Primeiro copo escrita por Porcelain Warrior


Capítulo 1
Só uma, vai.




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-Só uma, vai. - Koujaku disse com aquele sorriso irresistível que expunha os dentes brancos e retos, erguendo o pequeno copo de shot com tequila em seus dedos elegantes, um dos cotovelos apoiado na mesa. A maioria esmagadora das pessoas estremecia diante do charme daquele homem, com ou sem intuito romântico, porque ele era de uma educação sublime e sabia direitinho como pedir alguma coisa. Mas para Ren, nenhum desses artifícios sociais fazia sentido. Ele aceitou o copo obedientemente e encarou o líquido dourado de cabeça baixa por alguns instantes, enquanto Koujaku permanecia desconfortavelmente perto, os braços dos dois chegavam a roçar um no outro.

O bar tinha aquele burburinho de sempre. Do lado de fora, onde estavam, fazia um pouco mais de silêncio e era possível conversar sem os ecos de vozes ressoando junto daquela música melódica de saxofone ou qualquer coisa que o valha que tocava das caixas de som próximas ao balcão. A noite estava especialmente bonita, o ar fresco que gelava um pouco o nariz e as maçãs do rosto, mas não chegava a causar desconforto. Noiz mexia no coil distraído daquela movimentação na mesa de madeira, roubando alguns rolinhos e dando um gole no drink afrescalhado de vodka com refrigerante por vez ou outra. Mordiscava o próprio dedo mindinho sem notar, compenetrado demais para afastar os olhos da tela. Mink, por outro lado, segurava um charuto nos lábios e se esforçava para acender uma merda de um fósforo; já havia gasto dois sem sucesso. Tirou o charuto apagado da boca e começou a palitar os dentes com um dos palitinhos que estava espetado num rolinho primavera ruim de boteco. Também não prestava muita atenção a Ren e Koujaku.

Ren estava sentado quase na beirada da cadeira com as pernas bem juntas, as mãos caídas pelas laterais. Observava com cuidado como Noiz sentava-se esparramado pela cadeira e como Mink parecia mais estar sentado em um trono, não em uma cadeirinha branca de madeira, com uma perna cruzada sobre a outra. Como as pessoas se sentavam diferente umas das outras, Ren achava curioso. Koujaku parecia bem à vontade – e levemente embrigado àquela altura, é verdade – com o braço descansando no encosto da cadeira de Ren, a outra mão erguendo o próprio shot que estava prestes a virar em uma demonstração de como beber tequila.

-Aoba vai arrancar teu couro. - Mink comentou casualmente, sem alterar a expressão. Mas se a luz lá fora estivesse um pouquinho melhor, apareceria o sorrisinho sádico que insinuava brotar nos cantos dos seus lábios enquanto ele segurava o charuto perto do rosto, fazendo menção de levá-lo novamente à boca.

-Então fique de olho pra ver se ele já está voltando. - Koujaku respondeu com aquela seriedade embriagada, apontando para que Ren pegasse a rodela de limão e mostrando como segurá-la usando a sua própria rodela. Depois a largou para passar o sal no dorso da mão de Ren, que ficou quieto o tempo inteiro, observando com curiosidade, antes de fazer o mesmo com sua própria mão. - Tem que ser rápido, ó.

Ren provavelmente nunca tinha chupado um limão na vida e não protestou quando Koujaku abocanhou a rodela e chupou o suco, lambeu o sal e virou o copinho inteiro de uma vez, soltando um gemido alto e satisfeito, apoiando os dois braços nos encostos da cadeira de Ren e a do seu lado direito, que estava vazia. Já estava visivelmente bêbado, mas tinha uma resistência excelente para o álcool. Mink era ainda mais forte nesse sentido; mas já estava mais comunicativo do que quando sóbrio e havia um brilho diferente nos seus olhos. Parecia estar se divertindo com a cena. Chegou a sorrir com o charuto na boca quando Ren tentou copiar o movimento, mas já travou no limão, encolhendo o rosto em uma expressão agoniada, como uma criança que não fazia ideia de que aquilo seria azedo. Koujaku gargalhou. Noiz, por outro lado, parecia irritado.

-Isso é sacanagem. - Comentou, mas sem tirar os olhos do coil.

Ren não deu nenhum sinal de desistência. Lambeu o sal como um cachorro faria, então ergueu a dose até o rosto e começou a cheirá-la, franzindo o nariz pelo aroma forte.

