Lágrimas de Cristal escrita por Everlak


Capítulo 1
Real


Notas iniciais do capítulo

Olá amiguinhos!
Desde já, bem vindos ao meu mundo!
Eu espero que gostem da história pois eu implementei muito esforço nela!
Bom, sem mais nada a declarar, Boa leitura!



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As letras giravam na minha cabeça.
Letras, palavras que já não faziam mais sentido para mim. Eram apenas um aglomerado que já não se conectavam entre si. Talvez fosse hora de parar, pensei. Fecho o livro e o deixo sobre a mesa-de-cabeceira. Faltavam apenas dez páginas para terminar o livro mas da forma em que me encontrava, cheia de sono, provavelmente nem me lembraria do que aconteceu no final amanhã e teria que reler novamente.
Levantei-me da cama com o intuito de ir até à cozinha beber um copo de água. Estava com a boca seca e eu odiava essa sensação. Não encontro ninguém no meu trajeto. Mas quem encontraria? A mulher-a-dias já tinha terminado o seu horário de trabalho e o meu pai estava de plantão nas urgências do hospital. Ele sempre trabalhou bastante mas desde o divórcio que ele passava mais tempo no hospital do que em casa. Eu até desconfiava se ele não pedia turnos extra só para se manter ocupado. Acho que eles não recusariam alguém que queria trabalhar mais, ou recusariam? Ou meu pai só dormisse naqueles quartinhos minúsculos disponíveis para os médicos e enfermeiros de plantão noturno. Tudo para se manter longe de casa.
Não é que eu me importasse com a distância dele. Eu importava-me era com a falta de reação dele para com o mundo. Ele desligou-se de tudo, exceto do trabalho. Bom, porque se ele deixasse de dar a mínima para o seu trabalho, estaria em sérios problemas. Ou, quem sabe, em possíveis processos jurídicos de negligencia, o que seria péssimo.
Subo de volta para o meu quarto e pelo caminho passo pelas inúmeras fotos de família com sorrisos de orelha a orelha impressos eternamente. Intencionalmente embato com uma dos três nas férias em Ibiza no ano passado e a deixo no chão, passando por cima dos cacos de vidro sem ao menos ter cuidado de não me cortar. Isso doeria muito menos do que saber que tudo estava péssimo e ainda continuavam a sorrir como se a vida estava perfeita. Não estava. Todos pareciam saber menos eu A eterna sonhadora que sempre acreditava no melhor de todos. Pois bem, graças a eles, deixei de acreditar em contos de fadas e passei a apreciar um bom drama ou thriller.
Fecho-me no quarto a aprontar-me para dormir quando ouço a chave a ser rodada na porta lá em baixo. Eu ouço os seus pés se arrastarem para dentro e subir. Percebo quando ele para e adivinho que ele está parado em frente à moldura que eu deixei abandonada no chão. Ouço um suspiro alto enquanto vidros são apanhados do chão.
*
- A tua mãe vem cá jantar hoje.
Eu olho para meu pai com os olhos de repente bem abertos tentando decidir se aquelas palavras saíram mesmo da boca dele. Pelos vistos foi mesmo ele que falou já que não está cá mais ninguém a não ser a Constança e até onde sei, a voz dela é bem aguda, bem diferente da voz grossa de um homem.
- O quê? Porquê? – Questiono incrédula. A meu ver, ela esta terminantemente proibida de entrar nesta casa.
- Porque o filho de um casal amigo estará cá esta semana e achei que seria agradável recebê-lo cá em casa para jantar. – Ele fala de olhos postos no seu telemóvel.
- Isso eu entendo. – Afirmo. – Só não entendo porque ela também tem que vir!
Meu pai levanta os olhos e sua expressão é de repreensão.
- Jéssica, ela é tua mãe. – Ele diz, desviando o foco da conversa.
- Não é não. – Retruco, puxando a cadeira e saindo. Perdi a fome. – Não mais.
Posso ouvir meu pai gritar por mim mas continuo a andar em frente. Pego a minha mochila e o casaco e caminho até à escola, ignorando a paragem do autocarro. Uma caminhada faria bem.
