vezes em sua vida. Ele a ouvia durante seus banhos, ou quando ele se agarrava a Ginny como se quisesse voltar para seu útero de qualquer forma. Ele se ajeita em seu tronco de forma delicada, e a abraça por inteiro como se pudesse entrar dentro dela novamente.

Ele foi um bebê carinhoso, é o que Ginny diz.

— Você pode dividir sua mãe comigo um pouquinho? — indagava Harry para o pequeno James de quatro anos, que fitava o pequeno Albus no colo do pai com uma espécie de raiva.

— Não! — a morte para James era toda vez que Ginny encostava em Albus. O mundo se abria, meteoros invadiam os céus, o inferno subia a terra e qualquer passo em falso ele seria abandonado e esquecido para sempre.

— Está na hora de Albus mamar, James, só um momentinho...

— NÃO! — e então começava seu show semanal. Jogava-se no chão como se estivesse tendo uma convulsão, sentindo-se traído pelos pais. Como esperavam que sobrevivessem com aquele ser desconhecido roubando o seu lugar. Sentia um ódio mortal da criança de olhos verdes enchendo-se com os seios de sua mãe, olhando James como se fosse uma atração de circo. Então o pai o pegava do chão enquanto ele se sacudia, pronto para lutar por seu posto ao colo da mãe, mas era arrastado por seu traidor para longe de sua mãe, que parecia sofrer tanto quanto ele.

— O primeiro é sempre o mais doloroso. — explicou Molly Weasley a sua filha. — É sempre assim. Mas apenas durante um tempo, acredite. Depois, minha filha... Depois os papéis se invertem.

Como se Albus não fosse o suficiente, outro ser tentou tomar seu posto. Mas a separação já não fora tão dolorosa. Ele já não sentia a mesma necessidade de Ginny. Apenas quanto o mundo arecia muito grande e ele, muito pequeno. Então ele corria em direção da mulher ruiva como se fosse um bote de salva vidas.

E apenas um trago de seu perfume e a maciez de seu tronco sob seu rosto, o véu ruivo de seus cabelos cobrindo seus olhos era o suficiente para se proteger do mundo.

James se lembra da vez que prendeu a cabeça de Albus na escada como se fosse ontem.

Ele tinha apenas oito anos, e fizera aquilo por simples prazer em provocar sua mãe. Ele sentia algo diferente quando aquela mulher alta e imponente trancava sua mandíbula, trêmula, com os olhos fixos em seu filho, a beira de um ataque. O garoto sorria lentamente e se preparava para um jogo mental com sua mãe, quase a levando a loucura.

— Você quer matar seu irmão? É isso? — ela passa as mãos em seu vestido, a procura de algo que James já tinha em mãos. Ginny Potter tem um leve tremelique em seus olhos, tensa ao ver sua varinha nas mãos do garoto de oito anos. — Me dê a varinha.

— Não, eu vou fazer alguns feitiços, como eu pedi. — explicou o garotinho. James sentia que a mãe estava lidando com um demônio, pois ela respirava fundo e fechava os olhos, sempre tentando manter a voz baixa. Mas não adiantava de nada. Ela sempre acabava surtando, correndo atrás dele aos berros, apertando suas mãos contra seus pulsos como se fossem algemas, histérica.

James se perguntava se a mãe iria bater nele, mas quando ela parecia estar no ápice de seu colapso, ela parecia enxergar seu filho, e então abaixava a varinha ou a mão, parando de tremer. Ele se perguntava o que era aquilo. E porque acontecia. Ele a testou várias vezes, mas nunca conseguia passar daquela parte.

Era sempre a mesma cena, com diferentes cenários, roupas, e até mesmo tamanho.

A mulher ruiva já não era seu porto seguro, na verdade, ele já conseguia se virar sozinho. Não precisava que ela perguntasse se ele estava com diarreia toda maldita vez que ele fosse no banheiro, por mais que ele estivesse. Não era mais um bebê como Lílian, era quase um adulto, pois iria para Hogwarts em breve.

— Não quer um chocolate quente?

