Trinta e Uma Pétalas escrita por Pandora Imperatrix


Capítulo 9
Dia 9 - Dom de Fada




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Disclaimer: Sailor Moon é da titia Naoko.

Fic escrita para o Outubro VK! Dia 9. Tema: Contos de Fada.

Dom de Fada

"Na floresta há um monstro
Que se parece muito comigo
Irá alguém me ouvir cantando?
Por favor, salve-me, por favor, me resgate"

PJ Harvey – Who Will Love Me Now

– Era uma vez, há muito tempo atrás, num reino muito distante, um rei que foi castigado por uma fada com o dom de ser absolutamente teimoso...

A menininha fez uma careta.

– Mãe – disse ela com toda a gravidade de seu tom autoritário de criança de cinco anos de idade – você tem certeza que a estória é essa? Eu não acho que é isso que está escrito no livro.

Ela tentou alcançar o livro com seus bracinhos curtos e rechonchudos, mas a mãe habilmente afastou o enorme e bem ornado objeto das mãos da pequena.

– Você não confia em mim, filha dos meus olhos?

Ela revirou os orbes rosados.

– Não.

Venus arregalou os olhos e levou a mão ao peito afetadamente.

– Oh ingratidão! Oh vida! Oh céus! Enfia mesmo, minha filha, envia a faca no peito dessa mãe que te ama.

– Ai mãe... que drama! Eu só não acho que você esteja lendo a estória que eu pedi.

– Você já leu a estória pra saber? – afastando com facilidade o livro em uma segunda tentativa da criança de obtê-lo.

– Você sabe muito bem que eu ainda não aprendi a ler!

– Então você assume que não tem prova alguma das suas acusações?

– Eu não preciso de provas, eu conheço você.

– Bem, se é assim – ela fechou o livro fazendo sua melhor cara de coitada – se eu não agraço, posso sempre chamar o seu pai...

A criança desviou o olhar fazendo bico.

– Não... pode continuar.

Venus sorriu deliciada e voltou a se sentar. Ceres suspirou. Kunzite era péssimo contando estórias. Já os talentos da Líder das Senshi para o drama sempre tornava, as estórias mais vívidas e interessantes. E, para felicidade de mãe e exasperação de filha, ambas estavam bem cientes desses fatos.

– Tem certeza?

– Tenho, mãe. Anda logo!

– Ui, quanta pressa para quem é tão jovem e não teve problema algum em me interromper antes. Nunca ouviu que pressa é inimiga da perfeição?

– E a lerdeza da paciência.

– Mas é impressionante como a cada dia você fica mais parecida com o seu pai... – ela balançou a cabeça desoladamente – Deusa tenha piedade de mim! Sempre tem uma resposta pra tudo essa menina. Mas onde eu estava? Oh sim...

“Era uma vez, há muito tempo atrás, num reino muito distante, um rei que foi castigado por uma fada com o dom de ser absolutamente teimoso. Embora fosse um rei por eu próprio direito, ele cumpria um nobre dever de proteger um príncipe que guardava um grande poder envolto num segredo, mas eles não são o assunto de nossa estória. Um belo dia, uma fada, que não tinha nenhuma relação com a primeira chegou ao reino do príncipe e tentou ludibriar a todos, mas a teimosia do rei transformado em soldado de nossa estória, já tinha contaminado a todos na corte, então, enfurecida a fada malvada tentou destruir o reino com sua magia, mas antes espalhou mentiras horríveis de que o rei havia traído o príncipe e seus outros companheiros e para que todos acreditassem nela, a bruxa ainda invadiu as mentes do soldado e seus subordinados para que eles fizessem seu trabalho sujo.