A poucos minutos de chegar ao meu destino, uma buzina me sobressalta e quase dou um grito assustada.
- Mais uma conversa difícil com o teu pai? – O rapaz no lugar de condutor esboça um sorriso meigo de compreensão. – Entra.
Mesmo estando já perto da escola, eu entro no carro de Tomás. Seu cabelo loiro está ainda molhado do banho recém tomado e o seu cheiro a madeira fresca e hortelã invade as minhas narinas. Seu perfume está impregnado no carro inteiro. Isso me acalma, é reconfortante.
- Ele agora inventou de convidá-la para jantar. – Digo, ainda a tentar aplacar a raiva na minha voz.
- Estás a brincar? – Ele pregunta espantado enquanto se mete outra vez à estrada. – Quando ele vai perceber que ela não vai voltar?
- Nunca? – Suspiro cansada e ele repousa sua mão sobre a minha.
- Um dia ele irá perceber.
Tomás estaciona num dos lugares vazios e saímos do carro. Logo vejo uma morena alta, corpulenta, de braços cruzados a olhar na nossa direção. Seus cabelos estão presos num elegante rabo de cabelo alto e o rosto impecavelmente maquilhado.
- Nossa Jéssica, estás péssima – Ela confessa com um esgar.- Noite longa?
Eu percebo a piadinha pervertida assim como Tomás que fica corado. Sempre achei graça à forma como ele se intimida com ela.
- Ano longo, Mónica. – Corrijo.
- Essa birra com os teus pais já está a ficar chata. – Ela bufa com tédio estampado em seu rosto.
- Cala-te Mónica! Se não tens nada bom a dizer, cala-te. – Tomás olha-a com reprovação.
Eu seguro seu braço, esperando que ele se acalme.
- És capaz de dizer ao teu namorado para deixar de ser tão irritadinho?
Para não soltar uma resposta não tão boa ou educada, eu simplesmente ignoro sua alfinetada e me encaminho para a aula, ainda com Tomás sob o meu braço e Mónica atrás de nós metendo conversa com umas colegas da nossa turma. Tomás me dá um beijo na têmpora e se dirige à sua própria aula.
- A sério, vocês dois deviam aceitar minha sugestão e deixar de ser tão melosos. – Mónica fala por cima do meu ombro, o seu rosto a meros centímetros do meu.
- Quando deixares de ser tão inconveniente, eu pensarei no assunto.
*
Bato intermitente a caneta no caderno sem prestar muita atenção ao professor de história. Compreender os antecedentes da segunda guerra mundial não vai ajudar-me a compreender o meu pai, vai? Dificilmente. Se influenciaria na minha nota final? Sem dúvida que iria. Mas não conseguia pensar em notas e médias agora. Eu tenho plena consciência que é o meu último ano e os exames se avizinham a uma velocidade impressionante mas tenho tanta coisa na cabeça que não consigo me importar com isso.
Mal percebo que o toque que sinaliza o fim da aula ressoa pelo recinto e vejo todos sem exceção colocar o material de volta nas suas respetivas mochilas e saírem dali, felizes pelo dia ter acabado. Eu, porém, guardo as coisas com a maior calma, atrasando o momento em que terei que entrar em casa.
Infelizmente para mim, arrumar o punhado de livros e cadernos não compra tanto tempo assim. Meu telemóvel apita dentro do bolso do casaco, indicando que acabo de receber uma mensagem.
“ Esperei por ti algum tempo no portão mas não posso esperar mais. Treino . Se precisares de mim liga-me. E respira fundo nesse jantar. Beijos Jess.”
Só o Tomás ainda me consegue chamar Jess sem receber uma cara feia ou, na pior das opções, um insulto verbal. Minha mãe adorava chamar – me por diminutivos, apelidos fofos e tudo mais. E é por isso que eu odeio. Não me dou ao trabalho de responder à mensagem de texto porque sei que ele não irá vê-la até daqui a duas horas. Por essa altura eu responderia.