-Vai, vai, vai, vira logo. - Koujaku instruiu com pressa, mantendo o sorriso bobo na cara.

Ren obedeceu, engoliu até a metade e engasgou com o resto quando sentiu o líquido arder a garganta. Já se sentia um tanto mole pelo que Aoba havia lhe dado para beber antes, algo que também tinha um gosto esquisito de álcool, mas era muito mais brando e agradável.

-Por que as pessoas bebem isso? - Perguntou em genuína curiosidade, ainda segurando o copo em sua mão grande. Koujaku ainda gargalhava com a cabeça jogada pra trás e até mesmo Mink soltava um riso baixo, deixando o charuto de lado na mesa para servir um shot da garrafa quase cheia, entornando sem limão e sem sal, como se fosse um gole d'água.

Koujaku ainda ria com afeto, alisando as costas de Ren. Não havia maldade nenhuma naquela risada. Koujaku ainda enxergava Ren com o mesmo carinho fraternal; se antes ele era uma bolinha felpuda e adorável, agora parecia um cachorro grande e desengonçado, pois o aspecto da inocência animal ainda não o deixara. Era engraçado pensar dessa forma, visto que allmates não eram animais propriamente e, mesmo que fossem, Ren não era um deles. Mesmo quando vivia naquela forma, isso era somente uma casca vazia que sustentava a sua consciência. Sua alma, como queiram chamar. Ren era uma manifestação de vida muito mais pura do que um animal ou uma criança, e era curioso vê-lo em um corpo adulto, desenvolvido, aprendendo a beber. Isso aquecia o peito de Koujaku, fazia-no sorrir. Não estava tentando ridicularizá-lo. Abraçou Ren de lado e lhe serviu mais uma dose com o braço livre.

-Tudo bem aí, rapaz? - Perguntou após entregar-lhe o shot, dando-lhe dois tapinhas no peito. - Você vai aprender a gostar. Logo você vai começar a se sentir muito bem.

-Mas eu já me sinto bem.

-Vai se sentir ainda melhor. Tenta de novo, ó!

Ren já estava na terceira dose quando Aoba voltou para a mesa.Koujaku chegou a pular de susto com a mão em seu ombro, como o garotos fazem quando são pegos aprontando, passando dos limites. Aoba, de pé atrás deles, franziu a testa imediatamente, entendendo que teria motivos para ficar puto antes mesmo de enxergar o copo na mão de Ren. Conhecia seu amigo de infância bem demais para o bem dos dois.

-O que vocês...?

Ren se virou bruscamente ao ouvir a voz dele. Tinha uma rodela de limão entre os dentes e um sorriso besta na cara.

-Aoba! - Exclamou amorosamente, como se a presença do outro fosse a surpresa mais grata do mundo, e aproveitou a proximidade para virar o tronco todo e abraçá-lo pelo quadril, descansando a cabeça pesada na barriga dele. Sentia-se diferente e não sabia porquê.

Koujaku levou o polegar à boca para mordiscá-lo com certo nervosismo, depois virou-se para Mink com uma expressão raivosa.

-Porra, eu falei pra você vigiar!

Mink encolheu os ombros com indiferença, acendendo o charuto enfim, fumando com tranquilidade, alheio ao drama que previa.

-É, você falou.

Aoba se debruçou entre eles ao avistar a garrafa, uma tequila relativamente cara com um grande dinossauro estampado no rótulo. Agarrou-apela boca e a sacudiu pelo ar enquanto gesticulava com a mão, esbravejando:

-Você deu tequila pra ele?! Koujaku, seu imbecil, o que você tem na cabeça?! Eu não acredito.

-Está aberta, caralho, não vá desperdiçar. - Mink interrompeu, estendendo o braço para que Aoba lhe devolvesse a garrafa de tequila. O líquido amarelado respingava pela mão de Aoba, pela mesa, pelo cabelo de Ren, mas nem isso e tampouco a voz grossa de Mink fizeram com que ele parasse. Koujaku empurrou a cadeira para trás e virou de lado, erguendo a mão para tocar no braço de Aoba, simplesmente porque Koujaku bêbado se comunicava com as mãos. Seu cabelo longo caía por cima do ombro, amarrado de lado, mas a franja estava desajeitada o suficiente para que a tatuagem do seu rosto estivesse visível. Noiz finalmente parou de mexer no coil e encarou os dois, apoiando os braços na mesa como se esperasse assistir a um filme.

