~Alice Stewart – Calgary ~

Era o grande dia. A grande revelação. O anúncio. Alice mal conseguia se aguentar nos próprios tornozelos de animação. Já fazia pelo menos meia-hora desde que a garota ligara a tevê na espera do tão aclamado Jornal Oficial começar. A morena mal podia esperar para ouvir o hino de Illéa, por mais repetitivo que tivesse se tornado.

– Olha só pra gente, Flock. – Alice comentou, olhando para o dimon – Não acredito que estou ansiosa para ouvir o príncipe falar um bando de nomes. Eu nem estava tão preocupada com isso até ontem e então...

– Agora parece uma criança que foi chamada para a diretoria na quarta série. – Flock se deitou com a cabeça sobre as patas, os olhos de cores diferentes encarando a tevê com a mesma intensidade do que os da humana.

Alice se levantou, olhando para o relógio para ter certeza que não perderia o horário. Ainda faltavam pelo menos quinze minutos para o programa começar de modo que preferiu tentar se distrair com outra coisa, se dirigindo para a cozinha com o dimon logo atrás.

– Malu? Está com fome? – a garota perguntou, assim que avistou a irmã sentada na mesa do cômodo – Quer que eu te faça um sanduíche?

– Aham. – Marilu sorriu e Alice fez o mesmo, depois continuou – Ba?

– Sim? – a irmã mais velha olhou para a menina enquanto abria a geladeira semivazia, procurando algo para colocar nas últimas fatias de pão de forma que restavam.

– Você vai virar princesa? – Maria Lúcia, a irmã da garota, tinha doze anos, mas por conta de uma paralisia cerebral que possuía, acabara por adquirir o comportamento de alguém bem mais nova. Obviamente, para a irmã, aquilo não fazia a menor diferença, de modo que quando a garotinha se pronunciou, Alice não pode deixar de sorrir.

– Não sei, Marilu. – a morena respondeu – Você acha que eu vou?

– Você seria uma princesa bem legal.

– Obrigada. – Alice riu, fazendo uma reverência de mau jeito, erguendo as mãos ao lado do corpo como se vestisse uma saia invisível – Você também seria uma ótima princesa, Malu.

– Obrigada. – a menina tentou copiar os movimentos da irmã, ainda que de modo um pouco desajeitado.

– Bem, aqui está seu sanduíche. – Alice entregou para a irmã a comida, que se resumia em pão de forma com um pouco de tomate, manteiga e alface que haviam sobrado – Que tal irmos lá para a sala? Mamãe deve chegar daqui á pouco do trabalho para ver o Jornal com a gente.

Malu sorriu e o dimon da garota rapidamente mudou da forma de borboleta que estava para um cão cor de terra magricela, que abanou a cauda, feliz. Como o dimon de toda criança, o da menina ainda não tinha forma fixa. Alice se perguntou se aquilo um dia iria mudar.

~Katniss Lewis - Allens ~

Katniss sorriu uma última vez para o fotógrafo antes de se levantar e pegar o roupão que sua mãe lhe estendeu. Estava frio o suficiente em Allens para a garota preferir o tecido quente à pouca roupa que usava, mas aquilo não havia a impedido de aceitar fazer o ensaio fotográfico. Algumas fotos lhe renderiam o bastante para mais alguns anos de festa e também significavam mais alguns dias sem trabalho.

Não que ela fosse trabalhar, obviamente.

– Senhorita Lewis? – o diretor do estúdio se aproximou e Katniss abriu o maior sorriso cativante que pode – Foi um ótimo ensaio. Parabéns.

– Não foi nada, Larry. – a loira riu, chamando o homem pelo primeiro nome – Foi uma surpresa quando me convidaram. Imagina! Com tantas modelos bonitas para chamar...

– Posso dizer que precisávamos de um rosto novo... – Larry mostrou um sorriso galanteador que a garota reconheceu imediatamente – Você nos deu exatamente isso.

– É claro que deu. – a mãe de Kat, Helen, se precipitou, interrompendo a conversa – Vocês vivem repetindo as garotas. Katniss tinha o que precisavam. Agora pode nos dar licença?