Quando chego a casa percebo logo o doce e agradável aroma de tartes recém- assadas. Parece que Constança já iniciou os preparativos para o jantar de hoje. Jantar que eu ainda estava a considerar se iria ou não. Esgueirei-me até à cozinha pronta a petiscar qualquer uma das iguarias que tinha certeza que a mulher estava a preparar.
Deparo-me com Constança a cantarolar, de costas para mim, enquanto remexia o conteúdo de uma panela. Vejo uns aperitivos deliciosos à base de salmão e queijo fresco e estou prestes a surripiar um quando a voz de Constança se eleva:
- Eu sei que estás aí Jéssica e espero bem que não esteja a faltar aí nenhum salgadinho ouviste? – Ela ameaça.
- Eu só ia provar. – Digo de lata. – Afinal, pode estar horrível e tu ficas mal à frente do ilustre convidado.
- Ilustre? – Ela dá uma suave gargalhada enquanto me empurra para fora do caminho dela. – O rapaz não deve ter mais do que 25 anos. É só um rapazote. Só estou a esmerar-me tanto porque já tinha saudades de cozinhar algo além de bifes ou peixes grelhados.
Eu sei que não foi intenção dela mas aquilo me doeu. Eu não tinha culpa se a pessoa que convocava grandes jantares com os amigos e colegas de profissão do meu pai já não estivesse aqui. Fora opção dela, não minha. E não era de estranhar que meu pai não tivesse mais pachorra para esses jantares finos. Eu também não teria.
*
Constança bate na porta do meu quarto sinalizando-me para descer. Das duas, uma: o “ilustre” rapaz chegou ou minha mãe está de volta, pelo menos por algumas horas. Aliso a parte inferior do meu vestido rodado azul e desvio ligeiramente as cortinas para espreitar. Um carro branco está a estacionar. Eu não percebo muito de carros mas tenho quase a certeza que aquele símbolo que parece uma cruz dourada pertence à marca Chevrolet. E minha mãe não possuía um. Ela tinha um Opel. Sei disso porque ela ainda conduzia o mesmo carro que o meu pai lhe dera anos atrás. Com a maior cara de pau. “Ei, eu quero o divórcio. E também quero o carro!”. Deve ter sido um discurso bem monólogo. Ela exigia o que queria e ele acenava como um cão perdido. Queria ter estado nessa reunião para ter colocado uns travões nessa mulher que só o magoou.
Corro outra vez a cortina e desço , chegando à base da escada mesmo quando o convidado chega à porta de entrada, já aberta por Constança. Primeiro olho para Constança que trocara as suas usuais roupas do dia-a-dia por uma farda de trabalho preta e branca muito elegante. Ela estava realmente a formalizar demasiado este jantar. A segunda coisa que reparo é no rapaz e ao contrário do que Constança dissera, ele não parecia nada um rapaz. Era sem dúvida muito mais novo que o meu pai, mas mas não era também nenhum adolescente. Ele parecia ter por volta de 30 anos, talvez um pouco menos.
Ele cumprimenta a mulher à porta com um beijo em cada face e aproxima-se de mim para fazer o mesmo. Eu fico meio constrangida sem saber o que fazer. Com sua aproximação eu sinto o seu aroma inebriante que me faz perder o ar por um segundo ou dois. Sálvia e Pinho, suponho? Eu reconheceria esses cheiros em qualquer lado. Estavas no meu top 10 junto ao alecrim e eucalipto. Sim, eu gostava de eucalipto mesmo que metade do mundo achava o odor forte demais.
Só pelo seu cheiro, já gostara dele. Então quando ele toca seus lábios no meu rosto, parecia o toque entre duas pétalas de rosas, suaves e delicadas. E eu tinha a certeza de que uma das rosas apresentava agora uma tonalidade escarlate.
- Jéssica, não é? – Ele pronuncia, esperando pela confirmação com um sorriso preenchido por covinhas no canto da boca. Covinhas que com certeza iriam fazer Mónica se derreter toda nos braços dele. Eu não ficava indiferente a elas tampouco.
Eu assinto e Constança o puxa para uma conversa casual enquanto lhe serve um vinho do Porto, preferência dele. Parece que ele gosta das coisas doces. Uma pena pois Mónica é tudo menos doce. Aproveito que ninguém me nota e seguro o telemóvel entre os dedos enquanto digito depressa uma mensagem para minha amiga.