-Olha só pra ele. Olha como ele está feliz. - Koujaku explicou com toda a sua racionalidade, bagunçando o cabelo de Ren com o afeto de um irmão mais velho, sorrindo ainda mais largo. Não podia se conter. Ren continuava agarrado ao tronco de Aoba com os olhos fechados, como se descansasse em um travesseiro fofinho.

-Ele nunca bebeu nada, seu idiota, como é que ele vai andar desse jeito?! Ele já estava alegrinho o suficiente, eu fui mijar por cinco minutos e você já...

-Eu te ajudo a levá-lo pra casa, está bem? - Koujaku disse enquanto se levantava, como se tivesse acabado de descobrir o próprio segredo da vida. - Não tem problema nenhum, viu?

-Você tem uma cara de pau absurda. - O dedo indicador já estava devidamente apontado para o nariz de Koujaku, a outra mão descansava no topo da cabeça de Ren, que agora pressionava a testa contra o abdômen de Aoba e parecia muito mais tonto do que propriamente sonolento. Só então Aoba parou para olhá-lo, mas a maior parte da atenção continuava focada nos outros três. Dirigindo-se a Mink e Noiz do outro lado da mesa, ele prosseguiu – Como é que vocês deixam ele fazer uma coisa dessas?

-Mas deixa esse pobre coitado, você não é mamãe dele. Eu não saí de casa pra ser babá do seu cachorro. - Mink respondeu um pouco mais alterado do que de costume, cuspindo enquanto falava, servindo mais uma dose de tequila quando finalmente a arrancou de Aoba. O charuto queimava, preso entre o dedo médio e o indicador, subindo uma fumaça que Noiz afastava abanando, mas que insistia em ir para cima dele. Os anéis de Mink faziam barulho contra o vidro da garrafa.

Não enxergou o olhar violento que Aoba lhe lançou porque estava ocupado batendo com o copo na frente de Ren, estremecendo as pernas da mesa.

Noiz aproximou a vasilha de cerâmica que continha os rolinhos, havia sobrado dois. Começou a comê-los, ambos de uma vez só, sem perguntar se alguém ainda tinha intenção de comê-los.

Aoba afastou o copo de imediato, fuzilando Mink com a expressão, mas sem dizer uma palavra. O copo deslizou facilmente pela mesa úmida, retornando ao lado de Mink, que entornou a dose com algum divertimento. Aoba voltou sua atenção ao homem que o agarrava sentado, apertando-o em seus braços com alguma aflição familiar. Calmamente, ajoelhou-se diante dele e tentou pegar nas suas mãos – que eram tão grandes e macias – caídas entre as pernas, pois a embriaguez deixava seus braços pesados. Ren tinha os olhos caídos, a boca levemente entreaberta, uma pálpebra querendo fechar e a outra não. Seu corpo parecia em desacordo. Ele não se sentia bem, mas ao mesmo tempo estava tomado por uma incontrolável vontade de sorrir.

-Você está zangado? - Perguntou baixinho ao enxergar o rosto de Aoba. Não soube dizer de onde ele tinha vindo, mas gostou de vê-lo assim, de surpresa. Ver Aoba era sempre uma alegria dentro do peito de Ren. Olhando de fora, ele realmente parecia um cachorro que abaixa as orelhas depois de rasgar uma almofada todinha. Ren nunca fez esse tipo de coisa enquanto allmate e não estava acostumado com qualquer olhar de reprovação vindo de Aoba. Aquilo o deixava deprimido.

Mas o toque da mão quente de Aoba no seu rosto bastou para deixá-lo sorridente, ainda que de forma tímida.

-É claro que não. Não com você.

* * *

Por incrível que pareça, a noite não acabou por ali. Aoba teve dificuldade de entender como acabou sentando de novo – ele mesmo não estava exatamente sóbrio – para discutir com Noiz sobre um filme alemão de ficção científica que poderia ser um épico espetacular ou então um lixo completo; era um ou outro, Aoba não podia se lembrar direito qual lado estava defendendo durante aquela discussão calorosa. Os dois sempre entravam em embates de opinião que terminavam com Noiz encolhendo os ombros, dizendo “você é muito estranho” e voltando a mexer no coil ou apenas levantando para dar uma volta como se nada houvesse. Ele gostava de se retirar das discussões com superioridade. Aoba também não se lembrava que foi convencido a ficar pela garrafa de tequila quase cheia – que ele não tinha qualquer intenção de beber, mas terminou virando duas doses – que custou caro o suficiente para valer uma hora a mais no bar, até que os rapazes a terminassem.

