Greta escrita por Caroles


Capítulo 3
Capítulo dois: Qual é o seu maior medo?


Notas iniciais do capítulo

Enjoy!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/647559/chapter/3

Olivia, eu sei que o que aconteceu foi horrível, e todos nós sentimos muito, mas nós simplesmente... Simplesmente não podemos deixar de cumprir com as nossas obrigações. Wayne e eu vamos trabalhar amanhã, e você vai pra escola. - a voz de tia Helen era falha e cansada, quase um sussurro, e eu sabia que ela também estava triste por Greta. Morávamos com ela haviam dois anos, o que não é pouco. - Ei, eu trouxe o seu jantar.

Ela pegou alguma coisa de cima da minha escrivaninha.

– Obrigada. - eu me sentei em cima da cama, e senti cada um dos meus ossos se partirem. - Humm, está com uma cara ótima. - tentei parecer o mais interessada possível nas tiras de bacon, mesmo sabendo que não ia comer nada que estivesse ali.

– Erh, que bom que gostou. Agora eu preciso ir. Wayne e eu temos que caminhar. Até mais, querida.

Eu acenei com a mão e fiquei encarando o prato azul, com algumas estrelinhas brancas.

Era Domingo, e Greta havia nomeado Domingo como Dia Oficial da Pizza. Wayne e tia Helen sempre saiam pra caminhar no domingo à noite, e nós sempre usávamos o dinheiro do salário de Greta pra comer pizza. Tia Helen sempre foi um amor, mas definitivamente cozinha não era seu forte.

Naquele momento, eu senti saudade do dia oficial da pizza. Porque era o meu primeiro domingo sem pizza e sem Greta.

E fiquei me perguntando se as pessoas da escola já sabiam, e se eu conseguiria suportar os olhares de pena no corredor e na sala de aula.
E em Greta, fabulosa, com sua skinny preta e regata brilhante, arrancando olhares de satisfação por onde passava. Ela mal havia chegado e já tinha todas as atenções voltadas pra ela.
Lembrei de quando Greta humilhou Noah e Lou ao ouvir eles me chamarem de esquisita, e me disse pra não chorar por dois meninos sem pau. De quando nós duas andamos de mãos dadas no primeiro dia de aula, e todos acharam um arraso, mesmo que eu estivesse de cabeça baixa.
E de quando eu soube que nossos pais tinham morrido e ela segurou nos meus ombros e me deu um tapa forte no rosto, a mandíbula dura, os dentes cerrados.
"Você precisa parar de chorar, Olivia. Choro quer dizer fraqueza. Quer dizer que você não consegue sozinha, que tem que sucumbir às lágrimas." Eu solucei alto. "Shh, não chore. Você sabe que eu vou estar com você sempre, não sabe? Somos eu e você contra o mundo, Olivia Palito."

Olhei pro teto e respirei fundo, já sentindo as lágrimas descendo.

"Então como você pôde me abandonar desse jeito, Greta?"

🌊🌊🌊

Assim que eu desci da bicicleta, senti dezenas de pares de olhos sendo cravados em mim. E os desgraçados não faziam nenhuma questão de serem discretos.

Enquanto caminhava em direção à porta, agarrando a alça da mochila tão forte que meus dedos estavam (mais) brancos, eu podia escutar os comentários. "Greta, o nome dela era Greta", "então é verdade", "eu pensei que eles estivessem só zoando, cara", "Ai meu Deus, que horrível!", "E ela ainda consegue vir pra escola? Coitada, gente".
Então era isso. Eu havia virado uma coitada. Mais coitada do que eu sempre havia sido.
Eu acho que a compaixão é um sentimento muito bonito, mas a pena não. Porque quando você se compadece, você vai lá e ajuda. Mas quando sente pena, você vira um babaca que nunca sabe falar baixo o suficiente e só sabe dizer duas coisas: que pena, coitada.

Escutei mais algumas palavras nojentas e fui pra sala de aula, porque a primeira aula era francês e a situação estava tão crítica que a cara da Madame Anneliese era mais interessante que o corredor. Mas antes disso passei no meu armário pra pegar o caderno.

