Os Jogos do Vício escrita por Seiza Kinsei


Capítulo 2
Complexo de Ed Gein


Notas iniciais do capítulo

OI, MINHA GENTEEE!

Demorei, mas cheguei. Conto com treze leitores e seis favoritos com apenas um capítulo, o que é FODA. Fico imensamente feliz em saber que decidiram dar uma chance ao meu novo projeto, e espero cumprir com as expectativas e fazer vale o tempo de vocês dedicado a leitura de OJDV!

Mudei a capa, e agora temos uma coisa mais simples, e que eu, pessoalmente, achei muito melhor do que algo "emperequitado" demais. Alterei a sinopse, acrescentando algumas novas informações. Mudei alguns detalhes pequenininhos na história. Vale ressaltar que comecei essa fanfic num repente, sem quase nada planejado. Foi algo que surgiu num surto criativo, portanto pequenas mudanças podem acontecer. E é claro, eu jamais me esquecerei de notificá-los nas notas iniciais.

Neste capítulo, teremos a narração do queridíssimo Gray. Depois, POV da lindíssima Juvia e mais uma transcrição de aúdio! E para finalizar, POV de mais um personagem, mas só na hora vocês vão descobrir quem é! Temos, também, começando o cap, um trechinho de uma notícia da época. Nunca pensei que escrever usando diferentes métodos fosse ser tão legal :B

p.s.: Eram vinte, mas na verdade são dezessete anos se passaram desde os crimes. Probleminhas matemáticos que a autora teve e nem se tocou =p Mui obrigada Capizinha linda (aka Lady Murphy) que me deu esse toque. O que eu seria sem minha beta maravilinda que também é cria do diabo?

E sem mais delongas, tenham uma boa leitura!



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Homicídios colocam a cidade em alerta.

Na última madrugada (11) foi encontrado o corpo de uma mulher na biblioteca da cidade, que até o momento não foi identificada. A causa da morte ainda é desconhecida, tendo em vista que os ferimentos presentes no corpo foram feitos após o óbito da vítima. De acordo com os legistas, a morte aconteceu há aproximadamente 90 horas, coincidindo com o mesmo horário estipulado para outro caso de homicídio recente.

* * *

Às vezes ainda sonho com o dia sete de julho.

Sendo franco, não há um único dia em que eu não me lembre daquela fatídica ocasião. Aquela data significou muitas coisas, e principiou mudanças em mim que jamais consideraria aderir, caso as circunstâncias fossem outras. Em partes, foi algo involuntário, mas no fundo, sei que era o que eu mais queria. Era mais cômodo aquiescer a um comportamento frígido e à ermo do que voltar aos velhos hábitos, principalmente quando todos ao seu redor lhe olham sob uma nova perspectiva. Tragédias despertam um sentimento estranho de comiseração para com os afetados, e esse sentimento de pena era uma das coisas que eu mais detestava.

Com o decorrer dos anos, paulatinamente me desliguei das necessidades que envolviam interações com pessoas. Isso era um desejo que sempre esteve presente, porém houveram tempos em que ele fora reprimido de uma maneira bastante contundente — mas depois daquele dia, ele voltou a se desenvolver, e eu o abracei sem pensar duas vezes. Foi, de muitas maneiras, satisfatório me ver cada vez mais distante qualquer interatividade social. Nessas horas, me pergunto se certos eventos afetam alguém de tal maneira que estas mudam de verdade, ou as pessoas que se deixam voluntariamente mudar pelos acontecimentos que lhe marcam profundamente.

Gosto de acreditar que é um pouco de cada.

À medida que crescia, adquiri hábitos lesivos em resposta à minha mentalidade afetada por um inexplicável sentimento de culpa. Um remorso foi-se minando em mim, e eu nada pude fazer para ultimá-lo. De sucesso para combater isso, apenas auferi meios para prorrogar a sempre iminente sensação pesarosa. E assim, passei a fumar e a beber às escondidas, sempre que me via no pior estágio daquela tristeza.