— Não! Isso é para crianças, ofereça para Albus!

— Tem certeza?

— EU JÁ FALEI QUE SIM! — então chuta seus brinquedos, por que sua mãe era tão insistente? Por que era tão chata? Por que não percebia que ele já podia ser tratado como adulto? James se nega a sentir seu coração se desfragmentando enquanto observa a garotinha ruiva sorridente no colo de sua mãe, com sua madeira cheia de chocolate quente, e nem com Albus sentado aos pés da mulher ruiva que repousava na cadeira de balanço na varanda, também com seu chocolate quente.

Ele já não era um bebê.

E ele odiava Ginny.

Tudo começou aos doze. Ele já não queria que ela o chamasse de “amorzinho” ou passasse a mão em sua cabeça da mesma forma que acariciava um cachorro. Odiava a forma como ela apertava o cordão umbilical, sempre o tocando, perguntando coisas estúpidas. Parecia que até mesmo sua respiração o irritava.

James odiava com todas as suas forças a forma como ela lambia os dedos após tocar os mantimentos em seu prato. Seu sorriso aberto demais. A forma como suas unhas não cresciam e o fato dela ter mais roupas masculinas do que femininas em seu guarda-roupa. Se perguntava o porque dela não poder ser como sua tia Hermione, feminina, educada...

— Então, como está Hogwarts?

— Normal.

— É isso? Só normal?

— É! Você quer que eu invente algo para te contar?

— Bem... É que Hogwarts sempre tem algo novo. Alguma aventura...

— Aventura? Dá pra você falar como se estivesse em 2020, por favor?

— Por que você está tão irritado?

— Porque você só faz pergunta estúpida!

— EI! — a voz forte de Harry interrompe o dialogo, como em todas as vezes que ele está presente. Então os olhos castanhos parecem terrivelmente tristes para os olhos castanho esverdeado, tão semelhantes aos dela. Uma onda de remorso o invade, mas o orgulho é forte o suficiente para que ele desvie sua raiva para o pai. — Respeite a sua mãe...

— Que droga, tudo nessa casa é ofensivo, não se pode fazer nada! Saco! — e se levanta. Não precisa de Ginny, muito menos de Harry. Não lhe interessa se seus pais são famosos, se são importantes, são completos idiotas ignorantes. Ele não é imaturo como dizem, é o único de seu dormitório a acordar no horário. E o fato dele se atrasar para algumas aulas é porque sempre há um imprevisto, não é culpa dele...

São tão incompreensíveis e imbecis, sequer se dá o trabalho de responder as cartas melosas de Ginny Weasley. Mas às vezes responde, quando precisa de galeões para algum show ou festa. Seu pai lhe nega dinheiro, mas sua mãe sempre foi generosa.

Sempre que precisasse, lá estava ela. E sempre com uma quantia maior do que precisava.

Então lhe dá um beijo e um abraço, e se estiver longe demais para isso, envia um chocolate ou uma flor, agradecendo-a. Tem a melhor mãe do mundo as vezes, mas só quando ela não enche o saco. Como nas vezes que leva seus amigos para casa e ela começa a tentar falar gíria e parece uma retardada mental.

— Sua mãe é demais. — comentou Catherine Davis, fechando a porta de seu quarto. Ele enrugou a testa para a garota.

— Claro, ela é bem legal em duas horas de convivência. Agora tente ficar perto dela por dezessete anos. — retrucou, seco.

— Nossa, ela é tão horrível assim?

E como! A respiração dela era feita para provoca-lo. Ela sempre parecia esperar ele fazer algo errado para esfregar na cara dele como era irresponsável e imaturo, sempre relembrando coisas que aconteceram décadas atrás. Entre gritos e batidas de portas, eles tentam se defender:

— MAS QUE SACO, VOCÊ JÁ DISSE ISSO, EU NÃO SOU RETARDADO!

— Por que está gritando? Você acha que eu sou surda? Ou você quer me deixar surda? É isso? Bem capaz, você só quer meu mal..