– Senhorita Van Sycle, minhas condolências. - o diretor Mutsensberger apareceu atrás de mim, e eu tive que fingir que ele não me matou do coração chegando assim por trás. Minha cara deve ter se moldado num formato de ponto de interrogação gigante, porque ele fez questão de explicar: - Greta.

– Ah, claro. Obrigada, senhor Mutsensberger. - eu estava me virando pra ir embora, quando ele pigarreou.

– Sei que o que eu vou te pedir não é fácil, mas nós...nós precisamos esvaziar o armário que pertencia a Greta. E eu acho que é melhor que a senhorita o faça. Certo?

– Tudo bem. - eu respondi, seca.

– Peço desculpas pela insensibilidade, mas não sou eu que estou mandando isso, é a escola. - ele disse, antes de se virar e ir para sua sala.

E eu parti para a minha, segurando o caderno com as mãos trêmulas e o coração palpitante.
Me sentei na última carteira, mesmo sabendo que isso não ia adiantar de nada. Coloquei a cabeça em cima do caderno e fiquei olhando pros ponteiros do relógio até dormir.

🌊🌊🌊

Só fui acordada na última aula, de filosofia, o que me deixou bastante irritada. Era um daqueles professores malucos que querem que os alunos participem. Esse tipo está em extinção, mas infelizmente ainda convive junto com os professores normais.

– Olá, primeiro ano. Como vocês estão?

A turma respondeu aquele beeeem completamente infantil, mas eu me neguei a participar daquela palhaçada.

– Eu estarei substituindo a professora de vocês, que teve um filho recentemente e está no hospital. Então...eu vou estar distribuindo algumas folhas brancas, e depois que todos receberem eu digo o que fazer com elas.

"Com essa cara de idiota", pensei, "é bem capaz de ele pedir pra a gente fazer uns cartões pra animar a gorda."

Alguém me cutucou (porque eu estava quase dormindo de novo, já que a voz do cara não era exatamente animadora) e ia colocar uma folha na minha mesa, mas acabou deixando o pacote pesado cair na minha cabeça.
Eu não sabia o que fazer, porque em um momento eu estava quieta e no outro a pena tinha ido embora, já que todos estavam rindo de mim.

– Mas que porcaria. - resmunguei, baixinho, enquanto esfregava o polegar no meu futuro galo.

– Por que é que vocês não arranjam alguma coisa mais engraçada pra rir? Como por exemplo, a minha caneta vermelha desenhando círculos ovais nos seus boletins? - a turma se calou. - Tudo bem. Quero que vocês coloquem aí o que mais os assusta. Pode ser um momento, uma pessoa, uma situação. Só coloquem seus medos no papel.

Alguém levantou a mão.

– E as outras pessoas vão poder ver?

– É claro que não. A propósito, eu sou o Adam.

Eu puxei a caneta azul brilhante do estojo, a minha preferida, mas assim que a encostei no papel, recuei.

Qual era o meu maior medo?

Nunca fui do tipo que tem medo do escuro ou de aranhas.

"O mar", pensei, mas eu não sentia medo do mar. Era mais como um respeito. Eu sabia o quanto ele era poderoso.

Não sabia o que colocar, então fiquei desenhando pequenas ondinhas na margem, até que a folha ficasse totalmente preenchida.

– Tempo, colegas pensadores. Podem entregar as folhas.

Todos foram passando os papéis, até que só sobrou eu, e eu simplesmente não podia entregar ondinhas.

Eu não precisei pensar muito, porque acho que eu já sabia o tempo todo que esse era o meu maior pavor.
Então destampei a caneta e escrevi, em letras grandes e tortas:

GRETA

🌊🌊🌊

Já passava de sete da noite quando a campainha tocou, e nós não tínhamos ideia de quem poderia ser. Porque não tínhamos amigos.

– Olivia, pode atender a porta, por favor? Eu já estou de pijama. - tia Helen gritou, lá de cima.

O que não fazia sentido nenhum, porque eu também estava. Então eu subi, vesti um roupão, calcei minhas botas de ficar em casa e fui até a porta.

