Que nem o tempo nos separe escrita por Ferbs


Capítulo 1
Charlie


Notas iniciais do capítulo

Bem, aqui estou eu começando essa nova fic. Ela é meio diferente da que eu já estou escrevendo aqui, apesar de ser mais focada no romance e no yaoi, vai ter um pouco de ficção no meio. No início as coisas serão meio confusas, mas prometo que tudo será explicado no decorrer, por favor, não parem de ler por não estarem entendendo muito bem o que tá con teseno. Um beijo pra vocês, boa leitura.



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Seus cabelos são castanhos e curtos, levemente avantajados em um topete. Seus olhos de um castanho quase negro entram em um deleitante contraste com sua pele extremamente branca. Hoje ele veste agasalhos afinal, está bem frio. 12º. Não é todo dia que se tem uma temperatura baixa assim em um país tropical. Mesmo por baixo de todo aquele pano eu consigo ver a silhueta de seu corpo, silhueta que já decorei e redecorei. Adoro observá-lo. E estou fazendo isso agora. Trinta metros separam nossos bancos naquela praça estranhamente vazia. Provavelmente era por ser uma triste manhã de inverno. Mas é desses dias que ele gosta, dos solitários. Não consigo ver nenhum sorriso no seu rosto, na verdade nunca vi.

Sei pouco sobre ele, sei que se chama Felipe, sei que é dois anos mais jovem que eu, sei que é extremamente inteligente, sei que tem uma beleza singular. Não aquela beleza padrão que encontramos em qualquer modelo por aí, mas uma beleza única, só dele, que o faz diferente e especial. Talvez seja seu olhar. Eu não o conheço, nunca falei com ele, nem poucas palavras. Mas é ele. Eu sei disso, eu sinto isso. Eu sinto que um dia nós andaremos de mãos dadas no parque, sinto que um dia nos deitaremos na grama do nosso quintal e apagaremos todas as luzes para que possamos ver as estrelas, sinto que vou chorar no ombro dele dizendo que o amo enquanto ele fará o mesmo comigo, mas ele dificilmente irá chorar, sinto que ele é mais forte do que eu. Sinto que um dia teremos uma criança juntos. Eu sinto. Eu sei. E eu vejo isso acontecer.

Começou não tem muito tempo, esses flashes. Clarões. Acontecem quando estou triste, acontecem quando penso nele, acontecem quando o observo demais. Eu simplesmente vejo nós dois juntos. Vejo seu rosto olhando para mim sorrindo, um sorriso que eu nunca vi na vida real. Vejo ele me abraçando e me beijando de uma maneira tão carinhosa que está além da minha imaginação. Imagino que um dia tudo isso vá se tornar realidade. Sei disso. Eu sei que o amo sem sequer conhecê-lo. Sei que Felipe é minha droga. Sei que já estou viciado.

Meu celular vibrou no meu bolso me despertando de meu já longo torpor. Já é a terceira vez em trinta segundos, então resolvo pegá-lo e verificar. As três mensagens de agora são de Lara, uma amiga, e as dez nos últimos minutos também eram dela.

"Onde você está? Deveria estar na escola!"

Retiro a mão direita do bolso e verifico a hora no meu relógio de pulso. Eu sei que poderia ter olhado no próprio telefone, mas acho que sou meio conservador. 8h02. Eu estava mais de meia hora atrasado e gasto dez minutos da minha posição atual até a escola. O telefone vibra de novo na minha mão esquerda.

"Vai mesmo perder o dia da sua formatura?"

Suspiro fundo. "Só mais três minutos", imagino eu. "Deixe-me observá-lo por mais três minutos." Infelizmente não tenho esses três minutos. Felipe se levanta com as mãos no bolso, e com um semblante baixo, se dirige a um carro que estacionou segundos antes na sua frente. Ele não levanta o olhar e parece não conversar com quem quer que esteja dirigindo. Solto um suspiro e me levanto assim que o carro dá a volta pela praça. Ando alguns passos e me deparo com uma faixa de pedestre, começo a atravessá-la quando percebo que o carro onde Felipe entrou está passando por aquela rua. Paro e espero, mas o motorista do carro freia e dá sinal para que eu atravesse, raro achar motoristas educados assim hoje em dia. Começo a atravessar e resolvo olhar para o carro, não perderia uma oportunidade dessas de observar o rapaz no banco do carona mais ou pouco. Ele não me vê. Sua testa está escorada na janela à sua direita, e seus olhos parecem presos em um horizonte que só ele consegue enxergar. Retorno minha atenção para o resto do mundo ao meu redor enquanto o carro passa por trás de mim subindo a mesma rua em que eu subiria dentro de alguns segundos. Provavelmente Felipe também estava indo pra escola.