No início, o fazia temeroso, receando censura advinda de um alguém invisível. Lembro-me bem das minhas mãos nervosas e do suor frio, reações oriundas do pavor ao pensar que seria severamente punido por estar fazendo aquilo. Pudera, eu ainda era bastante jovem. No fim das contas, achei a experiência desagradável. Passei um número considerável de dias me julgando de maneira degradante por conta do meu “crime” ultrajante. Eu ainda tinha aquelas malditas concepções moralistas sobre pessoas que se rendem a tais vícios.

Mas a culpa foi se dissipando, e o anseio não demorou para crescer e me cegar para outras necessidades. E na segunda tentativa foi que a coisa toda me agradou. E então foi uma questão de tempo para que eu fosse me afundando mais e mais nessa dependência física e psicológica. Não tardou muito, também, para que eu recorresse a substâncias mais pesadas.

No entanto, as vias alternativas mais perniciosas não me agradaram tanto quanto pensei que agradariam. Ou, sendo mais preciso, não corresponderam ao que eu buscava. Nicotina e álcool ainda eram a melhor maneira para escapar de qualquer coisa que me desagradasse, mas os anos de vício vinham tornando-os métodos fracos para tal. Então, acabei por descobrir outro meio.

Eu sempre tive uma dificuldade imensa para dormir. Quando me eram hauridas todas as minhas resistências para manter-me acordado, não me restavam escolhas senão deitar-me em algum canto e fechar os olhos. Assim que o fazia, uma crescente ansiedade me tomava, e eu passava o resto da noite inquieto, como se algo ou alguém estivesse soprando em meus ouvidos preocupações inexistentes, fazendo com que todo meu cansaço fosse sobrepujado pela inquietude.

Nas raras vezes que conseguia dormir, lembrava-me de momentos aleatórios da minha infância, mas todos, ao fim, se misturavam com os fatos dia sete. Os poucos sonhos que eram compostos por bons momentos — reais, ou meramente devaneios esquecidos. — tão logo eram corrompidos pelas memórias, mas principalmente pelas sensações amargurantes, estas que ainda me acompanham.

Será dia sete dentro de uma semana. Quando mais jovem, era um momento desesperador, como se o mundo, num repente, se tornasse pequeno demais. E estivesse prestes a me sufocar no primeiro vacilo que eu desse. Eu era acompanhado por uma excruciante sensação de claustrofobia, e levou alguns anos para que eu descobrisse um meio eficaz para me livrar de tal coisa.

No banheiro, há um pequeno armário onde guardo remédios. Haviam inúmeros frascos de ISRS* lacrados, com as etiquetas já amareladas e corroídas pelo tempo. Sempre me prometia me livrar daqueles remédios, mas, por algum motivo, nunca o fazia. Acho que, inconscientemente, olhar para eles me trazia lembranças de tempos mais brandos da minha vida — um eufemismo, pois minha vida nunca foi verdadeiramente fácil. Eu detestava tomar aquelas coisas quando mais novo, e quando me vi sozinho naquele mundo, simplesmente parei de tomar todas aquelas substâncias.

Como se não me bastasse os problemas mentais que eu possuía, eu ainda tinha um agradável sistema imunológico debilitado, que respondia verdadeiramente mal àqueles remédios prescritos. Todos os efeitos colaterais se tornavam presentes, e perduravam por horas torturantes.

Foi, em meio a uma busca por um meio que me desligasse de tudo que me acontecia, que encontrem a morfina.

Como qualquer substância química, a morfina também tinha seus efeitos. Mas eles eram suportáveis, e devidamente compensados pelos que me trazia assim que eu inalava, ou injetava.

O frasco com comprimidos foi a minha escolha para aquele momento. Com cinco comprimidos em mãos, voltei ao meu quarto. Sentado na cama, peguei um copo de vidro que estava em um criado-mudo próximo, e com o auxílio de uma caneta, fui desfazendo a morfina até ela virar pó. Feito isso, peguei um pequeno bloco de anotações e dispus sobre a capa três fileiras de morfina. Com cuidado, deitei-me na cama, e aproximei meu rosto do bloco, inalando as “carreiras” rapidamente.