“ Gato (um pouco mais velho) com covinhas adoráveis na minha casa. Agora mesmo. ”
Ando despreocupadamente para o barzinho na parede leste da sala e tento servir-me também de um cálice de vinho de porto porém Constança me impede de o levar aos lábios.
- Pousa já isso. – Ela repreende. – Esta menina está sempre a ver quando nos apanha distraídos.
O rapaz ou homem, não decidi ainda, dá uma risada cúmplice.
- Acredite, dona Constança, eu já tentei várias vezes o mesmo. Por vezes bem-sucedido. – Ele brinca fazendo um sinal de brinde e devolve-me o meu copo. – Um gole nunca matou ninguém.
Eu olho relutante para Constança antes de pegar o copo mas ela está com uma cara engraçada, numa mistura de reprensão e divertimento. Eu aproveito, seguro o copo e levo -o aos lábios, deixando o liquido descer e aquecer meu corpo.
- É um segredo nosso ouviste Jéssica? – Constança avisa. – Espero que Lorenzo mantenha a discrição também.
É então que percebo que até àquele momento não sabia o nome dele. Lorenzo. É português?
Meu pai chega a casa e fica meio aturdido ao ver Lorenzo no meio da nossa sala de estar. Felizmente, eu já tinha pousado o copo. Isso era das poucas coisas que meu pai não permitia que eu fizesse. Entre usar drogas, fumar e, claro, tatuar o corpo. Lorenzo espera qualquer reação de meu pai mas ele nada faz. Eu apostaria que meu pai esqueceu que ele vinha cá jantar. Seria bom se ele também tivesse esquecido de convidar a minha mãe mas isso já era esperar um grande milagre.
- Pai, o Lorenzo chegou. – Explico apontando para ele e uma luzinha parece acender-se na cabeça do paizão.
- Oh sim, claro! – Eles se cumprimentam com mãos a bater nas costas um do outro. – Como estás grande rapaz!
Não sigo a conversa deles pois meu telemóvel vibra no meu bolso e eu o pego de imediato.
“ Detalhes por favor”
Eu rio sozinha por ela ir tão direta ao ponto. Olho para o forasteiro de forma mais observadora. Cabelos castanhos-claros. Ou serão cabelos loiros escuros? Ombros largos, penso. Os olhos… Bom, daqui não consigo ver seus olhos. Desisto de o tentar descrever para Mónica e posiciono o telemóvel discretamente para tirar uma foto. Clico no botão e um flash acompanhado de um som estridente toma conta do espaço. Os três adultos me olham meio confusos. Lorenzo está menos confuso e mais divertido. Caramba, ele percebeu que eu acabei de lhe tirar uma foto. Se a vergonha matasse eu já estaria esticadinha no chão.
- Ahhmm, eu abri a máquina fotográfica sem querer. – Minto tão mal e uma desculpa tão esfarrapada que eu queria ter mais um cálice de Porto para engolir o constrangimento.
Como não o posso fazer e já que a foto está tirada, envio-a a Mónica que já deve estar a roer-se pela demora. Entretanto decido ir para longe, para a cozinha que não é tão longe assim. Emprato os aperitivos já bem empratados. Lavo as panelas já a brilhar de limpas. Tudo para ganhar tempo para voltar a encarar aqueles olhos que se divertiam à minha custa.
E então ouço-a. Desejo ficar na cozinha até ela se ir embora mas sei que não é uma opção. Magoaria o meu pai e eu não queria isso. Nem queria deixá-lo sozinho com ela tampouco. Estaria lá o Lorenzo mas não era igual. Respiro bem fundo e pela segunda vez na noite, queria ter um copo de álcool em minhas mãos. Começava a soar tal como um alcoólatra. Como se o álcool pudesse resolver os nossos problemas… Eu supunha que não.
Caminho lentamente até o local da reunião e a vejo num belo (e justo) vestido preto e branco. Fiquei a olhar para ela praticamente dançando pelo lugar enquanto eu mesma me mantinha estática, à margem dos demais. Não me atrevi a olhar para meu pai. Não por medo de o ver triste e depressivo, pelo contrário. Tinha medo de ver ele sorrindo como um tonto para ela, suspirando por ela.
