O Imortal

Dia 2

Acordou novamente na ala hospitalar improvisada e murmurou: -De novo não...!

Olhava para os lados para ver se Elesis ou Lire estavam, mas nenhuma delas estava a vista. A cama que Zero e Grandark ocupara estava vazia o que provavelmente quer dizer que o andarilho já teria partido. Ao sentar na cama notou que estava sem sua camisa e com faixas e mais faixas ao redor do corpo no local onde as marcas que Cazeaje, ou melhor Karina, já que estava em sua forma humana, deixará para trás.

Ainda doía um pouco, mas nada que o impedisse de se levantar e ir em direção a um espelho que havia no quarto para checar qual sua situação real. De leve conseguiu abrir um pouco as faixas para ver o “estrago”. As marcas da bruxa estavam roxas e deixaram uma espécie de marca que parecia sair de cada buraco. Elas tinham a forma de uma vinha com espinhos, mas para quem olhasse depressa parecia uma tatuagem qualquer feito em um bordel em Serdin.

Mas o imortal sabia o que aquilo representava, estava marcado. Não sabia que feitiço era aquele, mas sabia que um dos objetivos era uma ligação direta somente de ida da bruxa para com ele.

—Hahaha...!—Era uma risada fraca e maliciosa, mas ao olhar para o espelho viu uma espécie de espectro da bruxa que se esvaiu no ar quando ele olhou. Sabia que agora ela saberia tudo sobre ele, onde ele estava, sua situação, aonde ia... Era mais um motivo para dizer adeus a essas crianças. Dizer adeus a ela... Sua querida ruiva.

Ao pensar em Elesis, Sieghart sentiu uma leve fisgada na cabeça. Sabia que era Karina com raiva dos pensamentos dele para a garota.

Vestiu sua blusa preta e olhando pela janela viu que estavam preparando uma pequena festa para Elesis. Achou que teria mais tempo com a caçada, mas pelo visto teria que ir antes do previsto pelos deuses. Teria que ir embora essa noite.

—Se quiser pode ficar sem blusa Sieg-nii. Eu não ligo. -Sieghart suspirou e soltou uma leve risada. Era Amy que estava na porta o olhando da cabeça aos pés admirando o imortal.

—Bom dia princesa. -Disse se virando e recebendo o abraço de urso que a pequena saltou para lhe dar. Ela se aninhou no pescoço do jovem e o apertou carinhosamente. -Quando tempo... quanto tempo eu fiquei desacordado princesa? -Ela se separou relutante, pois não queria soltar Sieghart, mas ainda mantinha os braços ao redor do pescoço do imortal.

—Você virou a noite Sieg-nii. Eu teria vindo aqui dormir com você, mas as meninas não deixaram. -Disse fazendo uma cara fofa de quem não conseguiu o que queria. Sieghart sorriu e afagou a cabeça da menor e disse:

—Deixa para uma próxima Amy. -Ele sorriu ao ver os olhos da rosada brilharem. -Mais alguma coisa a reportar? -Ela se separou e batendo continência fofamente disse:

—Sim senhor! Cadete Amy, se apresentando para o dever senhor! – Sieghart sorriu, amava ver a mais nova fazer suas brincadeirinhas, mas maliciosamente completou: -E para mais o que o senhor quiser, hihihi. Está bom parei... -Disse a rosada ao receber um olhar serio de Sieghart. -Bem, a Mari examinou suas feridas, mas não conseguiu constatar nada. O tal Zero a esquerda e sua espada esquisita já foram embora, mas eles disseram que isso tinha haver com Cazeaje... -Ao ver o olhar que Sieghart deu para o chão, viu que não era hora para questionar isso. -Lire e Arme ficaram ao lado de Elesis ontem e hoje para deixar ela mais distraída... Não que ela não seja, ne? -Resmungou baixo Amy.

—Amy!

—Okokokok... Desculpa, desculpinha! -Disse Amy que corou levemente. -Bem acho que é isso e agora o pessoal estão arrumando, como você deve ter visto na janela, o terreno para comemorarmos o aniversário da chefe. Sieghart deu uma última olhada para fora da janela e viu Elesis sendo arrastada por Lire e Arme, provavelmente para ajeitar algo da decoração simples que faziam.