Larguei o bloco sobre o chão, enquanto inúmeras imagens aleatórias invadiam a minha mente. De repente, tudo se misturava, lembranças se sobrepondo às outras, e estas se sobrepondo à minha imaginação. Uma letargia se apoderou de mim, seguida de uma agradável sensação de leveza. Como se todas as coisas do mundo não fossem importantes, e muito menos preocupantes e aterradoras. Tive certeza de que sorria bobamente devido aos efeitos proporcionados por aquele fármaco.

A última coisa que visualizei em meus últimos resquícios de consciência, foi uma vaga lembrança acerca de uma leitura que havia feito meses atrás, sobre os efeitos recorrentes do vício em morfina. Inúmeras complicações a longo prazo — das quais não me lembrei de nenhuma, apenas sabia no momento que não eram poucas. —, e os riscos caso se utilizasse demais em uma única dosagem. Neste último, as chances de me acontecer uma overdose eram grandes; a morte por depressão respiratória, enquanto eu desfrutava de um pequeno deleite de tranquilidade me causaria algum tipo de receio, caso eu estivesse em outras circunstâncias. E, também, se eu me importasse devidamente com o perecimento.

Mas eu simplesmente não me importava.

* * *

— Você me fez um favor enorme. — Eu disse, bebericando uma xícara de chá. — Quanto eu te devo?

Gajeel meneou a cabeça negativamente.

Estávamos sentados em um grande sofá da sala de estar de uma casa de veraneio, esta gentilmente cedida a mim por uma velha conhecida, que me devia um grande favor. Era pequena, porém bastante bonita, confortável e aconchegante, sem grandes decorações — não que eu fizesse grande questão disso. — Ou móveis que ostentasse a real riqueza desta conhecida em questão.

— Já disse, não cobro favores que faço para amigos.

— Eu sei, eu sei — Insisti. Tamanha era minha gratidão que eu sentia a necessidade de retribuir de alguma maneira. —, mas, caramba, você conseguiu tudo o que eu precisava. Sério, deve ter alguma coisa que eu possa fazer.

Eu havia solicitado a ele apenas arquivos de áudio da investigação. Queria apenas capturar toda a aura tensa que aquelas coisas possuíam e transcrever fidedignamente na minha história. Foi uma tentativa de restringir minha verdadeira vontade — eu queria mesmo era pôr as mãos em tudo sobre aqueles casos estranhíssimos, para sanar minha curiosidade mórbida sobre o ocorrido, e claro, incrementar minha obra em andamento. Além disso, eu não queria abusar da boa vontade de Gajeel, ou até mesmo prejudica-lo.

E ele, conhecendo como me conhecia, sabia que eu iria me sentir realizada se eu tivesse acesso de tudo que documentasse detalhadamente o caso. E o fez, para minha felicidade.

Gajeel suspirou, com evidente resignação. Displicente como ele era, esticou as pernas sobre a mesinha, onde eu havia servido um lanchinho simples para nós. Ele se esticou para pegar mais um brownie, e após comer um em duas mordidas, voltou a falar:

— Certo, tem algo que eu quero, mas não sei se você conseguiria.

— Não duvide da minha capacidade! — Falei, fingindo ter levado sua frase como desfeita. — Você sabe que já fui uma jornalista investigativa muito boa.

— Que foi demitida por comprometer a própria ética jornalística e sujar a imagem de um jornal relativamente importante. — Ele acrescentou.

Sorriu enviesadamente ao ver que, desta vez, eu estava afetada de verdade, mesmo que ligeiramente.

— Falsas acusações. Mexi com “peixes grandes” e acabei me ferrando. — Prontamente, eu rebati. — O que não altera em nada a minha capacidade em descobrir coisas.

