Havia uma sinfonia que tocava incessantemente, uma melodia refinada que poderia ser identificada em poucas notas. Seu impacto era mais forte do que qualquer outra coisa naquele plano. Consumia o ambiente por completo e dissolvia Will em todas as suas extremidades.

Os sons enigmáticos traziam consigo um gosto metálico de sangue juntamente de um cheiro fixado de vapor.

Era tamanha a euforia que acompanhava a melodia, que tão pouco importava que não havia palavras ou rimas a cercá-la. Marcante e incessante. Obsessivamente viciante.

Não havia lugar para mais nada na mente bagunçada de Will Graham agora. Nada mais o percorria por completo, não havia mais tantos sinais de incertezas ou sequer a falta de clareza de suas ações que tanto o transtornava.

Ele não podia enxergar, mas sentia. A presença do homem que o contaminava e ao mesmo tempo, o preenchia. Seu aroma forte aos poucos poluía as notas suaves e bem calculadas do piano. Aos poucos, Will decidira abrir seus olhos carregados de sonolência, acabando sendo conduzido por uma visão que o deixara estranhamente melancólico.

Hannibal tocava um piano de porte médio, a madeira velha que o envolvia ressaltava o aspecto antiquado do instrumento, mas o modo como o homem tocava fazia parecer que o aquele piano era o mais bem conservado que já existiu. O psiquiatra tocava as notas mais suaves da melodia de uma maneira tão bem aplicada que trazia o sono de volta para as pálpebras carregadas de Will.

— Não tenha medo. Pode descansar sem muitas preocupações. Irei cuidar de você agora. — Will podia sentir a satisfação por trás das palavras de Hannibal. O tom manipulativo - que não deixava de transparecer genuína afetuoso - o perturbava, sobrecarregava e o atordoava. Suas entranhas se embrulhavam por, apesar de seus conflitos, ele se sentia contentamento feliz de uma forma que ele nunca havia testemunhado em si mesmo antes, apenas por estar na companhia do homem em questão e daquela melodia.

— É lindo... O modo como você toca. — Will confessou em um tom baixo, dizendo quase as mesmas palavras que ele usou para descrever o momento em que ele e Hannibal havia cometido assassinato juntos. Um sorriso ameno tomou conta dos lábios dele após sua confissão.

Ele sentia como Hannibal estivesse tocando-o através das notas do piano, tudo porque seu coração em meio de batidas sobressaltas estava sentindo cada detalhe da música como se estivesse sendo acariciado, enquanto seus ouvidos vibravam de antecipação para cada clímax que a música trazia.

A cama onde estava deitado possuía vestígios nítidos de sangue, por isso o cheiro parecia combinar tão bem com os sons que formavam a melodia. Will também podia identificar o cheiro específico de Hannibal naqueles lençóis, era ali que poderia ser encontrado o aroma viciante e incessante, que parecia estar marcado na memória de Will a partir de uma emoção árdua recheada de clareza.

Eles haviam dormido juntos naqueles tecidos, compartilhado partes um do outro através de toques dissimulados e beijos profanos que romperam as barreiras do que poderia ser entendido como o verdadeiro prazer, sentindo que apenas sentiram vago prazer com suas passadas interações com outras pessoas - porque somente ali, lado a lado, que eles havia encontrado a verdadeira aceitação.

Tais eram como peças principais do mesmo quebra-cabeça que revelava a mesma obra-prima machada de sangue e euforia. Monstros que poderiam ter características de Deuses, se assim desejassem. Will se viu melancólico por não ter conseguido aceitar isso antes. Por ele não ter conseguido aceitar todo o potencial que a união deles transcendia, ele perdera tantas possibilidades. Porém, é de fato arriscado aceitar algo tão intenso que parecia consumir Will quase por completamente. Ainda assim, valia a pena. Will via isso plenamente naquele momento.

Eles se completavam como o piano velho e a melodia envolvente que ecoava no ar.

Não restava dúvidas agora, era ali que Will queria passar o resto de sua miserável e indigna vida. Acompanhado da beleza que parecia natural por parte deHannibal. Sendo guiado pelos seus instintos. Independente do final que aquele rumo turbulento o levasse, ele seguiria o outro homem com apenas a certeza de que seria verdadeiro consigo mesmo e com seus próprios demônios.

Os olhos pesados de Will se fecharam, enfim. Ele se deixou ser acobertado pelos sentimentos agradáveis daquela resolução que tomara para si, evitando seus conflitos com honestidade por sua vez. Ele se envolveu na melodia, se aprofundou entre ela como se a conhecesse desde sempre, deixou-se ser consumido pela intensidade de Hannibal da mesma forma como ele se deixou levar quando os dois afundaram dentro do oceano.

E antes de adormecer, ele ouviu Hannibal pronunciar ternamente, e suas palavras pareciam rimar através da música da maneira mais harmoniosa possível.

— Descanse bem, Will. Não tenho dúvidas de que iremos presenciar muitas outras coisas belas, juntos.