Ilha de Esme por Edward Cullen da Lua de Mel até a Gravidez escrita por csb


Capítulo 8
CAPÍTULO 08 - INFERNO




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/65021/chapter/8

8. INFERNO

 

Foi como se um trator tivesse passado por meu corpo e esmigalhado cada pedaço de meus ossos sem piedade. Eu não conseguia me mexer; como se não existisse mais qualquer sinal de vida dentro de mim; como se eu tivesse morrido enfim.

Bella continuou se explicando; sua voz passando por minha cabeça como um borrão:

— Não acho que seja uma intoxicação alimentar... Os sonhos... O sono excessivo. O choro. Toda essa comida. Ah! Ah!

Pude sentir meus músculos estacionando lentamente, minha força se esgotando pouco a pouco. Todos os meus sentidos primorosos foram se apagando como vela que se queima até o fim. Tudo em mim havia então virado pó... Tudo, com exceção da consciência atormentadora e do misto de alegria e dor, que agora ocupavam todos os espaços de meu cérebro.

Íncubo? A capacidade de gerar filhos com sua presa indefesa...

Íncubo?

Bella estava grávida? Um filho? Um filho... meu?

— Ah! — exclamou Bella; a voz vinda de tão longe... Como se ela estivesse lá fora, na praia, ou em outro cômodo da casa. Ou quem sabe eu é que estivesse ensurdecendo pela morte corporal que me corroia.

Eu não sabia o que dizer ou pensar... Não sabia o que fazer. Porque, se Bella estivesse mesmo grávida — e minha cabeça experimentava estalos afiados nas vezes em que essa palavra atravessava meus pensamentos —, eu tinha de tomar uma atitude, alguma providência que ainda me era desconhecida.

Mas... Como ela podia estar gerando o filho de um vampiro? Íncubo? Então isso acontecia? As lendas, os mitos... Todos eram de verdade?

— Impossível... — sussurrou ela, como se lesse meus pensamentos; como se respondesse aos apelos de meus próprios questionamentos interiores.

Impossível. Um filho...

Tentei pensar pelo lado prático da coisa. Bom, eu estava congelado em minha adolescência havia décadas. E qualquer homem, com exceção dos pré-declarados inférteis, pode tornar-se pai aos dezessete anos de idade. Homens não têm coisas como ciclos de fertilidade ou mudanças de gestação. Não precisam desenvolver mais nada ou assistir à transformação do próprio corpo enquanto esperam a chegada de seu bebê. Como acontece às mulheres... Como aconteceria à Bella.

Sim, nisso residia toda a diferença. Bella era completamente mutável; humana. Fisicamente, ela estava preparada à maternidade. E, ao que tudo indicava, juntos, nós dois éramos aptos à situação.

Então, se isso tudo fosse possível, que tipo de ser Bella estava gerando? Que criatura nasceria do cruzamento de genes tão diferentes? Embora suspeitasse, eu não tinha certeza. Claro... Que outro vampiro, além de um insano como eu, teria sido capaz de testar a teoria? Que teria tido autocontrole suficiente para fazer sexo com uma humana sem matá-la antes do clímax?

Meu filho era uma aberração e isso estava muito claro para mim. Agora, o tamanho do desastre que seu desenvolvimento seria ao corpo de Bella eu não podia avaliar. E nisso baseava-se todo meu desespero.

Minha cabeça rodava; meus músculos ainda rígidos experimentavam a tortura pessoal por conta da verdade que eu não conseguia mais esconder de mim mesmo.

A verdade era que, de alguma maneira inexplicável, de alguma forma além de minha capacidade de controle, de minha noção de certo e errado, eu desejava que a loucura fosse verdade. Meu Deus, a idéia de ser pai me extasiava... Contrariando todas as concepções racionais — e eu procurava insistentemente uma forma de não pensar assim —, eu desejava a gravidez de Bella.

Como se eu fosse marcado para o sofrimento, as doses cavalares de culpa foram profundamente injetadas em meu corpo. As seringas da verdade queimavam; acabavam de sucumbir qualquer vestígio de generosidade. A que ponto meu egoísmo tinha chegado? Como eu podia ser tão covarde... tão cruel? Como desejar a vida daquele que talvez sugasse a saúde de meu grande amor. Nem um milhão de anos poderiam me preparar para a decisão que inevitavelmente seria necessária, caso todas as suspeitas se confirmassem.

Suspeitas... Eu precisava falar com Carlisle... Eu precisava saber quais eram as chances...

