Nada Convencional escrita por Risoto


Capítulo 1
1- Obrigados a nos odiar (Funkeiro e Rockeira)


Notas iniciais do capítulo

*jurosolenementenãofazernadadebom*
Primeira One! Okay, acho que poderia estar melhor, mas faz tempo que não escrevo uma one. Perdoem-me.
Se acharem erros gramaticais, avisem-me!
É isso, curtam.



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Nós temos vários pequenos preconceitos incutidos em nossa cabeça pela sociedade. Um deles é a ideologia de que funkeiros e rockeiros se odeiam. O que, se pararmos para pensar, é meio ilógico. Todos nós temos diferenças nas preferências musicais, mas isso não nos faz inimigos ou coisa parecida. Há quem diga que isso se deve sensualidade que o funk impõe em suas letras, como se todas as letras de rock fossem as coisas mais puras que já se tenha criado.

Mas essa história não é sobre isso.

É sobre um jovem casal que tem que enfrentar os preconceitos de suas respectivas turmas e o que é esperado por eles. Vamos começar pelo nome deles.

Helena e Guilherme.

Helena foi educada para ser uma rockeira obscura e misteriosa, assim como seus pais foram. O pai era grande fã de System of a Down, e a mãe, de Red Hot Chilli Peppers. Helena crescera ouvindo músicas com guitarra e bateria, e é claro que isso influenciou seu gosto musical.

Já Guilherme, nascido e criado na Mangueira, cresceu com musicas com ideias sexuais, e para ele aquele era o certo. Sobrancelha raspada, boné, roupas largas. Aquele era o estilo mais legal possível.

Claro, estudando juntos desde sempre, os dois sempre se odiaram. Era o que a sociedade esperava deles. Era o que eles faziam. Helena andava com sua turma e suas roupas escuras, enquanto Guilherme caçoava deles com seus amigos.

Até que eles tiveram que passar mais tempo juntos do que o normal.

*

“A injustiça nesse mundo é deplorável!”, exclamava Helena em sua mente irritada. Ela achava totalmente inaceitável ter que passar as próximas duas horas sozinha com Guilherme Augusto Caldeira. Só porque eles tinham começado a gritar um com o outro no meio do pátio não era motivo para uma intervenção dessa magnitude.

— Calma, Lena — sua amiga, Milena, dizia, enquanto elas caminhavam para a sala de detenção. — O máximo que você vai ter que fazer é escrever umas palavras com ele ao seu lado. Não é o fim do mundo.

— Passar mais tempo do que o necessário com aquele verme é o suficiente para me fazer ter ânsia de vômito.

E elas caminharam silenciosamente até a sala de detenção.

*

— Estou com pena de você, Gui — as pernas quase totalmente nuas de Patrícia prenderam a atenção de Guilherme, enquanto ela passava os braços pelo seu pescoço. — Vai ter que ficar três horas com aquela estranha satanista. — ele sorriu maldosamente e encostou a boca no ouvido da garota.

— Você bem que poderia me recompensar depois. — Patrícia sorriu maliciosamente, e concordou com a cabeça.

Guilherme se levantou, encostando propositalmente nas coxas da garota. Piscou para ela e se encaminhou para a sala de detenção.

*

— Eu não entendo por que os alunos tem essa mania irritante de brigarem. Meu trabalho seria muito mais fácil se vocês fossem mais respeitosos uns com os outros. — o professor de História caminhava de um lado para o outro da sala, impaciente. — Eu tenho mil coisas mais importantes para fazer, mas estou aqui. Então vamos fazer um acordo. Eu vou sair daqui e corrigir as pilhas de provas na minha sala, e vocês podem fazer o que bem entenderem desde que fiquem nessa sala. — e saiu da sala, sem nem ao menos se despedir.

Os dois se olharam, Helena com seus olhos verdes, e Guilherme com os seus castanhos. Ela fez uma expressão de nojo, se virou e pegou seu celular. Guilherme olhou-a com raiva, e colou uma música no volume máximo, sem fones. A garota virou-se no mesmo instante, fulminando-o com o olhar.