— EU QUERO SEU MAL? TUDO QUE VOCÊ FAZ É PARA ME DIFAMAR NA FRENTE DE PAPAI PARA QUE ELE PENSE QUE EU FAÇO TUDO ERRADO, VOCÊ É DISSIMULADA!

Ei! Mais respeito, James Sirius...

— ME DEIXA EM PAZ! — a frase mais repetida durante longos nove anos. Então o fato de Ginny vestir macacões em vez de saias passou a ser menos irritante. E ele conseguia se controlar quando a via lambendo os dedos, apesar de esboçar uma expressão de nojo evidente. Conseguem manter uma conversa durante algumas semanas, então brigam, mas alguns dias depois voltam a se falar como se nada tivesse acontecido.

James parte para a faculdade e nunca, em toda a sua vida, pensou que iria sofrer tanto. Não sabia lavar suas roupas, nunca lembrava o feitiço para desinfetar seu banheiro, sobrevivia de fast-foods e pensou que iria morrer sem descobrir como se forrava uma cama. Mas Ginny sempre aparecia nos fins de semana, pronta para limpar a casa e lhe preparar grandes panelas de comida para que não morresse de fome até ela voltar.

E nunca pensou que sentiria tanta falta dela.

Mas tinha que assumir, ambos precisavam daquilo. Morando longe, ver Ginny era algo bom, por mais que se irritassem após cinco horas de pura risada e troca de histórias, ele tinha mais uma semana para se abastecer de paciência.

As cartas eram respondidas, as vezes Ginevra tinha de ler rolos enormes de pergaminhos com dúvidas cruéis na vida de James, desde que vassoura ele iria comprar até se ele realmente iria ou não insistir em um relacionamento com Catherine Davis. As visitas semanais se tornaram mensais, até, aos poucos, se tornarem anuais.

— James, meu amorzinho! — as rugas e os fios brancos de Ginny fazem James e Catherine sorrir. — Cath, tudo bem?

— Tudo sim, Sra. Potter.

— Quando vai me chamar de Ginny, hein? — sorri a mulher, que antes James tinha que olhar para cima, agora tinha que olhar para baixo para poder vê-la. — Afinal, em breve você será uma Potter também!

Há tanta coisa para ser contata para Ginny e Harry que ambos ficam algumas horas ouvindo o filho falar infinitamente. De vez quando em quando o homem de 68 anos se levanta, com um pouco de dificuldade, e busca um copo d’água, mas Ginny está sempre muito concentrada nos problemas histórias e piadas do filho. Eles sorriem para o casal, encantados.

— Não cuspa aí! — James leva um tapa extremamente forte em sua nuca. — Quantas vezes eu vou ter que falar?

— Não dava tempo de... — outro tapa.

— Mentiroso! Eu não te criei para virar um porco! — então estava na hora de ir embora. E Ginny iria ter que esperar mais alguma data comemorativa para ver seu filho. O viu novamente em seu noivado, depois em seu casamento, e depois quando comprou uma casa nova.

Na vida a dois, James sentia muito medo, então tinha esboços da cortina de madeixas ruivas de sua mãe contra o sol e como aqueles fios delicados pareciam capazes de impedir o mais forte dos feitiços contra ele. Mas estava longe demais para correr para o colo de sua mãe. E velho demais. Essa necessidade jamais passou, mas ela foi diminuindo gradativamente...

Enquanto a de Ginny aumentava.

Ele a amava cada vez menos.

Ela o amava cada vez mais.

Seus três filhos estavam espalhados pelo mundo quando Harry Potter pegou uma forte pneumonia aos seus 87 anos. Um problema simples como esse era grave para alguém nessa idade. A pequena Courtney Potter fazia um milhão de perguntas para sua avó no quarto de hospital, querendo ter certeza do que seu avô tinha.

— Olha, mãe, Lily, está chegando, então... Acho que já vamos, não queremos que o quarto fique muito cheio. — explicou James, olhando seu relógio. Catherine estava na Alemanha para uma pesquisa de células tronco.

— Lily? Mas...