Então, ouvi um ruído, que começou fraquinho e foi aumentando, aumentando até que eu o reconheci enfim. Era o toque de meu celular, esgoelando em cima da cama. Eu não conseguia me mover. O telefone não parava de tocar. Onde estava Bella? Onde?

O ruído cessou.

— Oi, Alice. — A voz de Bella trouxe-me à realidade. Que decepção: eu ainda estava vivo, embora desejasse tanto o contrário.

Meu corpo ainda não se mexia, mas meus sentidos aguçados se ajeitavam novamente e eu podia ouvir Alice, aflita, do outro lado da linha:

— Bella? Bella? Você está bem? 

Você está bem... Lógico. Alice teria visto o futuro inesperado e bárbaro que me aguardava. Era por isso que ela ligara.

Bella estava grávida.

As portas do inferno se abriram para mim.

— Acalme-se, Alice. Estou bem. Hmm... Carlisle está?

— Está sim. Qual é o problema?

— Não estou... cem por cento... certa...

— Edward está bem? — perguntou Alice, sua voz afastando-se um pouco. Eu a ouvi chamar por Carlisle. Em seguida continuou. — Por que ele não atendeu ao telefone?

— Não estou certa...

— Bella, o que está acontecendo? Eu vi....

— O que você viu?

Houve um silêncio.

— Aqui está Carlisle, Bella.

Os músculos de minhas pernas começaram a se estender com a evidência de que meu momento chegava: eu precisava conversar com Carlisle, ouvir de meu pai que aquele absurdo talvez não passasse de um grande engano. Ou ouvir a verdade dolorosa para que o pesadelo saísse da esfera do inalcançável e se tornasse real, palpável.

— Bella, é Carlisle! O que está acontecendo?

— Eu... estou um pouco preocupada com Edward. Vampiros podem entrar em choque?

Sem que Bella visse, minhas mãos se abriam e fechavam; nervosas. Procurei me experimentar aos poucos para ter certeza de que a paralisia havia se findado.

— Ele está machucado? — a voz de Carlisle era urgente.

— Não, não. Apenas... surpreendido.

— Eu não estou entendendo, Bella.

— Eu acho... bom, eu acho que... talvez... eu possa estar... — Bella respirou fundo. — Grávida.

Em menos de meio segundo, meu corpo se movimentou e eu me levantei; as mãos envoltas em minha cabeça — que latejava à simples menção daquela palavra. Bella pareceu não perceber. Ela estava de costas para mim, sentada na cama. Notei seus dedos alisarem suavemente a própria barriga. Gelei.

Depois de uma longa pausa, Carlisle voltou.

— Quando foi o dia de seu último ciclo menstrual?

— Dezesseis dias antes do casamento.

— Como você se sente?

— Esquisita. — Uma lágrima escorreu de seus olhos. — Isso pode ser loucura. Talvez eu seja mesmo louca. Mas estou tendo sonhos e comendo o tempo todo. Gritando e vomitando e... juro que algo se moveu dentro de mim agora mesmo.

Meu filho havia se mexido. Meu filho...

Rapidamente, sentei-me ao lado de Bella, erguendo a mão para o telefone.

— Hmm — disse Bella, sorrindo aliviada quando me viu livre do choque. — Acho que Edward quer falar com você...

— Coloque-o na linha.

Comprimi o telefone contra as orelhas. Suspirei e encontrei novamente o som de minha voz, ainda agarrada:

— Isso... Isso é possível?

— Filho... — Carlisle fez uma pausa angustiante. — Isso é possível.

O mundo caiu sobre meus ombros e fitei o vazio, a desesperança tomando conta de mim.

Ele continuou:

— Edward, fisicamente, você tem dezessete anos e Bella é humana. Sinto muito, filho, mas frente às evidências, Bella está grávida e em estágio avançado. Sobre a criatura gerada, não posso afirmar nada. Mas tudo pode acontecer... É uma mistura incomum de genes.

— E Bella? — Meus braços envolveram minha amada com cuidado.

— Volte para casa, Edward. Não podemos arriscar a vida de Bella. A criatura parece estar se desenvolvendo à velocidade acelerada, o que me leva a crer que um aborto será inevitável. Volte, Edward. Antes que seja tarde demais.

— Sim, sim. Farei isso.

Desliguei o telefone e abracei Bella mais intensamente enquanto procurava outro número em minha agenda.

— O que Carlisle disse? — perguntou Bella, impaciente.

— Ele acha que você está grávida.

— Para quem está ligando agora?