— Eu sei disso. — Falou tranquilamente. — Bem, é o seguinte: estou precisando de ajuda em uma coisa. Tenho que conseguir uma informação, e para isso preciso fazer algo que se chama DDoS², e eu não faço a mínima ideia do que isso é. Eu estou procurando alguém que saiba dessas coisas, mas que, acima de tudo, não tenha senso moral sobre o que irá fazer. E que saiba ficar de boca calada.

— Hum... acho que conheço algumas pessoas que entendam dessas coisas. — Ponderei, enquanto servia-me de mais chá.

— Se você conseguir, serei eternamente grato.

Sorri.

— Verei o que posso fazer.

Eu já tinha alguns nomes em mente naquele momento, e planejava que mais tarde ligaria para algumas pessoas para ver se elas se disponibilizariam para uma pequena aventura ilegal na internet.

Conversamos sobre algumas trivialidades — principalmente sobre algumas recordações de nossa adolescência, e no quanto nós havíamos sido inescrupulosos quando o assunto era burlar regras pela pura diversão. E a conversa acabou se encaminhando para o momento em que nos conhecemos: quando tínhamos oito anos, e ele era o garoto novo em uma cidade distante de sua terra natal. O garoto que veio de um lugar onde coisas estranhas estavam acontecendo.

— Por que você escolheu esse caso? — Gajeel perguntou. — Digo, há tantos outros, mais notórios e detalhados... Charles Mason, Ed Gein, a Dália Negra...

— Eu havia considerado Dália Negra, mas há muita especulação e poucas conclusões. — Respondi. — Além disso, eu queria algo que fosse, no mínimo, peculiarmente diferente. E sem tanto conhecimento público. Para que não assimilem de cara de onde eu me inspirei.

— Originalidade é tudo. — Ele comentou, com uma sutil entonação de sarcasmo.

As pequenas alternações de humor de Gajeel não me afetavam como costumavam às outras pessoas. Na verdade, passavam completamente ignoradas, pois eu já estava habituada à sua maneira de ser.

— Bem, é por aí. E meu espirito investigativo não morreu, então é meio que um anseio pessoal. São dois coelhos com uma cajadada.

— Não me diga que vai investigar por si própria... — Ele murmurou, ligeiramente incrédulo com a possibilidade considerada.

— Investigar não seria a palavra certa, mas... — Pensei por alguns instantes. — Especular com bases concretas. Eu diria isso.

— Você acabou de dizer que dispensou Dália Negra justamente pelas especulações. — Gajeel contestou rapidamente. — Bathory não está livre delas.

— Eu sei. Mas como eu também disse, queria um caso pequeno. Entre Dália e Bathory, quem você acha que mais tem teoria da conspiração em cima?

— Isso não muda sua contradição.

Suspirei profundamente. Ele estava certo.

— Sei disso. Mas, como posso dizer... acho que é mais... excentricidade minha. — Admiti. — A sensação de fazer algo totalmente novo. Fugir do lugar comum, essas coisas.

— Entendi. No fim, você quer ser um floquinho de neve especial, não é? — Inquiriu, desta vez com acidez latente, e um sorriso cheio de ironia.

— E quem não quer ser, pelo menos uma vez? — Perguntei retoricamente. — Todos nós queremos nosso lugar ao sol.

Gajeel riu.

— As pessoas deveriam admitir mais vocês que querem ter o seu próprio momento. — Eu disse. — Sabe, acho que isso iria evitar muitos problemas diários.

— Provavelmente sim.

Gajeel comeu mais alguns brownies, e conversamos um pouco mais sobre o caso; coisas que todos sabiam, mas que acabou rendendo uma troca de ideias de pontos de vista distintos. Ele apostava na possibilidade de algo muito mais sério estar por trás de todas as mortes, e eu, acreditava veemente que não passava de mera excentricidade de um psicopata extremamente criativo no que tangia o sadismo.

No fim, acabei absorvendo a teoria dele, e assim caía por terra minha pretensão de ser totalmente original nas futuras especulações sobre as garotas de Bathory. Mas eu não me importei; pelo contrário, aquela conversa me inspirou em muitas coisas, que eu pretendia acrescentar para ver se gerava resultados interessantes na história na qual trabalhava.