— Qual o seu problema, animal? Desliga isso, ninguém é obrigado!

— Ninguém é obrigado a conviver com você, mas até agora não te mataram.

— Mas você é muito abusado, garoto! Acha que o mundo tem que girar em torno desse seu umbigo, mas está enganado. Faz um favor e morre. — ela pegou um fone de ouvido e plugou no celular. No mesmo instante Otherside inundou seus ouvidos. Ela fechou os olhou e sorriu instantaneamente. Aquela musica fazia-a arrepiar.

Por alguns minutos, os dois ficaram quietos nos seus cantos. Mas Guilherme queria saber o motivo pelo qual a garota sorria. Pulou as duas fileiras que os separava e sentou na carteira ao lado dela. Pegou um fone e colocou no ouvido, enquanto a garota olhava-o com a boca escancarada.

— Devolva! Agora! — ela tentou arrancar o fone do garoto, mas ele desviou e fez sinal para ela ficar quieta.

How long, how long will I slide

Separate my side, I don’t

I don’t believe is bad

Slittin’ my throat

It’s all I ever

— Até que não é tão ruim assim. — ele olhou para ela. — Qual a tradução?

Helena suspirou, mas encarou-o de volta.

— Por quanto, quanto tempo, eu vou deslizar; Separado do meu lado, eu não; Eu não acredito que seja ruim; cortar minha garganta; é tudo que eu sempre.

Ele fez silêncio por um tempo.

— Eu sempre o que?

— Como? — Helena disse, parando de olhar para a sobrancelha cortada dele.

— “É tudo que eu sempre”. Não continua?

— Ah, bem, não exatamente. Você tem que entender um contexto, mas cada um tem sua própria interpretação. Para mim, ele amava uma garota. Mas, como o amor é uma bosta, ele sofreu com isso. Então, cortar a própria garganta é tudo que ele sempre quis.

— Bem, o que eu posso dizer? —Guilherme disse, um tempo depois, olhando para ela profundamente. — Essa letra não é saudável.

Ela não sabia por que, mas riu. Colocou a mão na frente da boca e tentou parar. Mordeu os lábios e suspirou.

— Eu sei que não é nada saudável, mas nos faz pensar. É isso que eu gosto, sabe? Gosto de conteúdo de verdade, não uma coisa vazia.

—Como funk? É o que você quer dizer? — ele perguntou curioso. Ela assentiu relutante.

— Desculpe se te ofender, mas eu nunca ouvi nenhum funk com uma letra que não faça da mulher um objeto sexual e venere o dinheiro. Talvez seja por que eu não procuro, mas não acredito que seja por isso.

— Não são todas as músicas de rock que tem “conteúdo”. Algumas são bem iguais ao funk, nessa questão.

— Eu sei — Helena suspirou. — Mas a maioria é boa, isso que importa. —Os dois fizeram silêncio, então a morena tomou coragem e abriu a boca. —Eu sei que estamos errados. Que as pessoas tem que parar com esse preconceito estúpido com o gosto musical das outras. Mas os funkeiros não são santos. Vocês falam coisas horríveis de nós, que somos satanistas e essas coisas. Eu não sou idiota, sei disso. E vocês não param de falar sobre sexo, quero dizer, você por algum acaso já chegou a ver o que fazem com as crianças? É sério, isso é errado, muito errado.

“Mas eu também acho que não podemos generalizar e dizer que todos os funkeiros sempre são uns idiotas, até porque, existem muitos rockeiros idiotas também. Enfim, me desculpe, okay? Eu sempre te achei um babaca, e pode ser que eu esteja tomando mais uma conclusão precipitada dizendo que você não é, mas eu nunca mais vou ter coragem de dizer isso de novo.”