8h14, os portões ainda estão abertos. Passo pelos corredores com as mãos no bolso e reparo que está tudo muito vazio. Essa provavelmente será a última vez que entrarei por esses portões, pelo menos como um aluno dessa escola. Vou em direção à minha sala, ela está vazia, todos já foram para o auditório. Vou até o vestiário do ginásio, onde esqueci minha beca na noite anterior após meu último treino de futebol em nome da escola, e também o encontro vazio, então me troco ali mesmo. Com minha beca preta já toda vestida caminho em direção ao auditório, onde todos já se encontram em seus lugares, a cerimônia começaria às 8:30. Os alunos escolheram esse horário em um sábado para que assim eles pudessem, logo após, comemorar o fim do ensino médio em um clube. Pelo visto esqueceram de checar a meteorologia, mas não creio que isso os irá impedir de pular naquelas piscinas.

Passo meus olhos pelo grande salão procurando o meu lugar, os formandos tem suas cadeiras reservadas logo a frente do palco. Paro de procurar quando vejo uma ruiva acenando em minha direção, era Lara. Sento-me ao seu lado sem dizer uma palavra, e por alguns segundos ela apenas me observa, provavelmente esperando alguma explicação que não vai ter.

— Você deveria ter chegado às 7h30. - ela disse finalmente.

— Eu sei, foi mal. Acabei atrasando.

— Nunca te vi atrasar um dia de aula.

— Tecnicamente hoje não é um dia de aula, então acho que meu histórico ainda está perfeito.

— Denyel, é o último dia de aula. Hoje é um dia especial, um dia bom. O dia que marca o fim de um ciclo para o início do próximo. No momento que chamarem seu nome, você se levantar dessa cadeira e pegar um diploma no palco você vai perceber que sua vida a partir de agora será completamente diferente de tudo que você viu até então. Você tem que estar pronto para isto. E esconder segredos de seus amigos não vai te ajudar em nada quanto a isso.

Parei de olhar em seus olhos e passei a fitar os pés da cadeira que estavam na minha frente. Claro que era disso que se tratava, ela queria saber onde estava minha mente nos últimos meses. Eu sei que não estava comigo, e sei também exatamente com quem estava. Meu silêncio foi sua deixa.

— Imagino que não vai me contar onde estava a manhã toda.

Balanço negativamente a cabeça sem olhar para ela. Ouço um suspiro passar dentre os seus lábios e sinto sua mão direita repousar sobre minha bochecha. Olho dentro daqueles profundos olhos verdes e coloco minha mão sobre a dela. Ficamos sorrindo um pro outro até que a cerimônia começou.

Naquela tribuna vi subir professores que eu tanto admirei, vi subir o diretor que me deu a mais bela carta de recomendação que se fosse possível imaginar. Vi alunos fazerem discursos, homenagens, vi vídeos feitos ao decorrer do ano, e vi nós. Em pouco tempo, as imagens que deveriam mostrar alunos estudando e se divertido na escola, eu vi um casal de adultos. Vi vídeos caseiros de um casal apaixonado mostrando para o mundo todo o amor que residia dentro de si. Eu vi a mim. E eu vi a Felipe. Uma lágrima começou a escorrer do meu olho esquerdo, meu peito doía e eu tinha vontade de sair correndo, encontrar o lugar mais solitário da escola e ficar ali.

Mas então tudo passou, os vídeos havia terminado e o diretor começava a chamar os nomes de todos os formando em ordem alfabética lhes entregando seus diplomas. Não demorou para que se chegasse a minha vez.

"Denyel Dimas"

Me levantei devagar, sorri para Lara que sorriu de volta pra mim, e me dirigi ao palco. Subi pelas escadas laterais, passei cumprimentando cada professor que estava em pé ali, em fila, até chegar no diretor, que olhava para mim com orgulho. Ele apertou minha mão e me entregou o diploma. O segurei firme, e então olhei para a plateia.