— Para o aeroporto. Estamos indo para casa.

 

 

Eu andava desvairadamente de um lado a outro do quarto, enfiando nossas coisas nas malas, enquanto discutia com o atendente da companhia aérea ao telefone. Eu já havia oferecido mais que o triplo do valor das passagens para que ele nos colocasse no próximo vôo, mas, ao que tudo indicava, seríamos obrigados a esperar mais um pouco — e a consciência do tempo valioso que desperdiçávamos deixava-me ainda mais irritado.

Furiosamente, atirei na cama uma muda de roupas para Bella. Ela se trocou em silêncio e sentou-se. Seus olhos procuravam os meus com a mesma insistência com que eu os evitava.

— Arrume um jeito! — gritei para o atendente. — Eu preciso voltar para casa o mais rápido possível! — Eu queria acrescentar que eu era um vampiro e que tinha engravidado minha mulher humana, quem sabe assim ele alcançasse meu desespero e urgência. Mas meu bom senso ainda funcionava normalmente.

Ele ficou quieto por um tempo, digitando no computador, e eu nem me preocupei em consertar a falta de educação.

Bella movimentou-se. Eu a vi sair do quarto, a cabeça baixa, pensativa. Achei melhor assim. Ela não precisava se aborrecer com meu estado de espírito e eu tinha de me acalmar, voltar ao normal — ao normal aceitável do pós-inferno — para explicar-lhe toda a situação.

— Senhor Edward Cullen...

— Sim — respondi secamente.

— Consegui colocá-los no vôo que sairá daqui a quatro horas. Sinto muito, é o melhor que posso fazer.

Bufei.

— Está certo... Anote o número de meu cartão de crédito.

— É na primeira classe, senhor, tudo bem?

— Sem burocracias, por favor; eu fretaria um jatinho particular se fosse a opção mais fácil. Reserve logo essas passagens!

Quando desliguei o telefone, sentei-me na cama por alguns minutos, tentando controlar minha ansiedade. Depois voei pelas escadas, silenciosamente, louco para abraçar Bella, acalmá-la de alguma forma. Mas parei na soleira da porta da cozinha, completamente congelado pela cena que se desenrolava em minha frente.

Bella estava recostada na bancada, em uma posição que me permitia vê-la sem que ela notasse. Ela comia biscoitos enquanto olhava distraidamente a paisagem através da janela — o céu, a areia e as pedras. Não parecia nem um pouco abalada com a gravidez, ao contrário, havia traços de incompreensão em sua face — e eu sabia que tinham a ver com meu comportamento rude —, mas eles eram ofuscados pelo brilho da alegria maternal. Ela estava feliz. E eu não precisava de qualquer tipo de instinto desenvolvido para compreender o que isso significava: ela não facilitaria as coisas para mim.

— Eu sei — disse ela, acarinhando a barriga. — Eu também não quero ir...

Foi um golpe baixo. Bella estava falando com o nosso filho... E eu me dei conta, assim, de repente, que ele realmente existia: um pequeno alguém que estava ali, dentro de Bella; tão perto de nós... Ele, fruto de um amor inexplicável; um pedacinho de mim.

Fiquei anestesiado em contemplação e lamentei amargamente não ter lágrimas para chorar. Eu queria tanto chorar, era quase uma necessidade agora...

A verdade — tão simples —, caiu de pára-quedas na minha frente, desembaçando meus olhos; as peças se encaixando, cada uma em seu devido lugar como se nunca tivessem estado separadas. Tudo ficou totalmente claro: Bella tinha noção da loucura dessa gravidez — eu não duvidava de sua inteligência —, mas eu não podia julgá-la pela cegueira racional, pela falta de sensatez. Porque Bella seria mãe e, para ela, isso bastava mais que tudo.

Quantas mães nãos se anulam por seus filhos? Quantas não arriscam a própria vida por eles? Eu não podia afirmar que nossa irresponsabilidade, ou melhor, a minha falta de juízo, acarretaria em tão cruel sacrifício — apesar de tudo, ainda não existiam evidências suficientes que me levassem a concluir que meu filho era um assassino irreversível — mas eu podia dizer, com certeza, que Bella seria categoricamente contra a idéia de um aborto “só por precaução”.

A sensatez, então, caberia a mim.