Koujaku e Mink fizeram algumas piadas de mau gosto sobre dar bebida escondido ao cachorro; Aoba usualmente enlouquecia com esse tipo de comentário, mas Ren ria. Bebeu mais um pouco, sem a intenção de fazê-lo escondido, enquanto Aoba estava envolvido na conversa com Noiz. Koujaku lhe avisara que ficaria gradualmente mais fácil de engolir, e ao final da noite, Ren pensava nunca ter ouvido uma verdade tão concreta.

Por fim, Koujaku cumpriu com a sua promessa, parecendo genuinamente culpado por ter embebedado Ren além do ponto. Parou de beber durante a próxima hora que passaram no bar, então quando foram embora, estava quase sóbrio. Ren tentou se levantar na hora de ir embora e cambaleou, esbarrando na mesa, mas felizmente Koujaku o segurou firmemente pelo braço com seu sorriso carinhoso, bagunçando os cabelos escuros dele como se tocasse um irmão. Amava-o quase como se ele fosse uma extensão de Aoba, se é que esse tipo de coisa é compreensível.

-Como é que você se sente? - Aoba perguntou a Ren com uma voz ansiosa e preocupada, afastando o cabelo do seu rosto. Mas Ren abriu um sorriso tão largo que fechava os olhos, tão contente por aquele gesto de cuidado singelo, garantindo que se sentia leve. Foi essa a palavra que Ren usou. Koujaku riu.

-Eu te falei que ele está ótimo. É bom pra ele aprender os prazeres da carne. - Koujaku disse sem fazer questão de esconder o alívio, pois não sabia realmente se Ren passaria bem depois da mistura.

-Pare de falar besteira. - Aoba respondeu com as bochechas levemente coradas.

As luzes da cidade eram bonitas à noite. Os cinco homens caminharam juntos em silêncio por boa parte do caminho, Mink e Noiz um pouco atrás compartilhando um fumo de erva do povo de Mink que ele cultivava em casa, com propriedades relaxantes e, se consumido em excesso, também alucinógenas. Fazia um pouco de frio. Ren colocou o próprio suéter sobre os ombros de Aoba e o abraçou de lado, alegando que sentia calor. E, de fato, seu corpo estava extraordinariamente quente. Era sempre assim. Eles caminhavam tranquilamente pela parte mais agitada do distrito, onde a vida noturna era pulsante. Pessoas lotavam a frente de bares sem lugar para sentar, aquecidas pelo calor umas das outras, conversando empolgadamente ou beijando na boca, fazendo tudo o que se faz em um momento de permissividade.

Ren olhava para Aoba em vez de olhar para frente, a boca seca entreaberta e um brilho curioso nas íris douradas. Tomou uma mecha do cabelo dele entre seus dedos longos, mantendo a cabeça deitada no ombro dele, inalando seu cheiro. Aquilo oferecia um senso muito forte de conforto.

-O seu cabelo é tão azul. - Comentou vagamente sem perceber, sentindo a voz pastosa, o maxilar amortecido. - É tão azul...

Aoba o espiou pelo canto do olho, sem parar de andar. Koujaku, que caminhava logo ao lado dos dois, começou a gargalhar. Segurava um cigarro entre os dedos e a fumaça subia lentamente, aparecendo conforme atravessavam os postes de luz. Aoba também não pôde conter o sorriso largo diante daquela frase tão despretensiosa, uma obviedade em forma de elogio. Ren sorriu satisfeito com o carinho que recebeu na cabeça, como se tivesse dito algo muito certo. Se ainda tivesse uma cauda, ela estaria sendo abanada naquele momento.

Noiz foi o primeiro a desviar o caminho, pois era o que morava mais próximo do bar, na parte movimentada do distrito, um apartamento pequeno com uma vista iluminada. Resmungou um boa noite muito breve porque já estava com dor de cabeça (embora não fosse exatamente gentil quando estava sóbrio e sem dor também).