Katniss fez o possível para não bater palmas. Já estava começando a se irritar com os frequentes flertes que aquele Cinco lhe lançava, principalmente quando estava de roupão. Em sua mente, não pode deixar de imaginar-se esganando o dimon-andorinha do homem, mas manteve o pensamento para si, consciente do absurdo da ideia.

– Vamos, querida. Sua roupa está no camarim. – Helen deu o braço para a filha, que a acompanhou de bom grado, erguendo o queixo ao passar pelos funcionários que ainda mexiam nas câmeras.

– Aquele bando de idiotas. – rugiu a Lewis assim que se jogou na cadeira de maquiagem em seu camarim, já completamente vestida – Até parece que eu estou aqui por eles. – Katniss riu sarcasticamente – Parecem formigas andando para lá e para cá o tempo todo. Coitados.

A garota encarou o próprio reflexo no espelho, tendo consciência do sorriso radiante que portava. Ela seria selecionada, sabia disso. Em poucos dias estaria no palácio na companhia de um bando de iludidas e então, meses depois, teria um anel no dedo e um trono esperando para ser tomado. Brincadeira de criança. Quem imaginaria?

Katniss ouviu o sibilar de seu dimon enquanto este deslizava calmamente de seu pescoço para seu pulso e se sentiu ansiosa por uma das poucas vezes em sua vida. Logo, a coroa estaria em suas mãos e o príncipe aos seus pés.

A competição estava prestes a começar.

~Audrey Lively – Hansport ~

Quando o príncipe surgiu na tela, Audrey segurou a respiração. Podia sentir os músculos de seu dimon-gato, Kit, se retesarem em seu colo, alerta. Aquele era o grande momento.

– Senhorita Lively? – uma criada se aproximou, com uma expressão preocupada – Você está bem?

– Estou... – Audrey respirou fundo, ainda com os olhos pregados na televisão – Estou sim. Pode me trazer um copo d’água, por favor?

– É claro, senhorita. – a mulher se afastou, provavelmente em direção á cozinha, e Audrey observou enquanto, na tela, o apresentador do Jornal Oficial tomava seu lugar junto ao microfone. Em um canto da tela, era possível ver o rosto do príncipe em um pequeno quadrado, as sobrancelhas negras franzidas e os olhos castanho-esverdeados, quase tão brilhantes quanto os de sua dimon, fixos em um ponto que Audrey sabia que devia se tratar do apresentador do programa.

– Boa-noite Illéa! – Anthony Fadaye anunciou com seu sorriso de sempre – Acredito que todos vocês devem estar muitíssimo ansiosos para o anúncio desta noite.

Palmas foram ouvidas e Audrey mordeu o lábio, um tanto nervosa.

– Bom, antes dos tão esperados nomes, o nosso amado Príncipe Elliot tem algumas palavras a dizer então... – Anthony se virou para trás e o quadrado por onde Audrey vira o príncipe desapareceu enquanto este se aproximava do apresentador. A garota pode notar que o monarca parecia de certo modo relaxado, mas algo lhe dizia que aquilo era proposital. Com um pequeno aceno com a cabeça, Elliot se aproximou do microfone:

– Boa-noite a todos, primeiramente. – a voz do garoto soou firme e cordial e seu dimon se empertigou ao seu lado – Sei que todos estão ansiosos para saber quem são as tão aclamadas selecionadas, por isso, prometo não demorar.

Algumas pessoas na plateia riram e Audrey anotou o que o monarca abriu um pequeno sorriso. Ela sabia que simpatia era um ponto importante para a televisão, fazia total sentido que o Príncipe viesse a invoca-la.

– Só que dizer que, as meninas que têm o nome nesta lista – ele indicou o cartão que Anthony acabara de tirar de tirar do paletó – não sei por que vocês se inscreveram. Não sei se tiveram a intenção ou não. Mas quero deixar claro a todas que, no momento que pisar no palácio, você será bem-vinda. E eu falo por mim mesmo quando digo que será um prazer conhece-las. Então... Vamos aos nomes.

Audrey segurou firme a barra de seu vestido e, novamente, prendeu a respiração. Era a hora.

– De Hansport... – Anthony abaixou os olhos e segundos depois anunciou, em um tom claro e calmo, pouco antes da imagem da recém-selecionada aparecer na tela – Audrey Lively.

