Rua do Castelo d'Água escrita por Laura Machado


Capítulo 6
Capítulo 6: Boulevard Gambetta




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Talvez de todas as coisas do mundo, a pior que alguém poderia deixar tomar conta de si era ambição. Quando comecei a escrever e ver que faria algum sucesso, quando comecei a ter leitoras que se apaixonavam completamente pelas minhas histórias, esse era o meu maior medo. Ambição. Deixar que me consumisse. Não queria ser o tipo de pessoa que o sucesso subia à cabeça, mas, pior que isso, não queria ser daquele tipo que nunca estava satisfeita com nada. Quanto mais atenção eu recebia, mais sentia falta na próxima vez. No começo, tinha me acostumado com o crescimento e, a cada capítulo que postava quando ainda só tinha meu blog, mais eu esperava que as pessoas comentassem e se apaixonassem.

Mas a verdade era que só de ter uma pessoa lendo já estava bom o suficiente. Eu até demorei, mas acabei percebendo que precisava dar valor a cada um que falava alguma coisa, cada um que voltava no próximo capítulo. Que o importante não eram os números se acumulando, mas as pessoas atrás das telas dos computadores, que davam seu tempo para algo que eu tinha escrito.

E, por isso, quando meu primeiro livro foi lançado, eu não esperava nada. Nem pensava em fazer sucesso, estava feliz só de ter meu nome em uma livraria, por mais obscura e escondida que minha saga ficasse lá dentro. Eu sabia que não devia ser ambiciosa demais, que se eu quisesse sempre mais, acabaria sem nada.

E era bem isso que estava tentando entender naquele momento. A grama me pinicava, mas eu ignorava junto com a conversa de um grupo que fazia piquenique atrás de mim. Estava tentando só me concentrar no barulho do rio, que corria a alguns metros dos meus pés, e me convencer de que eu precisava seguir meu próprio conselho.

Não devia ser ambiciosa. Não devia querer demais. Não queria arriscar ficar sem nada.

Estava deitada, o sol me cegando a ponto de eu não conseguir nem abrir os olhos. E apesar dos milhares de coisas que me incomodavam, ainda me sentia profundamente sortuda.

Já tinha passado da fase de duvidar que aquilo tudo estava acontecendo comigo. Já tinha até me acostumado com cada coisa que me dava frio na barriga e involuntariamente me fazia ficar nas pontas dos pés. Ainda contava os segundos para a próxima vez em que eu teria a chance de ter os lábios de Johann nos meus ou até mesmo só de sentir o toque da sua pele na minha. Mas ele já tinha deixado de ser um estranho há muito tempo. Pelo contrário, eu sentia que o conhecia muito bem. Bem demais.

Era tão absurdo pensar que eu provavelmente nunca mais o veria na vida depois de ir embora.

Era mais do que absurdo, era inconcebível. Ele já era uma grande parte da minha vida, talvez uma parte que tenha estado bastante vaga antes de conhecê-lo. Mas eu pensava nele o tempo todo, queria correr para ele para falar das coisas mais idiotas que eu via na internet ou pela cidade. Queria estar o máximo de tempo possível na sua frente, ouvindo-o falar para mim do que ele tinha visto. Era estranho pensar que toda a vida que eu tinha construído ali e meus novos hábitos, por menores que fossem, tudo seria deixado para trás. E eu que deixaria.

Me levantei e sentei olhando para o rio.

Eu queria ser ambiciosa. Queria tentar agarrar tudo que eu tinha naquela cidade e nunca mais largar. Queria levar Johann comigo, continuar a minha vida em Nova York, mas não o deixar para trás. Não queria abrir mão do que eu já tinha demorado vinte e cinco anos para conquistar, mas tão pouco queria ter que voltar a viver sem ele. Não queria ser racional, não queria pensar naquilo. Queria ir contra meu próprio conselho e ser bastante egoísta.

Mas não importava o tamanho da vontade que tinha dentro de mim. Eu também sabia que não existia jeito daquilo funcionar. O que quer que eu tinha com ele só funcionava ali. Era mais do que pensar que nós só estávamos tão bem porque sabíamos que teria um final. Essa teoria já tinha caído por terra quando eu me deixei levar e falei a única coisa que não podia. Eu tinha praticamente declarado que não queria que tivesse um final. E, por mais que não tivéssemos falado daquilo nem uma única vez, já que meus dias acabaram ficando bastante ocupados com meu livro, ainda sentia que a nossa dinâmica tinha mudado um pouco. Pelo menos do meu lado, ela tinha ficado um pouco mais pesada. Um pouco mais sensível.