Sendo assim, quando houve a grande batalha e o bem finalmente venceu o mal, o soldado acreditava que todos no reino achavam que ele era um traidor e, apesar de sua lealdade e teimosia, a guerra havia sido tão feia e os poderes da bruxa tão terríveis que ele não tinha certeza absoluta se essas coisas eram de fato mentira. Então, impossibilitado de voltar a seus lar por medo de ainda oferecer perigo a aqueles que amava e vergonha pelos atos cometidos durante a guerra, o soldado se exilou do reino.”

– Ele fugiu?

Venus ponderou por alguns segundos.

– Você pode dizer que sim, suponho.

– Ele não era muito corajoso então – disse a menina com uma nota de desdém.

– Ceres, meu amor, às vezes é preciso muito mais coragem para partir do que para ficar.

– Mas você disse que ele foi embora por medo.

– Sim, mas por medo de machucar as pessoas que ele amava e prometeu proteger, você não acha que ele também sentia medo de abandonar seu lar, tudo que ele conhecia?

Ela mordeu o beicinho rosado e não respondeu, Venus sorriu e se voltou para o livro.

“O príncipe, sentindo falta de seu guardião e amigo, mandou mensageiros, outros soldados e fez o possível e o impossível para tentar convencer o herói de nossa estória a voltar para casa. Mas nada surgiu efeito. E, embora a maldição da fada malvada já são surtisse efeito, o dom que concedia ao soldado sua inflexível teimosia continuava firme e forte. Sendo assim, certo de que estava fazendo o correto estando longe daqueles que amava, ele continuou afastado.

Mas, o que o príncipe não sabia, é que o soldado tinha uma amante secreta.

E ela, ouvindo o que tinha acontecido, decidiu sair numa jornada em busca de seu tolo amado. Aí,..”

– Não, mãe, ‘pera!

– O que foi?

– Você não disse quem ela era!

– Ué, mas eu não acabei de dizer que ela é a amante secreta do soldado.

– E ela é só isso? A namorada de um cara?

Venus riu.

– Não, ela estava longe de ser só isso. E eu estou muito feliz que você tenha perguntado. Na verdade, ela e o soldado tinham vidas bem parecidas. Ela também era de família nobre, uma princesa...

– Claro que ela era uma princesa – disse ela revirando os olhinhos oura vez, Venus se perguntava de quem ela havia pegado aquele hábito irritante – isso é um conto de fadas...

– Shhh!

“Ela era uma princesa, mas também tinha abandonado seu lar para proteger alguém importante. Os dois haviam se visto pela primeira e última vez no campo de batalha, em ocasiões diferentes. O povo da princesa que havia derrotado a fada malvada.”

– Mas se você disse que ele foi controlado pela fada então ele e a princesa eram inimigos?

– Sim... e não. Eles estiveram numa posição em que tiveram que lutar um contra o outro, mas não acho que isso os faça inimigos. Alguns relacionamentos podem ser bem complicados, minha filha, quando você crescer vai entender melhor.

– Você sempre diz isso.

– É porque eu sou muito esperta! Agora pare de me interromper.

“A princesa saiu então em busca dele. Ela cruzou desertos, mas os gênios eram traiçoeiros e cobravam caros por seus favores que raramente tinham o resultado esperado. Ela mergulhou no oceano mais profundo, mas as sereias são criaturas sem alma que não podiam compreender porque ela estava sacrificando o tempo de sua curta existência com uma busca por alguém que não queria ser encontrado. Ela chegou a perguntar para as salamandras que moravam no núcleo da Terra, nadando em rios de lava, mas essas criaturas viviam tão afastadas dos humanos que nem ao menos reconheceram a existência dela. Desolada, a princesa quase desistiu, mas então os espíritos do ar se compadeceram dela, secaram suas lágrimas e sussurraram em seu ouvido que um monstro encantado que morava numa montanha de vidro concederia um desejo a quem o derrotasse.

Com energia revigorada, ela partiu para a montanha de vidro, mas chegando lá, ela foi interceptada por uma esfinge e descobriu que teria que desvendar um enigma para passar pelas portas da montanha de vidro. O enigma era o seguinte:

Ninguém consegue me ver, mas muitos tentam me medir.
Aqueles que me possuem em abundância sãos os primeiros a me perder.
Enquanto os que sentem minha falta tem muito o que fazer.
Quem sou eu?