Eu tinha de me mostrar inteiramente convicto das decisões que seriam tomadas quando chegássemos em casa. Não podia vacilar, nem que para isso eu tivesse de vestir uma carapuça, uma máscara de indiferença à vida de meu próprio filho. Precisava engolir meus sentimentos, aprisionar meu amor em um domo solitário dentro do peito. E, principalmente, eu precisava encontrar uma maneira de não enlouquecer quando uma enorme tristeza se instalasse de vez dentro de mim e a dor da culpa tomasse conta de minha existência para sempre.

— Não entendo... — Ela continuou conversando com nosso filho. — O que há de errado aqui?

Meu amor, você não fez nada de errado, pensei em silêncio, o coração espiritual dilacerado.

Bella abraçou a barriga com carinho, cerrando os olhos.

Aproximei-me alguns passos, devagar. Ela ainda não me vira.

Eu sou o único errado. Não se culpe, não sofra. Perdoe-me pelo que vou fazer.

Estiquei os braços, meus dedos longos quase tocando seus ombros. Seus olhos ainda fechados.

Ah, Bella... Eu amo você... E amo tanto que guardarei a sua dor junto da minha... para sempre. Deixe isso para mim: eu mereço sofrer sozinho. Sei que ainda é pouco, mas é tudo o que peço.

Como se sentisse minha presença, como se sentisse que agora nossa família estava completa em um espaço de raio tão curto, Bella abriu as pálpebras, fitou o vazio e as lágrimas jorraram por suas bochechas, sem vergonha ou pudor.

Minhas mãos frias tocaram seu corpo.

— Bella?

Ela virou-se e me encarou; os olhos molhados também eram suaves. Preparei-me para o fingimento suspirando pela última vez antes de vestir a máscara da indiferença que permaneceria em meu rosto, sufocando-me por toda a eternidade.

— Bella... — Eu a puxei para o vão de meu pescoço. — Está sentindo dor?

— Não, não...

— Não tenha medo. Vamos estar em casa daqui a dezesseis horas. Você vai ficar bem. Carlisle estará preparado quando chegarmos lá. Vamos cuidar disso e você vai ficar bem, você vai ficar bem.

— Cuidar disso? O que quer dizer?

Afastei o corpo para olhá-la nos olhos.

Vai, Edward! Você consegue, você consegue! Você tem que dizer...

Engoli em seco.

— Vamos tirar essa coisa antes que possa ferir você. Não tenha medo. Eu não vou deixar que ela a machuque.

— Essa coisa? — repetiu ela, confusa.

Houve um ruído distante, próximo à entrada secundária da casa. Reconheci o som de passos.

Argh! Eu havia me esquecido de Gustavo e Kaure.

Gustavo cuidava de tudo na ilha havia pouco mais de três anos — tempo suficientemente curto para que ele não suspeitasse de nosso comportamento incomum, de nossas esquisitices.

E Kaure... Bom, Kaure era parte dos índios Ticunas. Fora criada para ser supersticiosa, cercada de lendas, como lobisomens e... vampiros. Ela sempre nos olhava com desconfiança e, quando conversava comigo, usava frases curtas e gestos hesitantes. Nas poucas vezes em que havíamos nos encontrado nas últimas semanas — de manhã bem cedo ou até mesmo de madrugada — Kaure me rodeara com cuidado, fazendo-me perguntas frias e entrecortadas sobre a moça. Sua mente funcionava de maneira estranha e por isso seus pensamentos eram confusos para mim. Eu conseguia lê-los, mas não decifrá-los. Como se ela evitasse pensar, ou pensasse de maneira picotada. Por mais esforço que fizesse, porém, Kaure não escondia sua preocupação com Bella.

— Que droga! Esqueci que Gustavo vinha aqui hoje. Vou me livrar dele e volto logo.

Saí em disparada da cozinha.

— Não precisamos de nada, Gustavo — eu disse, rudemente. — Estamos indo embora e você deve fazer o mesmo. Pode ir agora.

As linhas grossas e marcadas do rosto dele desenharam-se em uma expressão de espanto e surpresa. Pude ler seus pensamentos: ele não estava reconhecendo em mim a pessoa polida e educada que eu costumava ser. Kaure, ao contrário, não parecia assustada, seus olhos tinham o mesmo ar de desconfiança e um novo quê de nervosismo.

— Vão embora! — gritei.

O que eu fiz de errado?, pensou Gustavo. Depois mirou o chão e andou depressa na direção de onde viera.

Mas Kaure insistiu:

— Trouxe comida. A moça... faminta.

Da maneira como disse, parecia que somente Bella se alimentava naquela casa — o que era mesmo verdade, mas Kaure costumava ser mais discreta em suas suposições.