Mas ainda funcionava perfeitamente bem. Mesmo com ele sabendo e eu tendo que admitir que não queria um final, ainda não tínhamos momentos desconfortáveis, ainda aceitávamos e admirávamos qualquer detalhe um do outro. E eu não queria voltar a viver uma vida em que eu não tinha conseguido formar uma só conexão com alguém nesse nível.

Mas ao mesmo tempo eu sabia que estaria me enganando se dissesse que conseguiria levar aquilo adiante. Ele tinha a vida dele ali, que eu não podia pedir para que deixasse, senão me ressentiria para o resto dos seus dias. E eu não conseguiria me mudar para lá de vez. Nunca seria do tipo que tomaria uma decisão como aquela por causa de outra pessoa. Eu mesma não queria ressenti-lo e não queria deixar tudo aquilo que eu conhecia. Naquele momento, sentada à beira do rio e pensando nas poucas horas até que eu tivesse que ir embora, nos dias que se seguiriam, na quantidade de reuniões e discussões que eu teria que ter agora que meu livro estava terminado, sim, eu queria deixar Nova York de vez. Queria esquecer que o mundo continuava depois dos limites de Amboise. Queria esquecer que existia qualquer outra coisa que não fossem os olhos de Johann sorrindo para mim.

Mas eu me conhecia bem demais para me deixar enganar. E podia sentir em meus ossos que cada segundo que eu prolongasse minha viagem ali faria ser ainda mais difícil ir embora depois.

Mal me lembrava da razão que tinha me levado ali. Ela praticamente tinha desaparecido no dia anterior, Alicia já tinha meu manuscrito e o grande problema que antes me assombrava já tinha sido resolvido. Agora, eu faria qualquer coisa para a única preocupação minha ser de novo meu bloqueio criativo.

Em algum momento, acabei me levantando. O grupo do piquenique já tinha desaparecido e o vinho que eu tinha comprado estava quente. Mas ainda assim eu o abracei, começando meu caminho na direção da casa de Johann.

Seus pais já deviam ter chegado. Já tinha passado uma hora de quando eles tinham marcado e Johann me garantiu que eles preferiam ter multas a chegar atrasados. Eu não os estava evitando de propósito. Até estava nervosa em conhecê-los, tinha medo de que não gostassem de mim. Mas eu fugia mesmo era de Johann. Desde que tinha acordado naquela manhã, tudo que eu conseguia pensar era que era meu último dia com ele. E, por mais que quisesse aproveitar também o máximo possível, sentia um aperto no peito de vez em quando que fazia ser difícil respirar. E eu precisava respirar! Precisava de ar. Precisava pensar.

Não, eu não precisava pensar. Precisava de uma intervenção divina para resolver tudo para mim. Deus ex machina ou qualquer coisa desse tipo. Alguma solução que me ajudasse a levar tudo de bom de Amboise de volta para Nova York. Algo que não deixasse Johann pensar nos seus pais e no seu país, do quais ele se afastaria.

E pensar que eu quase não fui para lá! Quase não comprei a passagem. E que ainda deixei a mulher do guichê escolher para mim. E que, se Alicia não tivesse me ligado na hora em que o cara do meu lado no avião estava falando de Amboise, eu provavelmente teria ficado em Paris. E eu não conheceria Johann. E eu não estaria ali.

Quantos milhares de acasos tinham sido necessários para me fazer encontrá-lo? Desde o final do meu noivado, quando eu parei de escrever, até meu bloqueio começar, ficar pior e chegar ao limite que me fez entrar naquele aeroporto. Quantas coisas que podiam ter desviado meu caminho, mas que me guiaram diretamente até ele. Quantas chances que eu tive de perder aquelas duas semanas, de não ter tido tudo que eu tinha tido ao seu lado.

E eu estava ali, querendo mais! Reclamando que teria um fim.

Eu sabia que estava errada! Que era, sim, arrogante, egoísta, mimada! Deveria entender que aquilo era o suficiente, ficar feliz com o que eu tinha. Mas era impossível negar aquele sentimento no fundo da minha garganta, que ameaçava sair pela minha boca. Aquele que queria gritar que não importava! Não importava o quão terrível e ingrata eu fosse, eu ainda o queria. E nunca, jamais queria deixá-lo. Que o resto do mundo definitivamente podia explodir, eu só me importaria em continuar do lado dele.