O tempo passou, e quando notei, já estava escuro lá fora. Gajeel também percebeu, e ao ver as horas no relógio que tinha em seu pulso, disse que tinha um compromisso importante do outro lado da cidade. Assenti, e o levei até a porta, despedindo-me em seguida.

Antes dele ir embora, virou-se para mim e disse:

— Ei, faça bom uso das coisas que eu te trouxe. Deu um puta trabalho conseguir essas coisas.

— Sim, senhor. — Respondi, rindo.

Com a partida de Gajeel, estava a sós com mais duas caixas — tão cheias de documentos e arquivos em geral sobre os assassinatos quanto a primeira. Fui até a cozinha, onde guardava o par de luvas que eu utilizava para manusear todos os objetos que estavam nas caixas. Antes de calçá-las, prendi meus cabelos em um coque firme, e coloquei alguns grampos na frente, para não correr o risco de que algum fio audacioso caísse e se perdesse em meio àqueles documentos, e assim, acabasse criando uma indesejável ligação direta e explicita entre mim e o “roubo” temporário daqueles arquivos.

Porque é claro, eu não ia ficar com eles para sempre.

Eu ainda não havia terminado de ver todas as coisas que estavam na caixa “Caso 54: armazém” — na verdade, mal havia chegado na metade dos documentos. —, mas eu já queria saber quem eram as outras vítimas. Claro, eu sabia seus nomes, idades e lugares onde havia morrido; os jornais informaram tais coisas. O que eu queria eram os detalhes, as minúcias sobre suas vidas, sobre suas respectivas personalidades. Traçar perfis imaginários. Começar a especular sobre quem poderia ter matado aquelas pessoas, e por quê.

Eu não poderia negar o quanto isso era excitante. A ansiedade me consumia a cada segundo, e parecia que meus movimentos estavam lentos demais para acompanhar o meu anseio sôfrego.

Peguei a caixa cujo nome era “Caso 55: biblioteca”. Era uma caixa mais leve, e ao abri-la me deparei com duas pastas finas, uma com documentos e outra com fotos, e apenas duas embalagens de plástico contendo objetos do crime. Para minha decepção, havia somente três fitas com gravações dos inquéritos. Eu esperava que elas tivessem muitas informações para compensar a pouca quantidade.

Nessa caixa não tinham os aparelhos de gravação de voz, o que foi esquisito, considerando que a outra caixa tinha. Me perguntei o motivo, mas tão logo abandonei tal curiosidade; haviam coisas mais importantes a minha frente.

Peguei meu próprio gravador, e escolhi a fita cujo título era “filha”. A medida que os segundos iniciais de silêncio transcorriam, peguei a pasta que continha informações sobre a vítima.

Click.

— Me desculpe a demora. As coisas andam bastante... turbulentas aqui.

[Silêncio]

— Meu nome é Gildarts Clive. Estou aqui para descobrir quem cometeu o assassinato de sua mãe.

[Silêncio]

— Qual o seu nome?

— Lucy.

— Certo, Lucy. Preciso que me diga tudo o que lembra do dia sete.

[Silêncio]

— Lucy?

— Eu... eu não lembro de nada importante.

— Não foi isso que eu disse. Quero que me fale tudo o que lembrar.

— Eu... eu lembro que foi um dia como qualquer outro. Meu pai sempre ocupado, e minha mãe sempre lendo.

— E...?

— E eu pedi para minha mãe me contar as histórias que ela me contava sempre.

— Havia algo de diferente nela?

— Acho que não.

— Tem certeza?

— Não sei.

— Preciso de uma resposta definitiva, Lucy. Talvez você saiba de algo que nos ajude bastante.

[Silêncio]

— Ela parecia cansada.

— Cansada?

— É.

— Do que você acha que ela estaria cansada?

— Eu não sei. A mamãe tinha uma saúde fraquinha, então saia pouco de casa, e passava muito tempo no quarto.

— Certo. Mais alguma coisa?

— Eu lembro que... que ela estava escrevendo alguma coisa quando entrei no quarto dela.