Venus abaixou o livro e olhou expectante para a garotinha que tinha o cenho franzido em frustração e então, depois de alguns momentos pensando ela abriu um enorme sorriso, satisfeita consigo mesma.

– Tempo!

– Exato! Muito bem!

“Assim como você, a princesa também era muito esperta e acertou o enigma e pôde entrar na montanha de vidro. Qual não foi a sua surpresa quando descobriu que o monstro que ela teria que derrotar não era ninguém senão seu amado.”

– Monstro? Como seria ele um monstro, mamãe? Ele tinha crescido garras e pelos? Seu rosto estava desfigurado?

– Não, ele tinha a mesma aparência que ela se lembrava. Era tão bonito quanto. Não é a aparência que faz de alguém um monstro, mas suas ações. Quando o soldado quebrou seu juramento sagrado e se escondeu naquela montanha de vidro, ele se tornou um monstro. Talvez ele até se visse no espelho como a criatura que você descreveu, mas a princesa o via com a mesma aparência de sempre, sabe por quê?

– Porque o amor é cego?

– Não. E quem te disse isso? O amor não é cego. Pelo menos o verdadeiro amor não é. O verdadeiro amor vê perfeitamente todas as perfeições e falhas. Não há nada que se possa esconder do amor, porque o amor é, acima de tudo, aceitação.

– Hmm, e o que aconteceu em seguida?

– Nossa, mas alguém agora está bastante interessada pra quem nem queria ouvir essa estória!

Mãe!

Ela riu e ajustou o livro sobre os joelhos.

“Ao rever seu amado, o coração da princesa se encheu de alegria e aflição. Porque ao mesmo tempo em que ela não poderia estar mais satisfeita em ver o amante depois de tanto tempo, ela também temia o que vinha a seguir. Ela não queria lutar com ele novamente, mas ela também não podia esquecer sua promessa de trazê-lo de volta.

Ele também não parecia muito interessado em lutar com ela e pelos dias seguintes, eles agiram como se os reinos distantes de que vieram não existiam, como se a guerra pela qual eles haviam lutado e morrido não houvesse acontecido, como se eles fossem apenas dois amantes, sem nenhuma outra preocupação além de passar a maior parte do tempo na presença do outro. Mas, como a charada da esfinge os havia avisado, o tempo passa rápido e é muito difícil de se detectar. Uma noite então, a princesa sonhou com seu antigo lar, com sua Senhora e suas irmãs e todas elas choravam de saudade, foi aí que então ela notou que já haviam se passado cinco primaveras desde que ela havia adentrado a montanha de vidro e ela soube que não tinha como fugir e que ela teria que derrotar seu monstro e trazê-lo e volta para casa. Ela não tinha ideia de como conseguiria fazer isso, já que “derrotar” que não queria causar nenhum mal a seu amado.

Mas, mesmo assim, ela decidiu que se era o que ela tinha que fazer, ela o faria.

Na manhã seguinte ela declarou a ele seus planos e perguntou se a parte em que ela teria que lutar com ele era realmente necessária. Então, ele finalmente contou para ela da fada que o havia enfeitiçado com o dom da teimosia – ela, que o conhecia muito bem, não se impressionou nada com a estória – e disse que não deixaria aquela montanha enquanto achasse que apresentava perigo para o Príncipe.

A princesa tentou discutir com ele, é claro, mas nenhum dos argumentos que ela apesentou era diferente dos que os irmãos do monstro haviam usado e ele se manteve irredutível. Então, sem alternativas, ela decidiu que o derrotaria e, como prêmio por sua vitória, desejaria que ele voltasse para casa.”

– Isso não parece muito legal da parte dela.