Quando finalmente vi a placa da sua rua outra vez, sentia uma vontade inexplicável de abraçá-la. Ela já era velha, parecia estar faltando algum tipo de brasão da cidade. Mas eu ainda a amava. Ainda queria abraçá-la e dizer que sentiria sua falta, que nunca a esqueceria, que tinha marcado minha vida. Até me apoiei nela, quase realmente enrolando meus braços em volta dela, olhando para o terreno vazio que ficava logo atrás dela.

Era um campo verde, com a grama baixa e que me deixava ver até uma estrada que passava bem longe. Amboise era incrivelmente plana e pitoresca, e eu sentiria falta daquilo também. De ver toda aquela grama, aquelas casas grandes, com quintais enormes e espaço sobrando para todos os lados. E aquele ar, o ar de quem não estava apressado e que nem precisava de todas as regalias com as quais eu tinha vivido minha vida inteira. O povo dali parecia se contentar em saber que aquela cidade existia e criar suas raízes ali mesmo, sem precisar do resto do mundo.

Como Johann, pensei na hora. Ele também estava contente de ter um lugar ali, de poder andar até o trabalho, de conhecer os donos dos restaurantes ao lado, de ir ao mesmo bar, olhar o mesmo castelo, sentir a mesma brisa.

Apesar de que, como ele mesmo tinha dito, nunca era a mesma brisa, nem o mesmo castelo, nem o mesmo bar.

E eu nunca seria a mesma.

Assim que respirei fundo e entrei na sua casa, fui abordada por uma mulher que parecia ter uns bons cinquenta anos. Ela veio falando comigo no que eu reconheci ser francês, puxando minha mão e a apertando, soltando milhares de palavras que eu não conseguia nem conectar.

Johann acabou nos percebendo.

"Sie spricht kein Französich, mutter," ele disse para ela, depois seus olhos encontraram os meus. "Olá," ele disse, na minha língua, um sorriso brincando com a palavra. "Essa é minha mãe, Martha. Mãe, use inglês para falar com Audrey," sua mão apontou na minha direção.

Mas antes que a sua mãe tivesse a chance de me olhar outra vez e falar alguma coisa, ele se colocou entre nós, segurou meu rosto com as duas mãos e me puxou para um beijo.

"Você demorou," ele disse.

Eu queria ter aproveitado aquele beijo, que talvez pudesse ser até mesmo o último. Mas a mãe dele estava logo ali, nos assistindo. Será que era estranho só para mim?

Assim que ele me soltou e pegou o vinho da minha mão, nós duas ficamos sozinhas.

"Me perdoe, achei que falasse francês," ela me disse, levando uma mão ao peito, enquanto seu sotaque arranhava sua garganta, várias vezes mais forte que o de Johann.

Droga. Eu sentiria falta até de seu sotaque e do seu erre esquisito.

"Eu deveria falar," disse, com um sorriso torto. Não sabia se ela iria rir ou se não tinha o menor senso de humor. E também não sabia se teria assunto o suficiente para ficar ali, ou se deveria seguir Johann pra cozinha.

"Estava dizendo que adorei seu cabelo!" Ela continuou, praticamente ignorando o que eu tinha dito. "E que é um prazer te conhecer, Audrey! O que você faz?"

O que eu fazia? Johann não tinha contado?

"Ah, eu sou escritora."

"Escritora!" Ela exclamou, sorrindo. "Mas que incrível, uma artista! Hans, venha conhecer Audrey! Ela é uma escritora" Ela gritou, para o que só podia jurar ser o pai dele, que apareceu nas portas do quintal.

E foi a primeira vez que eu olhei para lá.

Não eram só os dois que estavam ali. Eles não eram os únicos a estarem nos visitando.

Pelo que eu conseguia ver, Johann tinha levado a mesa de jantar para o quintal, a qual várias cadeiras diferentes circulavam. E, em cada uma delas, uma pessoa estava sentada.

Quando o pai dele chegou na minha frente, eu praticamente me encolhia. A mãe dele falou milhares de palavras no que eu só podia imaginar ser alemão, pelo jeito que os sons eram cortados e ríspidos. Mas ela falava com um sorriso, que o pai dele imitava.

