Já é escuro quando ele vem me visitar, por que será que não escolhe um horário mais cedo? Embora eu não vá ver seu rosto de qualquer jeito, nem ele o meu. Nós conversamos sobre o dia, ele me conta o que aconteceu, como estão os outros. O quanto eles se “preocupam”.

Mas é mentira.

Dr. Hills me disse que não se importa de verdade, assim como os outros. Estou sozinho agora, por causa de meu comportamento autoindulgente e meu egoísmo. Ninguém nunca me perdoará. Estão ocupados demais sendo babacas e ficando com raivinha de uma brincadeira. Não era pra ser assim. Eu não preciso de perdão. Chris me odeia, ele é um cuzão. Ele prefere Ashley em vez de mim. Ele deveria ter atirado nela ou me escolhido para ser salvo, mesmo que ninguém tenha morrido no final. Ele não se importa comigo. Dr. Hills, Hannah e Beth me disseram. Eles sempre estão certos.

A culpa me consome como se fossem correntes que me envolvessem e me dilacerassem pouco a pouco. O pensamento se dissolve dentro de mim gradualmente e me corrompe cada dia um pouco mais, me fazendo sufocar. Estou sendo dissolvido.

Era uma brincadeira. Brincadeira, brincadeira, brincadeira.

Meu rosto está deformado demais e eu posso assustá-lo em uma de suas visitas, por isso eu sempre estou de costas, e com uma mordaça que os enfermeiros malditos colocam em mim depois que terminam de brincar com os bisturis. Não entendo porque se divertem com aquilo. Cortes, cortes, sangue, mais cortes, um pouco de tripas, até que parecem comigo. Era só uma brincadeira. Por isso não estou bravo. Não sou um boboca como Chris, Ash e os outros.

— Josh? — diz o boboca, interrompendo meus pensamentos dilacerantes como se eu o tivesse dado a permissão. — Você está me ouvindo?

Chris é só mais uma dentre várias vozes que estão ao meu redor, só que ele é o único que mente pra mim. “É culpa sua”, “Nós morremos por sua causa”, “Morra logo”, “Vamos enganá-lo”. Ricocheteiam em meu cérebro, depois nas paredes e em meu cérebro novamente.

Eu afirmo com a cabeça. Pra cima, pra baixo. Pra cima, pra baixo. Um murmúrio sai da minha boca, mas eu não lembro de ter dado o comando.

— Então, eu e o Mike viemos aqui de manhã. Neste mesmo lugar.

Estou chateado, me contorço naquele banco quadricular no meio do meu quarto. Não me importo se Chris estranhará, não me importo se no mínimo ele olha para mim. Hannah está rindo da minha cara, ela debocha de como foi fácil me encontrar nas minas, da minha situação desesperadora. Ela fala que sou uma vergonha para a família. Vergonha para a família. Para Hannah e para Beth. Para os meus pais que falam comigo do mesmo jeito que Chris. Que fingem do mesmo jeito que Chris, na frente de mim. Entre nós uma mesa onde me algemam, como se eu fosse um presidiário.

— O-o que foi? Você não gostou?

— Mike, Mike, Mike. Mike te faz companhia, eu não. Chris não tá bravo com Mike, comigo sim… Manhã…

— Ah meu Deus, cara, eu já falei. Eu não estou bravo com você… Você é o meu melhor amigo, eu não te deixarei.

Ainda bem que eu não mudaria muito mais. Minha pele não parece esticada. Metade dos meus dentes estão normais. Eu não quero pular no boboca e arrancar a pele dele, como Hannah faria comigo. Porque eu não gosto dele, Chris não gosta de mim. Minha irmã sim, nós estaremos lado a lado para sempre.

— Eles me falaram que vão te soltar em breve…

Alan ri no momento em que ouve, repetindo para mim que “eu não preciso disso”. Porque assim que eu colocar os pés para fora da cela, Chris vai me trocar na primeira oportunidade, de novo. Mike vai me bater, descontar toda sua raiva injustamente e me acusar. Sam irá me humilhar, dizendo que eu preciso de ajudar e que choro por ela.

Mas eu não preciso de ajuda, e nunca fiz nada de mal. Era só uma piada. Alan continua me dizendo o contrário, que eles não eram mais meus amigos. Não, eles não eram meus amigos. Me deixaram sozinho com minhas irmãs, exatamente como há um ano. Eles sempre o fazem, te enganam, fingem gostar de você e logo depois lhe deixam.

As gargalhadas do Dr. Hill continuam a reverberar em minha cabeça e eu as imito, para mostrar a ele que eu concordo. Eu não preciso sair. Eu não quero sair. Lá fora só há desespero, dor e tortura. Minhas irmãs não estão lá, e sim aqui. Sim, eu sou seguro aqui.

— Cara, nós sentimos sua falta…

— Mentira, mentira, mentira.

— Não! Eu não poderia ser mais verdadeiro. Vai, eu sou o cacique, não lembra? Somos como irmãos…

— M-minhas únicas irmãs… Hannah, Beth… Mortas.

— Eu sinto muito por isso — a voz dele abaixa de tom, como se pensasse que eu acreditaria nisso por esse fato. — Mas ninguém pode mudar o que aconteceu no passado, Josh. E também não era culpa de ninguém.

Eu fico quieto. Não era possível. Alguém tinha que ter culpa. Assim que funcionava. Mas atualmente as correntes não dilaceravam Mike, Chris, Sam ou qualquer um dos outros. A mim e apenas a mim. Sim, eu sou o culpado. Porque eu sou um egoísta que não pude levantar um dedo para ajudar as minhas irmãs. Que se embebedou e estava lá, caído no balcão frio enquanto minha família precisava de mim. Mas eu resolvi ouvir? Não.

— Dr. Hill está certo… Ele está sempre certo. — murmuro para que Chris, e apenas ele, possa entender.

Eu sou um saco de merda ambulante egocêntrico. Fui eu que chamei todos para as montanhas de novo. E agora todos estavam com cicatrizes e direcionando olhares de ódio à minha imagem. De vingança. De agonia. Eram deles que esse sentimento de culpa vinha, Porque eram somente eles que me amaldiçoavam como um dia eu fiz com eles, com as minhas irmãs.

Afinal, eu, Joshua Washington, sou o único culpado confio nas minhas irmãs e em Alan. Eles são a chave para minha redenção.