– Perdão pela grosseria, mas o que é que o senhor está fazendo aqui? - cuspi, ao dar de cara com o professor de filosofia na porta da minha casa.

– Eu posso entrar? - ele perguntou, educadamente, e eu abri mais a porta. - Senta aí. Fica a vontade.

Então eu me sentei do sofá-de-dormir e ele se sentou no sofá-de-conversar, que era duro e desconfortável. Sempre que eu, Wayne, tia Helen e Greta precisávamos conversar, nós conversávamos nesse sofá. Mas Greta gostava de conversar comigo no sofá-de-dormir, porque dizia que era mais chorável e aconchegante.

Eu tirei o roupão, porque o pijama não era indecente. Era só uma regata branca e uma calça estampada de unicórnios coloridos.

– Você está magra. - ele comentou, assustado.

– Eu sei - respondi, enquanto roía a unha do polegar. - Veio aqui pra compartilhar essa opinião comigo?

– Olivia, esse é o motivo de eu ter vindo até aqui. - ele ergueu uma folha de papel e me entregou. Logo eu a reconheci como meu trabalho. - Sabe, Olivia, muitos alunos desenharam tubarões, cobras, tigres e até mesmo balanças. E hoje a tarde, enquanto eu estava corrigindo os trabalhos, eu me deparei com isso. - ele apontou o papel que estava na minha mão.

– Eu vou ter que fazer outro?- perguntei.

– Não se conseguir me explicar esse. O que é "Greta"?

Eu ri. O que era Greta? Nem eu poderia responder. Greta era a tristeza embutida na alegria, a lágrima escondida atrás de dez sorrisos, a gota de arsênico no bolo de aniversário. Mas eu não podia responder isso, então disse uma das coisas que ela era:

– Minha irmã. - eu ainda podia chamar ela assim? Quando uma pessoa morre, ela deixa de ser o que era antes?

– E por que você tem medo dela? Ela te fez algum mal? - ele perguntou, olhando nos meus olhos. Mas eu não ia ceder.

– Ela foi embora há pouco tempo. - encarei a mesinha de centro.

– E quando volta?

– Ela não vai voltar. - respondi, os dentes cerrados.

– Como pode ter tanta certeza? - ele perguntou, interessado.

– Ela não vai voltar - repeti, angustiada. - E nem o senhor. Gostaria de pedir pra que não viesse mais a minha casa.

– Eu normalmente não visito meus alunos, mas o seu trabalho me deixou muito intrigado. Não consegui esperar uma semana pra entendê-lo, então pedi ao meu filho pra dirigir até aqui. - eu assenti, indo até a porta e a abrindo.

– Até semana que vem, senhor...?

– Harbish. Mas você pode me chamar de Adam. - ele sorriu, mas eu não sorri de volta. Conhecia aquele sobrenome de algum lugar.

– Então semana que vem, Ad... - comecei, mas fui interrompida por um berro.

Vinha do lado de fora, do Mustang vermelho que eu concluí ser do professor.

– Pai! Pai, já são quase oito e meia. - o garoto gritou.

– Foi bom conversar com você, Olivia. Eu espero que você me deixe entender não apenas o seu trabalho como a sua personalidade. Parece ser uma pessoa muito interessante.

Dei um sorriso amarelo, como se dissesse "você pode ir agora".

Ele fez sinal para que o filho viesse pra mais perto com o carro, e nesse momento eu quis morrer.

Ele arregalou os olhos ao me ver, e depois sorriu.

– Engraçado - ele disse, coçando o queixo em sinal de deboche - que você me lembra muito uma amiga minha. Ela se chama Maxinne.

Não respondi.

– Você está estonteante, com o pijama, os cavalos coloridos e tudo mais, Max.

– O nome dela é Olivia, Gabriel, e você deveria ter um pouco mais de respeito. Perdão por isso, Olivia.

Ele resmungou alguma coisa pro Gabe, e depois deu um beliscão no ombro dele. Escutei um "Ouch!", e depois Gabe arrancou com o carro.

"Que ótimo", pensei. "Agora ele sabe meu nome, meu endereço e que eu curto unicórnios".


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Deixem uma opinião.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Greta" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.