Hans, repeti na minha cabeça para não esquecer. Hans e Martha Braun.

"Audrey, prazer," o pai dele falou, me esticando uma mão. Só pela sua apreensão em falar 'prazer', já pude perceber que não dominava muito inglês.

Em compensação, a mãe dele parecia adorar ter uma chance de treinar a minha língua. "Você é americana, Audrey?" Ela perguntou, e eu concordei com a cabeça. "Sempre quis conhecer uma americana nativa! E quanto tempo você vai ficar aqui?"

Aquela pergunta também me acertou como um tapa.

Johann não tinha mesmo falado de mim para eles. Não tinha falado o que eu fazia, quanto tempo ficaria, de onde era. Eles nem deviam ter ouvido meu nome antes de aparecer por ali.

"Só mais algumas horas," eu disse, respirando fundo para que minhas próprias palavras não me afetassem.

Ela fez cara de desanimada, mas depois abriu um sorriso. "Ah, então temos que aproveitar! Quer tomar alguma coisa?"

Ela começou a andar na direção do quintal, comentando algumas coisas com o pai dele, esperando que eu a seguisse.

Mas eu queria ficar ali. Não queria entrar naquela festa, não queria descobrir mais várias pessoas que nunca tinham ouvido falar de mim. Definitivamente, não queria ser a intrusa.

Por sorte, Johann estava voltando do quintal na direção da cozinha outra vez e eu disse que precisava falar com ele.

"Ei," falei, quando o alcancei, indo me apoiar na bancada.

Ele foi direto ao forno, de onde tirou os macarons que tínhamos feito naquela manhã.

Para ser honesta, ele que tinha feito tudo. Desde a farinha de amêndoas na noite anterior. Mas eu ainda via cada uma das bolachinhas rosas e redondas como algo que era nosso e do qual eu tinha muito orgulho de ter participado.

"Ignora minha mãe, ela é um pouco efusiva," ele falou, bufando uma risada ao tirar os macarons da forma e enfileirá-los em uma vasilha.

"Não, eu gostei dela." Só não de descobrir que ela nunca tinha ouvido falar de mim, pensei. "Quem são as outras pessoas?"

"Ah," ele olhou rapidamente na direção do quintal, depois para mim. "Não te contei? Minha irmã veio também, com o marido. E dois primos meus, que estavam na casa dos meus pais. Eles ligaram ontem perguntando se podiam vir, achei que não teria problema."

"Não, claro que não."

"Acho que você vai gostar da minha irmã, ela é um pouco obcecada por livros," ele continuou, indo atrás do recheio de morango e deixando um pouco em cada macaron, como se não fosse nada.

Enquanto isso, eu ficava hipnotizada pelo jeito que o creme caía e ficava lá, depois por como ele vazava ao redor do macaron quando o Johann colocava a outra metade em cima.

Quando ele estava terminando, de recheá-los e de falar dos seus primos, ele pegou um e me entregou.

"Me diga se devemos servi-los ou jogar fora," disse, dando a volta na bancada e vindo parar na minha frente.

Eu mirei o macaron, pensando seriamente em comê-lo. Até o levei na direção da minha boca, enquanto Johann esperava ansiosamente.

Mas tinha alguma coisa nele, alguma coisa naquele momento, que me parou. Eu olhei dele pra Johann, bem à minha frente, depois de volta para ele.

"Posso te perguntar uma coisa?" Pedi, o deixando de volta na vasilha.

Só nisso, parecia que Johann já sabia que alguma coisa estava errada. "Pode," foi tudo que ele falou, tirando a toalha do seu ombro e a jogando na bancada, depois se virando para me encarar de volta.

A verdade era que tinha milhares de coisas que eu queria saber. Porque ele não tinha falado de mim para os seus pais, o que eu era para ele, se existia a menor chance no universo de ele ir pra Nova York comigo.

Mas, depois de todos os pequenos detalhes que contribuíram para colocá-lo no meu caminho, tinha outra coisa que eu precisava saber antes.

"Como você sabia que conseguiria acabar com o meu bloqueio?" Perguntei, fazendo-o levantar as sobrancelhas, quase de alívio. "Para fazer um acordo até."

"Eu não sabia," ele disse, chegando mais perto de mim. "Tinha a esperança de que você fosse conseguir acabar com ele sozinha e que eu poderia aproveitar para levar o crédito." Ele abriu um sorriso enorme, como se ele fosse o suficiente para eu perdoá-lo pelos seus desejos.