—Bem vamos descer... Acho que fiquei muito tempo deitado nesse lugar. -Ela concordou e os dois saíram e Amy pulou nas costas do moreno o usando de cavalinho, mas o imortal não ligava. Mas de certo modo já previa que Amy seria um problemão para Jin, se não para ele mesmo, daqui uns anos. A jovem sistina já estava perto do decimo quinto dia de seu nome e não era uma garotinha mais, seu corpo já tomava traços da mulher que um dia se tornaria, além de sua atitude atirada que normalmente tinha. -Ainda sei que pelo menos sei lidar com ela... —Pensou Sieghart. -Não abuse Amy, eu não ligo, mas chegando lá embaixo quero que sai ok?

—Tá bom, seu chato. -Disse rindo a menor e dando um leve beijo nos cabelos de Sieghart.

Ao chegar no primeiro andar da pequena casa Amy saltou de Sieghart e foi até na cozinha pegar uma fruta para comer.

—Amy jogue umas duas para min, por favor. -Amy mordeu uma das maças que ia jogar e disse antes de sair da casa:

—Pense nisso como um beijinho indireto Sieg-nii!

—Ela ainda vai me matar. -Pensou Sieghart rindo e mordendo uma das maças e sentando no que seria a sala do local.

Poderia muito bem ir lá para fora e ir cumprimentar todos, mas sabia que ia ser enchido de perguntas, as quais não tinha a mínima vontade responder e não iria. Estava de saída, o que quer dizer que não precisaria dar satisfação sobre o que são essas marcas e para onde estava indo.

As marcas... Sieghart por um momento parou e pensou no “sonho” que tivera, por mais que agora carregasse essa marca no corpo e odiasse a bruxa ainda era um homem de seiscentos anos preso num corpo adolescente então de certo modo ele está sempre no final da puberdade e isso ele odiava. Lembrava o quão belo era o corpo de Karina no sonho, o quão era linda suas curvas, o formato de seus seios, suas mãos macias passando pelo seu corpo...

—Terei prazer em te dar mais... meu amado... —Novamente a voz suave vinha em seu ouvido e preferiu esquecer esses pensamentos.

—Finalmente acordou múmia decrepita! -Disse Elesis sentando ao seu lado o tirando de seu devaneio. Estava sozinha o que queria dizer que fugira de Lire e Arme por uns minutos.

—Você me fere ruivinha, sabe disso? -Disse Sieghart sorrindo para a ruiva.

—É a intenção idiota! -Elesis retornou o sorriso somente que diferente do imortal, sarcasticamente. Ela se acomodou e aceitou a maça sem a mordida de Amy que Sieghart oferecia. Ficaram em silencio por uns minutos deixando somente as mordidas e o barulho do lado de fora propagando o ar. Elesis estava um pouco inquieta e Sieghart tinha certa ideia do por que. -Sieghart... Você sabe que dia é hoje ne...? -É. Ele acertou.

—Sim... quarta-feira...? -Disse fingindo estar desentendido. Elesis sorriu um pouco com vergonha e Sieghart notara a cara de desapontada, mas continuará com sua farsa.

—É meu aniversário Sieghart...

—Sim eu sei, por isso te dei esse presente... a maçã... -Sieghart já não aguentava segurar o riso, mas sabia que era hora de parar.

—Ok então, se vai querer ficar me sacaneando, tudo bem... -Disse Elesis irritada se levantando. Mas claro Sieghart a puxou pelo pulso e a fez deitar cair nos seus braços tirando resmungos e gritinhos até que fofos da capitã da G.C.. -Me solta seu brutamontes. -Ela de início resistiu, mas logo acabou aceitando a demonstração “estranha” de afeto que Sieghart estava lhe propondo.

—Feliz aniversário ruivinha...! -Sussurrou no ouvido de Elesis que corou e afundou a cabeça no peito de Sieghart dando um leve sorriso que passou despercebido pelo imortal.

Sieghart deitou-se mais confortável no sofá e passou um dos braços ao redor de Elesis enquanto com a outra mão segurava a cintura da menor. Elesis com vergonha colocava uma das mãos em punho em frente ao rosto tentando esconder o rubor de sua face e com a outra apertava a blusa do mais velho. E assim ficaram por mais alguns momentos ouvindo a respiração um do outro. -Desculpa se não tenho nenhum presente para lhe dar ruivinha.

—Tudo bem múmia, eu não ligo... -E voltaram a ficar em silencio. Uns segundos depois Elesis se lembrou de algo. -Sieghart...?