Quando terminou de falar, ela virou-se para frente com as faces rubras. Cruzou os braços acima dos peitos, e suspirou. Guilherme estava sem fala. Olhava para os cabelos negros cortados relaxadamente. Então cutucou o ombro direito dela, fazendo-a se virar.

— O que fo...

Ele curvou-se para frente e encostou os lábios nos dela. Ela ficou parada, perplexa, sem saber o que fazer. Não passou de um selinho, e quando ele voltou devagar, encontrou os olhos verdes dela extremamente arregalados.

— Hum, eu não sei por que eu fiz isso... Sério, desculpa mesmo.

— Cala a boca.

— Como? — ele olhou-a irritado.

— Cala logo essa boca. —Helena se levantou e pulou uma carteira, ficando de pé na frente dele, que se levantou, olhando para baixo. — Você é muito tonto. — e puxou o colarinho da camisa dele, quebrando a distância entre os dois.

Ela tinha atitude, ele não podia negar. Segurou os cabelos médios da garota, mantendo-a perto de si. Os dois pareciam não querer se separar. E mesmo quando o beijo terminou, os dois ficaram juntos, agarrados.

— Você tem noção do quão doido isso é? Tecnicamente, nós temos que nos odiar. — Helena sussurrou, com o nariz encostado no de Guilherme.

— Mas eu ainda te odeio. —ela olhou para ele, brava. — E eu também gosto de você.

Ela escondeu a cara na blusa larga dele, e ficou assim até o professor chegar.

*

— Você não entende, eu tenho mesmo que ir ao banheiro! —A garota de olhos verdes implorava com o olhar para a professora de Geografia. Sussurrou: — Estou naqueles dias, por favor!

A professora Daniela rolou os olhos pequenos, e assentiu. Indicou a porta.

— Vai, vai logo.

A garota saiu da sala e disse um “Yes” baixinho. Correu pelos corredores em direção aos banheiros. Encontrou Guilherme esperando, meio escondido pela coluna do corredor. Ela chegou por trás dele e o abraçou.

— Oi, coisa pequena.

— Oi, coisa enorme. —ela riu e ficou nas pontas dos pés, dando um selinho nele.

Os dois deram as mãos e entraram no banheiro das meninas. Sentaram-se no chão, a cabeça dela encostada ao ombro dele.

— Não podemos fazer isso para sempre, Guilherme. Eu não vou aguentar.

— Eu sei. — ele suspirou. — Queria dizer para o mundo a garota incrível que você é. Mas eu fico imaginando o que todos vão dizer e... desisto.

— Eu gostaria de ficar brava com você, mas eu não consigo dizer para meus amigos. O Lucas e a Milena estão começando a achar que tem algo de errado comigo, que eu fico muito avoada e essas coisas. Não sei o que fazer.

Os dois não falaram nada durante um minuto inteiro, até que Helena se levantou dizendo que a professora iria desconfiar. Deram um ultimo beijo antes de correrem para direções opostas.

*

Apesar de toda a vontade de mudar a situação de casal que se encontra escondido, os dois não tinham coragem para tal. Com certeza deixariam as coias rolarem por muito tempo, se aquilo não tivesse acontecido.

Com “aquilo”, me refiro ao dia que Milena, melhor amiga de Helena, pegou os dois juntos numa sala de aula vazia.

Ele ficou completamente sem fala, olhando para os dois, perplexa. Balbuciou palavras sem sentido, e então gritou.

— MAS QUE É QUE ESTÁ ACONTECENDO?

O casal se separou, os corações batendo forte no peito. As bochechas de Helena estavam em fogo. Correu para a porta e a fechou.

— Eu vou explicar tudo se você se acalmar.

— ME ACALMAR? OLHA PARA A MINHA CARA, EU TO COM CARA DE QUEM VAI SE ACALMAR? QUER ME EXPLICAR QUE PORRA É ESSA?

Helena se sentou e puxou a amiga, acompanhada de Guilherme. O modo como se moviam perto um do outro já os denunciava.