E lá estava ele, sentado nas primeira fileiras, olhando para o palco, olhando para mim. Ele não precisava estar ali, ele só se formaria dentro de dois anos e não tem nenhum parente ou amigo que se forma comigo hoje, mas ainda assim, lá estava ele. E ele sorria. Mas ele não sorria para mim, na verdade eu sorria com ele. Eu estava sentado ao seu lado, segurando sua mão, ambos sorriamos loucamente para alguém neste palco. Parecíamos mais velhos, uns vinte anos mais velhos, mas parecíamos tão felizes. Uma felicidade que fez meu coração doer, e que me fez chorar. Senti minhas pernas amolecerem e estava prestes a desabar quando alguém me segurou. Em poucos segundos todos os professores já estavam ao meu redor e eu podia ouvir alguns sussurros indistintos da plateia, e então tudo se apagou.

Quando acordei eu estava na enfermaria, uma moça muito bonita de pele morena estava sentada do meu lado. Era Alice, uma das enfermeiras da escola.

— Olha só, ele acordou. - disse ela quando percebeu meus olhos se abrindo.

— Quanto tempo foi dessa vez? - disse fazendo esforço para me sentar na cama.

— O de sempre, uns dez minutos. Mas dessa vez foi diferente.

— Diferente?

— Sim, você estava balbuciando algumas coisas.

— Você entendeu algo que eu disse?

— Não muito, mas pude distinguir um nome. Felipe.

Apenas a observei boquiaberto, não sabia o que dizer para me explicar. Esses desmaios repentinos estavam acontecendo com uma certa frequência nos últimos dois meses, e era sempre para Alice que me entregavam. Ela me disse para procurar um médico especializado, o que eu menti que fiz e que ia fazer alguns exames.

— Obrigado por cuidar de mim. - eu disse por fim, resolvendo ignorar o que ela me disse.

— Não, não é a mim que precisa agradecer. Na verdade acabei de chegar.

— Então quem me trouxe pra cá?

— Um rapaz. Ele está esperando ali de fora. Quer que eu o mande entrar?

— Por favor.

Alice se levantou gentilmente e se dirigiu à porta. Poucos segundos depois ela voltou acompanhada por um rapaz mais ou menos da minha idade, de cabelos castanhos e pele branca. Por um momento acreditei ser Felipe, eles até tinham uma semelhança, mas então percebi seus olhos azuis, como os meus.

— Vou deixar vocês a sós. - disse Alice ao se retirar da sala e fechar a porta.

— Que bom que você acordou. - disse o rapaz.

— É, Alice me disse que você me trouxe aqui.

— Bem, a cerimônia tinha que continuar com ou sem você e todos os professores estavam lá, então...

— Desculpe, mas eu nunca te vi por aqui. Qual o seu nome?

Então aquele garoto misterioso apenas ficou olhando para mim e sorrindo, como se já me conhecesse. Seus olhos estavam marejados e ele parecia querer me abraçar.

— Eles estão ficando mais constantes, né Denyel? - ele disse por fim, cruzando os braços em frente ao peito.

— Como é? Você diz os desmaios?

— Não, não me refiro aos desmaios. Me refiro aos flashes.

— Como sabe disso? Como sabe meu nome?

— Você já percebeu o padrão? Nos desmaios. Quando eles acontecem. Já percebeu que eles vem junto com os flashes mais fortes?

— Quem é você? - minha voz aumentaram um tom, com certeza faltou pouco para Alice me ouvir do outro lado da parede.

— Eu vim ajudar. Não só você, mas Felipe também.

— Como você sabe sobre isso?

— A história é meio longa, e meio difícil de acreditar.

— Tente.

O rapaz suspirou fundo, puxou uma cadeira e então se sentou ao meu lado.

— E se você e Felipe nasceram para ficar juntos? E se o universo quer que vocês se encontrem em algum ponto das suas vidas e passem a ser um só? Mas e se algo não quer que isso aconteça? E se algo esteja tentando separar vocês aqui, antes mesmo de se conhecerem?

— Tipo o destino?

— Não exatamente. Eu diria que isso está mais indo contra o destino. Tentando mudá-lo. Um dia, você e Felipe irão viver uma das maiores histórias de amor que esse mundo já viu. Um amor forte o suficiente para ultrapassar as barreiras do tempo e me trazer aqui.