Bella precisava comer alguma coisa — ou ao menos tentar comer —, mas eu não tinha tempo hábil para preparar-lhe nada.

Com os pensamentos vazios, a mulher esperava uma resposta; as mãos estendidas carregavam a bandeja com a refeição.

— Coloque isso na mesa. Rápido — eu disse.

Cheguei à cozinha antes de Kaure e abracei Bella por trás.

— Meu amor, ela insiste em deixar a comida que trouxe — sussurrei em seu ouvido. — É uma desculpa, claro... Ela quer ter certeza de que não matei você... — Essa segunda parte saiu quase inaudível.

— Como?

— Outra hora eu lhe explico.

Kaure contornou a bancada, seus olhos movendo-se rapidamente entre nós dois.

— Edward, diga a ela que agradeço, por favor. — Bella não falava português.

Fiquei quieto, não disse absolutamente nada.

Bella continuou me cutucando e eu a ignorei deliberadamente. Ela não havia percebido, mas ao mesmo tempo em que se preocupava em agradecer à mulher, esta fazia uma avaliação demorada sobre a situação: primeiro mirou o rosto de minha amada; depois percorreu todo o caminho até o pé.

Então os olhos da índia encheram-se de lágrimas:

— A moça... Doente... — murmurou Kaure, colocando a bandeja na bancada.

— Você não sabe o que diz! — eu gritei, agora realmente furioso. — Saia já daqui.

Kaure sempre sabe o que diz!, pensou a índia.

Ela virou-se para se retirar e o movimento de sua saia comprida lançou o cheiro de comida em nossa direção. Foi o bastante.

Bella levou as mãos ao rosto e correu para a pia. Segurei seus cabelos por trás enquanto ela vomitava. Em seguida, meus dedos gelados tocaram sua testa, que fervia como se estivesse com febre.

— Vai passar, meu amor... Vai passar...

Bella lavou a boca aflitamente e eu a puxei de costas contra meu peito. Instintivamente, seus braços se fecharam em torno da própria barriga, protegendo-a.

Kaure ainda estava na soleira da porta, completamente estática, a mão estendida em sinal de ajuda, a boca pendendo escancarada. Estava em choque — se ainda possuía alguma dúvida, esta fora repentinamente descartada pela cena que acabara de presenciar.

A moça... prenha..., pensou a índia.

Empurrei Bella para trás de mim e encarei a mulher, arfando.

A índia avançou com bravura — erguendo os punhos no ar —, e começou a gritar horrorizada:

— Kaure sabia! Prenha! Você é monstro! Íncubo! Íncubo!

Então foi a minha vez de ficar perplexo.

O que essa mulher sabia sobre íncubo? Suas lendas diziam alguma coisa sobre isso? Talvez Kaure pudesse me ajudar muito mais do que qualquer outra pessoa e, ao contrário do que eu pensara a princípio, talvez fosse uma sorte tê-la ali; a enviada do destino...

Com as mãos para baixo, avancei dois passos para frente. A índia recuou.

Bebedor de sangue é monstro do mal!, pensou ela.

— Acalme-se, por favor — eu disse, a voz suplicante. — Você precisa me ajudar... Sei que errei... Mas não tive a intenção... Eu a amo...

Houve um silêncio profundo. Kaure ficou quieta, a expressão diferente, surpresa com minha mudança repentina de comportamento, com a confissão inesperada de culpa. Olhei para trás: Bella estava visivelmente confusa, perdida, sem entender sequer uma palavra da “conversa”.

Virei-me para a índia:

— O que você sabe sobre... íncubo? — perguntei.

A mulher franziu o cenho, os olhos se estreitando por um momento, indecifráveis como sua mente — ela tinha uma habilidade incrível de não pensar em nada. Em seguida, recuou mais alguns passos e fez o sinal da cruz. E novamente começou a berrar:

— Você é criatura do mal! Criatura do mal! Longe de Kaure! Longe da moça!

Insisti outra vez, agora desesperado:

— Por favor, eu lhe imploro. Preciso de ajuda. Preciso salvá-la!

Pareceu funcionar. A mulher ficou abstrata por alguns instantes.

Kaure é índia do bem. Kaure faz o bem. Monstro estranho...

Depois hesitou, os olhos ainda receosos, a boca tremendo; e então avançou um pouco.

— Quanto tempo? — perguntou friamente.

— Não sei ao certo. Nós... Bom, nós transamos mais de uma vez.

Monstro mau, monstro mau!

Ela largou a cabeça para trás como se tivesse levado um tapa na cara.