A garota explicou tudo para a amiga, desde a detenção até o momento em que se encontravam. Milena ficou surpresa, e relutava em aceitar. Dizia que isso era estranho e ia contra a lista de casais que podem existir. Quando a questionaram sobre a lista, ela disse que ele existia na cabeça de cada um.

— Todo mundo sabe que ela existe. E funkeiros e rockeiros estão em um dos primeiros tópicos de casais improváveis.

— Sabemos que não são todos que vão aceitar. Mas... eu amo esse cara.

Durante toda a conversa, Guilherme não se pronunciara. Agora olhava para os olhos da namorada fixamente, apaixonadamente, de um modo que nunca tinha feito antes.

Captando esse olhar, Milena cedeu. Percebia nitidamente o amor dos dois, e não era algo tão banal quanto um rótulo que os separaria. Mas com certeza dificultaria o processo.

— Okay, okay, eu vou ajudar. Mas, falando a verdade, não há nada que eu possa realmente fazer. Vocês têm que sair daqui com as mãos dadas e mostrar para o mundo o que sentem. E, se ele achar que é errado, cabe a vocês decidirem se valem a pena ou não.

Os dois se entreolharam. Sorriram juntos e abraçaram Milena. Levantaram-se vagarosamente e se encaminharam para a porta. De mãos dadas.

Foi como se o corredor tivesse se aberto para os dois. Eles olhavam para todos com sorrisos e nem ligaram. Sua postura perfeita só foi abalada quando os amigos de Guilherme o pararam e olharam para Helena com um olhar de desprezo.

—O que isso significa? — Matheus, um dos amigos de Guilherme, tinha uma voz de nojo ao se referir à Helena.

— Significa o que parece significar. — Helena sentiu os ombros serem envolvidos pelo braço do namorado. Ela se sentia vulnerável na frente deles, como nunca havia se sentido antes. E não era porque eles falavam mal de seu estilo musical ou sobre o modo como se vestia. Ela sentia que eles estavam julgando seus sentimentos, julgando seu amor. — Eu amo essa garota.

Os amigos dele fizeram uma careta, se olharam, e foram embora. Guilherme olhou para a namorada e beijou-a castamente.

— Está tudo bem.

*

Não é como se as coisas tivessem sido fáceis após isso. Com todo o transtorno que é a adolescência, a aprovação das pessoas era importante. Nem tanto para Helena, mas em grande escala para Guilherme.

Um momento particularmente crítico na relação dos dois foi a primeira briga sobre o assunto. Apesar de a relação ser assombrada pela ávida aprovação social de Guilherme, nunca tinham realmente discutido sobre.

Só que um dia, quando os dois andavam pelos corredores do colégio discutindo o que fariam no final de semana, Patrícia passou por eles e os olhou com nojo. E aquilo magoou Guilherme. Matheus havia aceitado resignado o namoro do amigo, mas Paty não. Ele inconscientemente se afastou um pouco de Helena e largou sua mão.

A garota, percebendo o que acontecera, ficou furiosa. Esperou até que chegaram na porta de sua casa, e tocou no assunto, daquele modo frio e calculista que Guilherme tanto odiava. Discutiram, brigaram, se separaram por uma semana. Não trocavam olhares no colégio.

Mas o coração dos dois doía. E quando soltavam um olhar de esguelha um ao outro, a dor só se fazia aumentar. Não aguentavam mais, e a reconciliação veio como a sensação de poder abrir finalmente os presentes na manhã de Natal. Um alívio imenso invadiu os dois quando se esbarraram no corredor e Guilherme a puxou para um beijo, que não foi recusado. Não pediram desculpas, não conversaram sobre a briga. Guilherme só sussurrou no ouvido da namorada:
— Não se afaste de mim.


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Notas finais do capítulo

É isso, até a próxima. Deixe seu comentário se gostou da one. Aceito críticas construtivas.*malfeitofeito*