Dead Rose escrita por Bloody Rose


Capítulo 1
Capítulo Único.




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Submundos distintos, era só disso que tinha conhecimento. Os olhos azuis perdiam-se num horizonte sem fim, como se encará-lo por um determinado tempo fosse abrir uma porta que o levaria diretamente ao equivalente Meikai nórdico. Para ser sincero nunca foi capaz de entender esse tipo de divisão. Um tipo específico de inferno para cada crença? Ou estariam todos enganados e só estava dando a sorte – ou azar – de se desencontrar com quem na verdade esperava estar por ali? Devia mais agradecer por não ter sua alma selada pelos deuses como Shion uma vez tinha alertado ser possível, e não procurar mais motivos para lamentar sua morte se não ter partido – várias vezes – tão jovem. Vinte e três anos, poucas semanas de aproveitamento num lugar que sequer podia chamar de lar. Dias que não compensavam uma infância vazia ocupada pelo árduo treinamento para se tornar um cavaleiro de ouro, cavaleiro este que precisou perder a vida duas vezes para conquistar o respeito que nunca cobrou. Sabia que em vida tinha feito coisas horríveis a mando de quem tinha a maldade se apossando do seu coração. Foi cruel e orgulhoso, mas havia uma razão para sua armadura não tê-lo abandonado como fez com o único naquele Santuário que sempre esteve em seu lado. Diferente de Máscara da Morte, Afrodite ainda acreditava na justiça, apenas um conceito diferente daquele pregado por Saori e seus seguidores. Arrependia-se mais de não ter salvado Helena do que não ter se curvado aos pés de Atena. Mesmo que fosse uma deusa, para o sueco não passava de uma adolescente inexperiente e impulsiva. Maldosamente falando acreditava que seus peitos conseguiam ser maiores que sua capacidade cerebral. Para alguém com a alcunha de sábia, reencarnação daquela que nasceu da cabeça de Zeus – francamente, nem tão esperto assim, pois para ele esperteza era diferente de malandragem – tinha um conhecimento muito limitado e incapacidade de liderar. Enviar uma carta anunciando sua chegada ao santuário, na época seu inimigo, enfrentar um inverno rigoroso de vestido de alça, por favor! Não diria que era tola em sua totalidade, mas deixava muitos pontos a desejar em sua visão. Nem morto e revivido diversas vezes ou mostrando estar ao seu lado, apesar de tudo, mudaria sua opinião a seu respeito. Podia, sim, ser uma grande mulher que honraria o título da deusa cujo espírito carrega, no entanto, Saori Kido ainda era uma menina com muito a aprender.

- No que está pensando?

O carregado sotaque italiano não deixava dúvidas de quem estava ali, tornando dispensável virar-se para ver de quem se tratava. De toda forma, era sempre ele, os demais ainda pareciam temer se aproximar. Não que se importasse tanto, sua alma já se acostumara a isolar-se dos demais. Sorriu pequeno, apenas repuxando um dos cantos dos lábios num sorriso pela metade. Mais um pensamento para a sua coleção de divagações aleatórias que mudavam constantemente, tamanha era sua falta de foco.

- Em tudo e em nada.

- Você o conhecia, não conhecia?

Afrodite crispou os lábios e fechou os olhos quando o vento no Cocytos se intensificou, jogando os fios ondulados do cabelo azul para trás. Frio. Até chegar ali não sabia que uma alma podia sentir o mesmo que uma pessoa com vida. Sim, sempre desacreditou na dor que diziam sentir quando os espíritos alcançavam o fogo do inferno. Não era matéria, não era carne. Mas dava para sentir. Nunca entenderia nem procuraria correr atrás.

Esperaram pacientes até a ventania cessar. Tornou a abrir os olhos, encarando o horizonte nublado, ouvindo os gritos das almas que sofriam em outras prisões. Estava consideravelmente bem ali, sem estar mais desacordado enterrado até o pescoço em neve. Podia sair, Cérbero tinha sido derrotado recentemente. Tinha meios, mas não vontade de tornar-se uma alma penada vagando pelo mundo ou assombrando o próprio templo. Suas rosas não estariam lá. A Terra não teria graça, poderia ir a qualquer lugar e de que adiantaria? Não pertencia mais ao plano físico.

- Afrodite!

- Oh, perdão! – Olhou-o após a reprimenda, tendo se esquecido completamente da pergunta feita e inclusive de sua presença ali. Aliás, do que ele tinha falado mesmo?

Máscara da Morte o encarou com uma das sobrancelhas arqueadas em evidente deboche. Conhecia a lerdeza habitual do pisciano, sem significar que aprovava ou tinha paciência. Ou, melhor de tudo, se lembrava. O pisciano normalmente era quieto, mas apesar da constante cara de paisagem sabia que ele o escutava quando vinha relatar qualquer coisa, desabafar. E o bom de compartilhar segredos era que não tinha uma memória de elefante e uma língua afiada como a de Milo. Esquecia rápido.

- Perguntei se o conhecia.