E claro que era.

Eu passei minhas mãos pela sua cintura, o abraçando. "Espertinho," falei.

Ele apoiou seus braços nos meus ombros. "Para ser honesto, estava começando a achar que tinha sido uma má ideia. Você estava demorando tanto para conseguir pensar em um final, que já achava que estava perdendo tempo comigo, que eu só a estava atrapalhando. Quase falei para ir embora antes, para pelo menos ter alguns dias para escrever."

"Então você queria que eu fosse embora," fiz menção de me afastar um pouco dele, mas ele me segurou pelo rosto com as duas mãos, me forçando a olhá-lo.

"Eu não queria que lembrasse de mim como alguém que te atrapalhou," ele disse, sério. "Que pensasse na sua viagem para cá como uma perda de tempo."

Não consegui evitar de me inclinar para ele e beijá-lo.

Perda de tempo! Ele realmente temia que eu pensasse em tudo aquilo como perda de tempo? Eu estava era me perguntando porque tinha me demorado tanto para eu ir para lá, para eu encontrá-lo! E ele achando que eu talvez pudesse lembrar dele como alguém que me atrapalhou!

Assim que me afastei dele, senti aquela vontade de falar o que eu sentia por ele. Ela começava pequena, como se pudesse ser saciada por um abraço ou talvez um beijo. Mas depois, a cada toque, a cada vez que nossos olhos se cruzavam, ela ficava maior, mais insatisfeita. E as palavras estavam na ponta da minha língua, quando eu notei alguém com o canto do olho.

"Então essa é Audrey!" Uma voz feminina falou, seu inglês perfeito.

Eu e Johann nos soltamos e eu virei para ver uma mulher que parecia ser só alguns anos mais velha que eu.

"Audrey, essa é Katarina, minha irmã," ele disse.

Ela colocou uma mão à minha frente, a qual eu apertei ao dizer que era um prazer conhecê-la.

"Então você que é a escritora de Caçadora de Vampiros?" Ela perguntou. E eu ia responder que sim, mas ela foi até Johann e roubou um dos macarons que ele terminava de organizar na vasilha. "Argh, isso daqui está horrível, Johann!" Ela disse, depois da primeira mordida.

O rosto dele pareceu murchar. "Sério?"

"Sério!" Ela disse. "Acho melhor você não servir e deixar para que eu tome conta de exterminá-los," assim que ela falou isso, pegou mais dois e fugiu com eles para a sala. "Vem!" Disse na minha direção. "A comida aqui também não vai durar muito tempo."

Antes que eu começasse a ir na sua direção, Johann já passava por mim com a vasilha dos macarons.

O resto da família dele parecia ter muito de sua mãe. Todos ficavam animados com qualquer coisa que eu falava de mim, apesar de eu quase nunca ser o assunto da conversa. Eles falavam mais era de si mesmos, histórias e piadas internas que eu não entendia nem quando Johann tentava me traduzir. E, na maior parte do grande café da tarde que ele tinha preparado, eles não faziam muita questão de falar as coisas em inglês. Preferiam continuar na sua língua natal e me deixar sem entender.

Apesar de todos os momentos em que eu fiquei perdida, ainda foi uma bela distração. Às vezes, eu me fechava, concentrava no meu café e no meu delicioso macaron, e tentava não pensar que aquela era provavelmente uma das últimas vezes em que eu estaria ao lado de Johann.

E a única em que eu veria sua família e o jeito que ele ficava perto dos pais dele.

De todos que falavam a minha língua, o pai dele era o que mais se esforçava para criar conversa comigo. Nós trocávamos algumas palavras, às vezes traduzidas por Johann, mas na sua maioria esforços nossos. Os outros até usavam bastante Johann como intérprete, mas, por pior que fosse a comunicação entre eu e seu pai, ele ainda insistia em olhar para mim, tentar conversar comigo sem intermediários.

E, por menor que fosse a quantidade de informações que nós dois conseguimos trocar, aquela conversa ainda foi a mais significativa para mim. Ele não me olhava como uma estranha, alguém que não fazia parte do grupo. Por mais simpáticos que os outros fossem, era assim que eles me faziam sentir. Mas o pai dele parecia ter embarcado na missão de se perder comigo e tentar me mostrar que não existia falta de palavras que o impediria de me receber na sua família.

