Ninguém poderia dizer como aquilo tinha começado; nem mesmo ele. O fato é que ele insistia em nutrir sua paixão secreta. Seu alvo não estava longe; ela morava no prédio em frente. Faltava-lhe, porém, a coragem, a audácia, a atitude. Ele sabia que seu amor era unilateral, estava consciente de que jamais seria correspondido.

E, para ele, a distância entre os dois se reduzia a uma ocular e uma objetiva.

Por dias a fio ele se dispunha a observá-la através das lentes. E, para seu deleite, a via deitada em sua cama, sozinha, durante longos e longos minutos. Seus cabelos castanho-avermelhados cobriam parte daquele belo e angelical rosto; sua pele, levemente dourada, dava um charme extra para aquele corpo avantajado. Se fosse para apontar um defeito, ele diria ser a baixa estatura. O rapaz, longe de ser considerado alto, duvidava que ela chegasse a seus ombros. Ele chegou a pensar que ela pudesse ser jovem demais; constatou seu engano, porém, ao flagrar os grossos livros de direito que ela costumava carregar quando chegava.

E ele se encontrava fascinado pela menina. Uma observação mais atenta permitiu a ele descobrir que a garota morava sozinha. Mais de uma vez, contudo, a viu acompanhada de outras garotas; todas mais velhas, nenhuma com os traços de beleza que o encantava. Apenas por uma vez a viu acompanhada de um homem; a julgar pela aparência cansada e pelos traços característicos, ele julgava que fosse o pai da garota.

Tal fascínio que ela exercia por sua mente talvez começasse a lhe tirar sua sanidade, mas ele não demonstrava. Continuava trabalhando em uma loja próxima como vendedor, sem que a paixão afetasse seu desempenho. Tinha também seus amigos, não muitos, com os quais não chegara a confidenciar seus sentimentos. Até porque ele também tinha sua beleza, talvez incomum; possuía um rosto de formato fino e traços mais delicados, costumava esconder seu sorriso, que facilmente chamaria a atenção das garotas. Ele preferia não se envolver. Tinha consciência de seu histórico de corações despedaçados…

Não se podia dizer que ele era um homem carente, ainda que se concentrasse somente na garota do prédio ao lado a todo e qualquer momento em que estivesse em sua casa. Só o que ele fazia era observá-la pela janela. E a cada movimento dela, tinha certeza de que era a garota.

E em um desses dias, ele decidiu que não aguentaria mais aquela situação. Cansara de observá-la. Decidiu agir. Considerou ser aquele o momento em que poderia tomar uma atitude, aquele momento no qual ele a observava mais uma vez com a ajuda das lentes. Ela estava sozinha, completamente à vontade em sua cama. Apoiava as costas na cabeceira da cama enquanto estudava.

Foi quando o som da tristeza ecoou pela rua.

A garota deitava-se na cama, relaxando seu corpo. Sua camisola branca manchava-se de vermelho na altura do peito, enquanto dava um último sopro de vida.

Do outro lado da rua, aquele que a observava chorava e ao mesmo tempo sorria. A tristeza que lhe fazia seu coração pular uma batida dividia espaço em seu rosto com a alegria contida em seu prazer enquanto lavava suas mãos, sujas de pólvora.

Com seu rifle de precisão, ele despedaçara mais um coração. E, mais uma vez, ele exercitava sua ácida paixão, que aos poucos lhe corroía.