— Eu vejo você depois, me mande noticias do papai. — O homem sai porta afora. Lílian não chegou, houve imprevistos em seu trabalho. Albus estava longe demais para simplesmente aparecer no hospital, então teriam que esperar um pouco mais. James acha que a mãe está preocupada demais, há tantas poções para pneumonia...

E outra, fariam de tudo para que Harry Potter se curasse o mais rápido possível, não era preciso tanto alvoroço. Ele não estava lá quando seu pai recebeu alta pois tinha que marcar presença na festa de seu chefe, conheceu muitas pessoas influentes nesse evento, seria ótimo para trabalhos futuros.

Quando Courtney fez treze anos a situação estava tão complicada, ainda mais com a ausência frequente de Catherine, que James teve que visitar a mãe e pedir alguns conselhos. Mas Ginny Weasley já não tinha a mesma memória aos 91 anos, na verdade, estava péssima. Tão ruim que ele a encontrou no St. Mungus.

— Sua mãe quase colocou fogo na casa. — explicou o velho Harry Potter. — Tentamos falar com você, mas... Puxa filho, será que...

— Que droga de demora, quanto tempo leva essa consulta? — indagou Albus, espreguiçando-se em uma cadeira ao lado de Lílian, entretida com uma revista.

— É Alzheimer? — indagou James. Harry levou alguns minutos para conseguir entender o que o filho falou, estava meio surdo do ouvido esquerdo.

— Não sei muito bem... Ela anda esquecendo muito as coisas.

Surface of Atlantic - No Sleep, Walk

Era Alzheimer.

Uma doença trouxa completamente sem cura. Antes de enlouquecer totalmente, Ginny fez um apelo a o único ser que a entenderia por completo.

— Mãe... Eu...

— Mudar o que podemos mudar, aceitar o que não pode ser mudado, e entender a diferença entre as duas coisas. — ela já não tinha a cortina de madeixas ruivas. Seu cabelo era curto como o do marido, e branco. Havia pouco da mulher imponente que James temia, mas ao mesmo tempo desafiava, sempre testando seus limites.

O mundo bruxo estava devastado. Lílian saiu de seu emprego e dedicou-se integralmente a sua mãe, mas não aceitou sua decisão, afastando-se dela na hora que mais precisava. Albus parecia não conseguir digerir a ideia, mas Harry parecia entender sua esposa, mas relutava por egoísmo. Não queria ser deixado para trás.

Os meses se passavam e a situação se agravava, então ele assinou o que tinha de ser assinado, cortando também seus laços com Lílian até os últimos dias de sua vida e um rancor de sua tia Hermione, já que seu tio Ron já tinha partido há tempos.

Você é o meu amorzinho. — sussurra no ouvido do homem de 50 anos, na Clínica Médica do St.Mungus.

James Potter ouviu aquela frase várias vezes em sua vida. Ele a ouvia durante seus banhos, ou quando ele se agarrava a Ginny como se quisesse voltar para seu útero de qualquer forma. Ele se ajeita em seu tronco de forma delicada, e a abraça por inteiro como se pudesse entrar dentro dela novamente.

Mas não podia.

Custou para entender que conforme seu horizonte crescia, o de sua mãe diminuía gradativamente, de forma que ele jamais poderia impedir. A mão enrugada acaricia as mãos das quatro pessoas que a rodeiam. Pensou em como era bonito a árvore da vida.


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Notas finais do capítulo

Uma homenagem a minha mãe, claro que há muito meu aí. Mas ainda estou na fase pós adolescencia, ali onde James consegue controlar seus surtos hormonais.

Provavelmente vão achar absurdos a forma horrível como James pensava e tratava Ginny, mas quando eu escrevi, eu vi o quão horrível eu fui durante a adolescencia e coitada das mães que tem que aguentar isso. Não posso ser hipócrita e dizer que fui um anjo. Eu não fui.

Árvore da Vida e Eu Matei Minha Mãe foram grandes inspirações, recomendo.

É isso, espero que tenham gostado. Acho que quem me acompanha já deve ter notado que gosto de mostrar relacionamentos familiares hahahaha É mais fácil de falar sobre.

Ou nem tanto.

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