—Sim? -Elesis se separou um pouco do moreno e o olhando no rosto disse:

—Suas feridas...

—Não é nada demais Elesis, não precisa se preocupar.

—Como assim, não preciso me...

—Não é nada Elesis, eu prometo. -Disse Sieghart a interrompendo novamente, não queria lidar com isso. Só que de uma vez, para não dar tempo de Sieghart a interromper disse:

—Mas Zero falou que isso tinha haver com Cazeaje. -Sieghart suspirou e sentindo o sangue ferver em suas veias, respondeu:

—Elesis chega! -A ruiva calou-se instantaneamente e ficou assustada com a ação do mais velho. Novamente ficaram em silencio e Sieghart se pronunciou. -Desculpa Elesis, não é nada, eu te juro. -Elesis concordou com a cabeça, mas estava com certo medo ainda.

—Tudo bem Sieghart, não vou perguntar mais. -Elesis se levantou de Sieghart e sentou-se, Sieghart se ajeitou, mas ainda ficou deitado. Ele colocou a mão na bochecha de Elesis que colocou a dela por cima apertando de leve.

—Ei, pode ficar tranquila ruiva. -Ele tentou soar o mais sincero o possível e tentava, por mais que seu coração odiasse, mentir para Elesis convincentemente. -Não é nada, só uma ferida de uma das batalhas que eu negligenciei. Uma de muitas que negligenciei na realidade. -Ela parecia levemente desconfiada, mas parecia também ser convencida pela resposta. -Acho que me esqueço que por mais que seja imortal, não sou invencível. -Disse se aproximando e dando um leve beijo na testa da menor. -Me desculpe se te deixei preocupada, ok?

Ela acenou e o abraçou novamente o que surpreendeu Sieghart. -Toma mais cuidado da próxima vez ok...? Você me deixou muito preocupada... -Dessa vez foi ela que colocou uma mão em sua bochecha e deu um beijo em sua testa. Ela se levantou e foi até a porta que levava a área onde seria a pequena festa, mas antes se virou e disse para Sieghart: -E anda logo soldado, múmias também trabalham ouviu? -Ele adorou ter visto o sorriso no rosto dela antes dela fechar a porta. Mas não antes sem ele gritar rindo:

—Também te amo ruivinha! -Ele riu ao ouvir um alto: “Cala boca idiota!”

O resto do dia foi realmente feito de trabalho, Ryan transformado em lobo, cortava, claro com permissão de mãe Gaia, troncos de madeira para montar uma mesa para colocar as comidas, que eram preparadas por Lire e Arme, para fazer bancos em volta de uma fogueira que era acessa por Ronan e Jin. Lass e Arme ficaram pela caça de animais, pratica permitida por Gaia desde que só fossem mortos animais mais perigosos. Sieghart se prontificou a ajudar Ryan, pois vira que o druida estava cansado e Amy ficou a par de terminar a decoração. Elesis por mais emburrada que estava por não fazer nada, concordou em somente ficar olhando.

(Peço que olhem a nota no final do capitulo antes de ler essa parte)

A cor do céu havia mudado de azul para seus tons mais escuros, as luzes da floresta voltaram a se acender. Os troncos foram despostos ao redor da fogueira de modo que tivesse um espaço para dançar ao redor dela. Ryan tirou de sua mochila uma flauta e começou a tocar uma melodia de sua terra, Jin sendo corajoso foi até Amy e pediu-a para uma dança, Ronan fez o mesmo e chamou Arme. Lass comia da comida e Mari como sempre ficava concentrada em sua leitura, mas admitia estar gostando do momento com os amigos, Lire conhecendo a melodia que Ryan estava tocando o acompanhou com sua pequena lira. Elesis ficava ao lado de sua amiga elfa e sorria feliz com seu dia, batia palmas acompanhando o ritmo do tom leve da música.

Sieghart estava mais distante de todos, pois se encostava com o ombro em uma das paredes da casa. Estava pensativo com o que iria acontecer nos próximos dias, quem sabe anos. Teria que largar a caçada essa noite, por mais que sentisse um aperto no coração, sabia que teria que deixá-la. E sabia também que iria ferir sua querida espadachim de cabelos vermelhos.