Depois do primeiro ano que tiveram juntos, acharam que seria uma boa ideia se tivessem um espaço próprio. Morar com a vovó tinha uma série de vantagens e era difícil competir em termos de comida, mas nada pagava o preço de ter um lugar que fosse apenas deles. Aoba quis esperar que a condição física de Ren estivesse melhor antes de procurar um apartamento. Quando ele parecia forte o bastante, não perderam tempo em procurar um lugar relativamente próximo e adequado; não precisavam de muito espaço, Aoba tinha poucas exigências e Ren não tinha nenhuma. Só queria estar com Aoba, o resto era flexível.

Vovó dizia coisas como "graças a Deus tenho um pouco de paz sem vocês pirralhos fazendo zorra na minha casa", mas Aoba sabia que ela estava com dificuldades para se adaptar à solidão, talvez até um pouco sentida. Ren a visitava com frequência, visto que passava o dia sozinho em casa também. Ela o ensinou a cozinhar e não era incomum Aoba chegar em casa sentindo o cheiro de biscoitos ou um jantar muito delicioso. Ren era bom na cozinha. "Muito melhor do que você", vovó disse a Aoba certa vez, " ele é disciplinado e escuta o que eu digo, aprenda com ele." Ele também ia vê-la sempre que possível.

Mas morar sozinho com Ren era poder chegar em casa um pouco bêbado de madrugada, carregando Ren que estava em condições muito piores, fazer barulho e não atrapalhar ninguém. Foi difícil fazer Ren conseguir subir as escadas, pois o prédio não tinha elevador; felizmente, moravam no segundo andar. Era um prédio velho e o apartamento era bastante pequeno, mas tinha um senso de lar tão forte e era sempre confortável, acolhedor.

Entraram em casa depois de uma guerra para que Aoba conseguisse encontrar a chave no bolso e colocá-la na fechadura sem soltar o corpo de Ren, que só parecia meio acordado. Ele se desenroscou de Aoba e deu três passos para frente, passando pela porta, apoiando a mão na parede. Mantinha a cabeça baixa.

-Tem alguma coisa estranha. - Murmurou baixinho, levando a outra mão ao próprio estômago. Esse tipo de sensação era muito diferente para ele.

Aoba deixou a chave na mesinha logo ao lado da porta depois de fechá-la, e então repousou as duas mãos nas costas de Ren para massageá-lo cuidadosamente, beijando seu ombro.

-Ei. O que foi, você está enjoado? Fica calmo, é normal.

Ren apoiou o braço inteiro na parede e escondeu o rosto no próprio antebraço, fechando os olhos, buscando uma maneira de fazer o cômodo parar de girar. Aoba tirou o suéter dos ombros e também tirou o casaco, pendurando ambos no cabideiro, arrancando os sapatos para ficar só de meia.

-Um banho vai fazer você se sentir muito melhor.

Mas ele não se moveu. Aoba respeitou esse limite porque compreendia muito bem o que era precisar fechar os olhos e voltar-se para dentro de si mesmo nesse estado alterado de consciência. Era difícil. Ren provavelmente estava tentando não vomitar. Aoba acariciou o ombro dele em um gesto de apoio e foi ligar a água quente para dar-lhe um pouco de espaço. Ficara levemente irritado com Koujaku por ter dado tequila a ele, mas ao mesmo tempo, estar com Ren e vê-lo passar pela primeira vez por experiências tão triviais para pessoas da idade deles era revigorante; tudo era tão novo para ele e isso fazia com que o próprio Aoba enxergasse beleza e intensidade nas coisas com as quais já estava acostumado antes. Ren estava começando a experimentar a vida como um ser humano dito normal. Aquecia o peito de Aoba vê-lo passar por tais coisas, crescer, por mais que uma parte muito grande dele quisesse protegê-lo de tudo o que não fosse bom.

Eventualmente, Ren apareceu na porta do banheiro. A água quente já estava correndo e o vapor já deixava o espelho embaçado e os azulejos úmidos. Ren arrastava os pés e tinha os olhos pesados, precisou se segurar no batente da porta para permanecer de pé. Aoba o ajudou a tirar a roupa sem pressa, o que trouxe uma expressão terrivelmente incomodada no rosto de Ren.

-Você não precisa fazer isso. - Murmurou em um tom fraco, em sua voz grossa, enquanto Aoba desfazia seu cinto. - Eu posso fazer sozinho.