Mas aquilo nem devia importar. Porque, por mais confortável eu ficasse, por mais que sentisse fazer parte daquele grupo de pessoas bem resolvidas e animadas, aquilo só duraria por um dia.

Um dia.

Depois de quase uma hora, eu me levantei, disse que ia ao banheiro e saí de lá. O sol já estava se pondo e Johann já tinha acendido as luzes do quintal. E sua família ainda conversava alegremente, sem perder o ânimo por um segundo, ficando cada vez mais à vontade.

Eu não precisava mesmo ir ao banheiro. Só precisava ficar sozinha. Todo aquele dia teria sido ótimo, se eu conseguisse parar de pensar que iria embora em algumas horas.

Subi as escadas direto para o quarto de Johann, notando que os outros agora tinham malas e coisas espalhadas pelo chão e pelas camas. Eu já tinha até começado a me sentir em casa ali, como se eu realmente morasse com ele. E agora cada detalhe dali me provava que estava errada. Eu só estava mesmo de passagem. E tinha sido boba de pensar o contrário.

Me sentei em sua cama, que agora já não era nem um pouco mais minha. O barulho da conversa vinha direto da janela, mas, estranhamente, conseguia me fazer sentir ainda mais isolada do que o silêncio conseguiria.

Passava meus olhos pela sua estante, seus objetos mais pessoais, minha mochila no meio das coisas dele, quando Johann bateu à porta. Nem esperou eu responder para abri-la e colocar a cabeça dentro do quarto.

"Audrey?" Sua voz estava só um tom acima de um sussurro, como se ele esperasse que eu estivesse dormindo. Mas nossos olhos se encontraram e ele terminou de entrar. "Tá tudo bem?" Perguntou, fechando a porta e vindo até mim.

Eu concordei com a cabeça. Tinha toda a intenção de abrir a boca e falar alguma coisa, mas simplesmente me faltou forças.

Ele se sentou logo ao meu lado, nossos braços se tocando do ombro até as pontas dos dedos de sua mão, que eu busquei com a minha. E nós ficamos em silêncio, só ouvindo o som da respiração um do outro até ele resolver quebrá-lo.

"No que está pensando?" Perguntou, voltando sua voz ao sussurro.

"Que eu vou embora," falei, dessa vez sem nem ter tempo de pensar nas palavras antes que elas saíssem de minha boca.

E elas me acertaram em cheio, como um soco no estômago que me fez perder o ar e levar minha outra mão direto à barriga para amortecer o impacto.

Johann demorou para responder. E quando falou alguma coisa, foi só uma palavra, "Entendo."

Sabia que aquela significava literalmente que ele entendia eu estar daquele jeito, pensando naquilo. Mas, para mim, soou como se ele estivesse falando do clima. E senti como se uma onda de indignação passasse por mim.

"É isso, então?" Me virei para ele, soltando de sua mão e me afastando o suficiente para olhar direto para ele. "Tudo bem para você eu ir embora?"

"O que você quer que eu diga, Audrey?" Ele perguntou, se virando também para mim.

Outch, pensei, esfregando minha barriga com as duas mãos, até estar segurando meus cotovelos, me abraçando.

"Queria ouvi-lo dizer que se importa," falei, sentindo que o que ele dissesse determinaria quanta força eu ainda teria para continuar aquela conversa. "Que quer que eu fique."

"Eu nunca falei que não queria!"

"Nem que queria!" Exclamei de volta. "Você quer? Faz alguma diferença para você se eu ficar?"

"É claro que faz," ele se aproximou de mim na cama, buscando com as suas mãos pelas minhas, que eu deixei que segurasse. "Mas não é assim também."

"Não é assim?"

Ele respirou fundo, não encontrando meus olhos. "Não é só porque você vai embora que eu não me importo com você, que você não significa algo para mim."

"Algo," repeti, tão baixo que ele nem deve ter ouvido.

"Eu sei que não é fácil," ele continuou, quando eu já estava começando a sentir os cantos dos meus olhos ameaçando a lacrimejar. "É claro que eu sei, eu sou a outra pessoa nessa história." Sem querer, eu olhei para ele, que me mirava fundo. "Talvez seja mais difícil para você, que é a pessoa que vai embora. Mas não é fácil para quem fica também. E eu entendo o que é querer mudar seus planos, tentar prologar o tempo que temos-"

"Mas?" Perguntei, minha voz quase engasgando na minha garganta, já que tentava tanto não chorar.

