Três dias se passaram desde que a ruiva saiu em missão, e nesses três dias Nick ficou esperando o seu retorno, aflito. Desde o início da manhã ficava no telhado, sentado em uma caixa de madeira vazia, fitando o portão Sul e o movimento na muralha.  Estava na metade do outono, e o tempo pendia a esfriar, por isso conseguia passar horas ali, o sol estava mais fraco e o vento soprava o dia inteiro.

Por vezes ficou entediado, de fato era realmente cansativo, e para matar o tempo ficava lendo ou alguns livros que Lizzie o emprestou, ou desenhando, ou simplesmente admirando o céu, quando não recebia visitas. Alice lhe trazia comida durante o dia, mas ficava pouco para conversar, Josh vinha de manhã com Ellie e ficavam em torno de uma hora com ele, mas Juliette era quem mais ficava lá, vinha por volta das 16 horas e só saia ao anoitecer. Os dois conversavam sobre assuntos aleatórios e por vezes Juliette elogiava seus desenhos, entretanto, Nick percebia que ela ficava incomodada com o fato de ele se recusar a deixar o telhado até que Lizzie chegasse.

No quarto dia, parecia que o tempo tinha ficado mais frio subitamente, o vento estava mais forte e o sol se escondia atrás de nuvens cinzentas. Porém, o rapaz continuava ali, por mais que o balançar descontrolado das folhas de seus livros e de seu caderno de desenho o irritasse.

— E não é que você está aí mesmo? - a voz de Nathan quebrou o silêncio do local.

Nick virou e arqueou uma sobrancelha ao vê-lo, com um leve sorriso.

— Que coisa rara... Você aqui? - indagou Nick.

Nathan sorriu e sentou-se ao seu lado.

— A Íris me disse que você estava aqui desde que a Lizzie saiu, eu não acreditei e vim conferir. Parece que ela estava certa. Você fica fazendo o quê aqui sozinho?

— Lendo, desenhando, olhando a paisagem... - Nick respondeu - Só matando o tempo...

— Tão dinâmico... - ele riu irônico. - Mas por que você fica aqui esperando ela? De qualquer modo ela vai voltar, e o meu pai está com ela também.

— É que é estranho... Sempre saímos juntos.

— Hum... Olha. - Nathan abriu a jaqueta e tirou um filhote de cachorro, com aparentemente 6 meses, mostrando-o para Nick.

— Um cachorro?

— Sim, a Íris me disse que é um filhote de pastor belga, mas eu achei que eles fossem pretos, e esse é todo branco, parece uma bola de neve! - ele deu uma leve risada.

Nick riu junto e observou o pequeno cão esticar as patinhas e saltar do colo de Nathan em seguida, passando a caminhar e farejar a cada passo que dava no telhado. O rapaz acariciou seu pelo macio e depois voltou o olhar para Nathan:

— Já tem nome? - Nick indagou.

— Eu pensei em "Snow", o que você acha?

— É um bom nome, e combina com ele.

Nick começou a brincar com Snow, pois achava divertido o modo como o pastor belga corria atrás de sua mão, quando batia e arrastava a mesma no chão, enchendo-a de poeira. Nathan observou os desenhos bem feitos de Nick e o livro que estava aberto em sua frente, mostrando figuras mitológicas das quais o rapaz desenhava.

— Sobre o que é esse livro? - Nathan indagou, puxando o livro para si.

— Mitologia Grega. Só não estraga, foi um presente... Fala sobre cada deus em específico, sobre os outros seres, monstros... É bem interessante. Já li esse livro algumas milhares de vezes, até decorei as falas...

— Parece ser bem legal.

Nick voltou a fitar o portão e percebeu que ele se abria, pegou um binóculo que tinha ali jogado no chão e conferiu para ver se era o carro de David, e realmente era.

— Ela chegou...! - Nick disse enquanto recolhia suas coisas e jogava-as em sua mochila.

Nathan pegou Snow e o colocou dentro da jaqueta outra vez. Nick corria pelas escadas, saltando alguns degraus, quase caindo na maioria das vezes. Logo já estava fora do prédio, e corria pelas ruas, na direção do portão, deixando Nathan para trás.

Ao chegar no portão ele viu Lizzie com a collie nos braços, estava aparentemente bem. O rapaz se aproximou mais um pouco, puxando-a levemente pelo ombro, afastando-a da conversa entre David e alguns homens que estavam na muralha. A ruiva permaneceu em silêncio, seu olhar estava nublado e vazio, suas olheiras estavam mais escuras e fundas, como se não dormisse há dias.

— Tá tudo bem? - ele perguntou preocupado.

Lizzie olhou para David, conferindo se ele estava olhando e depois voltou a olhar para Nick, balançando a cabeça negativamente, era possível ver o medo e a tristeza em seu olhar.

— Vamos conversar em um lugar mais calmo... - ele disse. - Quer que eu levo suas coisas?

A garota colocou Aika gentilmente no chão e depois tirou a mochila, entregando-a para Nick. Ele jogou a mochila sobre os ombros e os dois seguiram andando lentamente.

Voltaram para o telhado, a ruiva sentou em um canto e abraçou os joelhos, enquanto Nick sentou ao seu lado.

— Eu descobri o que acontece com os que saem com o David Thompson... - ela disse enfim.

O rapaz a olhou em expectativa.

— Ele come as pessoas, vivas... - ela disse após um curto período de silêncio. - Ele me fez comer carne humana... O pai do Nathan. - lágrimas começaram a correr pelo seu rosto, sem que ela pudesse fazer algo.