- Ah, sim... Sim, eu o conhecia. – Balançou a cabeça em afirmação, desviando os olhos para o próprio braço que não sustentava mais a cicatriz discreta que quando vivo exibia. Ao contrário de Misty de Lagarto, conheceu a dor, soube o que eram marcas na pele, orgulhava-se disto! Parecia um ser absurdamente narcisista, focado em si próprio. Bobagem! Matou muitos, sim, mas também salvou vários. Tinha um grande apreço pela vida humana. A vida, ao seu ver, era muito bela. O homem quem estragava o bonito por natureza. Teve sangue de muito malfeitores em suas mãos, Saga gostava de mandá-lo para as missões mais sujas. Ele também não era de todo ruim, apenas extremista demais com quem saía da linha. Além daquela já conhecida sede por poder e desejo de tirar a vida de Atena para tomar seu posto. Com o italiano ao seu lado acabou com mafiosos de todos os lugares possíveis. Em missões solo detonava traficantes de tudo quanto é tipo, estupradores imundos, dando a chance de liberdade para quem já não tinha mais qualquer perspectiva de vida. Raramente fazia missões de reconhecimento, análise de perímetro ou qualquer outra coisa banal. A última, por ironia do destino, coincidia com o palco da última batalha. Foi em Asgard, sim, e não numa época muito boa. Pouco tempo antes dos cavaleiros de bronze invadirem as doze casas fora ele quem foi acusado de invasão. Hilda já estava possuída pelo anel demoníaco e o reino nórdico vivia uma ditadura parecida com a conhecida de quem vivia naquela região escondida na Grécia. Ferido por um ataque surpresa – covarde, pelas costas! – enquanto batalhava, foi nessa época que conheceu o médico que mais tarde tornou-se receptáculo de Loki. Ele era de fato gentil como o povo dizia ser, mesmo quando já influenciado por intenções malignas. Provavelmente iludido pelo falso deus, parecia realmente acreditar no que dizia e com o passar do tempo... Cada vez mais tomado pela possessão. Como quando com Shun. E assim como Ikki, ou pelo menos imaginava que tinha sido, decepcionou-se amargamente ao ver que tinha se tornado seu inimigo. Se Loki o tinha atraído até lá sabendo que ele tentaria de toda forma ajudar o canceriano a resgatar Helena, bem, não teve e nem mesmo teria oportunidade de perguntar.

- Sinto muito por você.

- Eu sinto por você, também.

- Já disse que é desnecessário seu arrependimento. – Máscara da Morte negou com a cabeça, sorrindo gentil. De uma forma que apenas o amigo e Helena sabiam que era capaz de sorrir. – Deu o seu melhor.

- Poderia ter feito mais.

- Foi o suficiente, Peixes. Olhe para você, foi rejeitado por todos e ainda os salvou. Particularmente, não faria o mesmo em seu lugar.

Ambos os rapazes riram. Afrodite sabia que ele não estava brincando apesar do tom bem humorado empregado na frase. Se ajudou Mu com Fafner foi apenas para vingar aquela que lhe ensinou que mesmo sendo quem era, podia amar.

- Teríamos sidos todos grandes.

- Nós já somos. E vão se lembrar de nós. Imagine só, daqui uns anos comentarão do cavaleiro mais charmoso do Santuário... E seu acompanhante que parece uma menina. – Brincou, mostrando a língua para o sueco, tendo que se abaixar pouco depois quando ele lhe atirou uma bola de neve. – Ruim! – E saiu rindo, indiretamente o desafiando a ir atrás.

Afrodite olhou naquela outra direção uma terceira vez, inspirando fundo. Queria sim que tudo fosse diferente. Que tivesse vivido e sido recebido de volta pelo povo que não sabia guardar rancor no coração, perdoado por aquilo que não fez por querer. Sobrevivendo ao inverno, vivendo longos anos – ou o máximo que a condição daquela terra permitia. Anos que nunca poderia contar. Era um ser inocente, puro. Gostaria de ter feito mais por quem um dia o ajudou, indo contra as ordens de uma superior que passava pelo mesmo problema que acabara de se livrar. Onde você está, seja lá onde for... Espero que tenha grama verde, um campo florido, a ilusão de um céu azul. Pessoas como você merecem ir para o paraíso, seja lá como vocês o chamam. Desejou de todo o coração que já não batia mais. Cortou o contato com a imaginada fronteira em que poderia vê-lo bem. E que Asgard continuasse a se lembrar dele como o médico e governante que lhes deu, mesmo que por pouco tempo, uma vida melhor e a oportunidade de ver o florescer e sentir na pele o brilho do sol. Que se apegassem aos momentos bons como ele sempre se recordaria daquele menino que enfaixava seu braço sem se importar se podia estar de frente com um possível inimigo.

Com um sorriso pela própria divagação, abaixou-se apanhando mais um punhado de neve e o arremessando longe, ouvindo Câncer reclamar.

- Quem é ruim agora?!


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Notas finais do capítulo

Eu realmente, REALMENTE não sei de onde veio essa ideia, mas eu gostei e espero que tenham gostado também. Se chegaram até o final da página, obrigada por terem lido. Até a próxima!