"Mas as coisas não são tão simples," ele continuou, apesar de parecer até um pouco afetado pelo jeito que eu o tinha cortado. "Você tinha que saber que não seria algo eterno."

Tive que olhar para o teto quando ele falou isso, puxando minhas mãos das dele para poder tentar evitar chorar. E nem assim foi o suficiente.

"Ótimo," falei, uma única palavra sendo o suficiente para várias lágrimas molharem meu rosto. "Bom saber que para você sempre foi algo de momento."

"Honestamente, o que você pensou que seria?" Ele precisava ser tão direto?

Eu abri os braços no ar, já sentindo que tentar parar de chorar seria inútil. "Eu não pensei em nada! O que quer que seja simplesmente acabou sendo! Eu não planejei nada, Johann. E você claramente planejou que simplesmente não significaria nada!"

Ele chegou ainda mais perto de mim, dessa vez me segurando pelo ombro, mesmo comigo tentando impedi-lo.

"Eu já falei que não é isso!" Ele insistiu, enquanto eu balançava a cabeça freneticamente, sem querer ouvir.

Agora estava bem claro porque sua mãe não sabia de mim, porque ele não tinha me falado de volta que me amava quando eu tinha sido estúpida o suficiente para falar para ele! Estava claro porque ele nunca falava sobre o dia em que eu iria embora, porque não parecia tão incomodado quanto eu me sentia! Era porque ele simplesmente não se importava!

E eu definitivamente não queria escutá-lo me falar tudo que eu já sabia. Mas só a possibilidade de ele me dizer bem o contrário me fez continuar ali e parar te tentar impedi-lo de me segurar pelos ombros.

"Audrey, você significa muito mais para mim do que eu pensei que poderia significar," ele continuou. "E, sim, eu sabia que acabaria. Desde o começo. E talvez tenha sido egoísta por não pensar em como isso seria para você, mas, honestamente, nunca pensei também que fôssemos ficar tão próximos," eu bufei uma risada, que saiu completamente engasgada e o fez chegar ainda mais perto de mim, praticamente me abraçando, mas ainda deixando seu rosto bem à frente do meu. "Eu não estava só querendo curtir, de verdade. Só não queria deixar de te conhecer por saber que algum dia teria que acabar. E, de verdade, não me arrependo. Nem acho que o final seja tão ruim," na hora em que ele falou isso, eu o empurrei pelo peito, mas ele se manteve firme, até levou uma mão para levantar meu rosto pelo queixo. "É claro que um final não é exatamente bom," continuou, "mas não acho que ele cancele tudo que a gente teve."

Desde que ele tinha começado a falar, foi a primeira vez que eu realmente o olhei.

E ele deve ter percebido, pois o menor dos sorrisos apareceu em seu rosto.

"Só porque as circunstâncias das nossas vidas não nos permitem prolongar o que a gente tem para sempre, não significa que não valeu a pena," ele disse, seu dedo fazendo carinho na minha bochecha, para ser ainda mais difícil eu conseguir odiá-lo. "Nunca falei que eu quero que você vá embora, porque eu não quero. Mas é a vida. E no meio de tantos improváveis, de tantas coisas que faria ser praticamente impossível nós nos encontrarmos, eu prefiro me considerar sortudo por ter tido a chance de te conhecer, de ter passado esse tempo com você e poder me lembrar para sempre de você, do que pensar em como vai acabar."

Eu concordei com a cabeça, por falta de forças para falar outra coisa, e ele aproveitou para me abraçar de verdade, me deixando secar todas as lágrimas no ombro da sua camiseta.

Nós ficamos um tempo em silêncio, enquanto eu tentava voltar a respirar normalmente, o que ele tornou praticamente impossível quando segurou meu rosto e o levantou só os centímetros que faltavam para seus lábios encontrarem os meus.

Foi o beijo mais rápido que ele já tinha me dado, mas, ao mesmo tempo, foi do qual eu mais precisava.

E, quando ele se afastou de mim, Johann me olhou fundo, inspirando como se juntasse forças para falar alguma coisa. E cada segundo que ele passava sem falar nada me deixava ainda mais ansiosa, estupidamente esperançosa que as palavras que ele guardava dentro de si pudessem mudar completamente nosso futuro.

Quando percebi que ele não falaria nada, respirei fundo.