Nick a abraçou e começou a passar a mão em seus cabelos bagunçados.

— Eu tentei fugir, mas aquele mesmo cara que tentou nos matar no solstício de verão estava lá, ele veio atrás de mim depois que avisou o David. Então eu tive que ficar com eles até que ele resolvesse voltar, eles estavam esperando eu dormir para fazer o que fizeram com o Jay, então eu estou sem dormir desde então.

Lizzie encostou a cabeça em seu ombro e fechou os olhos, ficando por um longo tempo assim, como se estivesse dormindo. O rapaz enxugou suas lágrimas e encostou sua cabeça na dela:

— Mas você está viva, é isso que importa. - ele comentou.

— Eu descobri o porquê do David ter matado o Steven também, tenho as provas na minha mochila.

Os dois permaneceram em silêncio. A ruiva o abraçou e se aconchegou em seus braços, ainda com os olhos fechados. Nick continuou a acariciar seus cabelos.

— E pensar que antes você mal deixava eu tocar seus cabelos... - ele comentou, mas só ouviu o som do silêncio como resposta.

Ele estranhou a quietude da garota e buscou seus olhos cansados, e só então percebeu que ela havia adormecido. O rapaz deu uma leve risada e a pegou no colo, levantando em seguida.

— Tão levinha... - ele disse consigo mesmo e tomou rumo às escadas.

Nick levou-a para o seu apartamento e colocou-a em sua cama, cobrindo-a em seguida. Voltou para pegar as coisas no telhado e colocou tudo em um canto no quarto. Ele checou as informações sobre o que aconteceu com Steven, presentes dentro da mochila de Lizzie, e depois colocou tudo no lugar. 

Ficou pensativo por um tempo, mas decidiu que seria melhor esperar Lizzie acordar pra tomarem o próximo passo juntos.

*** *** *** *** ***

— Você está com medo? - a voz de Steven ecoou pelo cômodo quase vazio.

Lizzie o olhou pelo canto dos olhos e se encolheu ainda mais ao ouvir o som alto de um trovão.

— Você está com medo sim... - ele disse com um sorriso.

O homem se aproximou e sentou do outro lado do sofá, colocando as duas canecas sobre a mesa de centro da sala.

— Medo? Eu não estou com medo... - ela respondeu baixinho.

— É claro que está. Mas tudo bem, eu vou te contar um segredo...

A ruiva deixou de abraçar os joelhos e olhou diretamente para o loiro, que se aproximava com uma das mãos ao lado da boca.

— Eu tenho medo de altura... - ele sussurrou em seu ouvido.

Ela o olhou incrédula:

— Não é verdade! Naquela vez que eu pedi que fôssemos na montanha-russa você não parecia estar com medo...

— Mas eu estava... E quer saber como eu não fiquei com medo? - ele pegou uma caneca e tomou um gole.

A garota o olhou em expectativa é assentiu que sim. Steven colocou a caneca de volta na mesa e a olhou com um sorriso.

— Eu me convenci de que não tinha medo, eu troquei o meu medo por outro sentimento. Você também pode fazer isso, se você quiser é claro... Converta seu medo em outro sentimento...

Lizzie ficou pensativa por um tempo e depois sorriu.

— Agora tome o seu chá, antes que ele esfrie. - Steven pegou a outra caneca e estendeu para ela.

*** *** *** *** ***

Horas se passaram. Já havia escurecido e ficado mais frio, as ruas estavam cobertas por uma densa neblina, impossibilitando a visão de todos. Lizzie acordou e suspirou, ainda tentou retornar ao seu sonho de uma vida passada, mas não conseguiu. Só então lembrou que estava com Nick no telhado e virou-se confusa na cama, na direção de uma vela acesa.

Nick estava ali ainda, debruçado sobre a mesa, mas não estava dormindo, o som de papel sendo riscado era audível. Seus olhos percorreram pelo cômodo e percebeu que Aika estava dormindo em um canto, perto das mochilas. Ela se espreguiçou e bocejou, chamando a atenção do rapaz.

— Achei que não fosse acordar... - ele disse, virando a cadeira para ficar de frente para ela.

— Mas eu não queria acordar mesmo... - ela sorriu.

Nick apontou para o criado-mudo, onde tinha um prato com um sanduíche e um copo com suco.

— Você deve estar com fome, eu deixei aí pra você. - ele disse.

— Obrigada.

Ela sentou na cama e puxou o prato e o copo. Os dois ficaram um tempo em silêncio, até Nick lembrar-se dos papéis na mochila de Lizzie.

— Eu vi os papéis, mas não consegui entender tudo... Tinha partes em francês...

Lizzie deu uma risadinha e o fitou com um sorriso.

— No Canadá nós temos duas línguas oficiais... - ela disse.

— Você nunca me disse que era bilingue... - ele arqueou uma sobrancelha.

— Achei que você soubesse... Mas então, nas cartas falava que o Steven e meu pai estavam descobrindo o que o David fez e que eles estavam bolando um esquema pra prendê-lo, mas como eles eram procurados na época não poderiam denunciar diretamente... Você viu as fotos, não é?

— Sim, eu vi. Ele sabe que você descobriu tudo isso?

— Sabe. Mas ele não fez nada a respeito... Talvez por causa dos planos dele de me traumatizar... Que deram certo...

— E o que fazemos agora?

A garota tomou o último gole de seu suco e colocou tudo de volta no criado-mudo.

— Não sei, mas vamos prestar mais atenção nele, eu sinto que ele está escondendo algo a mais...

Nick assentiu.