Tomás estava errado. Meu pai nunca perceberia que ela não ia voltar.
*
Quem a visse neste momento não suspeitaria que ela não era bem-vinda aqui, pelo menos não da minha parte. Ela se sentia em casa. O que eu achava muita hipocrisia. Aquela fora sua casa. Não era mais. Estávamos quase à uma hora na sala de estar, comendo apenas aperitivos e até esses estavam a começar a ser escassos. De que raio estávamos à espera para jantar? Começava a ficar ansiosa e meu pai percebera. Ele sempre desviava o olhar para meus pés que batiam incessantemente no chão. Ele sabia que eu o fazia quando estava nervosa ou agitada.
Lorenzo não sabia dessa minha mania mas com certeza estava a achar piada. Tinha como ele apagar toda essa primeira impressão de mim? Porque com tudo o que aconteceu desde que ele colocou os pés nesta casa, devia achar que sou infantil. Sim, infantil resumia muito todas as ações até agora.
O telemóvel volta a apitar e vejo logo que é de Mónica.
“ Estou na tua casa em cinco minutos! :P”
Se ela viesse a correr para minha casa como ela estava a pensar fazer (sim, esta rapariga é bastante impulsiva), então não demoraria para Lorenzo somar dois mais dois e perceber que foi para ela que eu enviei a foto. A criancinha que chamou a amiguinha para brincar com o novo brinquedo.
“ Não mesmo Mónica!” – Escrevo rapidamente.
O telemóvel não demora nem meio minuto para apitar novamente.
“ Chata egoísta! Nunca mais te empresto o meu batom rosa! 3”
Eu balanço a cabeça em descrença. Mónica consegue ser ainda mais infantil do que eu e isso melhora um pouco o meu humor.
Isso até tocarem à campainha.
- Ah, deve ser o Jorge que chegou. – Minha mãe comenta indo até à porta.
- Quem é Jorge? – Guincho um pouco alto demais, esquecendo que não devia estar a falar com ela.
- O teu pai não te contou? – Ela olha desde mim até meu pai. – Querida, Jorge é o meu…
Recuso-me a ouvir o resto porque sei o que vai sair daquela boca. Ela atreveu-se a trazer o novo namorado para um jantar para o qual meu pai a convidou. Até onde vai o descaramento dela? Recusando-me a chorar como uma menininha na frente de todos, saio da sala, mas ao invés de subir as escadas para o meu quarto, volto para a cozinha, de onde nunca devia ter saído em primeiro lugar.
Fico ali, andando de um lado para o outro sem saber ao certo o que mais fazer. E continuo a fazer o mesmo até Constança surgir.
- Jéssica, o teu pai pediu-me para chamar-te para jantar. – Ela explica.
- Eu não vou. – Avanço. – Eu como alguma coisa aqui mesmo.
- Mas estão todos à tua espera na sala de jantar. – Ela tenta dissuadir-me, sem sucesso.
- Mais um motivo para eu não ir.
- Eu direi que não te estás a sentir bem. – Ela diz passando a mão nos meus cabelos em conforto. Ela me entende. Eu sei que me entende.
- Obrigada Constança.
Eles só podiam estar loucos ao achar que eu me sentaria na mesma mesa do que eles. Eu fiz um esforço quando soube que ela viria. Mas ela trazer alguém, um namorado com ela, já era demais.
- Jéssica! – A voz estridente ressoa mesmo antes de a conseguir ver. – Tu vens para a mesa e é já.
- Não. – Retruco sem pestanejar.
- Eu sou tua mãe Jéssica e tu vais obedecer-me.
- Não. – Repito.
Eu sei que ela está perdendo as estribeiras e isso significa que eu estou a ganhar o jogo. Um pequeno sorriso escapa dos meus lábios.
- Sofia, – Lorenzo surge atrás dela e ambas olhamos para ele um pouco aturdidas. – Deixe Jéssica subir para o quarto. Eu lhe dei um pouco de Vinho do Porto sem saber que ela não está habituada a beber. Temo que não lhe tenha caído bem no estômago, não é verdade Jéssica.