"Desculpa," pedi, franzindo a testa com força para não me deixar chorar loucamente de novo. Ele balançou a cabeça, o que fez ser quase impossível eu continuar, mas acabei completando, "desculpa por me importar assim."

Ele segurou meu rosto com as duas mãos, o mantendo firme à frente do seu, e fez questão de mirar meus olhos por alguns segundos, roubando todo o ar que eu ainda tinha.

"Você não tem ideia do que significa para mim, Audrey. Não tem ideia do quanto é importante," ele disse, me forçando a voltar a chorar. "E não existe adeus que apague isso."

Ouvi anunciarem pela primeira vez que poderíamos começar a embarcar e me levantei. Não estava levando absolutamente nada além do que eu tinha trazido para a França, mas minha mochila parecia mais pesada. E cada passo que dei em direção ao portão de embarque foi bem consciente, porque sabia que marcariam uma decisão que eu nem tinha tomado direito, mas que era quase inevitável.

Cheguei perto do portão e entreguei minha passagem e o passaporte para a mulher que controlava, praticamente segurando minha respiração. Era quase como se pudesse sentir os segundos que passavam nas pontas dos meus dedos, fugindo do meu controle, conforme eu chegava mais perto de não conseguir voltar atrás.

Mas eu deixei que se fossem, deixei que fugissem de mim. Me deixei distrair com o caminho que levava do aeroporto até dentro do avião, com o sorriso do comissário que me recebeu e me indicou meu lugar, de volta na classe executiva. E mesmo olhando pela janela, mesmo sabendo que a pista de pouso era a última coisa que eu veria da França e sentindo que definitivamente não queria vê-la se afastando de mim, continuei parada. Continuei sentada. Eu tinha oficialmente me deixado levar. Oficialmente decidido que não estava no meu controle e que, por mais que não estivesse nada bem, estava, afinal, tudo bem.

Tudo bem aquilo ser a última coisa que eu queria.

Tudo bem, porque, no fundo, eu sabia que já tinha algo que ninguém conseguiria roubar de mim.

Sabia que não importava quanto tempo eu ainda vivesse ou tivesse vivido antes, aquelas duas semanas seriam eternas para mim, aonde quer que eu fosse. Não seria arrogante em relação à toda a sorte que eu já tinha tido.

E todo o amargo da decisão seria recompensado pelo simples fato de eu ter toda a certeza do mundo de que nunca esqueceria um só segundo que tinha passado do lado dele.

Johann,

Quando você encontrar essa carta, eu talvez já esteja em Paris. Ou, quem sabe, ainda na esquina. E gostaria muito de poder ter me despedido de você de um jeito diferente. Sei que foi bastante covarde da minha parte simplesmente fazer minhas malas e sair escondido. Mas a verdade é que eu sou covarde.

Sim, eu sou covarde. Não tinha coragem para realmente falar adeus, por mais que quisesse acreditar como você que isso não mudaria o que a gente teve. Se tivesse que me despedir na sua frente, provavelmente teria ficado. Se tivesse que olhar para você, nunca conseguiria ir embora.

Você está certo. Valeu mesmo a pena só por ter acontecido. Mas tenho a impressão de que ainda vai demorar um pouco para eu fazer as pazes com o fato de ter que acabar.

Sei que já te falei um pouco da diferença que você fez para mim, mas ainda faltou muito.

Porque eu não consegui te dizer que você mudou mais do que só o meu bloqueio. Eu nunca mais serei a mesma por sua causa. E ainda bem! Preciso admitir que a Audrey depois de te conhecer tem muito mais vontade de viver do que a de antes. Ainda que a vida que a espera seja, por enquanto, um tanto triste e solitária.

Posso garantir que eu nunca mais vou ver as coisas do mesmo jeito. De agora em diante, será inevitável olhar para tudo através dos seus olhos, e tenho certeza de que isso só fará com que o meu mundo seja cada vez mais bonito. Quero que saiba que sempre pensarei em você.

E que é bem mais difícil mesmo para quem está indo embora, principalmente quando a única coisa que eu quero é ficar.

Foi uma honra poder conhecer a França ao seu lado, desde os poucos bares de Amboise até as cidades vizinhas. E eu posso dizer com toda a certeza do mundo que cada segundo valeu a pena.

Mas a minha sorte verdadeira foi conhecer você. E a maior honra foi ter tido a chance de amar você.

Obrigada por existir na minha vida, nem que por rápidos dezessete dias.

Audrey


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