Chapeuzinho Vermelho - A versão nunca contada escrita por Mitlestoe


Capítulo 1
Minha versão dos fatos - Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Hey!
Vi uma imagem que retratava essa ideia: a versão do Lobo Mau.
Espero que gostem, Boa leitura!



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Lá vem vindo, pela floresta adentro, bem sozinha... Levando vários doces para Marie... Quero dizer, Vovozinha...

Encosto-me ainda mais contra o tronco da árvore, na tentativa de não ser visto pela criança. Tão pura e inocente, não possui o menor medo ou sequer receio de mim:

— Lobinho! — exclama ela, divertida. Corre em minha direção, esticando a mão e tentando encostar em meu focinho.

Encaro-a, mas ela não parece perceber. Como alguém pode não temer minha visão? Ela é apenas uma garotinha... Mas seu jeito com certeza me lembra o de Marie, sempre dizendo que todos me aceitariam pelo o que eu sou. Nunca acreditei, exatamente em suas palavras, mas me trazia algum conforto.

— Sabe, lobinho, você é gigante! Mas parece ser gente boa – Diz, se sentando sobre sua capa vermelha — Ei, quer brincar comigo? '’Sim, senhorita. Grrr’’ — Ela tenta imitar o que acredito que seria minha fala — Que tal assim: você vai por um caminho, e eu pelo outro. Quem chegar primeiro ganha um doce!

Olho para seus olhinhos cor de café, e abaixo minha cabeça, em concordância. Como recusaria?

— Então vamos! Um, dois, três e já! — E sai em disparada, deixando um rastro em minha visão, um rastro de sua capa vermelha.

Atônito, começo a correr também. Mesmo ela saindo primeiro, eu chegarei primeiro, afinal, eu sou um lobo.

[...]

Chegando lá, encaro meu antigo abrigo contra John, o caçador.  Vagarosamente, caminho até a porta. Ouço um ruído, e poderia jurar que vi o reflexo de um rifle. Entro o mais cuidadosamente possível, não gostaria de assustar Marie. Mas acho que todo meu cuidado foi em vão, já que ela solta um grito alto o suficiente para que um veado corresse ao longe.

A porta se abre violentamente, e o caçador entra com tudo, apontando sua arma para mim.

— Então você voltou, besta infernal?! — Insulta, logo em seguida alternando seu olhar para Marie — A senhora pode sair, se não quiser ver a morte desse saco de pulgas.

Rosno baixinho, um som que vem do fundo de minha garganta e produz um reverbero alto. Pulo em direção ao caçador, pronto para matar. Mas Marie se joga na frente, fazendo com que minhas unhas e meus dentes se enterrem em seu tronco e pescoço. Vejo seu corpo desabar, inerte e sanguento. Fui... eu? Encaro minhas próprias patas, sujas com o sangue de Marie, e em minha boca sinto o gosto de metal que parece subir pela garganta. O cheiro me deixa tonto, talvez um pouco fora do controle, mas me forço a me ater ao agora.  Sinto um peso enorme na consciência e meu mundo parece desabar. Ela... morreu.

— HÁ, o Lobinho vai ficar sem doce, cheguei prime... — Ela encara a cena, assustada. Seus olhos param em mim, depois olham para sua querida Avó, no chão. Aos poucos, ela soma dois com dois, e parece-me que o resultado é, sem dúvidas e certeiro, quatro — O que aconteceu...? Lobinho? Foi você quem fez isso?

Seus olhos estão cheios de um sentimento de repugnância, algo que não deveria estar lá. O que mais me incomoda é o fato de eu não poder me explicar, não poder...dizer. Eu sinto tanto...

— E-eu não sei o que aconteceu — diz, decidida – Mas posso ver em seus olhos que você está arrependido.

— Não deixe ele fazer sua cabeça, menina. Não percebe que se trata de uma criatura inferior, sem nenhum sentimento? Ande, saia daqui. Eu o executarei, vai ficar tudo bem — Diz ele, de uma forma ameaçadora. Mira em mim, e puxa o gatilho. Fecho os olhos. Mas o tiro não chega, apenas o seu som e um grito fino e agudo. Abro os olhos. A garotinha no chão, um furo em seu peito. Não! Não, por favor, ela também não! Eu... como carregarei esse peso?

— Aí está, seu ser infernal! Como faz com que eu mate uma criança de apenas sete anos? — cospe John.

O encaro e vou até ele, me abaixando e aceitando minha derrota. Eu não conseguiria carregar isso... o peso de duas mortes, ambas por mim, mesmo que a da doce menininha não tenha sido causada diretamente.

Percebo seu olhar surpreso, como se não esperasse aquilo.

— Acha que se redimindo vou ter pena? Nunca. Sua morte vai ser lenta, espero que você sofra bastante — Exclama o caçador, com um olhar cínico.  Com uma pedra, bate em minha cabeça, fazendo com que eu perca a consciência.

[...]

Sinto que estou sendo balançado levemente, e abro meus olhos, para ver um chão em movimento, e a parte de trás das botas de couro do caçador. Olho para os lados, procurando me situar, porém a tonteira causada pelo movimento constante de chacoalho e a minha recém-adquirida consciência dificultam esse processo. Depois de um tempo percebo que estamos na floresta Norte, onde ficam a maioria dos rios e corredeiras.

Aí percebo. Esse é exatamente o meu destino: o fundo daquelas corredeiras. Penso em Marie e na garotinha... talvez as únicas que seriam capazes de compreender esse lado da história.

Sou jogado no chão como se não valesse um centavo. Tudo bem, nunca me preocupei com isso antes.

— Eles nunca irão saber a verdade, Lobo... Já até pensei no seu sobrenome: o que acha de ser lembrado, daqui para frente, como Lobo Mau? Cai muito bem para você, sua criatura imunda — Fala ele, chutando minha barriga e fazendo com que eu seja jogado longe — Eles nunca nem imaginariam, veja bem. Eu chego na aldeia, falo que você atacou cruelmente a criança e Marie, e, no final, saio como o herói que se livrou da besta. Não é perfeito? — Pergunta, com um brilho em seus olhos que beirava a insanidade. — Mas agora chega de conversa: preciso me livrar de você o mais rápido possível. Depois me livro do corpo delas...

Ele aponta sua arma, mas eu já fui para trás. Um erro meu: atrás de mim estão as corredeiras. Ele dá um passo para frente, e meu receio comanda minhas pernas mais rápido que minha mente: despenco em direção às pedras.  Olho para cima e encaro John... O que ele disse é verdade: daqui para frente todos se lembrarão de mim como o Lobo Mau, a besta infernal que matou duas mulheres, uma pequena e a outra idosa, sem o menor pingo de ressentimento... Eles nunca saberão que na verdade, o vilão da história é o caçador.

Sinto meu corpo afundar nas águas gélidas do rio, e me deixo levar pela correnteza, me permito descansar e aguardar minha morte. Não tem pra que lutar, afinal, você ainda me conhece como o Lobo Mau.




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Notas finais do capítulo

E aí? gostaram? Eu gostei de escrever essa One.
Até a próxima, pessoal o/
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REVISÃO: 1.03.2017 - 23:19



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