Ontem senti sua falta quando a Ches derrubou sem querer um copo na cozinha. Eu pensei que era você, o que foi terrivelmente assustador, e eu não sabia ao certo se deveria me sentir estúpido ou completamente infeliz ao descobrir que era apenas a gata fazendo bagunça em cima da mesa.

A casa não está sendo mais a mesma coisa sem a sua presença. Tudo parece quieto, monótono, como se a parte legal de mim tivesse ido embora junto com você.

Foi domingo passado que eu descobri que nunca tive uma parte legal e, de fato, você era minha parte legal. Há quanto tempo eu não sorrio? Nada mais parece ser engraçado, divertido ou feliz o suficiente para me fazer sorrir, porque eu sei que nenhum sorriso do mundo iria te trazer de volta.

Eu nunca deveria ter brigado com você. Eu deveria te deixar assistir a novela das seis em paz, já que você adorava, e não ficar te atormentando para você mudar de canal e colocar em alguma coisa que prestasse, como os documentários da HBO.

Eu deveria ter insistido menos para que você tomasse banhos mais curtos - eu sabia que você amava cuidar do seu cabelo acima de todas as outras coisas.

Eu deveria ter corrido com você todos os sábados de manhã. Eu deveria ter abandonado minha preguiça e levantar junto com você, para que tomássemos café juntos e corrêssemos juntos. Iríamos discutir sobre absolutamente tudo, e, se estivéssemos sincronizados o suficiente (coisa que eu tenho certeza que estaríamos), iríamos dividir um fone de ouvido - eu sabia que você amava ouvir música comigo.

Eu deveria ter te levado naquele show, independentemente de odiar ou não boybands – você gostava, e isso deveria ter sido um motivo mais do que suficiente para mim. Mas, no lugar, eu preferi ficar em casa lendo a porcaria de um livro enquanto você convidava uma amiga sua.

Eu deveria ter ido com você assistir “Big Hero 6” no lugar de te forçar a assistirmos “Interestelar”. Você amou do mesmo jeito, mesmo querendo assistir mais o desenho.

Em nenhum momento da minha vida com você, eu deveria ter colocado os meus desejos sobre os seus. Eu deveria corresponder mais às suas expectativas em relação a mim, mas eu fui egoísta.

Eu fui extremamente egoísta e te deixei ir embora sem mais nem menos. Eu nem tive a chance de lutar por você, nem por um mísero segundo, porque a forma como você foi simplesmente roubada de mim pegou a nós dois de surpresa.

Faz cinco meses desde que você foi embora. Eu já estou me cansando de ficar repetindo todas as mensagens de voz que você já me mandou, e eu nunca deveria ter apagado todas as nossas conversas para poupar espaço no meu celular. Eu deveria ter mantido nossos cinco anos de conversa intactos, para que eu pudesse me lembrar de você desde o primeiro momento.

Eu deveria ter rido mais com você, deveria ter te levado mais ao cinema, deveria ter te feito mais cafuné e jogado JustDance com você todas as vezes que você me pedia para jogar. Deveria ter perdido de propósito algumas vezes no Mortal Kombat só para vê-la rindo e ouvir um “Olha só, eu tô melhorando!” seu.

Eu deveria ter prestado mais atenção nos vestidos que você comprava. Deveria ter dado uma opinião sincera em qual era o melhor: o vermelho comprido de gala ou o bege curto com babados.

Eu deveria ter tirado mais fotos suas enquanto dormia, porque eu me lembro que você se parecia um anjo quando adormecida. Mas eu me acostumei, e esse foi o meu maior erro.

Eu nunca deveria ter me acostumado com você. Eu deveria me surpreender absolutamente todos os dias com a sua presença, porque viver contigo foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida, e eu sinto que nunca mais terei esse tipo de experiência novamente.

Hoje a Ches invadiu nosso guarda-roupa e se sentou sobre uma camiseta de cetim que era sua. Ela a cheirou por um instante, como se quisesse se lembrar de você nem que fosse pelo menos um pouco, e adormeceu encolhida no aconchego das suas roupas.

Eu lembro que você me pediu para adotarmos outro gatinho para fazer companhia a ela, e eu neguei dizendo que a casa se tornaria um albergue de pulgas e pelos. Eu nunca deveria ter negado um novo gato a você.

Na realidade, eu nunca deveria ter te negado nada. Eu deveria, na realidade, me sentar contigo para discutirmos os possíveis nomes dos bichanos. Você com certeza iria escolher algo como “Einstein”, “Hannibal” ou, mais possível ainda, “Plutão”, já que você sempre se indignou por rebaixarem o posição dele como planeta.

Mas você não está mais aqui para discutirmos a respeito de mais nada.

De manhã, eu havia corrido por uns vintes minutos no parque, um fone de ouvido pendendo enquanto eu ouvia o single da sua boyband preferida. Quando passei na frente de um petshop, não aguentei e adotei um gatinho cinza, chamando-o de Plutão.

Quando cheguei em casa, tomei um banho longo, deixando a água tentar retirar de mim um pouco do meu arrependimento. À tarde, eu assisti a novela das seis, ignorando um documentário sobre bebês no Discovery e rindo quando a Ches começou a lamber Plutão, ambos confraternizando do meu lado no sofá.

Quando deu meia noite, decidi assistir Big Hero 6 na Netflix, mas não é como se eu tivesse o odiado - muito pelo contrário, eu chorei bastante.

Mas não foi por causa do desenho.

Eu deveria ter te dito ‘eu te amo’ mais vezes.

Perdoe-me por todas as coisas não ditas.

Eu deveria ter te amado mais.