— Uma carta, talvez?

— Não sei, ela escondeu assim que me viu.

— E ela se assustou com sua chegada?

— Sim.

[Pausa]

— E houve mais alguma coisa?

— De tarde, ela recebeu uma ligação. E ficou meio nervosa com isso.

— Por que você diz que ela ficou nervosa?

— Porque fazia tempo que ela ficava assim.

— E você nunca perguntou nada?

— Perguntei.

— O que você perguntou?

— Eu perguntei “mãe, porque a senhora está assim? ”.

— E ela...?

— Ela disse que estava resolvendo alguns assuntos importantes, mas que eu não precisava me preocupar, pois ela ficava ansiosa por qualquer motivo.

— Entendo. No dia sete, ela parecia mais ou menos nervosa do que as outras vezes?

— Acho que... a mesma coisa.

— Tem certeza?

— Tenho.

— Mais algu—Lucy? Está tudo bem?

[Ruídos. Som de choro]

— Ela me disse que... que eu não devia me preocupar.

— Ela disse isso no dia sete?

[Silêncio]

— E ela disse com o que, exatamente, você não devia se preocupar?

— N-não.

[Silêncio]

— Certo, Lucy. Acho que já chega por hoje. Levarei você de volta ao seu pai.

Click.

A última parte do áudio foi de partir o coração.

O sofrimento de crianças sempre me afeta profundamente, pois de certa forma, sei como é lidar com situações que exigem mais do que nossas tenras idades podem naturalmente dispor. É inevitável a sensação de familiaridade para com elas, principalmente por acabar sendo devido a um motivo não muito agradável.

Mas são ossos do ofício.

A primeira coisa que percebi era que as duas vítimas eram mães. Ainda que uma delas não fosse consanguínea — como era o caso de Ur, cujo seus dois filhos eram adotados. —, era uma coincidência que não deveria ser ignorada. Quem sabe, eu não estava diante de algum indivíduo complexado com a figura materna, como famigerado Ed Gein³ havia sido, também.

E esta foi a primeira coisa que anotei em meu bloquinho: possível complexo de Ed Gein.

Feito isso, voltei minha atenção para a ficha. Li-a rapidamente, pois já sabia de grande parte das coisas sobre a vítima: Layla Heartfilia, uma mulher que figurava a benevolência em pessoa. Ao que eu sabia, era bastante querida pela cidade. Havia trabalhado com crianças por toda sua vida, mas sua saúde sempre debilitada exigiu dela o resigno de sua função — ademais, teve de se dedicar a criação de sua primogênita. Era casada com Jude Heartfilia, dono de uma relativamente influente empresa de utensílios domésticos.

Uma pessoa que era muito querida sempre era um alvo em potencial de um serial killer. Mas isso comumente figurava homicidas que clamavam por atenção — exceção à regra caso houvesse algum motivo em particular por trás, que rescinde o desejo egocentrado. Que desejavam ter todos os olhos voltados para si. Que as pessoas falassem o seu nome. E quando o fazem, eles fazem absoluta questão de deixar algo que possibilite a criação de uma identidade do assassino.

Nos assassinatos em questão, não havia absolutamente nada que indicasse propositalmente seu autor.

Interrompendo a minha linha de pensamento, meu celular tocou, indicando que eu havia recebido uma mensagem. Removi uma das luvas e o peguei de cima do sofá.

Hey, Juvia. Como as coisas estão por aí? Teremos uma boa história a caminho, ou mais uma para a coleção de projetos frustrados? >:D”

Sua merdinha, murmurei comigo mesma, brincalhona. Ia responder no mesmo momento, porém me interrompi assim que digitei a primeira letra. Quem me mandara a mensagem era uma boa amiga, que dispunha de amplo conhecimento na área de computação. E ela seria uma ótima pessoa para ajudar Gajeel.

Cancelei a mensagem, e decidi ligar para ela. Três toques depois, ela me atendeu.

— Oi, Levy. Tudo bem?

Tudo ótimo. E você, como está por aí?