Esperava sim reencontrar esse bando de crianças um dia. Ver que os relacionamentos que tinham bases tão finas agora estariam fortes no futuro. Tinha uma leve esperança também que Elesis teria seguido com sua vida, tivesse alguém com ela... Tornaria mais fácil esquece-la.

Odiava isso em sua vida. Nunca parar em um mesmo lugar por muito tempo, nunca criar laços de amizade e quem dirá laços românticos, fazer sexo por puro prazer e não por amor. Pois sabia que a linda pele macia de seus dezesseis anos um dia se esvairia e viraria pó diante de seus pés... E ele? Continuaria, pois é isso que faz. Sempre em frente, ele se dizia nos seus primeiros cem anos, continue a andar. Mas quando um tem seiscentos e alguns anos, pois já havia perdido a conta... Perde-se a esperança de ter pessoas do seu lado.

Elesis estava notando a distância que Sieghart estava do grupo alegre que pararam um pouco para descansar e comer. Ryan ainda tocava a música embora, parecia apreciar a canção, devia estar lembrando de sua casa, pensava a ruiva.

Se levantando de onde estava foi em direção ao imortal, mas mesmo ela chegando perto Sieghart não parecia notar, estava muito envolto em seus próprios pensamentos.

Elesis chegou perto e como mais cedo o fez, colocou uma de suas mãos na bochecha do imortal e beijou a testa do mais velho o surpreendendo.

—Ao que devo a honra desse beijo Elesis? -Disse Sieghart que admitiria que estava um pouco corado com a surpresa.

—Vem seu boco, você parece cansado. Me daria a honra de uma dança “oh imortal Sieghart”?—Disse Elesis cheia de sarcasmo e simulando a voz de uma donzela apaixonada. O puxou e o imortal logo a questionou:

—Ei?! Não deveria ser eu pedindo a você pela dança? -Ela soltou uma leve risada.

—Não, você estava muito pensativo, está ficando muito velho e olha que hoje é meu aniversário. E outra, o que você tem de idade, lhe falta na atitude, não concorda? -Sieghart soltou uma gargalhada e Elesis se juntou a ele. Logo estavam dançando junto de todo o resto da caçada.

Dançar não era o tipo de coisa que Sieghart fazia, mas abriria sempre uma exceção para ela. Adora ver o sorriso dela, vê-la feliz e fazê-la feliz. Mas logo teve que abrir exceção para as outras também, acabou que todos dançaram até a Mari e o Lass que foram puxados para a roda. Mas para manter a música Sieghart tomou a flauta de Ryan e continuou por ele, incentivando ele a dançar com Lire.

Eram umas duas da madrugada e todos decidiram após ficarem conversando e cansados da dança irem dormir. Mas antes de irem Sieghart começou a tocar uma que os lembraria de casa, o próximo destino de nossos heróis. Em sua cabeça conseguia ouvir ela com violinos e outros instrumentos, mas a flauta de Ryan serviria.

A música trazia um calor quente nos corações de cada um ali, finalmente voltariam para casa depois de muitas lutas. Lembravam das festas nas estalagens, as conversas com vizinhos que deixaram para trás, o cheiro de pão novo na janela do vizinho mais próximo, os treinos que tinham, o cheiro de casa...

Para Sieghart suas lutas ainda não acabariam, teria sua missão a cumprir. Mas essa música serviria como seu presente para eles, um presente que os fazia lembrar de casa. Via lagrimas escorrendo dos olhos de Lire e Arme ou mesmo Ronan que fingia estar coçando os olhos, mas a pessoa que mais lhe importava encostara a cabeça em seus ombros e ele pode ver na bochecha de Elesis uma pequena lagrima e um leve sorriso antes dela entrar num pequeno sono ao seu lado. Um por um, os integrantes davam boa noite para Sieghart que só acenava e tocava baixinho sua canção.

Até chegavam a perguntar se podiam levar Elesis para cama, mas ele preferiu leva-la ele mesmo. No final só restava ele e ela. E aos poucos ele terminava a música. E ele quem derramava uma lagrima agora... Não conseguia lembrar o que era casa mais, o conforto do lar, as diversões nas pequenas vilas, a companhia dos velhos amigos... Olhou para Elesis ao seu lado e pensou:  -Nem lembro como foi meu aniversário de 16 anos...

Ao acabar a melodia, pegou Elesis no colo e começou a leva-la para seu quarto.

Partiria ao amanhecer...