***

Donnatella fechou os punhos e mal notou quando sua taça explodiu sob seus dedos. Pela segunda vez em sua vida ela havia perdido. Era a perdedora. Como sempre.

Tentando ao máximo respirar fundo para se acalmar, a criada se levantou e procurou um pano com que pudesse estancar o sangue que agora escorria dos cortes que o vidro fizera.

– Eu não acredito nisso, Taurell. Depois de tudo que passamos... – a loira rosnou para seu dimon-gralha-do-campo, que somente saltou para seu ombro – Não fui selecionada e... Ai. Isso doi. – a garota encarou a mão esquerda, finalmente notando o longo corte que havia sobre sua linha da vida.

– Querida... – Taurell respondeu, com a voz baixa de sempre, logo depois de indicar onde a localização do kit de primeiros socorros e observar enquanto a humana o apanhava –... Temos de ser pacientes... Esse era só o Plano A, lembra? Era um sorteio idiota. Somos melhores que isso.

– Melhores que isso. – Donna repetiu, bufando – Melhores que isso... E o que faremos agora? Era nossa melhor chance e agora desapareceu.

A pequena gralha revirou os olhos negros enquanto a humana se jogava na cadeira mais próxima . Como sempre acontecia durante o Jornal Oficial, o salão comunitário dos funcionários estava deserto, cheio de canecas de café e jornais velhos jogados aqui e ali, pois seus donos estavam com pressa demais para coloca-los no lugar. Ninguém notaria a mancha de vinho no tapete, mas o sangue era outra história... Ela teria de limpar aquilo mais tarde.

– É tão injusto. – a criada fez bico, estendendo o braço – Eu seria uma opção muito melhor do que aquele bando de... Taurell, me dê um adjetivo.

– Idiotas? – Taurell respondeu, enquanto inspecionava a mão da humana, tentando decidir por onde começar – Pode colocar um pouco de antisséptico aqui? Isso está uma nojeira.

– Não. – Donna bufou novamente, apoiando a cabeça na mão boa – A gente sempre usa “idiotas”. Tem que ter um mais... eclético. – ela parou para pensar um pouco antes de finalmente pegar um pouco de antisséptico e molhar um algodão , para em seguida entregar ao dimon – Algo mais inovador.

– Esdrúxulas? – Taurell sugeriu com o algodão no bico e então começou a limpar a ferida, de modo que sua humana acabou por soltar um gritinho – Nossa, isso arde.

– “Esdrúxulas”? – Donna franziu as sobrancelhas – Essa palavra existe? – a garota balançou a cabeça como se afastasse seus próprios pensamentos – Não importa. Estamos fugindo ao ponto aqui.

– Estamos mesmo. – Taurell soltou o algodão e rapidamente arrancou um pequeno caco que vira – Ai.

– Pode tomar um pouco mais de cuidado ai? Parece até que sou só eu que sinto. – Donnatella encarou o dimon, que fingiu não escutar – Enfim. O que eu quero dizer é que o príncipe está perdendo muita coisa em não me selecionar.

– Mas ele não...

– Já disse que não im... Ai...porta. – Donna deixou que Taurell passasse mais anticéptico com delicadeza, trincando os dentes para tentar ignorar a dor – O que eu quero dizer, Taurell, é que nós temos que agir. Rápido. Antes que aquelas... Você sabe o quê, roubem ele de mim.

– Você sabe que tecnicamente ele nem sabe que você existe, certo? – Taurell soltou um piado cômico, e Donna suspirou.

– Eu já falei que NÃO IMPORTA. – aproveitando a distração, Taurell arrancou mais um caco e este saiu acompanhado por um grito de dor – MAS QUE DROGA! Não sabe tirar isso sem doer, não?

– Não é minha culpa se nenhum de nós prestou atenção na aula de primeiros-socorros.

– Argh. – Donna bufou pela terceira vez enquanto afastava um cacho de seus cabelos loiros do rosto – Nós temos que ter um Plano B, Taurell. Não podemos chamar o sorteio de “Plano A” se não temos um “Plano B”.

– E qual seria esse “Plano B”? – o dimon encarou a humana com um quê de ironia na voz.

– Taurell... – Donnatella abriu seu maior sorriso de modo que até seu dimon remexeu as penas sentindo o que estava por vir – Vamos ter que roubar o coração de um príncipe.