– Ela não estava se sentindo muito legal naquele momento. Você tem que entender que ele era um monstro muito, muito frustrante.

“E então eles duelaram, mas, talvez porque o monstro estava cansado de lutas sangnolentas e porque ele considerava sua teimosia uma arma mais forte que sua espada, o duelo entre os dois foi em usando palavras e a lâmina afiada de seus intelectos:

Eu sou o leão que corre pelas savanas e nenhuma presa é um desafio para mim, ele disse.

Eu sou a seca que afasta os rebanhos e mata o leão de fome, ela retrucou.

Eu sou a chuva que põe fim a estiagem e torna a terra fértil outra vez.

Eu ou a peste que propaga doença onde a terra é mais fértil, transformando vida em morte.

Eu sou a tecnologia que traz a cura e sabe como reverter os efeitos da peste.

Eu sou a ganância que usa a tecnologia para disseminar desespero.

Eu sou o prejuízo que exaure os recursos e engole a ganância.

Eu sou o sonho que mesmo no prejuízo se mantém vivo e trás promessas de um futuro promissor.

Eu sou a realidade, que interrompe qualquer sonho é mais arrasadora que qualquer seca e mais feroz que qualquer leão e mais egoísta que toda ganância. E você, princesa?

Eu sou o amor.

Ele não soube o que responder e ela finalmente teve um argumento que ele não pode rebater, ela disse:

Se você não me machucou esse tempo todo por amor, porque acha que vai oferecer perigo as outras pessoas que você ama?

E o soldado, não mais monstro, se viu derrotado, mas também salvo.

Os dois puderam voltar para casa onde descobriram que seus reinos haviam se unido como casamento dos monarcas que ele haviam jurado proteger. Todos ficaram muitos felizes com a volta dos dois e festejaram por muitos dias e noites, e assim eles foram felizes para sempre.

Fim”

Venus fechou o livro e colocou na mesa de cabeceira da menina.

– Gostou da estória?

– Sim – disse a menininha se ajeitando melhor para dormir, seus olhinhos já fechando – mesmo que você tenha inventado tudo e não lido uma página sequer do meu livro.

– Mas que menina! Está me acusando disso de novo!

– Mamãe, por favor, eu não vi você virar a página uma só vez.

Venus riu e terminou de cobrir a filha, tomando cuidado par que nenhuma parte dela além do rostinho ficasse de fora. Ela afastou os fios de cabelo rosado da testa da criança e depositou um beijo ali.

– Certo, você me pegou. É uma menina muito esperta. Boa noite, meu amor.

– Boa noite, mamãe.

Ela apagou as luzes e saiu do quarto, mas soltou uma exclamação surpresa quando trombou em alguém.

– Que susto! – disse ela sendo amparada pelo par de mãos fortes que ela conhecia muito bem. Venus bateu suas pestanas douradas e sorriu para o homem – veio dar boa noite a Ceres?

– Era minha intensão, sim, mas acho que ela já deve ter caído no sono. Sua estória foi bem longa.

– Oh! Você estava ouvindo?

– Foi uma estória muito boa.

– Obrigada.

– Mas...

– Mas?

– Você não deu uma resolução para o primeiro problema. Ao que me parece o soldado continuou tendo o dom da teimosia dado pela primeira fada.

– Oh – ele disse com um sorriso – mas pra sua teimosia não tem cura mesmo não.

E rindo ela prosseguiu pelo corredor, sabendo que dessa vez, era seu monstro quem estava indo em busca dela.

N/A: Como esse treco deu trabalho! Muito por eu mudar de ideia no meio da fic várias vezes. Essa foi, aliás, a terceira tentativa de concluir a estória. Eu começava, travava ano meio, descartava. Urgh, tão frustrante!

Mas acho que ficou apresentável.

O conto de fadas é uma mistura basicamente de Os Sete Corvos dos Grimm e A Bela e a Fera da Madame Leprince de Beaumont.


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