Mas não moveu as mãos. Aoba sorriu.

-É claro que pode. Mas eu quero te ajudar.

-Ah. Tudo bem então.

E com isso, Ren voltou a erguer o rosto como se nada houvesse, parecendo satisfeito o suficiente. Quando estava completamente despido, entrou no chuveiro com cuidado e se ajoelhou.

-Você vai sentar aí? - Aoba perguntou, parado na porta do chuveiro com as sobrancelhas franzidas, pronto para entrar.

Ren demorou alguns segundos para erguer a cabeça e olhar para ele, então apertou os olhos com dor e encostou-se na parede gelada de azulejos, abraçando o próprio tronco e grunhindo baixo. Aoba tirou as meias e a camisa antes de entrar com ele, ajoelhando-se ao lado de Ren. Não se colocou diretamente sob a água corrente do chuveiro, mas a calça já estava molhada pelos respingos e pela poça que se formava embaixo dele. Aoba levou as duas mãos ao rosto dele para fazê-lo erguer a cabeça e abrir os olhos, tocando-o de forma carinhosa, alisando seus cabelos molhados para trás.

-Você é tão bonito... - Ren sussurrou, agora com os olhos bem abertos, observando-o durante algum tempo. Parecia muito sério, tanto que pegou Aoba de surpresa e o fez corar. Levou a mão ao rosto quente de Aoba, passando o polegar pela bochecha macia dele, deixando que um sorriso vago tomasse conta dos seus lábios. - O seu rosto alivia tudo.

-Olha como você é romântico bêbado. - Aoba disse com um risinho sincero, aproximando-se para pressionar os lábios em um selinho que deveria ter sido breve, se não fosse pela mão de Ren que deslizou para a parte de trás da cabeça de Aoba, os dedos passando entre os cabelos longos. O beijo foi quente e demorado. A língua de Ren foi abrindo caminho para dentro da boca dele, enroscando-se à língua de Aoba enquanto encaixavam melhor os lábios, deitando um pouco o rosto, aproximando os corpos entre aquele vapor quente da água. O gosto era de álcool, mesclado com o sabor natural do beijo de Ren, tão doce, tão característico.

Por algum motivo, Ren não queria soltá-lo. Ficava aterrorizado só pela ideia, se fosse honesto a respeito. E não era só naquele momento; estava constantemente reprimindo esse pavor, o de soltá-lo, o pavor de que ele desaparecesse de repente. Sentia-se tão aflito longe de Aoba que mal sabia o que fazer consigo mesmo. E como era bom senti-lo desse jeito, sem camisa, com a pele molhada colada na sua, a língua quente na sua boca, os lábios grossos com aquela textura que era a coisa preferida de Ren em todo o mundo. Abraçou o corpo de Aoba com mais força contra o seu, recolhendo-o em seus braços fortes, escondendo o rosto no ombro nu dele, cada vez mais calmo pelo toque da pele de Aoba em seu rosto. Tudo nele era anestésico. E aquelas coisas que Ren bebeu e que ele não sabia ao certo o que eram... Deixaram em seu corpo a sensação de que tudo era potencializado.

-Ren. - Aoba murmurou contra os lábios dele, sorrindo em meio ao beijo. Segurou os ombros do outro e ergueu a cabeça, afastando-se apenas alguns centímetros. - Você está bêbado.

-Eu sei. - Ele respondeu com calma, abrindo os olhos devagar.

-Consegue tomar banho sozinho?

Ren voltou a apoiar a cabeça na parede, piscou lentamente e umedeceu os lábios. Respirou fundo.

-Acho que sim. - Quando Aoba se levantou, Ren tentou apertar os olhos para enxergá-lo direito. - Você se molhou todo.

-É verdade. - Aoba riu. Acariciou o topo da cabeça dele com um sorriso fraco e gentil; olhando-o assim de cima, oferecendo-lhe um carinho, lembrou-se de quando Ren era um cachorro tão amável e precisava se agachar toda vez que queria tocá-lo. Agora, tinha que olhar para cima para falar com ele. Isso irritava Aoba de leve, mas no fundo, era gostoso. - Mas não tem problema. Quer que eu fique aqui com você?