— Mais feliz do que poderia imaginar. Escuta, você está muito ocupada por esses dias?

Hum... — Ela pausou brevemente. — Não, não estarei. Por quê?

— Tenho um amigo que precisa de um favor. E eu acho que você vai gostar de ajudá-lo.

* * *

Seu pai está morto.

Eu já esperava ouvir aquelas palavras, mas não pensei que elas me atingiriam tanto quanto me atingiram no instante seguinte ao que foram proferidas. Minhas pernas fraquejaram, e muito de minha compostura foi exigido para que eu me mantivesse de pé.

— Certo. Suponho que eu deva ir para Magnólia para resolver as questões de heranças e dívidas, não é?

Devidamente. Quanto mais cedo resolvermos, mas rápido será. E você estará livre deste fardo.

“Fardo. ”

O uso daquela palavra me irritou profundamente, no entanto, apenas suspirei, oprimindo a irritabilidade que quase se evidenciou em minha voz.

— Estarei aí dentro de uma semana. Contate meu advogado para a preparação dos papéis.

Estarei esperando, srta. Heartfilia.

Desliguei o telefone. Momento mais oportuno para tal não havia, pois era impossível conter as lágrimas por mais tempo, bem como o choro contido na garganta. Inclinei-me sobre a grade da sacada, deixando todas as lágrimas saírem sem qualquer pudor, e colocando para fora todos os muitos soluços entalados desde que escutei as palavras fatídicas.

O que mais me doía era um sentimento de impotência, que parecia enevoar todo e qualquer julgamento racional que eu pudesse ter no momento. Tamanho era essa sensação que tudo o que eu mais desejava era sumir, desaparecer para sempre. A última coisa que eu queria era ter de voltar à Magnólia, a cidade todas as coisas que me fizeram quem sou hoje, aconteceram.

O mero vislumbre de me ver voltando para lá causava uma onda de ansiedade em mim, me deixando muito nervosa. Eu não havia ido àquela cidade desde que deixei definitivamente do lugar, e mesmo hoje, sendo eu uma mulher adulta, eu ainda temia retornar para lá, como se fosse a garotinha assustada que eu era quando saí.

Contudo, desta vez, eu não tinha opção.


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Notas finais do capítulo

1)ISRS é a sigla para "inibidores seletivos da recaptação da serotonina". São um dos vários tipos de antidepressivos, usados não apenas para combater a depressão em si, como outros distúrbios, vide a ansiedade. Esse tipo de fármaco são usados principalmente para prevenir recaídas desses problemas. E isso não quer dizer que o Gray tem depressão. Há outros distúrbios tratados com esses remédios (portanto, essa nota não é spoiler!)

2)DDoS, sigla de Distributed Denial of Service, são ataques à computadores que funcionam como servidores. Basicamente, é atacar e invadir as máquinas que hospedam sites importantes, para chegar a outros computadores, e assim, fazer o que desejar com o alvo. Vocês podem ler mais detalhadamente sobre nesse link aqui: http://www.infowester.com/ddos.php

3)Edward Theodore Gein foi um dos seriall killers mais notórios de Wisconsin, Estados Unidos. Ele matava mulheres que se assemelhassem a sua mãe. Sua notoriedade foi tanta, que ele é considerado como o pai do terror; inspirou o famoso filme "o massacre da serra elétrica" e o clássico de terror "Psicose", foram inspirados em seu caso. Mais detalhes no seguinte link: http://oaprendizverde.com.br/2011/05/04/serial-killers-o-pai-do-terror/

A princípio, tinha pensado em dar ao Gray um comportamento mais boêmio em resposta ao que lhe aconteceu. Mas pensei um pouco e achei que simplesmente não se encaixaria. Embora seja UA, não quero afastar demais das características mais rudimentares que os personagens têm na história original de FT. Então adotei para ele um jeito mais destrutivo e recluso, que creio ser mais plausível nas circunstâncias que ele está. O que vocês me dizem?

Espero que tenham gostado, e até o próximo o/



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