— Uma semana?

— Pode ser... — respondi.

— Quantos anos tem a moça?

— Dezoito. — Argh! Isso não importava. — Olha, estamos indo para casa e eu vou tirar essa coisa de dentro dela. Vai dar certo, não vai?

— Kaure não sabe dizer. — As palavras saíram num tom de descrença. — Moça muito nova. Quanto mais nova, mais difícil tirar a coisa, porque ela cresce muito rápi...

Eu a interrompi:

— O que aconteceu às moças que... O que a lenda conta? — Os músculos de minha face doíam e minha voz era quase inaudível. Eu não tinha nem mesmo força para tentar entender os pensamentos desconexos que passavam na mente dela. Como se eu estivesse preso em uma dimensão paralela, esperando por um milagre.

A mulher suspirou demoradamente e, antes de virar-se para sair, sentenciou:

— Morte... 

Fiquei totalmente congelado, paralisado, enquanto via Kaure atravessar a porta da cozinha com a expressão carregada, como se a conversa a tivesse envelhecido.

Minha cabeça começou a girar...

De três coisas eu estava convicto. Primeiro, meu filho sugava a vida de Bella. Segundo, havia uma parte dele — e eu não sabia que poder essa parte teria — que lutaria ferozmente contra a morte que lhe seria imposta. E terceiro, somente um dos que eu amava irrevogável e incondicionalmente sobreviveria no final.

— Edward... — a voz doce e singela de minha amada chamava-me de volta. — Vou escovar os dentes.

Rapidamente, fiquei de frente para ela, minhas mãos segurando-a nos ombros.

— Não se preocupe com o que ela disse, meu amor. — Eu tinha medo de que Bella tivesse entendido a última palavra, pois estudara espanhol na escola. — São apenas lendas, mentiras antigas que só servem para distrair. 

— Eu não entendi nada.

— Tudo bem... — desconversei, aliviado. — Guardei sua escova de dentes. Vou pegar para você.

— Vamos embora logo? — perguntou ela.

— Assim que você terminar.

Bella saiu do banheiro e eu guardei a escova outra vez.

— Vou levar as malas para o barco. — eu disse.

— Edward...

— Sim?

— Poderia... levar alguma comida? Sabe como é, para o caso de eu sentir fome novamente...

— Claro — eu disse, tentando manter a expressão suave. — Não se preocupe com nada. Vamos encontrar Carlisle daqui a algumas horas. Isso tudo vai acab...

Fui interrompido pelo toque agudo do celular.

— Que droga! Que droga! Número não identificado! Eu vou acabar com esse cachorro fedorento!

— Acalme-se, Edward... Deixe que eu falo com Jacob. — Ela estendeu as mãos.

— Não!

Tive a impressão de que ele já estava gritando quando atendi:

— Sanguessuga! O que está acontecendo? Se você tiver feito algum mal à Bella eu juro: vou até o fim do mundo, mas eu acho você, eu mato você!

Se meu plano desse errado, essa seria mesmo a melhor opção: eu me renderia e Jacob poderia fazer o serviço completo.

— Jacob — eu disse —, não será necessário procurar... Pode ficar tranqüilo: estamos voltando para casa.

Desliguei o telefone e o atirei em cima da cama.

Bella me olhou atônita, mas eu a ignorei. Desci as escadas com uma mala grande em cada mão e, em menos de meio segundo, eu já estava no barco ajeitando as coisas.

Foi então que eu ouvi um sussurro vindo de dentro da casa:

— Rosalie? — A voz de Bella.

Instintivamente, apalpei os bolsos. Meu celular ficara para trás. Mas o que Bella poderia querer com Rosalie, justo com... Rosalie?

Não precisei de muito tempo para descobrir:

— É Bella. Rosalie, por favor, você precisa me ajudar. Não deixe que eles tirem meu filho de mim. Não deixe...

Voei em direção à casa mesmo sabendo que já era tarde demais.

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

VALEU PESSOAL!!!!
ESPERO QUE TENHAM GOSTADO    LEIAM TAMBÉM: "Ilha de Esme-o início" http://fanfiction.nyah.com.br/viewstory.php?sid=64853   "Madrugada":  http://fanfiction.nyah.com.br/viewstory.php?sid=64807   Façam uma escritora feliz: COMENTEM POR FAVOR!!!!
Perfil no orkut: http://www.orkut.com.br/Main#Profile?rl=mp&uid=3706316756103144444 Comunidade no orkut: http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=99360742