Ren assentiu devagar com a cabeça, de forma que não lhe desse enjoo. Ren não tinha um pingo de constrangimento ou orgulho no corpo quando se tratava de pedir por atenção; não tinha nenhum problema em dizer o que queria de verdade, mas também era plenamente compreensivo quando Aoba não podia estar com ele. Ren expressava afeto de forma muito natural. Era engraçado para Aoba como a pureza dele para relações humanas também fazia com que Ren estivesse livre de algumas neuroses.

Então Aoba lavou os cabelos dele no chão do chuveiro, enquanto Ren quase dormia com a cabeça encostada em seu peito. A massagem dos dedos de Aoba, a espuma e a água quente em suas costas realmente fizeram com que ele se sentisse melhor, como Aoba disse que faria. Não chegou a tomar um banho apropriado, mas passou o sabonete pela pele durante algum tempo e isso também era agradável; Ren detestava água e banhos em geral no começo, ainda associando a suas lembranças vivendo como um animal. Aoba sempre tomava banho com ele para relaxá-lo e era difícil se controlar quando ele estava completamente nu e todo molhado bem à sua frente. Mas os dois tinham receio de transar quando Tae estava em casa e acordada; quem dirá então no chuveiro, onde a chance de serem ouvidos era muito maior. O receio se devia especialmente ao fato de que Tae não teria problema algum em esmurrar a porta e perguntar o que estavam fazendo, para constrangê-los o suficiente para que nunca mais cometessem aquele erro. Essa também era a melhor parte de morarem sozinhos; Ren podia agarrá-lo no meio da cozinha e beijá-lo por inteiro, sem receio de onde isso levaria. Trepavam no café da manhã e no jantar constantemente.

Pensar nessas coisas, somado ao gosto do beijo que havia em sua boca, começou a deixar Ren excitado. Mas ele estava bêbado demais para ficar propriamente duro ou se mexer com habilidade. Não conseguiria nem bater uma punheta naquele estado. Aoba percebeu como ele se aproximou um pouco mais e pressionou o pau meio ereto contra a sua coxa, beijando sua clavícula e roçando o corpo no dele. Aoba sorriu enquanto ensaboava as costas de Ren.

-Pare com isso.

-Você é tão cheiroso... - Ren disse baixinho próximo ao ouvido dele, com aquele tom grave e sedutor que sempre fazia as pernas de Aoba estremecerem, não dando atenção à ordem.

Quando Ren começou a deslizar a língua pelo contorno da sua orelha, Aoba se levantou rapidamente. Já estava duro com aquilo, ficou feliz por ter mantido a calça que já estava completamente encharcada.

-Enxague a cabeça, eu vou arrumar a cama. - Aoba disse quase sem fôlego, fazendo com que Ren soltasse uma risada embriagada. Aoba quis xingá-lo. Teria dado um tapa na sua cabeça se ele não estivesse tão tonto.

Quando Aoba saiu trotando do banheiro, Ren continuou por alguns segundos encostado na parede, levando a mão ao próprio pau meio rígido e pensando em como chegaria engatinhando na cama quando Aoba já estivesse deitado, talvez sem roupa alguma, virado de bruços, e Ren colocaria as duas mãos nas nádegas dele para separá-las, cravando bem as unhas, para expôr o cuzinho rosado dele e chupá-lo. Não precisaria do pau para isso. Estava aí algo que Ren gostava quase tanto quanto de estar dentro do corpo dele. Talvez adormecesse antes de conseguir passar a língua pelas costas de Aoba, subir ao ouvido dele e sussurrar que o amava, mas isso não era importante. Obedeceu à ordem de se enxaguar, agora com certa pressa. Desligou a água e pisou com cuidado para fora do chuveiro, secando o cabelo com uma toalha, sacudindo-se como um cachorro (pelo hábito), depois arrependendo-se imediatamente, pois o mundo voltou a girar.

E, de fato, o que Ren fez foi engatinhar pelado na cama, deitar por trás de Aoba, pressionar a meia-ereção contra a bunda dele, bem encaixado na conchinha, e dormir. Esse foi o máximo que conseguiu. Pouco antes de apagar, Ren jurou a si mesmo que nunca mais tomaria um porre na vida. Mas ao sentir Aoba se ajeitando em seus braços na cama quentinha, por baixo do cobertor, e ao lembra-se da sensação deliciosa de ter Aoba tomando conta dele, Ren desfez a promessa. Beber não era tão ruim assim.


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