Assinto porque não sou capaz de soltar um fio de voz sequer. Ele acabou de me livrar de uma feia (e espalhafatosa) discussão com a minha mãe. Ela me olha, volta o olhar para Lorenzo e olha de volta para mim, terminando com um suspiro.
- Tudo bem, podes ir Jéssica. – Eu começo a escapulir-me mas ela crava suas unhas perfeitas no meu braço. – Mas esta conversa ainda não terminou.
Novamente assinto e ela me larga. Murmuro silenciosamente um obrigado para Lorenzo que sorri em resposta e pisca o olho para mim.
Ele acaba de ganhar o seu lugar como meu anjo.
*
- Eu não posso acreditar que ela fez isso! – Mónica abriu a boca perplexa.
Não é normal. Nunca ninguém consegue surpreender Mónica. A não ser minha querida mãe.
- Ela fez. – Fungo irritada. – E ainda teve a lata de me dar sermão!
Não foi exatamente um sermão, foi mais uma ordem. Mas se Lorenzo não tivesse aparecido na hora certa, as proporções com certeza passariam de um simples sermão.
- Que sem noção! – Ela concorda. – Agora, já podemos sair daqui? O cheiro está a deixar-me zonza.
Eu olho para ela sem perceber.
- O quê? O cheiro a livros novinhos ou o cheiro a cultura? – Provoco. – A sério, devias tentar abrir um destes. Prometo que não te morde.
Ela faz uma careta de nojo bem dramática e empurra o livro que seguro na sua direção, de volta para mim.
- Engraçadinha! Vamos ali à Antónia! Disseram-me que ela acabou de receber a nova coleção na loja. Por favor!
Deixei que Mónica me guiasse para fora da livraria e me levasse para o outro lado da estrada, em direção da loja da Antónia. Nunca parei para registar o nome da loja na minha memória. Era a loja da Antónia e pronto. Uma campainha aguda toca a anunciar a nossa entrada e Soraia, a funcionária e gerente da loja, nos saúda com um balançar da cabeça.
Percorremos a loja de ponta a ponta a ver os vestidos novos para o verão, os biquínis floridos para a época de praia.
- Quatro meses para o início das férias e já estão a expor artigos de praia. – Mónica suspira. – Só para nos desesperar.
- Nem falta tanto tempo assim. – Comento e recebo um olhar fuzilante de volta.
- É muito tempo. – Ela contradiz.
Continuamos a observar os novos itens até que avisto um lindo par de brincos. Eles são de um vidro cristalino, semelhantes a gotas de água. Tão simples que a sua simplicidade me cativa.
- São lindos. – Mónica diz a meu lado. – Leva-os!
Pego neles para ver a etiqueta do preço.
- Não posso – Afirmo desolada.
- Porque não?
- Não tenho dinheiro suficiente aqui comigo. – Explico – Amanhã voltamos e compro-os.
Mónica esboça uma expressão de aborrecimento e revira os olhos.
- Deixa de ser careta Jéssica!
Ela pega nos brincos e num movimento ágil, os coloca dentro da minha bolsa.
- Mónica! – Sussurro em reprovação mas com um sorriso a fugir da minha boca. – Se eu levo, tu também levas!
Procuro algo pequeno que possa “perder-se” perfeitamente na sua bolsa. Seguro um colar muito delicado em dourado e preto, como fios a entrelaçar-se. O deixo cair na bolsa dela.
- Sai! – Ela ordena e imediatamente movo meus pés até à saída.
- Ei, meninas! Um momento! – Soraia chama.
Eu paraliso imediatamente fazendo com que Mónica embata contra as minhas costas. Estamos completamente tramadas.


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Notas finais do capítulo

Olá novamente!
Então, qual é o nível de curiosidade para o próximo capitulo?
Não se esqueçam de deixar o vosso comentário, pois eles são úteis para avaliar o interesse na história e o que mudar nela!
Beijos fofos e espero encontrar vocês próximo capitulo!



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