Pinturas, Doctor Who e Legiã Urbana escrita por Sitta


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Realmente espero que gostem, era pra isso ser só uma redação de escola e eu comecei a escrever ela sem animo nenhum, mas cada vez mais eu fui gostando do que saia e acabou que esse tenha sido talvez o meu melhor texto.
De qualquer forma ...
Divirtam-se



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Minha casa e a sua estão ligadas por estrelas tingidas de sangue pintadas pela própria Morte.

Eis aí a maior pintora de todos os tempos, a única capaz de ter o retrato de cada um de nós com a maior perfeição que jamais existiu. É também a mais e sádica e irônica, voltando talvez nossas maiores alegrias contra aqueles que amamos, ou então a maior alegria dos que amamos contra nós.

Mas ninguém nunca espera a própria pintura chegar, muito menos a pintura daqueles que são próximos de nós.

No entanto... Cá estou eu, jogada na tua cama, olhando seu pôster da T.A.R.D.I.S. enquanto ouço seus áudios no Whatsapp, e mais do que nunca eu gostaria de ser uma senhora do tempo, e talvez assim pudesse voltar no tempo e reescrever nossa história; ter te colocado o cinto ou não ter te deixado sair ou entrar no carro contigo ou simplesmente não ter brigado com você.

Só que é tarde demais, e a Morte já te pintou, com pinceladas rápidas e simples, as mesmas que ela usa sempre em tantos outros quadros tão parecidos com o seu, quando não iguais. Mas cada detalhe, cada traço, cada pelo do pincel negro encostando na tela branca foi como uma eternidade para mim... Uma tortura magnífica tão digna de ser chamada de obra de arte quanto o seu quadro recém pintado.

Contarei como foi...

Eu estava no bar, aquele que eu sempre ia quando a gente brigava, bebendo tanto quanto eu sempre fazia quando estava irritada. Não que eu estivesse realmente brava pelo motivo inicial da briga, mas eu estava com raivo pelo simples fato de você estar certo... De novo.

Você sempre estava certo.

E então meu telefone tocou, e eu li o seu nome na tela, e atendi com raiva te xingando antes mesmo que você tivesse alguma chance de dizer "alô" ou qualquer outra coisa.

Mas não era você.

E isso me assustou,

A voz desconhecida dizia alguma coisa, mas eu não entendia praticamente nada, só de saber que alguém ligava do seu telefone as engrenagens começavam a rodar na minha cabeça e eu sabia que algo estava errado, e algumas palavras vagavam na minha frente enquanto as mesmas saiam do alto-falante do celular, "acidente", "hospital", "reconhecimento".

E então eu desliguei o telefone. Não lembro como, mas um taxi parou na minha frente, e meu coração entrou molemente dentro carro. Não recordo de ter dito uma palavra sequer, mas mesmo assim paramos na frente do hospital.

Enquanto eu entrava no recinto branco e estéril, cenas dos filmes de romance que nós assistíamos para criticar surgiam na minha mente junto com as suas risadas quando eu dizia que o fim era sempre o mesmo.

O fim é sempre o mesmo

Eu parei em um balcão, ciente da mulher na minha frente sentada olhando pro meu rosto (por mais que eu não olhasse pro rosto dela, eu não olhava para lugar nenhum e ao mesmo tempo olhava pra você).

"Disseram pelo telefone que meu namorado sofreu um acidente de carro e que eu deveria fazer o reconhecimento do corpo" foi o que eu disse, no entanto não acreditava que estava dizendo.

"Qual o nome do paciente?", ela perguntou e eu fui obrigada a responder, e dizer o seu nome... Foi tão doloroso.

E então a mulher saiu de atrás do balcão e me guiou pra um elevador impreguinado de dois perfumes que faziam uma combinação horrenda. O cheiro insuportável de metal, e o seu perfume, que eu havia decorado das tantas vezes que ficamos abraçados.

E então as portas do elevador se abriram em uma sala cheia de quadros, mas nenhum deles realmente me impressionou, porque a sua pintura estava lá, com todas as suas cores e ausências de cores.

Você estava lá, esticado demais, pálido demais, parado demais... Morto demais

Morto... Demais.

Eu te chamei, gritei pra que acordasse, para que parasse com brincadeiras bobas, te chacoalhei na esperança que você acordasse desse sono sem sonhos, mas você não levantou.

Não levantou nem naquela hora.

Nem no dia do seu enterro.

Nem nunca mais.

E também nunca mais pude ver seu sorriso, aquele lindo sorriso que você dava quando eu voltava pra casa bêbada e assumia que estava errada te chamando de idiota, nem aquele sorriso sonolento de quando acordávamos juntos de manha depois de longas noites, nem o seu sorriso tímido, nem nenhum dos seus outros sorrisos

E a enfermeira me contou como sua tela foi pintada, tão irônica e tão sádica quanto sempre.

Você estava no seu opala antigo, provavelmente distraído com alguma coisa, ela disse, quando veio o caminhão, que você desviou, e depois a árvore, que não desviou de você, e então o carro bateu, e você não usava o cinto, e Newton continuava certo em dizer que corpos em movimento permanecem em movimento.

Seu peito bateu no volante.

E tudo que havia dentro dele se foi

E nesse momento eu odiei o Legião Urbana, por preverem seu futuro tão magnificamente bem por mais que você não tivesse mais dezesseis anos. E também odiei a Morte por ter te pintado tão parecido com a música que nos apresentou.

Flash's do dia em que eu andava pelo parque cantarolando "Dezesseis" distraída quando você (um estranho na época) surgiu do nada e acompanhou a canção comigo, começou a puxar conversa e me conquistou em todos os sentidos possíveis.

Eu me lembro de ajoelhar ao lado daquilo que um dia foi você e chorar, mas não lembro e ter voltado pra casa. Talvez tenha sido você (onde quer que esteja) que me carregou até a cama, assim como meu pai fazia quando eu dormia no sofá durante a infância.

E agora eu moro na sua casa, pra me lembrar do seu cheiro, seu jeito, sua voz, seu rosto, com muito medo de me esquecer de qualquer detalhe, esperando a Morte pintar meu próprio retrato.

Mas sem você

Eu sinto como se ele já tivesse sido pintado


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Notas finais do capítulo

O que acharam??



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