— De qual hospício você fugiu mesmo?

— Eu não sou louco. E você acredita em mim. Você acredita em mim porque você sabe muito bem que não contou sobre Felipe a ninguém, nem mesmo naquela em quem você mais confia, Lara. E ainda assim um total estranho aparece na sua frente e começa a dizer coisas das quais apenas você e sua mente sabem.

— E como você sabe disso?

— Porque você me contou.

— Não me lembro de ter feito isso.

— E você não fez. Pelo menos não ainda. Você me contou isso, Denyel. Mas você me contou no ano de 2039.

Minha boca, até então aberta, se fechara. Não sei como esse rapaz sabia sobre Felipe, mas agora estava claro, ele era louco.

— Alice! Alice! - gritei por ajuda que entrou quase que imediatamente pela porta.

— Sim, Denyel, o que foi?

— Tira esse cara daqui!

— Mas por que? Está tudo bem?

— Não, não está nada bem! Chame a segurança, eu quero ele fora!

— Calma, calma, não precisa disso, eu sei o caminho da saída. - o rapaz disse levantando os braços. - A propósito, só respondendo a sua pergunta, meu nome é Charlie. Eu vou estar esperando por você, Denyel. Venha até mim quando estiver pronto, eu vou estar naquele seu lugar especial, que só você sabe onde é.

E dizendo isso, Charlie se vira de costas e sai.

— Quem era ele? - perguntou Alice.

— Eu não sei. E acho que não estou nem um pouco afim de descobrir.

Flashforward - 12 de novembro de 2023.

— O caso de vocês é um caso raro de se acontecer, senhor Dimas. Como já lhe expliquei antes, tantos os genes do seu esperma quanto o de seu parceiro penetraram no óvulo da doadora temporária de útero de vocês, ou como é comumente chamada, barriga de aluguel. Essa mixagem acabou gerando um novo gene contendo o DNA de vocês dois. Como sabem, normalmente apenas um dos genes penetra no óvulo, fazendo com que, geneticamente falando, apenas um dos dois seja o pai da criança. Mas esse não parece ser o caso. Nunca tinha visto isso com meus próprios olhos, mas eu devo parabenizá-los. Vocês agora são pais, em todos os sentidos.

Apertei ainda mais forte a mão que estava segurando na minha, ela estava tão nervosa quanto eu, pois suava. Olhei em seus olhos e sorri. Sorri ao ver aquela pele branca refletindo a luz artificial daquele consultório médico, sorri ao ver aqueles cabelos e olhos castanhos, sorri ao ver aquele sorriso sorrir pra mim. Sorri porque agora eu era pai. E sorri porque Felipe era pai comigo.

— Vou pedir para trazerem a criança.

Após o doutor se retirar da sala, me senti mais a vontade para falar com ele.

— Como você está?

— Como eu estou? Nervoso. Den, nós vamos ser pais. Nossa, eu te amo tanto.

— Eu também te amo.

— Como acha que ele vai ser? O bebê.

— Quero que se pareça com você. Quero amá-lo tanto quanto amo você.

— Quero que ele tinha seus olhos, Den. Pois quero olhar nos olhos dele e mergulhar em um oceano azul de paz, da mesma forma que faço com você.

Não demorou muito para que o doutor voltasse, sendo seguida por uma enfermeira com um bebê no colo. Ela veio sorrindo e o entregou a mim. Olhei para Felipe que estava em pé ao meu lado, acariciando nosso filho, e eu o vi chorar enquanto sorria. Felipe estava chorando, e eu apenas o vi fazer isso três vezes em toda a minha vida. E o bebê era como ele, tinha a pele dele, o cabelo dele, mas tinha meus olhos azuis.

— Vocês já escolheram o nome? - a enfermeira perguntou, com água nos olhos.

— Sim. - respondi dirigindo meu olhar para ela. - Charlie. O nome dele será Charlie.

Meu filho.

Nosso filho.

Charlie.


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Notas finais do capítulo

Bem, é isso. Meio doido, eu sei, mas eu sou meio doido, então quem se importa? Espero que tenham gostado e que continuem lendo. Comentem o que estão achando dessa bagunça, teorias são bem vindas. Um abraço e até a próxima.



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